É sabido que o padrão de apego construído nas primeiras relações afetivas da infância tende a se manter nas demais relações estabelecidas ao longo da vida (Bowlby, 1989; Klaus, Kennel & Klaus, 2000). Dessa forma, sustenta-se que a continuidade do padrão relacional, mediada pelo desenvolvimento de modelos de apego, tende a guiar as interações sociais e o estabelecimento de relacionamentos futuros (Bowlby, 1989).
Conforme Bowlby (1969, 2009), o apego primário é um tipo de vínculo social estabelecido na relação entre a criança e seu cuidador principal, o qual pode ser observado por meio de comportamentos (chorar, fazer contato visual, tocar e agarrar-se) que possibilitam manter proximidade entre eles. Este pode ser classificado em três categorias, segundo Ainsworth, Blehar, Waters e Wall (1978) : seguro, inseguro evitativo e inseguro ansioso-ambivalente. A criança com apego seguro percebe a figura do cuidador como disponível e responsiva, isto é, a considera como alguém que responde de forma adequada às suas necessidades (Scheeren, Delatorre, Neumann & Wagner, 2015). Já a criança com apego inseguro evitativo, percebe que em situações de estresse, o cuidador não estará disponível emocionalmente, o que o leva a evitar o contato com ele (Irish & Cassidy, 1997). Por fim, a criança com apego inseguro ansioso-ambivalente percebe que diante das situ-ações-problema, o cuidado e a responsividade do cuidador é inconsistente, ou seja, ela não sabe se poderá contar com o suporte necessário, pois seu cuidador não está claramente disponível (Sroufe, Egelend, Carlson & Collins, 2005).
O modo como se configuram as primeiras relações tende a funcionar como filtros utilizados para criar expectativas que influenciam nas escolhas pessoais, ações e relacionamentos que venham a se estabelecer em diversos contextos, como familiar, conjugal, profissional ou social (Montoro, 2004), com vistas a suprir as necessidades básicas de proteção. Attili (2006) , p. 56, afirma que:
Os adultos, da mesma forma que as crianças, têm necessidade de que alguém não os perca de vista, cuide deles quando estão doentes, conforte-os quando estão abatidos, acalme-os na aflição e os aqueça a noite. Isso vale tanto para homens quanto para mulheres.
A repetição do padrão relacional estabelecido na infância nos demais relacionamentos tem sido atribuída ao que foi conceituado como modelo interno de trabalho (internal working model;Bowlby, 1980). Tal modelo é constituído pelas representações mentais e expectativas sobre o ambiente e as figuras de apego, além das estruturas cognitivas que orientam as interações ao longo da infância e das regras que são internalizadas (Ainsworth, 1989; Bartholomew, 1990; Pietromonaco & Barrett 2000). Contudo, mesmo que o padrão de apego primário se mantenha ativo, tendendo a se atualizar e repetir ao longo da vida (Bowlby, 1989; Furman, Simon, Shaffer & Bouchey, 2002), mudanças são esperadas uma vez que relações subsequentes podem atuar sobre esses modelos internos, alterando a visão do indivíduo sobre si e os outros (Bowlby, 1989; Fraley, 2002; Moreira, Martins, Gouveia & Canavarro, 2015; Pietromonaco & Barrett, 2000). Nesse sentido, faz-se relevante estudar as relações conjugais.
Ao investigar se a capacidade de amar e ser amado está relacionada com os vínculos de apego construídos quando criança, Lima (2010) apontou que a escolha do cônjuge ocorre a partir das influências dos padrões de apego, isto é, projeta-se no outro o que desde criança serviu como um modelo de identificação. De forma semelhante, Crowell, Treboux & Waters (2002) , a partir de uma pesquisa com casais americanos e hispânicos, utilizando uma experiência de resolução de problemas e uma escala para classificação de apego, constataram que os adultos com padrão de apego seguro apresentaram as mesmas categorias de comportamento que usariam na infância com suas figuras de apego primárias para a resolução de problemas com seu parceiro.
