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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.34 no.3 Medellín Dec. 2016

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v34n3a10 

Articles

Sentimentos de enfermeiros confrontados com a morte: prazer e sofrimento sob a ótica da psicodinâmica de Dejours

Janaína Luiza dos-Santos1 

Sabrina Corral-Mulato2 

Sonia Maria Villela-Bueno3 

Maria Lucia do-Carmo-Cruz-Robazzi4 

1 Nurse, Ph.D. Professor, Universidade Estácio de Sá. Nova Friburgo/RJ, Brazil. email: janaina-luiza@hotmail.com

2 Physiotherapist, Post Ph.D. Professora, IPES-Ribeirão Preto/SP, Brazil. email: sbcorral@yahoo.com.br

3 Pedagogue. Associated professor, Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto/SP, Brazil. email: smvbueno@eerp.usp.br

4 Nurse, Ph.D. Titular Professor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brazil. email: avrmlccr@eerp.usp.br


Resumo

Objetivo

. analisar os sentimentos de enfermeiros confrontados com a morte, a luz da psicodinâmica Dejouriana.

Métodos

. Estudo qualitativo, exploratório, analisado, interpretado e discutido enfatizando o sofrimento e prazer, proposto por Dejours.

Resultados

. Os participantes foram 11 Enfermeiros, maioria mulheres, solteiras, brancas, católicas, entre dois e dezesseis anos de profissão. A análise das respostas permitiu encontrar alguns fatores propulsores e potencializadores dos sentimentos de prazer e sofrimento. Identificou-se como prazer: sensação de dever cumprido, conforto e alívio; como sofrimento: tristeza, frustração, dificuldade com o luto, impotência e incapacidade. Também apresentam mecanismos de defesa para evitar o sofrer, como: não pensar no sofrimento e morte, refugiando-se no trabalho.

Conclusão

. Identificou-se os fatores relacionados com o prazer e o sofrimento dos Enfermeiros quando enfrentam a morte. Há, portanto, necessidade da educação para a o processo de morte na formação acadêmica e estudos, que aproximem o enfermeiro deste processo natural.

Palavras chave: enfermagem do trabalho; enfermeira; processos de enfermagem; morte; pesquisa qualitativa; emoções.

Abstract

Objective

To analyze the feelings of nurses confronting death, according to the Dejourian psychodynamic.

Methods.

This is a qualitative, exploratory study, analyzed, interpreted and discussed emphasizing the suffering and pleasure, proposed by Dejours.

Results.

Participants were 11 nurses, mostly woman, single, white, Catholic, between two sixteen years of profession. The analysis of responses allowed finding some driving and potentiating factors of feelings of pleasure and suffering. It was identified as pleasure: feeling of accomplishment, comfort and relief; as suffering, sadness, frustration, difficulty with grief, impotence and incapacity. They also have defense mechanisms to prevent suffering, as not to think about suffering and death, taking refuge in work.

Conclusion

The factors related to the pleasure and the pain of Nurses when facing death were identified. Therefore, education is necessary regarding the process of death in academic training and studies that approach the nurse to this natural process.

Key words: occupational health nursing; nurses; nursing process; death; qualitative research; emotions.

Resumen

Objetivo.

Analizar los sentimientos de los enfermeros frente a la muerte, a la luz de la psicodinámica dejouriana.

Métodos.

Estudio cualitativo exploratorio, analizada, interpretada y discutida haciendo hincapié en el sufrimiento y el placer, propuesto por Dejours.

Resultados.

Los participantes fueron 11 enfermeros, en su mayoría mujeres, solteros, blancos, católicos y que llevaban entre dos y dieciséis años de egresados. El análisis de los resultados permitió encontrar algunos factores propulsores y potencializadores de los sentimientos de placer y sufrimiento. Se identificaron como placer: la sensación del deber cumplido, la comodidad y el alivio; y como sufrimiento: la tristeza, la frustración, dificultad con el luto, la impotencia y la incapacidad. También, tienen mecanismos de defensa para evitar el sufrimiento como no pensar en este ni en la muerte, refugiándose en el trabajo.

