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Franciscanum. Revista de las Ciencias del Espíritu

Print version ISSN 0120-1468

Franciscanum vol.64 no.178 Bogotá July/Dec. 2022  Epub Oct 11, 2022

https://doi.org/10.21500/01201468.5491 

Filosofía

Do esquecimento de si ao chamado da consciência em Heidegger*

From forgetting the self to the call of conscience in Heidegger

Del olvido de sí mismo al llamado de la conciencia en Heidegger

José Reinaldo Felipe Martins Filho1  **
http://orcid.org/0000-0001-7722-3729

1Pontifícia Universidade Católica de Goiás; Goiânia, Brasil


Resumo

Este artigo se dedica ao conceito de consciência, ou melhor, de chamado da consciência, tal como delineado por Heidegger na segunda seção de Ser e Tempo. Ao mesmo tempo em que se mostra como um conceito intransponível para a compreensão da condição de autenticidade do ente Dasein, a discussão sobre a consciência também estabelece a relação de Heidegger com a tradição fenomenológica de maneira mais abrangente, como ruptura de um fluxo interpretativo e sedimentação de uma nova acepção. A noção de esquecimento aqui não mais se aplica ao problema da história da metafísica em relação à pergunta fundamental pelo ser, mas à autocompreensão do Dasein como ente aberto a uma temporalidade finita, já que nos empreendimentos inerentes à vida cotidiana, esse ente degenera-se na impessoalidade, no «a-gente» - por meio do qual instaura-se a inautenticidade. Eis, pois, o horizonte interpretativo em que se instaura o problema da consciência em Ser e Tempo, que compreende uma das principais fontes para a abordagem do tema no pensamento de Martin Heidegger.

Palavras-chave: Esquecimento; chamado da consciência; autenticidade; inautenticidade; Heidegger

Abstract

This article is dedicated to the concept of conscience, or rather, the call of conscience, as outlined by Heidegger in the second section of Being and Time. While showing itself as an insurmountable concept for understanding the authenticity condition of the Dasein, the discussion about consciousness also establishes Heidegger’s relationship with the phenomenological tradition in a more comprehensive way, as a rupture of an interpretative flow and sedimentation of a new meaning. The notion of forgetfulness here no longer applies to the problem of the history of metaphysics in relation to the fundamental question of being, but to the self-understanding of Dasein as an entity open to a finite temporality, since in the enterprises inherent in everyday life, this entity degenerates in impersonality - through which inauthenticity is established. Here, then, is the interpretive horizon in which the problem of consciousness in Being and Time is established, which comprises one of the main sources for the approach of the theme in Martin Heidegger’s thought.

Key words: Forgetfulness; called conscience; authenticity; inauthenticity; Heidegger

Resumen

Este artículo está dedicado al concepto de conciencia, o más bien, al llamado de la conciencia, como lo esboza Heidegger en la segunda sección de Ser y tiempo. Si bien se muestra como un concepto insuperable para comprender la condición de autenticidad del Dasein, la discusión sobre la conciencia también establece la relación de Heidegger con la tradición fenomenológica de una manera más integral, como ruptura de un flujo interpretativo y sedimentación de un nuevo significado. La noción de olvido aquí ya no se aplica al problema de la historia de la metafísica en relación con la cuestión fundamental del ser, sino a la autocomprensión del Dasein como abierto a una temporalidad finita, ya que, en las empresas inherentes a la vida cotidiana, degenera en impersonalidad - a través de la cual se establece la inautenticidad. Aquí, entonces, está el horizonte interpretativo en el que se establece el problema de la conciencia en Ser y tiempo, que constituye una de las principales fuentes para el abordaje del tema en el pensamiento de Martin Heidegger.

Palabras claves: Olvido; llamado de la conciencia; autenticidad; inautenticidad; Heidegger

A cotidianidade toma o Dasein como um utilizável de que se ocupa, isto é, que administra e submete a cálculo. A «vida» é um «negócio» e tanto faz que seus custos sejam ou não cobertos1.

Introdução

A epígrafe por nós interposta como abertura desta abordagem, retirada do § 59 de Ser e Tempo2, pode situar-nos no lugar a partir do qual desenvolveremos nossos argumentos: a vida cotidiana, dominada pela indiferença e pela vulgaridade, ou, dito de outro modo, pelo esquecimento de nosso ser. Aqui, porém, não nos referimos à conhecida reivindicação heideggeriana de que a história da metafísica pode ser interpretada como o itinerário de obscurecimento da questão do ser - e, por isso, o esquecimento tomado como recusa, retardo, distanciamento e, até mesmo, incapacidade no trato da questão que se tornaria ponto nevrálgico da ontologia fundamental. Para isso, bastaria passar em revista as acusações formalizadas por Heidegger contra a história da metafísica, particularmente nas três críticas oferecidas pelo § 1 da obra de 1927. Tal denota que, embora igualmente situados no horizonte interpretativo de Ser e Tempo, a essa altura nosso objetivo é a cotidianidade, quer dizer, o fenômeno humano em sua circunstancialidade mais imediata.

Para que não haja equívocos, além disso, também não pretendemos situar nosso argumento no domínio da ética ou das discussões morais. O que aqui chamamos de indiferença e vulgaridade, portanto, não é o oposto linear a uma espécie de vida recatada e/ou decente, mas diz respeito ao modo como em geral se encontra a condição humana, distanciada da responsabilidade de «ser si-mesma», esquecida numa generalidade a partir da qual não pode questionar-se de maneira pessoal. Daí que não somente o mundo do Dasein tenha se perdido em «negócios» (o preenchimento frenético da «sadia inutilidade», salutar ao cultivo e à apropriação de si), mas ele próprio passou a tratar-se nos termos do que pode ser utilizado, do útil, com toda a carga negativa que a esse termo podemos, com o auxílio de Heidegger, imprimir. É esse, em suma, o contexto em que suscitamos um pensamento sobre a consciência, adotando a filosofia heideggeriana como perspectiva de análise e, mais que isso, como interlocutora fecunda numa reflexão que visa o hoje da história, o momento em que nos inserimos no confronto com a possibilidade do pensar encetando nossa parcela de contribuição.