Para além da repetição dos padrões de apego primário nas relações, também há evidências de sua associação com a satisfação conjugal (Mos-mann, Wagner & Féres-Carneiro, 2006). Definir uma relação conjugal satisfatória tem sido complexo, devido à pluralidade de conceituações disponíveis na literatura nacional e internacional (Mosmann et al., 2006; Rosado & Wagner, 2015; Scorsolini-Comin & Santos, 2011). Portanto, neste estudo optou-se por utilizar o conceito de ajustamento diádico, definido a partir da comparação entre expectativas sobre a relação e seus resultados, que se refletem em um processo avaliado por meio da comunicação, felicidade, integração e satisfação (Spainer, 1976).
Pesquisas têm evidenciado que adultos com apego seguro tendem a sentir-se menos ameaçados em discussões com o parceiro, apresentam menor incidência de conflitos e maior uso de negociação, quando comparados a adultos com apego inseguro (Salvatore et al., 2011; Pistole & Arricale, 2003; Scheeren et al., 2015). Montoro (2004) constatou que adultos com apego seguro tendem a ter mais equilíbrio entre proximidade e autonomia nas relações conjugais, maior facilidade e desejo de intimidade, pouca preocupação com o abandono, relações mais duradouras, boa impressão do outro e boa autoestima. Por outro lado, adultos com padrão de apego inseguro evitativo apresentam medo e desconforto com a intimidade, dão pouca atenção às experiências e necessidades do parceiro, além de expressarem necessidade de manter distância, mostrando-se mais inclinados a usar estilos negativos na resolução de conflitos (Bogda & Sendil, 2012; Fisher & Crandell, 2001). Já os adultos com apego inseguro ansioso-ambivalente, tendem a ter preocupação com a falta de proximidade, medo de rejeição e desejo constante de união. A intimidade tende a prevalecer sobre a autonomia, havendo ciúme extremo e submissão para ser aceito. Eles apresentam comumente autoconceito negativo e tendem a reagir com emoções exageradas em situação de ameaça, devido ao medo de perder o parceiro (Wang, King & Debernardi, 2012), expressando e experimentando sentimentos intensos de mágoa durante os conflitos (Overall, Girme, Lemay & Hammond, 2014).
Apesar destas constatações, Hazan & Shaver (1987) indicaram que os indivíduos se utilizam dos modelos representacionais de si, mas também dos outros, para orientar suas relações amorosas, buscando explicar as diferenças individuais emocionais, comportamentais, cognitivas e de expectativas sobre tais relações. Collins & Read (1990) estudaram os espaços compartilhados e individuais existentes entre os membros do casal (capacidade de compartilhar, habilidade individual e conjunta de desejar, disposição da necessidade de dependência entre os membros do casal, intensidade ou ausência da procura pelo reconhecimento do outro e características do apego que o casal cria conjuntamente) e constataram que o apego desenvolvido entre o casal pode funcionar como uma base segura, mesmo que os padrões de apego primário sejam inseguros, implicando em maior satisfação conjugal.
Frente ao exposto, diversos pesquisadores têm defendido a necessidade de novas pesquisas que visem uma melhor compreensão do desenvolvimento e construção das relações de apego ao longo da vida (Bretherton & Munhollan, 2008; Dalben & Dell'Aglio, 2005; Fraley, Waller & Brennan, 2000). Além disso, destaca-se a importância da temática no âmbito da clínica psicológica com casais, uma vez que saber entender a repercussão que os padrões de apego primário têm sobre cada um dos cônjuges, pode auxiliar no manejo da dinâmica relacional, contribuindo para o estabelecimento de um padrão de apego que possa prover segurança para suprir as carências de um apego primário inseguro evitativo ou inseguro ansioso-ambivalente (Orbach, 2007), o que tende a favorecer o ajustamento conjugal. Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi investigar a relação entre o padrão de apego primário e o padrão de apego estabelecido entre o casal, bem como a influência destes no ajustamento conjugal. Como objetivos específicos buscou-se examinar as relações de apego primário de ambos os cônjuges, a relação entre o apego primário e o apego que se estabelece na relação conjugal, a relação do apego estabelecido entre o casal e a satisfação conjugal, e se há diferença entre homens e mulheres quanto ao padrão de apego estabelecido na relação e no ajustamento conjugal.