Conclusión.

Se identificaron los factores relacionados con el placer y el sufrimiento de los enfermeros cuando enfrentan la muerte. Por lo tanto, en el ámbito académico existe la necesidad de la educación en el proceso de la muerte, así como la realización de estudios que acerquen a la enfermera a este proceso natural.

Palabras clave: enfermería del trabajo; enfermeros; procesos de enfermería; muerte; investigación cualitativa; emociones.

Introdução

O presente estudo reporta-se aos sentimentos diante da morte, vivenciados por enfermeiros, em seu cotidiano laboral, analisados sob a ótica dejouriana. Dejours estudou os impactos da organização do trabalho em relação à saúde mental do trabalhador,1 a Psicopatologia do Trabalho edificou-se com suas ideias e pesquisas. Entretanto, a partir da compreensão que as pessoas necessariamente não se descompensavam diante de determinadas condições ambientais, Dejours propõe a mudança da denominação de Psicopatologia do Trabalho para Psicodinâmica do Trabalho, por se apresentar mais adequada, tendo em vista não ter identificado uma relação causal entre certos distúrbios psíquicos e as formas de organização laboral.2 No contexto da psicodinâmica analise-se o homem, o mundo material e o psíquico, pois estes tem relação com as atividades laborais que apresentam grande importância, pois por seu intermédio, o ser humano relaciona-se e convive com o meio externo e busca satisfazer suas necessidades, ou seja, procura o prazer e evita o sofrimento.3

O exercício da enfermagem é complexo, realizado em ambientes e organizações que favorecem os riscos ocupacionais, podendo ser gerador de sofrimento e prazer. Nesta profissão, os trabalhadores deparam-se com medos, conflitos, tensões, disputa pelo poder, ansiedade e, convivência com a vida e morte, entre outros fatores inerentes ao seu cotidiano.4 Nesse sentido, a equipe de enfermagem expõe-se à sobrecarga física e mental nas demandas de seu trabalho, como situações de emergência, com múltiplas tarefas. Esta situação é potencializada com a jornada laboral extensa, duplicada e, muitas vezes, com cansativos plantões.5 O sofrimento representa o estado de luta do trabalhador para não adoecer; um espaço entre a saúde e a doença. O prazer resulta da descarga de energia psíquica, possível, graças ao espaço de liberdade que o trabalhador tem para diminuir o estresse psicológico.6

O bem estar físico e o prazer constituem-se na liberdade destacada no desejo de cada um na organização de sua vida e, consequentemente, no trabalho, liberdade sobre o conteúdo do trabalho, a divisão das tarefas e a relação existente consigo mesmo e com os outros.4 O trabalho não deve se constituir em fonte de infortúnio, mas proporcionar às pessoas condições de desenvolvimento de suas potencialidades e de autorrealização.5 Nesse sentido, prazer e sofrimento não são excludentes, pois em um mesmo ambiente e organização laboral é possível encontrar tanto elementos estruturais positivos, quanto negativos aos trabalhadores.6 Na enfermagem, os trabalhadores vivenciam essa dualidade nas situações de prazer, quando cuidam do outro, provendo a sua cura; mas no transcorrer das atividades laborais deparam-se com sofrimento, dor e morte.

Estudo realizado na Suécia que teve como objetivo descrever a experiência de enfermeiros em relação a seu dia de trabalho mostrou que o cotidiano laboral destes profissionais apresentava certo equilíbrio entre momentos de tensão/sofrimento e outros de estimulação/prazer. Situações causadoras de sofrimento foram descritas como sendo sentir-se insuficiente, ter que atender a muitas demandas, não apresentar segurança e ter pouco contato com os pacientes. As situações estimulantes/prazerosas incluíam ter a situação sob controle, ter encontro enriquecedores com os doentes e profissionais de saúde e possuir habilidades necessárias para ser independente.7 No Canadá, estudo investigou a relação entre as condições de trabalho e o absenteísmo-doença relacionado aos enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Tornou-se evidente que a depressão foi um importante determinante do absenteismo para ambas as categorias de trabalhadores. No entanto, a carga de trabalho e a falta de respeito foi determinante significativo do absenteismo para os auxiliares de enfermagem, mas não para os enfermeiros. Os que trabalhavam em consultórios médicos, educação e clínicas privadas, instituições de ensino e no governos e associações apresentaram menos absenteísmo do que os que atuavam em hospitais.8 É importante melhorar as condições de trabalho, o que, possivelmente, diminuiria o absenteismo destes trabalhadores. Então, percebe-se, que o trabalho de enfermagem alterna momentos prazerosos com outros de desprazer.