Para que alcance os resultados almejados, o texto se depreenderá ao redor de três assuntos. Em primeiro lugar, a relação entre as noções de consciência suscitadas pelas fenomenologias de Husserl e Heidegger. Embora em um âmbito mais abrangente da filosofia tenha-se convencionado chamar de fenomenologia o estudo da possibilidade do conhecimento no âmbito de uma consciência, o desdobramento mais aprofundado de um eu consciente, e ainda que tal impressão realmente tenha se legitimado em parte das filosofias que integram a tradição fenomenológica - sobretudo na herança de matriz husserliana - ao considerarmos a abordagem de Heidegger sobre o problema da consciência estabelecemo-nos num ponto diametralmente divergente. Justamente essa diferenciação constitui o segundo momento de nossa análise, que tocará a discussão heideggeriana a respeito da vida cotidiana pautando-se pelo problema da inautenticidade do ente Dasein, aquele que deveria empreender a explicitação do sentido de ser na medida em que tomasse seu próprio ser em jogo. Ocorre que, em meio às adversidades da vida vivida, o ente Dasein perde-se de si nos outros, nos afazeres corriqueiros, prescinde de sua tarefa fundamental, como alocução dos sentidos e hermenêutica da facticidade. É justamente nesse ponto da discussão que a noção de consciência - até ali mantida em completo silêncio por parte da leitura de Ser e Tempo - adquire uma significação bastante central. Ao falar em chamado da consciência, portanto, Heidegger tem em conta o movimento de evolução da condição degenerada em que Dasein geralmente se encontra, o «a-gente» dissolvido numa indiferença generalizada, ao sentido próprio, isto é, autêntico de seu primado na relação com o ser - e, desse modo, como possibilidade de toda ontologia possível. Esses três momentos demarcam as principais ênfases do texto que segue, que, para isso, privilegiará o diálogo com Ser e Tempo, recorrendo, sempre que necessário, a breves lampejos extraídos do pensamento heideggeriano tardio.

1. O alvorecer da consciência em Ser e Tempo

Entre os inúmeros focos de distinção entre as fenomenologias de Husserl e de Heidegger, a noção de consciência3 é, certamente, algo de particular importância. Distanciando-se de seu antigo preceptor na fenomenologia, Heidegger insiste em não submeter sua filosofia a uma espécie de «egologia transcendental», que em Husserl alcançou a consciência como última barreira da ἐποχή - e, notadamente, excetuando aqui toda a discussão relativa à intersubjetividade. Ocorre que, também em se tratando da fenomenologia husserliana é preciso estabelecer os limites de interpretação do que se pode entender como consciência. Em geral, ao empregar esse termo Husserl não se refere à instância de forte conotação moral, legada pela tradição judaico-cristã e à qual Kant, Nietzsche e outros dirigiram suas críticas. Em termos fenomenológicos, a consciência deve ser tomada como o substrato - resíduo - acessível unicamente pelos consecutivos processos de redução, que implicam o distanciamento do mundo dos fatos, o pôr de lado do conhecimento constituído ao longo da história, o deslocamento de um olhar meramente naturalista em função de, enfim, descobrir o horizonte transcendental em que é possível ao eu tornar-se um «espectador desinteressado» de si mesmo4. Tudo isso, enfim, contrariamente à composição de sínteses que estão na base da constituição do conhecimento. Dito de outro modo, o eu do fenomenólogo deve reconhecer-se como polo de identidade atravessado por uma dinâmica própria, por uma «corrente» que, à luz da intencionalidade, deve ser compreendida como o «pensamento que pensa o que é pensável» - para nos referirmos ao ego-cogitocogitatum exposto por Husserl em Meditações Cartesianas.

Não se trata mais de um eu posto à parte do mundo, para o qual o conhecimento se afirmava como representação - como na acusação geralmente imputada às filosofias do sujeito reinantes na modernidade, na esteira de Descartes, por exemplo. Nos termos da fenomenologia nascente, mundo e eu se encontram numa instância fundamental, a qual Husserl denominou Bewusstsein, termo alemão que comumente é traduzido por consciência: a consciência tomada como um espelho que reflete toda a vida interna do eu, como fluxo de vivências. Aqui não há distinção entre consciência e ser consciente, referência que, desde a sua consagração pela filosofia moderna, também denominamos subjetividade. É sabido que nesta breve exposição não conseguiremos apresentar em profundidade o que Husserl desenvolve sobre a consciência em sua vasta filosofia. Basta dizer que se trataria de um conceito basilar para a fenomenologia, com ressonância, para além dos trabalhos de seu iniciador, no pensamento de autores como Sartre, Merleau-Ponty e outros. Contudo, de volta ao nosso foco de análise neste momento, é preciso dizer que semelhante orientação não se encontra em Heidegger - ou, ao menos não se encontra nos mesmos termos do debate estabelecido por Husserl.

Em primeiro lugar, não é que para esse último a questão da consciência tenha passado ao largo de seus interesses investigativos. O texto que segue, na verdade, tentará demonstrar o contrário. O fato é que, diversamente de Husserl e de outros fenomenólogos, Heidegger não tentou pensar a Bewusstsein, mas a Gewissen, expressão alemã que também podemos traduzir por consciência. Em ambos os termos é possível identificarmos uma referência ao saber, à capacidade de conhecer o mundo circundante, as coisas que o compõem. No núcleo de Bewusstsein, por exemplo, está wusste, que aparece na expressão «ich wusste!», como quando interpomos: «eu sabia!» Em Gewissen, igualmente, encontramos o próprio verbo Wissen, o qual traduzimos por «saber». Note-se, porém, como o primeiro conceito está ligado a uma substantivação do conhecimento. Não a dinâmica do conhecer como uma apropriação intuitiva do mundo, mas a legitimação oferecida por uma instância fundamental de deliberação. Eis o que Husserl chamou Bewusstsein, isto é, a consciência subjetiva, o «eu conhecido como ser». Ao optar por Gewissen Heidegger sugere um caminho obstinadamente distinto. Embora seja em geral utilizada para significar a consciência moral - em termos de valores universais, a inclinação inata do homem para o bem, ou a capacidade racional de distinguir-se entre bem e mal - a expressão Gewissen também guarda o sentido de uma intuição, ou, mesmo, de um sentimento, um estado de humor. Permitindo-nos uma elucidação traduzida em imagem, podemos representar da seguinte maneira: ao receber uma pancada na cabeça, alguém pode perder a consciência (Bewusstsein), a noção de si mesmo como um eu com uma história, um fluxo de experiências concatenadas e facilmente acessíveis à memória, por exemplo. A consciência como potência existencial (Gewissen), porém, não se pode perder; faz parte do que o humano é, como uma inclinação essencial e - como tudo em Heidegger - revela-se intimamente ligada à concretização da existência em cada novo ato de ser5, ou seja, como pura abertura ao possível.

Quando chegara ao convívio de Husserl, Heidegger já contava com um caminho bastante amadurecido. Nesse sentido, a forte impressão que desde cedo lhe causara o contato com a fenomenologia6 não aplacara completamente a influência de outras manifestações da história do pensamento, especialmente a influência da mística medieval e/ou de certa filosofia religiosa, como atestam suas primeiras produções em Freiburg - para não dizer do resquício de sua formação como teólogo, ou, entre outros vários exemplos, o sentido imputado à noção de consciência por filosofias como a de Agostinho7.