Método
Delineamiento
Trata-se de um estudo com delineamento transversal e comparativo, de abordagem quantitativa (Sampieri, Collado & Lucio, 2013).
Participantes
Participaram do estudo 100 casais heterossexuais, com idade mínima de 18 anos, que estavam casados a pelo menos 1 ano, totalizando 200 participantes. A amostra foi acessada por conveniência, seguindo-se um efeito bola de neve, e foi estimada de acordo com os critérios propostos por Hair, Black, Babin, Andreson & Thatam (2009) , os quais consideram que o tamanho desejável da amostra compreenda de 15 a 20 sujeitos em cada grupo para cada variável independente considerada.
A idade média dos participantes do sexo masculino foi de 34,71 (sd = 10,0) e do sexo feminino de 32,20 anos (sd = 10,1). Quanto à escolaridade, houve variação entre ensino fundamental incompleto (6,1 %), ensino fundamental completo (2,6 %), ensino médio incompleto (1,5 %), ensino médio completo (16,3 %), ensino superior incompleto (43,4 %) e ensino superior completo (30,1 %). O tempo médio de relacionamento foi de 11 anos (SD = 9,0). Referente ao estado civil, 33% namoravam e 67 % eram casados ou moravam juntos. Com relação a presença de filhos, 65 % dos casais não os possuíam e os demais tinham filhos com até 5 anos (11 %), de 5 a 10 anos (5 %) e acima de 10 anos (19 %). Testes de associação entre as variáveis sociodemográficas mostraram que apenas a escolaridade diferiu significativamente em relação ao sexo (p < 0,002), indicando que as mulheres apresentavam níveis de escolaridade mais elevados que os homens.
Instrumentos
Ficha de Contato Inicial: desenvolvida pelas pesquisadoras para assegurar os critérios de inclusão da amostra (idade e tempo de relacionamento) e caracterizar os participantes quanto ao sexo, escolaridade e presença de filhos.
Questionário de Vinculação ao Pai e à Mãe (QVFM) (versão revista de Matos & Costa, 2001): avalia as representações de vinculação com as figuras parentais em adultos, baseada nas contribuições de Bowlby (1969) , 1973, 1980, Ainsworth (1982, 1989, 1991; Ainsworth & Bowlby, 1991) e Bartholomew (1990; Bartholomew & Horowitz, 1991). O instrumento é composto por 30 itens avaliados através de uma escala do tipo Likert de 6 pontos (discordo totalmente a concordo totalmente), que avaliam a relação estabelecida com o pai e com a mãe, os quais são divididos em 3 subescalas, cada uma com 10 itens: inibição da exploração e da individualidade (avalia a percepção das limitações à expressão da individualidade e aos comportamentos exploratórios); qualidade do laço emocional (avalia a importância das figuras parentais como figuras de apego); e ansiedade de separação e dependência (avalia acerca das separações da figura de apego). Os dados obtidos nas três dimensões resultam em uma categoria final que indica um padrão de apego seguro (modelo positivo de si e dos outros, tendendo a ter relações de intimidade); desinvestido (modelo negativo dos outros, evitando relações afetivas e de intimidade); preocupado (modelo positivo dos outros e negativo de si, buscando constantemente a aceitação e aprovação dos outros); e amedrontado (modelo negativo de si e dos outros, caracterizado por uma reduzida autonomia e elevada dependência emocional). As propriedades psicométricas do questionário têm sido satisfatórias (Cordeiro, 2012; Gouveia, 2013; Matos, Barbosa, Almeida & Costa, 1999). A subescala de inibição de exploração e atividade apresentou alfas de Cronbach que variaram de 0,85 a 0,95 para o pai e 0,85 a 0,93 para a mãe; a subescala de qualidade do laço emocional, apresentou alfas de 0,84 a 0,95 para o pai e 0,81 a 0,90 para a mãe, e, por fim, a subescala de ansiedade de separação e dependência, assumiu alfas de 0,80 a 0,87 para o pai e 0,76 a 0,85 para a mãe.