Acresce-se que nesta profissão, mesmo sabendo que nascer, crescer, tornar-se adulto, envelhecer e morrer são processos naturais, os trabalhadores de enfermagem parecem, muitas vezes, apresentar dificuldades em lidar com a morte, o que lhes pode gerar problemas quando assistem aos pacientes sem possibilidades terapêuticas, em situação de adoecimentos agravados. Complementa-se, ainda, que sua formação biologicista é eminentemente voltada para saúde-doença-cura. A constatação destes profissionais sobre a finitude da vida tem gerado desgaste emocional e até mesmo encaminham-se para a síndrome de Burnout.9 A relação entre trabalho e sofrimento envolve uma forma de coragem moral que pode vir a ser uma das características do cuidar.10

O sofrimento no trabalho pode também ter como gênese, o reconhecimento social. Um trabalho socialmente reconhecido permite que angústias esforços, dúvidas, decepções e desânimos adquiram sentido. Entretanto, a enfermagem apresenta a percepção da ausência de reconhecimento, autonomia e poder profissional, problemas que são, em geral, mantidos pela organização laboral inadequada.11 Diante do que foi anteriormente descrito, objetivou-se neste estudo analisar os sentimentos de enfermeiros confrontados com a morte, a luz da psicodinâmica dejouriana.

Métodos

O método adotado para este estudo é o qualitativo exploratório, pois partiu do pressuposto que o ser humano é o objeto principal de investigação; já este tipo de método permite buscar e considerar os aspectos subjetivos existentes no trabalho. A pesquisa qualitativa tem preocupações peculiares, inclusive o fato dos dados coletados, em sua grande maioria, serem descritivos, incluindo-se a interpretação de questionários abertos.12 A investigação foi realizada em 2010, em uma faculdade de uma universidade pública paulista, com cursos de pós-graduação stricto sensu em Enfermagem. A amostra foi escolhida por conveniência, os participantes foram constituídos por alunos com a formação Enfermeiro, matriculados em uma disciplina obrigatória aos ingressantes na pós-graduação, contabilizou-se 11 enfermeiros que se tornaram participantes do estudo por aceitarem de livre vontade fazerem parte da pesquisa. Após ser apresentado e lido o termo livre esclarecido destacando os objetivos e a justificativa da pesquisa em sala de aula, com consentimento dos professores responsáveis pela disciplina.

Os procedimentos éticos foram obedecidos e a proposta da pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da universidade, protocolo 1253/2010, de acordo com a Resolução 466/2012. Os sujeitos foram contatados pelos pesquisadores e caso consentissem participar assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para a coleta de dados foi utilizado um instrumento autoaplicável, elaborado pelos autores, com questões de identificação (sexo, estado civil, cor, religião, se o aluno cursava mestrado ou doutorado, tempo de profissão) e questões abertas sobre a temática do estudo: 1) Você já vivenciou situações de morte em sua vida profissional? Utilizada para identificar se o participante já se deparou com situações de morte no ambiente de trabalho; 2) Que sentimentos isso trouxe para você? Utilizada para conhecer os sentimentos trazidos por este confronto com a situação de morte no trabalho.