Como forma de esclarecer o que estamos dizendo, ao longo do § 55 de Ser e Tempo Heidegger oferece várias metáforas para se referir à consciência, tais como: um apelo, uma forma de abertura, uma prédisposição, um factum pelo qual o Dasein sabe de si e, até mesmo, uma voz. Assim, para aprofundarmos o entendimento de consciência que aqui estamos apontando como um dos principais focos do distanciamento da fenomenologia heideggeriana com relação ao trabalho de Husserl ou de outras fenomenologias, vale a pena recobrarmos a explicação oferecida por Heidegger no famoso § 7 da mesma obra, em que está explicitada a sua própria noção de fenomenologia, uma expressão formada pela justaposição das palavras gregas φαινόμενον e λόγος. Nesse momento nos referimos especialmente ao último termo, que no contexto da tradição grega - como em Platão e Aristóteles - guardava o sentido de uma palavra falada. Poderíamos mesmo dizer λόγος como discurso. Uma mesma analogia queremos imprimir à compreensão de Gewissen, que é apresentada por Heidegger como um desdobramento interpelativo, como ressonância perene ao longo da história humana, do logos originário de que somos continuadores, entendendo a existência como o seu eco. Apenas dessa maneira pode ser entendida como intuição fundamental, um dos fenômenos do ente humano, o qual, apesar de distinguir-se do que simplesmente há, do dado em sentido geral (Vorhandene), descobre-se a si próprio em meio ao caminho, no dia a dia, junto ao utilizável do trabalho cotidiano, na vida mediana (Durchschnittlichkeit). Tal implica o esforço de nossa parte por nos desvencilharmos da carga semântica tradicionalmente impressa à consciência - especialmente do que Heidegger chamou de «sentido vulgar», que reflete o entendimento da impessoalidade, do «a-gente» (das Man) - a fim de a tomarmos como uma disposição pré-compreensiva, como anterior a qualquer possibilidade de deliberação efetiva, como o impulso mais próximo de uma relação «pura» com o nosso ser e, por isso, como resgate do esquecimento de nós mesmos.

2. A consciência como recusa à degeneração do Dasein

Baseados no que apontamos, chegamos, em segundo lugar, ao reconhecimento da consciência (Gewissen) tal como Heidegger desenvolve nos §§ de 54 a 60 de Ser e Tempo, na esteira de sua analítica, como um fenômeno ontológico-existencial. Aqui é preciso recordar alguns aspectos relevantes da obra de 1927. Ser e Tempo expressa a tentativa de superação da «metafísica tradicional», interpretada como o itinerário de obscurecimento da questão do sentido do ser em geral, já iniciado desde Aristóteles, mas com maior acabamento na filosofia moderna. Dito com outras palavras, podemos conceber a obra como uma tentativa de superação do primado da subjetividade, tomada como o significado derradeiro do esquecimento do ser, embotado pelo totalitarismo do ente tido por ponto de partida e, ao mesmo tempo, de chegada das ontologias dali derivadas. Esse talvez possa ser tido como o principal motivo de algumas eleições metodológicas do tratado, entre as quais o seu distanciamento do primado racional/cognitivo como ponto de partida e apoio de suas análises sobre o homem. Mesmo noções como «vida», «homem», «pessoa», foram recusadas, como também a perspectiva de ciências como a antropologia, a biologia ou a sociologia - por serem herdeiras do que Heidegger chamou de «primado ôntico sobre o ontológico». No âmbito dessa obra, o homem passa a ser tomado como uma condição. A sua essência, considerada como o em ser (In-sein), somente pode ser descoberta a partir da existência, uma chave de leitura claramente expressa pelo § 9. Desse ponto em diante, toda a primeira seção da obra passa a concentrar-se na determinação dos modos de ser do Dasein, o homem tomado como fenômeno cotidiano, num movimento crescente desde a sua constatação fundamental como ser-no-mundo, até o maior aprofundamento das diferentes dimensões em jogo neste conceito. Por ter deixado de lado a razão, Heidegger focaliza as disposições afetivas (Befindlichkeit), estados de humor como o medo e a angústia ganham especial atenção, como também a distinção entre as duas possibilidades concretas de realização do Dasein, quais sejam: ser autêntica ou inautenticamente.

Aqui aparece o primeiro pressuposto que dará margem para o surgimento da consciência como fenômeno ontológico-existencial. De um lado, o Dasein pode ser autêntico quando assume a tarefa do cuidado do seu próprio ser, abrindo-se, numa circularidade contínua, ao reconhecimento de sua pessoalidade, do caráter próprio da existência que sempre deverá ser empreendida em primeira pessoa, como sua. De outro, sua derrocada no impessoal que pervade a vida cotidiana, diluída como é, sempre e na maioria das vezes, em seus afazeres de subsistência, na relação com os outros dos quais acaba por não mais diferenciar-se, ao ponto de constituir o que Heidegger nomeou das Man, a forma indiferenciada sob a qual a condição humana se expressa - valendo-nos do neologismo utilizado por Fausto Castilho em sua tradução, o «a-gente». Tal diluição nos outros e nos afazeres, contudo, ao invés de garantirem ao Dasein o fortalecimento de sua pessoalidade, aniquila-o, torna-o disperso. Este é, em outras palavras, o sentido do esquecimento patente entre nós, sobretudo porque esta mediania é, segundo Heidegger, o espaço preliminar em que nos encontramos. Entre outros aspectos que aqui nos escapam, a ausência de responsabilidade pode ser apontada como a principal característica deste «a-gente». Responsabilidade para com as escolhas referentes ao seu próprio ser e à condução de sua existência, e não o teor ético comum e equivocadamente exigido do tratado que quis bastar-se como ontologia fundamental (Fundamentalontologie). Este é, enfim, o fio da meada que dá a Heidegger a possibilidade de tocar a questão do «fenômeno da consciência» naquele momento de sua filosofia - a qual de maneira prévia poderíamos definir como a intuição pré-ontológica que permanece como guia, como a constante referência de si-mesmo, em meio ao ensurdecedor barulho do mundo dilatado na indiferença: «entendendo o apelo, o Dasein deixa que o si-mesmo mais-próprio atue nele, a partir do poder-ser que escolheu para si. Só assim ele pode vir a ser responsável»8.