Questionário de Experiência em Relações Próximas (ERF) [tradução portuguesa de Moreira et al. (2015) , da Experiences in Close Relationships Scale de Brennan, Clark & Shaver (1998) ]: o instrumento é composto por 36 perguntas divididas em duas subescalas, preocupação e evitação, para as quais os participantes indicam a forma como vivem a relação com seu parceiro/a, a partir de uma escala do tipo Likert de 3 pontos (discordo fortemente; neutro/misto; concordo fortemente). A subescala da preocupação contém 18 itens que se referem ao quanto o indivíduo se preocupa com o parceiro e com o relacionamento, bem como quanto ele necessita da proximidade física e emocional. A subescala evitação também contém 18 itens que abrangem o receio que o indivíduo tem da proximidade e da intimidade, a dependência, bem como a sensação de não poder confiar no outro quando necessário. As duas subescalas apresentaram índices satisfatórios de consistência interna (preocupação a = 0,91; evitação a = 0,92), o que indica boa qualidade psicométrica. Destaca-se que este instrumento tem sido um dos mais utilizados para avaliação de apego adulto (Natividade & Shiramizu, 2015).
Escala de Ajustamento Diádico Revista (ead-r) [desenvolvida a partir da Dyadic Adjustment Scale (Spanier, 1976), adaptada da Escala de Ajustamento Diádico, desenvolvida por Busby, Christensen, Crane e Larson (1995) e traduzida por Hollist et al. (2012) ]: a escala é composta por 14 itens, dividida em 3 subescalas: consenso, satisfação e coesão, que avaliam o ajustamento diádico. O consenso é composto por 3 dimensões (tomada de decisões, valores e afeto), a satisfação é constituída por duas dimensões (estabilidade e conflito), assim como a coesão (atividades e discussão). Considera-se que quanto maiores os escores nas subescalas, melhor a avaliação da qualidade conjugal (Hollist et al., 2012). Há, ainda, um resultado total que indica um relacionamento bem ajustado/sem sofrimento ou desajustado/com sofrimento. A EAD-R apresentou bons índices de consistência interna (consenso diádico a = 0,81; satisfação a = 0,85; coesão a = 0,80; e total a = 0,90), indicando boa qualidade psicométrica. Destaca-se que este é um dos instrumentos mais utilizados para avaliação da satisfação conjugal, inclusive no contexto brasileiro, sendo globalmente conhecida e com adaptações para diversos países (Pereira-Silva, Dessen & Barbosa, 2015; Pereira-Silva, 2015; Peruchi, Donelli & Marin, 2016; Scorsolini-Comin & Santos, 2011).
Procedimentos éticos e de coleta de dados
Esse estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (CAAE: 44099615.9.0000.5344), a fim de cumprir e garantir a adequação dos procedimentos éticos, conforme orienta a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466/2012 (Brasil, 2012). Houve um encontro presencial com o casal ou um dos seus membros quando foi explicado o tema da pesquisa, bem como os instrumentos a serem preenchidos e a importância de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nesse momento, entregava-se um envelope fechado que constava dos TCLES e dos questionários para que fossem respondidos em momento oportuno pelo casal separadamente. Todos foram orientados a devolverem para a pesquisadora os instrumentos descritos acima, devidamente preenchidos, dentro de um segundo envelope fechado e sem identificação, assegurando seu sigilo.
Procedimentos de análise dos dados
Os dados derivados dos instrumentos padronizados de pesquisa foram analisados quantitativamente, conforme orientação de seus manuais, por meio de estatísticas descritivas e inferenciais. Foram utilizadas as distribuições absoluta (n) e relativa (%), bem como as medidas de tendência central e dispersão (média e desvio padrão) com o estudo de normalidade da distribuição dos dados pelo teste de Kolmorogov-Smirnov (correção de Lillifors).