Os participantes que já haviam entrado em contato com explanação dos pesquisadores em sala de aula, explicando sobre a pesquisa, foram abordados e convidados a participar da pesquisa durante os intervalos da disciplina e foi nestes períodos que lhes era entregue o instrumento de coleta de dados, em envelope fechado. Posteriormente, foram agendados dia e horário para recolhimento dos instrumentos preenchidos, respeitando o tempo de preenchimento de cada candidato, igualmente devolvidos envelopados e sem a identificação dos participantes. A saturação dos dados se deu, pois, conseguimos observar respostas extremante convergentes, parecidas e iguais em sua grande maioria. A análise dos dados, sua interpretação e discussão ocorreram considerando-se o arcabouço teórico da Psicodinâmica do Trabalho, em especial do sofrimento e prazer colocando esses sentimentos em destaque,13 as falas dos participantes estão apresentadas com a consoante P (de participante), seguida de numeração de 1 a 11, de acordo com a devolução dos questionários respondidos. Após pesquisa concluída e analisada, foi dado o retorno aos participantes da mesma ficando acordado que seriam publicados os dados para que a população científica tomasse ciência da importância da temática em questão.

Resultados

Dos 11 enfermeiros participantes do estudo 09 pessoas era do sexo feminino, 08 pessoas declararam-se solteiras, 09 de cor branca, 07 da religião católica, 08 estavam matriculadas no mestrado, e possuía um tempo de atuação profissional na profissão de enfermagem que variou de 2 a 16 anos. A análise das respostas permitiu encontrar fatores propulsores e potencializadores dos sentimentos de prazer e sofrimento.

Prazer

Pelo dever cumprido apreendido como se segue: As situações de morte quando se faz tudo para não perder o paciente, me traz[...] certa sensação de dever cumprido[...] (P2); Dever cumprido quando se trata de paciente terminal que pude garantir uma morte digna[...] (P4). Pelo conforto propiciado ao paciente identificado a seguir: Os sentimentos são de tristeza [...] porém de conforto quando o cliente está em momento de sofrimento[...] (P8). Pela sensação de alívio conforme apreendido: A sensação era de alívio quando o cliente já havia passado por muito sofrimento[...] (P5; P10).

Ao cuidar de pacientes terminais, os trabalhadores sentem-se úteis, valorizados no seu fazer. Contudo, apresentam ambiguidade nos sentimentos e sentem-se culpados caso se percebam bem com a morte de um paciente, pois estas atitudes e sentimentos vivenciados são contrários à formação voltada para a cura, deixando o profissional confuso por sentir-se bem, até prazeroso com a boa morte de um paciente. Um dos sujeitos corrobora esta contradição, conforme mostrado em seu depoimento: São sentimentos ambíguos, aparentemente paradoxais que convivem com muitos profissionais de saúde[...] (P5).

Sofrimento

Por causa da tristeza , apreendida nos depoimentos dos participantes P1, P2, P4, P5, P8, P9, que a referem como o primeiro sentimento vivenciado quando ocorre a morte de um paciente. Pela frustração identificada a seguir: Quando tento salvar a vida de um paciente... me traz um sentimento de frustração como se eu ... poderia ter feito mais[...] (P2). Pela dificuldade com o luto , conforme emergiu no relato: Dificuldades em lidar com o luto da família e com o meu próprio[...] (P3).

Por causa da sensação de impotência identificada a seguir: Sinto-me impotente, sem muito para fazer[...] (P9) . Por causa de incapacidade apreendida no depoimento: Senti-me incapacitada por não poder fazer algo naquele momento[...] (P10). Percebe-se que esta impotência e esta incapacidade poderiam ficar juntas, pois certamente a pessoa não se sente incompetente e, sim, provavelmente impotente diante da situação que ocorria. Todavia encontraram-se alguns dados interessantes que fugiram ao arcabouço do prazer e do sofrimento, mas que se fez importante destacar. Na fala de alguns participantes percebeu-se que eles constroem mecanismos de defesa para produzir um melhor enfrentamento dessa situação, tentando preservar sua saúde mental. Nesse sentido, alguns profissionais ancoram-se na religiosidade, utilizando a oração como ferramenta para o acolhimento e o consolo da família e seu conforme mostrado a seguir: Às vezes sinto tristeza e vontade de chorar, mas na maioria das vezes eu rezo e peço que Deus acalme a família[...] a morte é um alívio para a pessoa de todo o sofrimento, da dor, pensando assim, há menos risco de sofre[...] (P1); Para encarar melhor uma situação eu faço uma oração após a morte e isso me faz sentir melhor[...] (P3).