Guardadas as proporções, a consciência da qual falamos estaria bem mais próxima da voz interior referida por Agostinho em seu propósito de libertar-se das «amarras» da exterioridade que, propriamente, do sentido moral implicado por Kant em sua filosofia - como ressonância da razão imperativa. Isso apesar de que para Heidegger desvencilhar-se do exterior implica ao Dasein voltar-se a si mesmo como abertura - motivo pelo que o conceito agostiniano não pode simplesmente ser reapropriado. Ao menos como uma referência preliminar, já que hoje sabemos onde daria o desenvolvimento do impulso agostiniano em meio à filosofia moderna (seu acabamento na noção de sujeito da qual também fizemos questão de nos distanciar). Talvez por isso o estilo introdutório do § 54 faça questão de advertir sobre a necessidade de superar não somente o que a própria filosofia construiu a respeito da consciência - a leitura aprofundada de uma problemática presente para Heidegger desde a conferência proferida sobre o conceito de tempo, em julho de 1924, ainda em Marburg9. Aliás, algumas formulações até poderiam nos levar a novamente aproximar as fenomenologias de Husserl e Heidegger, como, por exemplo, a referência a certas «vivências da consciência» (Gewissenserlebnissen), não fosse a clara admoestação expressa por Heidegger, que permanentemente insiste em guardar distância não apenas da mencionada tendência da filosofia, como também de explicações de base científica, lembrando as consequências naturalistas que tal procedimento implicaria. Há hoje, a título de ilustração, tentativas de reduzir seja a potência racional humana, seja, até mesmo, a sua faculdade moral à quantificação de enzimas, a conexões neurais estritamente consideradas, a definições apressadamente conclusivas, para as quais o homem é um «não mais que...», um «apenas...». Isso para não dizermos da vanguarda neurocientífica que, muito além do que Heidegger pudera imaginar, tem defendido o copertencimento entre homem e máquina como meta intransponível - uma espécie de naturalismo mecanicista levado à sua máxima potência. Ao falarmos de consciência no sentido atribuído por Heidegger, estamos, então, na contramão de tendências como essas.

De um lado, nega-se render-se a uma abordagem transcendental, mantendo a fenomenologia como o método de exploração da ontologia fundamental, que se faz a partir da leitura da vida cotidiana, a forma mais concreta e evidente de ser. De outro, nega-se aliar-se ao reducionismo científico, valendo-se, como temos dito, de uma leitura «pré-compreensiva» - que se aproximaria de um «estado puro» da vida, o que nos animais aludimos como a autorregulação do instinto.

Como se pudéssemos dizer: no mundo Dasein descobre-se existência aberta às possibilidades, fazendo-se a partir dessa abertura, numa tarefa pessoal; é também embrenhado nesse mundo que deve refazerse em cada situação de degeneração em impessoal, em «a-gente». Tal significa que também é excluída, ao menos no âmbito de Ser e Tempo, quaisquer recorrências a um além de si em termos religiosos. De acordo com a leitura proposta por Heidegger em Ser e Tempo, na tarefa da existência não há um Deus ao qual apelar. Portanto, para Heidegger consciência também não se refere a qualquer alusão de natureza teológica, seja no sentido moral ou como qualificação da natureza divina, como a «consciência imediata de Deus» (Gottesbewusstsein) - única vez em que aparece a grafia de consciência como Bewusstsein ao longo do texto10. Apenas à guisa de elucidação, podemos dizer que o caminho heideggeriano posteriormente ao ano de 1930 conduziria a um caminho relativamente diferente. Isso embora mantivesse como base o afastamento de convicções com conotação religiosa, o que talvez não tenha impedido que a filosofia doravante edificada ainda se mantivesse inspirada em princípios que antes orientaram o limite entre «vida espiritual» e «vida cotidiana». O lugar de Deus, que em Ser e Tempo ainda mantém-se ocupado pela centralidade do homem, tomado como Dasein, seria ulteriormente deslocado para a história da humanidade, o que Heidegger intuiu como o «pensamento da apropriação». Àquela altura, ao deixar-se apropriar pela história do ser, o homem passaria a receber dessa mesma história a sua «medida vinculadora» de autenticidade: não por encontrar um propósito eterno para as suas realizações temporais, mas justamente porque continuaria a insistir no espaço aberto como horizonte de realização de todas as suas possibilidades, de todo o seu poder ser libertador11.

Nos limites da interpretação oferecida pelo projeto Ser e Tempo, finalmente, ao desenvolver uma alusão à consciência Heidegger também não pretende basear-se no peso alegórico-moral, como no «tribunal da consciência» (Gerichtshofvorstellung vom Gewissen) de Kant12. Ao falarmos de um fenômeno ontológico-existencial, consideramos que «o apelo-da-consciência tem o caráter de uma intimação para que o Dasein assuma o seu mais-próprio poder-ser-si-mesmo, e isto, no modo do despertar para o seu mais-próprio ser-culpado»13. Noutras palavras, a consciência participa do Dasein como um seu modo de operação fundamental; intimação que o retira do esquecimento de si mesmo. É assim que também a respeito da consciência Heidegger mantém o tom de uma análise exploratória. De forma semelhante ao processo pelo qual o Dasein desperta-se para a sua condição de ser-lançado num mundo de objetos e outros, pressente a voz da consciência, como o apelo por uma vida autêntica. Na análise de Casanova, trata-se de um projeto silencioso, que nasce justamente do silenciamento do mundo, do barulho adverso da exterioridade em que se perde, como fruto da resistência do Dasein na relação consigo mesmo. Sempre que o Dasein se depara com a urgência de decidir-se sobre o rumo de seu ser, interrompe o fluxo incessante da cotidianidade pela possibilidade de escuta da voz da consciência, uma voz que, embora nada lhe diga, abre-lhe um caminho de conquista e singularização que é condição de sua autenticidade14.

Diz Heidegger: «antes do mais, essa atestação deve poder ser encontrada. Se ela deve dar a entender o Dasein em si mesmo em sua possível existência própria, então a atestação deve ter suas raízes no ser do Dasein»15. Sobre este aspecto, aliás, vale lembrar a importância da noção de encontrar-se em Ser e Tempo, expressão que também pode ser usada para verter o estado de humor do Dasein como chave de acesso ao mundo, o que Heidegger nomeou Befindlichkeit, isto é, afetividade. A distância de uma interpretação focada na dimensão racional, de consciência como Bewusstsein deve ser, portanto, mantida. Para o ente que se dispõe na cotidianidade, «tomar consciência» - ou, melhor, «despertar-se à consciência» - não diz respeito a uma operação intelectiva, mas a uma pré-disposição, a um movimento existencial. Arriscandose na existência o Dasein percebe-se não apenas pré-disposto a escolher, mas a escolher sempre. Não para «tornar-se o resultado de suas escolhas», mas para descobrir que em seu caso ser é «ser nas escolhas», ante o que podemos recobrar o conceito de circularidade trágica presente seja no teatro grego, seja na inspiração que isso gerou em Nietzsche16 ou Kierkegaard17, respectivamente, na ideia de amor fati e de angústia pelo escolher.

Isso, na verdade, compõe com o que dissemos acima a respeito de algumas das opções de Heidegger na elaboração de seu tratado, priorizando a dimensão afetiva em detrimento da cognição. A partir das escolhas que empreende como o seu modo de ser, o Dasein faz eclodir a chamada voz da consciência (Stimme des Gewissens); e é isso o que nos possibilita dizer a consciência como um fenômeno originário do Dasein - tão originário como abertura (Erschlossenheit) e compreensão (Verständigen), embora, por motivos metodológicos na elucidação de suas condições de ser, tenha sido tardiamente evocado. Como destaca Paul Gorner18, a intenção de Heidegger parece ser «algo mais ou menos assim: a consciência (Gewissen) nos conclama ou nos convoca para a existência autêntica». Além disso, e complementando a competente explicitação oferecida pelo comentador, caberia à consciência possibilitar de forma mais acabada ao Dasein o reconhecimento de sua abertura, trazendo-o «de volta a si», motivo pelo qual Heidegger afirma: «a consciência abre e por isso pertence ao âmbito dos fenômenos existenciais constitutivos do ser do como abertura»; e, um pouco adiante na mesma página: «Pela abertura, o ente que denominamos Dasein tem a possibilidade de ser o seu aí. Com seu mundo, ele é para si mesmo aí e o é sem dúvida, de pronto e no mais das vezes»19.