A comparação das variáveis contínuas entre dois grupos independentes ocorreu pelo teste t, de Student ou de Mann Whitney, e para as variáveis categóricas foram utilizados os testes Exato, de Fisher, ou Qui-quadrado, de Pearson. Os dados foram analisados utilizando-se o spssfor Windows (versão 20.0), e considerou-se o nível de significância de p < 0,05.
Resultados
Em relação ao padrão de apego primário, análises descritivas revelaram que 84,5 % dos participantes tinham um padrão de apego seguro em relação ao pai e 79 % em relação à mãe; 11,9 % tinham um padrão de apego preocupado em relação ao pai e 15 % em relação à mãe; e 3,6 %, um padrão de apego desinvestido em relação ao pai e 6 % em relação à mãe. Nenhum dos participantes se caracterizou como tendo padrão de apego amedrontado. Também não houve diferença quanto ao padrão de apego primário entre homens e mulheres, conforme pode ser observado na tabela 1.
De acordo com os dados da tabela 2, constatou-se que no que diz respeito a comparação entre o padrão de apego primário e aquele estabelecido na relação conjugal, o Teste Exato, de Fischer, e o Qui-quadrado, de Pearson, revelaram associação significativa, tanto em relação ao padrão de apego constituído com a mãe quanto com o pai. O padrão de apego primário seguro relacionou-se com maiores níveis de preocupação e menores de evitação com o parceiro na relação conjugal. Já os padrões de apego primário preocupado e desinvestido associaram-se com maiores níveis de evitação e menores de preocupação com o parceiro.
Tabela 2 Padrão de apego primário referente ao pai e a mãe e dimensões do apego estabelecido na relação conjugal

Quanto ao padrão de apego primário e o ajustamento conjugal houve associação apenas com relação ao apego estabelecido com a mãe. Os resultados indicaram que o padrão de apego primário seguro está associado com um relacionamento bem ajustado e/ou sem sofrimento (p < 0,04). Já os padrões de apego primário preocupado e desinvestido se associaram com relacionamentos desajustados e/ou com sofrimento (p < 0,04), conforme pode ser observado na tabela 3.
Considerando as dimensões de apego estabelecidas entre o casal e o ajustamento conjugal, o teste Qui-quadrado, de Pearson, revelou associações significativas entre os níveis de preocupação e evitação na relação com o parceiro. Relacionamentos com maiores níveis de evitação e menores de preocupação se associaram com relacionamentos desajustados e/ou com sofrimento (p < 0,001). Por outro lado, menores níveis de evitação e maiores de preocupação se associaram com relacionamentos bem ajustados e/ou sem sofrimento (p < 0,001).
Também houve relação entre a dimensão de consenso do instrumento que avalia o ajustamento conjugal com maiores níveis de preocupação e menores níveis de evitação (p < 0,005). Os dados são apresentados na tabela 4.
No que diz respeito ao sexo, quando analisadas as dimensões de apego estabelecidas na relação conjugal, os resultados indicaram que tanto os homens como as mulheres tiveram maiores níveis de preocupação e menores níveis de evitação. No tocante ao ajustamento conjugal, também não houve diferença entre eles. Os dados constam na tabela 5. De modo semelhante, em relação às dimensões da satisfação conjugal, homens e mulheres apresentaram maiores níveis de satisfação e consenso e menores níveis de coesão. Os dados podem ser observados na tabela 6.