Outra forma de enfrentamento é a atitude de negação ou evitar pensar, refletir a respeito do sofrimento e morte no trabalho. Isso se torna uma válvula de escape amplamente utilizada para que a angústia provocada pelo confronto com a morte, que ocorre quase que diariamente, dependendo do local de trabalho do enfermeiro, não alcance seus sentimentos, causando desequilíbrios para a sua saúde mental: Nem sempre pensamos, ou refletimos, já que a carga de trabalho é bem intensa[...] (P4).

Discussão

Nesta investigação foi identificado que os enfermeiros apresentaram sentimentos de prazer e igualmente de sofrimento diante da morte de pacientes sob suas responsabilidades, o que corrobora o encontrado em outros estudos.4,5 A dinâmica do trabalho pode conduzir tanto ao prazer quanto ao sofrimento, pois no mesmo ambiente e organização laboral há elementos estruturais positivos e negativos.7 No entanto, algumas instituições ignoram o sofrimento de seus funcionários e mantém-se aquém da realidade, além de capitalizarem o trabalho de seus empregados, que passam a apresentar níveis elevados de desgaste físicos e emocionais. Por conseguinte, os trabalhadores têm de lidar com a responsabilidade de gastar pouco, atender bem e trazer lucros para os empregadores, ou em ultima instância, quando a instituição não tem lucro, pelo menos a economia.4,5-14,15

O prazer foi identificado quando eles relataram que o seu dever havia sido cumprido, fazendo o que foi possível no cuidado com o enfermo, quando sentiram conforto e alívio com a morte, porque o paciente estava em situação irreversível e o seu sofrimento havia terminado. O prazer origina-se da realização do potencial humano, que propicia o sentimento de autoconfiança, de ser importante, competente e amável, capaz de manejar as situações à medida que surgem, de usar suas próprias capacidades e de ser livre para expressar o que sente. Requer autossatisfação, relações produtivas e satisfatórias com os outros, além de uma relação bem-sucedida com a sociedade.16 Todavia, se o trabalhador não puder usufruir os benefícios do reconhecimento do seu trabalho, não alcança o seu sentido, o que pode ser desestruturante, capaz de desestabilizar a sua identidade e personalidade, podendo lhe ocasionar doença mental.3

Foi identificada, também, a duplicidade de sentimentos, com as quais os enfermeiros podem se deparar, sentindo-se culpados por se perceberem aliviados com a morte do paciente que assistiam. Quanto ao sofrimento é o espaço de luta que cobre o campo entre o bem-estar e a doença mental.17 É vivência subjetiva mediadora entre doença mental e o conforto psíquico.13 Alguns participantes deste estudo apresentaram ainda, em seus relatos, sentimento de tristeza, frustração, impotência diante da morte, dificuldades de lidar com o luto e sensação de incapacidade. Vivenciaram a própria cobrança e dos que estavam à volta, como se pudessem controlar, evitar e impedir a morte; vivenciaram sofrimento, quando acreditaram não ter feito o suficiente para salvar a vida do paciente.

É inevitável o sofrimento dos enfermeiros que lidam com a perspectiva da morte e com a finitude humana.18 No entanto, a Psicodinâmica do Trabalho tenta compreender como os trabalhadores conseguem manter algum equilíbrio psíquico, mesmo estando submetidos a condições desestruturantes,19 o que parece ter acontecido com os participantes deste estudo. Constatou-se, também a presença de mecanismos de defesa para produzir um melhor enfrentamento do sofrimento do trabalho, quando há a situação de morte dos pacientes.