3. Apropriações elucidativas: consciência como chamado

A fim de tratar este assunto em alguns autores da filosofia do século XX, incluindo Heidegger, chama-nos a atenção o exemplo dado pelo professor Lívio Arenhart logo nas primeiras linhas de seu livro, como mote para o tratamento do tema. O ponto de irrupção da reflexão toma a vida cotidiana como horizonte a partir do qual se descortina. Nesse caso, valemo-nos do ponto de vista da criança:

Num entardecer desses de verão, depois de correr para cá e para lá, por algum tempo, em companhia de seus cachorros de estimação, um garoto de 6 anos e 7 meses de idade se sentou para descansar um pouco. Sem despregar os olhos dos animais ofegantes, dirigiu-se à mãe: «Mãe, os animais sabem que são animais?» Movido pela familiaridade com aqueles «amigos» que o viram crescer, o garoto pensava neles; ou melhor, pensava em estados ou condições que poderiam ou não pertencer a eles. Sentia-se espontaneamente impulsionado a transferir àqueles objetos de sua afeição os estados e as condições em que ele mesmo se encontrava. Os cães pareciam-lhe estar satisfeitos e alegres, tanto quanto ele próprio se sentia, pois, inadvertidamente, depositava sobre eles estados que, em sentido estrito, não lhes podiam caber. Mas, de supetão, uma dúvida quase afligente interrompe a ingenuidade do procedimento transferencial: «Será que eles sabem que são animais?» Se a gente agora se perguntar acerca da operação que, implicitamente, levou o garoto a formular e a expressar sua pergunta, sem maiores dificuldades, a gente é levado a admitir que, dentre os seus pensamentos ocultos, estava incluído o de que ele sabe que ele mesmo é diferente dos cães. E isto, independentemente de como ele compreende esse ser diferente. De modo explícito e intencional, pensou e falou dos cachorros, mas, no mesmo ato e de maneira implícita, manteve uma relação-de-saber com o seu próprio ser. Como a gente costuma dizer, ele tinha consciência de que ele mesmo é um ser humano, e, por saber isso, interessou-se em saber se os seus «amigos» também sabem que são aquilo que a gente diz que eles são20.

O exemplo do garoto nos faz retomar as várias vezes em que nos deparamos com essa expressão «consciência» no cotidiano de nossas ações, em suas mais diversas modulações: «você está consciente disso?», ou «ele tinha consciência de suas escolhas?» ou, ainda, «trata-se de uma decisão consciente». Para além do «sentido duro» reforçado por um conjunto de filosofias que têm a husserliana por companhia, poderíamos realmente questionar o limite estrito do que entendemos por «ser consciente» em afirmações dessa monta. A consciência, como plena capacidade racional, não apenas como instância fundamental e deliberativa, mas plenamente assertiva, permanece como uma ambição que talvez não possamos sustentar ante uma crítica mais acurada. De maneira velada, contudo, por detrás do que aparece na linguagem, resta o que o autor adjetivou como «movido pela familiaridade», «explícito e intencional», «espontaneamente», expressões que sugerem o que anteriormente discutimos à luz do parágrafo de Heidegger como um estado pré-compreensivo, como fenômeno ontológico-existencial e, por isso mesmo, como alheio à dimensão formal/conceitual que comumente lhe é atribuída. A consciência seria, então, uma espécie de lampejo intuitivo, um pré-saber inerente ao Dasein em suas vivências cotidianas, posto em curso de forma menos alarmante do que enxergaram algumas filosofias da mente. Assim, o ente que se qualifica pelo empreendimento da existência é também dotado de uma espécie de sensor espaciotemporal, um radar que o auxilia no trato com o mundo.

3.1 Entre chamado, ruptura e atendimento

Por conseguinte, o entendimento que o chamado da consciência reclama pertence ao Dasein em seu ser, não como autoconsciência: «se o apelo tivesse uma meta tão vaga, então ao Dasein restaria quando muito uma ocasião de prestar atenção a si. Porém, à essência do Dasein é inerente que na abertura de seu mundo ele também se abra, da maneira que ele sempre já entende»21. Repetimos: embora seja intimado em seu próprio ser, isso não resulta numa espécie de egologia, como em outras fenomenologias. Heidegger fala de um ultrapassamento do Dasein em si mesmo por meio da consciência: «o Dasein, tal como é entendido como algo de-mundo para os outros e para si mesmo, é ultrapassado nessa intimação»22. O apelo não atinge o Dasein no tocante ao seu conhecimento, mas ao seu ser, «passando por cima» do impessoal e fazendo-se ouvir pelo Dasein pessoal como exigência de ser autêntico. Dito de outro modo: atua como uma espécie de ruptura com o esquecimento. O «a-gente» é empurrado para a insignificância e o Dasein, «desalojado desse abrigo e desse esconderijo» é obrigado a ser-si-mesmo. A expressão utilizada por Heidegger para se referir à impessoalidade é, no mínimo, curiosa. Abrigo, ou alojamento (Unterkunft) e esconderijo (Verstecks), lugares em que o Dasein se mantém por displicência, por ter o ser roubado pela corrente do impessoal, do qual permanece refém, ou, como forma de escamotear a responsabilidade de ser que é sempre sua - o que aqui também relacionamos à expressão esquecimento.

Por outro lado, no entanto, ao responder ao apelo da consciência o Dasein, retirado da indiferenciação do «a-gente», não se volta para uma vida interior (Innenlebens), cuja potencialidade dos estados de alma lhe encanta, nem, tampouco é tornado objeto (Gegenstand) de juízos predicativos. Não é cindido do mundo exterior, como no formato de um eu. O «apelo salta por sobre tudo isso e o destrói, para intimar unicamente o si-mesmo, cujo modo não é senão o ser-no-mundo»23. Conquanto à forma como este apelo da consciência é dirigido ao ente existente, enfim, também não se trata do mesmo formato adquirido pelo falatório da vida cotidiana, forma degenerada da linguagem e que também contribui no distanciamento do ser e no primado do impessoal. A consciência, diz Heidegger, «discorre única e constantemente no modus do silêncio [des Schweigens24. Não que se trate da mesma imagem atribuída por Agostinho à interioridade, aproximação já repelida a partir do que dissemos acima, mas de reconhecer a consciência como intuição principial, como instância fundamental no reconhecimento de ser do Dasein, como possibilidade de regresso a uma existência autêntica, que, no entanto, não se sentirá proprietária de ser, mas detentora de uma possibilidade única, como chamado perenemente posto, apesar de fenomenalmente considerado como silêncio.