Tabela 5 Diferença entre homens e mulheres em relação às dimensões de apego estabelecidas entre o casal

Discussão
O presente estudo teve como principal objetivo investigar a relação entre o padrão de apego primário (analisado através do QVPM) e as dimensões do apego estabelecido na relação conjugal (analisado através das dimensões do ERP), assim como a influência destes no ajustamento conjugal (analisado através do EAD-R). Observou-se que o padrão de apego primário seguro prevaleceu entre os participantes e também foi o mais presente entre aqueles que apresentaram maiores níveis de preocupação e menores de evitação com o seu parceiro/a na relação conjugal. A preocupação diz respeito a como o indivíduo se preocupa com o parceiro e com o relacionamento, e o quanto ele necessita da sua proximidade física e emocional. Já a evitação se refere ao maior desconforto com a intimidade, sendo características de indivíduos que preferem o distanciamento emocional ou, por outro lado, tendem a ser mais dependentes do parceiro (Brennan et al., 1998; Mikulincer & Shaver, 2007; Moreira et al., 2015). Portanto, tais dados corroboram a literatura que aponta que os padrões de apego estabelecidos na infância tendem a se repetir nas relações futuras (Azevedo, 2013; Brennan et al., 1998; Feeney, 2008).
Bowlby (2004) afirmou que a capacidade de confiar nos outros, assim como a autoconfiança, são frutos de um ambiente seguro construído com as primeiras figuras de apego do indivíduo, o que encoraja a explorar o mundo e conhecer outras pessoas, acreditando que tem a quem recorrer em caso de necessidade. No relacionamento conjugal, pessoas com padrão de apego seguro e escores mais baixos de evitação tendem a confiar mais no parceiro, desenvolver maior intimidade, manifestar menos ciúmes e ter mais autonomia (Matos & Costa, 2001).
Já o padrão de apego primário preocupado, que caracteriza indivíduos que estão sempre em busca da aprovação e aceitação dos demais, bem como o padrão de apego primário desinvestido, apresentado por indivíduos que preferem manter sua independência sem se envolver em relações de intimidade (Matos & Costa, 2001; Mikulincer & Shaver, 2007), foram menos prevalentes entre os participantes e tiveram associação com maiores níveis de evitação nas relações conjugais. Tais padrões de apego são caracterizados por níveis mais elevados de ansiedade de separação, o que pode repercutir na construção de uma relação na qual o indivíduo depende mais do parceiro para realizar atividades, e tende a não se sentir confortável longe dele. Estudos indicam que indivíduos com níveis mais elevados de evitação podem entender pequenos sinais do parceiro como rejeição, como, por exemplo, atrasos a encontros e não responder a uma ligação, o que pode estar relacionado ao medo do abandono (Bastard, 2013; Pilkington & Woods, 1999). Esses eventos podem gerar situações de estresse e ciúmes, que costumam distanciar o parceiro/a (Davis, Shaver & Vernon, 2004; Sobral, Almeida & Costa, 2010).
Os padrões de apego primário e os estabelecidos na relação conjugal também foram relacionados ao ajustamento conjugal. Os resultados indicaram uma associação entre o padrão de apego primário seguro e os relacionamentos bem ajustados e/ou sem sofrimento. Já os padrões de apego preocupado e desinvestido se associaram com relacionamentos mais desajustados e/ou com sofrimento. Tais dados permitem compreender que a dificuldade de individualização e a falta de autonomia e segurança repercutem negativamente nos relacionamentos conjugais (Melo & Mota, 2013). Um relacionamento bem ajustado e/ou sem sofrimento se caracteriza por níveis mais elevados de consenso, satisfação e coesão. Costuma haver maior concordância na tomada de decisões e nos valores e coerência na resolução de conflitos, além de conseguirem conversar para trocar ideias e discutir atividades (Spanier, 1976), aspectos que remetem à confiança. Destaca-se que a confiança, que é parte da qualidade do apego, promove o desenvolvimento da intimidade e está fortemente relacionada à satisfação conjugal (Hazan & Shaver, 1987).
O apego estabelecido na relação conjugal, avaliado pela preocupação e evitação em relação ao parceiro, também se mostrou associado ao ajustamento do casal. Níveis mais altos de preocupação e mais baixos de evitação quanto ao parceiro se associaram com relacionamentos bem ajustados e/ ou sem sofrimento. Por outro lado, maiores níveis de evitação e menores de preocupação se associaram a um relacionamento mais desajustado e/ou com sofrimento. O desconforto com a intimidade, característico da dimensão de evitação, pode fazer com que a autonomia prevaleça sobre a intimidade, levando a indisposição para discussão de problemas e expressão de sentimentos, fazendo com o que parceiro o perceba distante emocionalmente, o que pode justificar o desajustamento conjugal (Montoro, 2004; Semensato & Bosa, 2013; Zeifman & Hazan, 2008). Ainda, o consenso, caracterizado pela tomada de decisões, valores e afeto, teve associação com menores níveis de evitação e maiores de preocupação.