No sofrimento, utilizam-se os mecanismos de defesa, como a negação ou banalização do que está acontecendo como forma de minimizar as adversidades e garantir a própria sobrevivência.10 Deixando de ser representado como algo negativo e passando a significar, também, uma maneira que o trabalhador encontra de criar formas defensivas para lidar com as opressões da organização laboral.14

Estudo anterior mostrou que uma das estratégias individuais utilizadas por enfermeiros de terapia intensiva foi buscar forças na religiosidade,18 corroborando os achados do presente estudo. Tais estratégias são fundamentais para a proteção contra o sofrimento, porém, quando utilizadas coletivamente fortalecem a equipe como um todo.18 No contexto da Psicodinâmica do Trabalho, o labor não é visto apenas em seu contexto negativo, mas pode ser estruturante e o sofrimento pode ser encaminhado em direção ao prazer e à saúde,20 mesmo em situações de morte. Infelizmente, o treinamento nas profissões da área da saúde ainda tende a enfatizar a formação tecnicista em detrimento dos valores humanísticos. A constante negação das dificuldades coloca a equipe de saúde em um estado de estresse permanente, sem via saudável de expressão, predispondo-a ao adoecimento. Entretanto, a aceitação e a expressão de sentimentos e emoções fazem parte do processo de desenvolvimento pessoal, influenciando também no desenvolvimento profissional.21 Visto sob essa perspectiva, o cuidar é uma prática que valoriza o ser humano dentro de sua singularidade.

Entretanto, a frustração dos trabalhadores de enfermagem ante a morte do paciente, foi destacada por estudo anterior, pois sua formação é edificada e focada para salvar vidas. Quando isso não acontece e o paciente morre, os profissionais percebem-se despreparados e chegam a associar sua própria morte à do paciente, bem como a de seus entes queridos. Vivenciam assim o processo de morrer como perda, sofrimento, angústia, exigindo um acompanhamento psicológico, que lhes deveria ser acessível.22

Pôde-se concluir que os enfermeiros participantes deste estudo, diante da morte de seus pacientes, apresentaram fatores propulsores e potencializadores tanto dos sentimentos de prazer, quanto os de sofrimento. Os referentes ao prazer foram identificados como a sensação de dever cumprido, conforto e alívio; os de sofrimento foram representados por tristeza, frustração, dificuldade com o luto, impotência e incapacidade. Também apresentaram mecanismos de defesa para evitar o sofrer, quais sejam: orar após a morte e pedir a Deus que acalme a família; crer que a morte é um alívio para a pessoa e não pensar a respeito do sofrimento e morte, refugiando-se no trabalho intenso.

Se o trabalhador apresentar formação biologicista, voltada exclusivamente para salvar e curar e, apesar dos esforços realizados, acontecer à morte, ele apresentará dificuldades para enfrentar e superar essa situação. Mas, independentemente do sofrimento e dos mecanismos de defesa para o enfrentamento dos sentimentos vivenciados, os enfermeiros encontraram prazer em seu trabalho, mesmo diante de situações de morte de seus pacientes. Não obstante, tem-se a certeza que há necessidade da inserção da temática sobre o processo de morte e morrer e da finitude humana na formação acadêmica, para que haja uma aproximação do enfermeiro a este processo, diante da fundamental importância do entendimento da finitude da vida. Sugere-se a realização de novos estudos que tratem desta complexa temática, além de criar estratégias de acolhimento e reflexão, como darem-lhes oportunidades de falar sobre seus sentimentos vivenciados nesses momentos, fazendo grupos focais para discussão desses sentimentos, para esses profissionais que convivem com o processo de morte e morrer cotidianamente.

Como limitações aponta-se o fato dos participantes serem em número reduzido, o que torna improvável a generalização dos dados, mas esta pesquisa se faz de suma importância, uma vez que, reporta o prazer e o sofrimento vivenciado por profissionais Enfermeiros no seu cotidiano inóspito vivencial e também nos reporta o qual importante é verificar constantemente a psicodinâmica do trabalho deste profissional.

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Recebido: 23 de Fevereiro de 2016; Aceito: 31 de Agosto de 2016

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