Trazendo para nossa leitura, segundo Heidegger, não é possível «chamar à consciência» de fora para dentro, com significado de uma admoestação, de uma exigência proferida por outrem. No seu silêncio a consciência chama ao Dasein, o único capaz de ouvir o seu apelo e atendê-lo, voltando-se a uma posição aberta para com a existência. O garoto do exemplo sequer necessitou de uma resposta para pressentir-se dotado de uma condição peculiar, a condição que partilha com uma infinidade de amigos com os quais compartilha mundo, mas não necessariamente com todos eles (como no caso dos cães e/ou dos demais objetos que manifestam importância para a sua autocompreensão). Eis porque a relação com os outros em Heidegger não é geradora de autenticidade, mas apenas o recolhimento numa esfera de pessoalidade que apenas cada Dasein pode conquistar. A referência de consciência passível da esfera coletiva é a moralidade, é o comportamento comum e a repercussão de um padrão não-deliberado. Se, portanto, o cuidado dos outros e as atividades cotidianas dispersam e distanciam da tarefa peremptória, a compreensão do sentido de ser que é sempre pessoal, o chamado da consciência congrega e novamente restitui a autenticidade como limite impenetrável. Disso resulta que «o silêncio do chamado, a voz que produz o silêncio, não é então um momento inefável, mas o silêncio do isolamento. O próprio caráter do silêncio e da solidão nos permite distinguir o chamado autêntico da consciência moral pública»25.

3.2 A consciência como meta e origem do chamado

Podemos mesmo dizer que a consciência, entendida como um fenômeno ontológico-existencial em Heidegger, é um momento de duas vias: de dentro para fora e de fora para dentro; do Dasein para si-mesmo, tendo como resultado a recuperação da abertura. Tal afirmação nos levaria a nossa última questão: se o apelo encontra no Dasein a sua correspondência, de onde este provém?

Em Ser e Tempo Heidegger apresenta o cuidado/cura (die Sorge) como o existencial responsável pela unificação dos diferentes modos de ser do Dasein, tomando como base o ser-no-mundo. Ocorre que, no empreendimento de sua existência, Dasein perde-se nas coisas com as quais constitui o seu mundo circundante - esquece-se de si mesmo. O mundo do trabalho lhe rouba o ser, processo que encontra sua máxima expressão na total diluição no ser-uns-com-os-outros da impessoalidade. Nesse sentido, embora o Dasein deva ser considerado como, simultaneamente, aquele de onde provém o apelo da consciência e o que o responde (ou, melhor, co-responde26), apenas pode percebê-lo caso se distancie do modo inautêntico em que se encontra, no silêncio fecundo e necessário para o ecoar da consciência, para o seu chamado: «O Dasein apela na consciência para si mesmo»27; um acontecimento que não pode ser planejado, pensado previamente e/ou imposto. Heidegger chama de «Es», isto é, «algo» como intermediário na ação do apelo e na iminência de sua resposta. De modo que o «apelo provém de mim e, no entanto, de além de mim [Der Ruf dommt aus mir und doch über mich]». Inserimos a citação original por um motivo que talvez nos distancie dos propósitos de Heidegger, mas não das possibilidades interpretativas evocadas neste contexto. Referimo-nos ao fato de que aquele «Es» mencionado há pouco também pode ser traduzido por «Ele», alternativa que nos desafia sobretudo por conta da última citação, a que se refere a um «além de mim» como ultrapassamento possível para a origem do apelo da consciência. Isso porque a expressão «über mich» também pode ser vertida ao português como «acima de mim» (para qualquer direção, o além de mim, que não encerra-se no eu), o que, invariavelmente, nos faz pensar na presença de algo/alguém que a ontologia fundamental simplesmente preferiu ignorar - dado de fato não se inserir no âmbito de suas pretensões28. Como destaca Paul Gorner29, esse «abater-se sobre mim do clamor pode sugerir que o clamor proviria de algum poder mais elevado ou de Deus. Mas se a consciência tem de ser compreendida em termos do ser do Dasein, nós precisamos rejeitar tais apelos a poderes alheios». Disso vale a pena ressaltar o seguinte: em primeiro lugar, a relação entre a proveniência do chamado para além do Dasein e sua resposta, ao menos nos limites de Ser e Tempo, parece não dar margem para a intrusão da temática de Deus na esfera dessa filosofia; em segundo lugar, porém, isso não significa que não tenha suscitado em outras filosofias (como na de Jean-Luc Marion ou Edith Stein, por exemplo30) um tratamento mais apropriado - ou mesmo lampejos de uma nova elaboração na obra tardia do próprio Heidegger.

Resta-nos, enfim, que a fonte do apelo da consciência está presente ao Dasein, mas também faz-se como uma ausência que o ultrapassa, que está acima dele, como impulso diretamente recebido do ser que o atravessa. Diz Heidegger: «esse dado fenomênico não deve ser deixado de lado na interpretação. Pois foi ele que também se tomou como ponto-de-partida para a interpretação da voz como um poder estranho que se ergue dentro do Dasein»31. De volta a Heidegger, tais insinuações de nossa parte devem ser repelidas tão prontamente apareçam à reflexão, e isso por uma opção metodológica fundamental: toda a análise empreendida por Ser e Tempo deve ser mantida junto ao horizonte de possibilidades do ente humano, tomado no âmbito do subsistente (Vorhandene), da existência dada. Tudo o que ultrapassar este âmbito permanece como alheio a suas pretensões e, por isso, fora do alcance de nossa hermenêutica. Este é o rumo dado para o restante do § 57, que se encerrará defendendo que, no fundo de seu estranhamento com o mundo, o Dasein se reconhece como o apelante da consciência; ele mesmo é a referência de onde provém e para onde este apelo se dirige: «o estranhamento persegue o Dasein e ameaça a sua esquecida perda de si mesmo. A proposição: o Dasein é ao mesmo tempo o apelante e o intimado, perdeu agora o seu vazio formal»32.