Por fim, quando comparado o padrão de apego primário entre homens e mulheres não se constatou diferenças. Para ambos o apego primário prevalente foi o seguro, assim como tiveram níveis mais altos de preocupação e mais baixos de evitação, possibilitando pensar que o apego estabelecido nas relações está mais relacionado com o apego que cada membro do casal estabeleceu com seus pais, especialmente sua mãe. Embora alguns estudos (Féres-Carneiro, 2001; Zordan, 2010) destaquem que os homens e as mulheres vivenciam o relacionamento de forma diversa, não houve diferença entre eles em relação ao ajustamento conjugal nesta pesquisa.
Em síntese, os resultados encontrados corroboram que o padrão de apego estabelecido a partir das experiências iniciais tende a se manter nos relacionamentos entre casais e tem influência no ajustamento conjugal. Conclui-se, portanto, que embora seja esperado que os indivíduos com padrões de apego preocupado ou desinvestido tendam a evitar a proximidade com as pessoas, não significa que eles não construam e mantenham relações conjugais. A questão parece estar centrada na qualidade da relação, uma vez que ela pode ser permeada por ciúmes, dependência, insegurança, medo do abandono e pouca intimidade (Barstad, 2013). Nesse sentido, faz-se importante que os profissionais da saúde que estão implicados no tratamento de casais tenham clareza sobre essa questão, podendo auxiliá-los na constituição de laços de afeto mais ajustados por meio da construção de um padrão de apego seguro entre eles.
Considerações finais
Em conjunto, os dados revelados apresentam contribuição importante no que se refere à dinâmica dos relacionamentos conjugais, especialmente no tocante a relação entre os padrões de apego primário e os estabelecidos na relação, indicando uma tendência à repetição que tem efeito sobre o seu ajustamento. Contudo, não se pode desconsiderar as limitações implicadas neste estudo que devem ter impactado os resultados encontrados. Por exemplo, sabe-se que há muitas variáveis que afetam o ajustamento conjugal, como tempo de relacionamento, presença de filhos, atração sexual, papeis sociais exercidos, entre outras, que não foram consideradas neste estudo. Além disso, devido a amostra ter sido acessada por conveniência, ela teve certa homogeneidade em sua caracterização, o que restringe os dados às suas especificidades: casais jovens, sem filhos e com nível médio a alto de escolaridade. Além disso, o fato de os instrumentos de pesquisa terem sido autoaplicados na ausência da pesquisadora não há como saber se o casal respondeu de forma independente e com atenção a todos os itens.
Para estudos futuros, sugere-se a realização de análises pareadas para avaliar os padrões de apego e o ajustamento conjugal, aumentando a eficiência do teste estatístico por torná-lo mais sensível às pequenas diferenças que possam haver entre os casais. Acredita-se que a realização de estudos longitudinais que permitam avaliar o padrão de apego primário na infância e compará-lo com o padrão estabelecido quando adultos na relação conjugal, também proporcionariam dados mais fidedignos em relação à repetição do comportamento, possibilitando maior compreensão sobre o fenômeno.
De qualquer forma, dentre as variáveis consideradas os resultados são relevantes, especialmente considerando que são poucos os estudos no contexto brasileiro que se dedicam a entender a associação entre os padrões de apego primário e estabelecido entre o casal e sua influência no ajustamento conjugal, a partir da perspectiva de homens e mulheres. Além disso, o conhecimento produzido poderá fundamentar intervenções sobre a conjugalidade no âmbito da clínica com casais ou programas de prevenção ou promoção de saúde que tenham esse público-alvo.