Consideração equivalente deve ser posta a respeito da noção de culpa, comumente indicada como relativa à noção de consciência. Nesse ponto é impossível não recordarmos o que é desenvolvido por Nietzsche na segunda dissertação de sua Genealogia da moral, ao tratar os conceitos de culpa e má consciência33. Para Heidegger, contudo, o trajeto sugerido por Nietzsche estende-se no mesmo plano da tradição que preconizou a consciência como a resposta a um apelo exterior, o que, como vimos, não é procedente à luz de sua compreensão como um fenômeno ontológico-existencial. Repetimos o que já fora objeto de nossa alusão, para Heidegger o chamado surge do isolamento justamente porque na esfera pública não há espaço para a manifestação do eu em sua condição fundamental. Também por esse motivo não pode vir do exterior34. Diz Heidegger: «a ideia de culpa não pode ser arbitrariamente excogitada e imposta ao Dasein. Mas se em geral um entendimento da essência da culpa é possível, então essa possibilidade deve ser previamente delineada no Dasein»35. Em Ser e Tempo também é explorado o sentido equívoco de Schuld, que tanto pode ser traduzido por dívida (schulde, o que se deve), quanto por culpa (e, até, pecado: ...Und vergib uns unsere Schuld, wie auch wir vergeben unsern Schuldigern...). Ocorre que, ao contrário de Nietzsche, Heidegger não o pensa como o resultado de uma construção histórico-cultural, como se a partir da punição instituída pelo não cumprimento do trato, pouco a pouco imprimisse no homem o seu senso moral. A dívida que é cobrada nesse caso é do Dasein para com o próprio Dasein que ele mesmo é - ou deveria ser. No caso desse ente, o ser-culpado refere-se à sua derrocada nas atividades que não constituem o seu ser, mas que apenas são constituídas por ele, pelo que deve-se reconhecer culpado como condição do resgate de sua autenticidade.

Conclusão

A fim de estabelecermos um termo à abordagem desenvolvida até aqui, podemos resumir da seguinte maneira. O Dasein próprio perde-se no mundo das ocupações, fecha-se à abertura como horizonte de possibilidades limitando-se à repetição do mesmo; torna-se o «a-gente» e, por isso, perde-se na responsabilidade pelo ser que é sempre seu - esquece-se. O apelo da consciência, em seu direcionamento ao Dasein, partindo de si mesmo e tendo a si mesmo como meta, cobra-lhe uma dívida que também é devida única e exclusivamente a si. Eis o que lemos na metade do § 58 de Ser e Tempo: «o ser culpável não é o resultado de uma inculpação: essa só é possível sobre o fundamento de um ser-culpado originário»36. É como se lhe exigisse: retorna para o que tu és! Por isso, o conceito de culpa tal como explorado por Heidegger guarda uma carga altamente positiva. Ao falarmos de culpa em geral pensamos a negação, o que não foi realizado, a ausência de uma atitude prometida, o não cumprimento da palavra, a indiferença para com o outro, o esquecimento de nós mesmos. É justamente este o entendimento que deve ser abandonado pela perspectiva ontológico-existencial da consciência, que passa a ser vislumbrada como a oportunidade de um encontro, não de uma negação. Noutras palavras: o encontro do Dasein consigo mesmo, a afirmação do seu ser retirado do esquecimento. Esse é o teor positivo da culpa que em Heidegger não pode ser desprezado. A alegria da reconciliação se expressa como um ultrapassamento das demais formas ordinárias de ser. O prejuízo do esquecimento é sanado pela voz da consciência, cujo apelo é atendido pelo Dasein. Como resume Vicenzo Costa, a consciência convoca ao homem do estado de «dispersão e de não escolha, lhe sinaliza como ele não escolheu as próprias possibilidades, mostra-lhe que foi jogado no mundo sem ter podido escolher, e o convida a escolher, a escolher resolutamente a si mesmo, reapropriando-se da própria existência, decidindo-se conscientemente para isso e aceitando ser aquelas determinadas possibilidades finitas»37. Tem, então, um sentido de redenção do Dasein em si mesmo. Eis pois a oportunidade de redenção, de redimirse e recompor-se como pastor do ser38, num ciclo cuja completude sempre excede cada parcela de finitude, cada novo chamado e cada nova resposta.

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*Este artigo se apresenta como resultado parcial vinculado à pesquisa Presente porque há de vir: Deus e mística no pensamento de Martin Heidegger, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na modalidade de Pós-Doutorado Júnior (PDJ), sob n. 150434/2020-0, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Entre outros aspectos, a abordagem do problema de Deus em Heidegger também passa pela elucidação do lugar da consciência em Ser e Tempo. O texto, modificado no principal, toma como referência uma comunicação oral apresentada pelo autor no XXIV Colóquio Heidegger, realizado em 2019, em São Paulo, Brasil.

1 Martin Heidegger, Sein und Zeit, 290.

2Para a citação dos textos de Heidegger recorreremos à edição padronizada na Gesamtausgabe, com coordenação de Friedrich-Wilhelm von Herrmann.

3E podemos pensar a importância desse conceito para a consolidação das diferentes filosofias que se inseriram na alcunha «fenomenologia», incluindo aqui o trabalho de Hegel, por exemplo. Sobre isso ver: José Reinaldo Felipe Martins Filho, « O entendimento reflexionante apoderou-se da filosofia. Elementos da crítica hegeliana a Kant», Sapere Aude. Revista de Filosofia 20, Vol. 10 (2019): 681-701. DOI: https://doi.org/10.5752/P.2177-6342.2019v10n20p681-701. Além disso, numa rápida busca pela web, percebemos que este tema já tem sido explorado pela pesquisa sobre Heidegger no Brasil, embora ainda timidamente. Ísis Nery do Carmo, por exemplo, preferiu passar da noção de Bewusstsein em Husserl ao conceito de Dasein em Heidegger. Enfrentamento mais direto é realizado por Ronaldo Manzi, que tematiza propriamente sobre uma leitura de consciência em Ser e Tempo. Do que pudemos encontrar, o trabalho mais robusto, contudo, certamente é o de Lívio Osvaldo Arenhart, publicado pela Editora da PUC RS (vide bibliografia). Sobre traços de aproximação entre um ideal fenomenológico e outro, ver também José Reinaldo Felipe Martins Filho, «Heidegger leitor de Husserl. Sob a sombra da fenomenologia», Prometeus. Filosofia em Revista 28, Vol. 11 (2018): 105-117.

4 Edmund Husserl, Cartesianische Meditationen und Pariser Vorträge (Martinus Nijhoff: H. L. van Breda, 1973 - Hua I), § 15.

5Devemos lembrar que em Heidegger a existência é composta de novos atos de ser, que não dizem respeito ao mesmo sentido do conceito na escolástica. Por «ato de ser» Heidegger considera a capa cidade do humano de empreender o ser de sua existência em cada nova escolha, em cada possibilidade, como constante abertura a ser. Eis porque, como definiu Kahlmeyer-Mertens, «o que Heide gger chama neste momento de consciência em nada tem a ver com o Bewusstsein, que aparece no apogeu da filosofia do sujeito em filósofos como Hegel. A consciência em questão aqui é Gewissen e é mais bem-compreendida enquanto uma “voz da consciência”». Roberto S. Kahlmeyer-Mertens, 10 lições sobre Heidegger (Petrópolis, RJ: Vozes, 2015), 102-103.

6Tais confissões são conhecidas através do relato oferecido por Heidegger. Ver Martin Heidegger, «Mein Weg in die Phänomenologie», en Zur Sache des Denkens (Frankfurt am Main: Vittorio Klos termann, 2007 - GA 14). Dele resulta nossa compreensão de que a fenomenologia husserliana é sim um momento muito importante na consolidação do caminho de Heidegger, o que não anula outras influências prévias ao percurso filosófico do autor.

7Tanto as preleções sobre o pensamento de Agostinho, quanto sobre a mística medieval estão reu nidas em: Martin Heidegger, Phänomenologie des religiösen Lebens (Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1995 - GA 60). No caso das preleções sobre a mística medieval, embora tenham sido publicadas, não chegaram a ser oferecidas aos estudantes.

8Martin Heidegger, Sein und Zeit, 288.

9Cf. Martin Heidegger, Sein und Zeit, 288 - nota de rodapé n. 3.

10Cf. Martin Heidegger, Sein und Zeit, 269.

11 Marco Antonio Casanova, Compreender Heidegger (Petrópolis, RJ: Vozes, 2015), 178.

12Essa menção, do § 55 de Ser e Tempo, é comentada pelo que segue no § 59: «Que Kant tenha posto como ideia condutora de sua interpretação da consciência a ‘representação de um tribunal’ não é casual, mas é algo sugerido pela ideia da lei-moral - ainda que seu conceito de moralidade perma neça muito distante da moral utilitária e do hedonismo». Martin Heidegger, Sein und Zeit, 293.

13Martin Heidegger, Sein und Zeit, 270.

14Marco Antonio Casanova, Compreender Heidegger, 137.

15Martin Heidegger, Sein und Zeit, 268.

16 Friedrich Nietzsche, Genealogia da Moral (São Paulo: Companhia das Letras, 1999).

17 Søren Aabye Kierkegaard. O Conceito de Angústia (Petrópolis: Vozes; São Paulo: Editora Univer sidade São Francisco, 2010).

18 Paul Gorner, Ser e tempo. Uma chave de leitura (Petrópolis, RJ: Vozes, 2017), 157.

19Martin Heidegger, Sein und Zeit, 270.

20 Lívio Osvaldo Arenhart, Ser-no-mundo e consciência de si. Uma leitura dos escritos fenomenológicos de Martin Heidegger a partir de um conceito filosófico analítico plausível de consciência-de si-ime diata (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004), 7-8.

21Martin Heidegger, Sein und Zeit, 273.

22Martin Heidegger, Sein und Zeit, 273.

23Martin Heidegger, Sein und Zeit, 273.

24Martin Heidegger, Sein und Zeit, 273.

25 Vicenzo Costa, Heidegger (São Paulo: Ideias & Letras, 2015), 83.

26Se, acompanhando o desenvolvimento linear do pensamento heideggeriano, pensarmos a passagem para os textos da década de 1930, veremos como categorias como a abertura (Erschlossenheit) e a compreensão (Verständigung), deram lugar à co-respondência. Responder (Ant-worten) torna-se co-responder (Ent-sprechen) - no sentido de responsório, de atendimento ao chamado ecoado pelas vias do «pensamento da história do ser»: «a resposta não é uma afirmação que replica n’est pas une réponse, a resposta é muito mais a correspondência [la correspondance]». Martin Heidegger, «Das Ende der Philosophie und die Aufgabe des Denkens», en Zur Sache des Denkens (Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2007 - GA 14), 19-20.

27Martin Heidegger, Sein und Zeit, 275.

28Trata-se de uma tese que ganharia realce por parte de Edith Stein no segundo apêndice de Ser finito e ser eterno. Tivemos a oportunidade de nos estender neste assunto (ver José Reinaldo Felipe Martins Filho, «Martin Heidegger et Edith Stein: deux voies pour l’être. Impressions de proximité et d’éloignement», Heidegger Studien, v. 36 (2020): 187. Ver também o texto original de Edith Stein (Stein, Edith. Endliches und ewiges Sein. Versuch eines Aufstiegs zum Sinn des Seins. Anhang: Martin Heideggers Existenzphilosophie - Die Seelenburg, eingeführt und bearbeitet v. A.U. Müller (Freiburg-Basel-Wien: Herder, 2006), ESGA, 11-12.

29Paul Gorner, Ser e tempo. Uma chave de leitura, 159.

30De algum modo essa discussão aparece nas conclusões de nossa pesquisa de doutoramento: José Reinaldo Felipe Martins Filho, Heidegger: da analítica existencial à filosofia da interpelação (Goiâ nia: Universidade Federal de Goiás, 2021). Os textos de Edith Stein e Jean-Luc Marion que permi tem tal aferição são Endliches und ewiges Sein. Versuch eines aufstiegs zum Sinn des Seins, no caso da primeira e L’interloqué, no caso do segundo - ver Jean-Luc Marion, «L’interloqué», en Topoi 2, Vol. 7 (1988): 175-180.

31Martin Heidegger, Sein und Zeit, 276.

32Martin Heidegger, Sein und Zeit, 277.

33Aliás, no mesmo § 58 Heidegger também aborda a questão do mal, do malum, como privatio boni - o que Nietzsche, por sua vez, desenvolve na primeira dissertação de Genealogia da Moral, e sob um ponto de vista marcadamente distinto.

34Vicenzo Costa, Heidegger, 82.

35Martin Heidegger, Sein und Zeit, 281.

36Martin Heidegger, Sein und Zeit, 284.

37Vicenzo Costa, Heidegger, 83.

38A expressão pastor do ser, famosa desde a Carta sobre o humanismo, a qual guarda o sentido de uma resposta de Heidegger a parte da interpretação dada ao seu pensamento na França, pode ser evo cada como uma forma de contrastar a centralidade adquirida pelo Dasein em Ser e Tempo, o que foi motivo de algumas críticas. Parte dessa discussão se encontra em nosso trabalho de doutoramento em Filosofia: José Reinaldo Felipe Martins Filho, Heidegger. Da analítica existencial à filosofia da interpelação. Cf. diretamente o texto heideggeriano em: Martin Heidegger, «Brief über den huma nismus», en Wegmarken (Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1976 - GA 9). Após a década de 1930, Heidegger vai progressivamente retirando o protagonismo do Dasein, restituindo-o a uma posição de interlocutor. Sobre isso também vale a pena verificar o que é apresentado nos Contributos à filosofia, de 1936. Cf. Martin Heidegger, Beiträge zur Philosophie (Vom Ereignis) (Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2003 - GA 65).

Para citar este artículo: Martins Filho, José Reinaldo Felipe. «Do esquecimento de si ao chamado da consciência em Heidegger». Franciscanum 178, Vol. 64 (2022): 1-28.

**Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás, sob coorientação de Friedrich-Wilhelm von Herrmann. Doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Professor adjunto no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Atual coordenador do Bacharelado em Filosofia do Ins tituto de Filosofia e Teologia de Goiás. orcid: https://orcid.org/0000-0001-7722-3729. Contacto: jreinaldomartins@gmail.com

Recebido: 12 de Julho de 2021; Aceito: 04 de Agosto de 2021

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