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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.34 no.3 Medellín Dec. 2016

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v34n3a14 

Articles

Influência do apoio familiar na sobrecarga do cuidador de indivíduos com sequelas de acidente vascular cerebral

Kátia Lilian Sedrez-Celich1 

Gabriela Maschio2 

Cláudio Claudino da-Silva-Filho3 

Tatiana Gaffuri-da-Silva4 

Silvia Silva-de-Souza5 

1 Nurse, Ph.D. Professor, Universidade Federal da Fronteira Sul -UFFS- Chapeco Campus - Chapeco/Santa Catarina, Brazil. email: katia.celich@uffs.edu.br

2 Nurse -UFFS-. email: gabrielamaschio@hotmail.com

3 Nurse, PhD Student. Professor, UFFS. email: claudio.filho@uffs.edu.br

4 Nurse, Master. Professor, UFFS. email: tatiana.silva@uffs.edu.br

5 Nurse, Master. Professor, UFFS. email: silvia.souza@uffs.edu.br


Resumo

Objetivo.

Conhecer a existência de relação entre a sobrecarga de cuidadores de indivíduos com sequelas de acidente vascular cerebral e o apoio familiar.

Métodos.

estudo quanti-qualitativo, descritivo realizado com seis cuidadores adscritos na Rede Básica de Saúde em Chapecó/SC - Brasil. Todos procedimentos éticos foram respeitados, projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFFS sob n. 817.161. Utilizou-se para coleta das informações escala Burden Interview e entrevista semiestruturada. A análise da escala foi descrita em porcentagens e da entrevista baseou-se referencial de Minayo.

Resultados.

identificou-se sobrecarga moderada em quatro participantes, todos dedicavam-se exclusivamente ao cuidado, não contando com ajuda familiar. Dois cuidadores não apresentaram sobrecarga, um relacionado ao baixo grau de dependência de seu familiar, o outro associado ao apoio dos familiares, possibilitando trabalhar melhorando o suporte financeiro potencializando o convívio social.

Conclusões.

O cuidador familiar ao contar com apoio dos demais membros da família assume o cuidado sentindo-se amparado, amenizando sua carga, possibilitando o enfrentamento dos desafios impostos pelo cotidiano de cuidado.

Palavras chave: sobrecarga; cuidadores familiares; relações familiares.

Abstract

Objective.

Understand the existence of a relation between the caregiver’s overload of a stroke sequel patient and the family support.

Methods.

Quantitative/Qualitative research, described by six caregivers registered in the Basic Health Network in Chapecó/SC - Brazil. For (data) information gathering, the Burden Interview scale of Zarit Burden and a semi structured interview were used. The scale analysis was described with percentage while the interviews was based on the Minayo reference.

Results.

Four participants were identified with moderate overload, all of them focused only in the caregiving without any family support and. Two participants didn`t became overloaded, one had his familiar very independent and the other had family support, which can allow the caregiver to work, to have a better social life and to be financial stable.

Conclusion.

The familiar`s caregiver with family support feel more safe, reducing (easing) his load and being able to face the (care) daily challenges.

Key words: burden; family caregivers; family relationships.

Resumen

Objetivo.

Conocer la relación entre la sobrecarga de los cuidadores de individuos con secuelas de accidente vascular cerebral y el apoyo familiar.

Métodos.

Estudio descriptivo mixto (cuali-cuanti) realizado con seis cuidadores adscritos a la Red Básica de Salud del municipio de Chapecó/SC - Brasil. Se utilizó para la recolección de información la escala para evaluar la sobrecarga del cuidador de Zarit Burden y una entrevista semiestructurada.

Resultados

Se identificó sobrecarga moderada en cuatro participantes; todos se dedicaban exclusivamente al cuidado, sin ayuda familiar. Dos cuidadores no presentaran sobrecarga, uno relacionado al bajo grado de dependencia familiar, y el otro asociado al apoyo brindado por sus familiares, lo que le posibilitó trabajar para mejorar la estabilidad económica de la familia y una mejor convivencia social.

Conclusión.

El cuidador familiar al tener el apoyo de otros miembros de la familia asume con más seguridad el cuidado; además, le reduce la carga, posibilitando el enfrentamiento de los desafíos impuestos por el cuidado.

Palabras clave: sobrecarga; cuidadores familiares; relaciones familiares.

Introdução

É notório observar que com o progresso das ciências biotecnológicas houve melhores condições de assistência nos cuidados de saúde, o que promoveu um acréscimo na esperança de vida, fato percebido pela crescente longevidade e a mudança no perfil demográfico e epidemiológico da população brasileira. Associado a essa circunstância, verificou-se um aumento de doenças crônicas algumas das quais incapacitantes e sem resposta curativa, conduzindo a situações de doença incurável, progressiva e avançada.1 Tal fato implica na existência cada vez maior de indivíduos dependentes de suas famílias e dos serviços de saúde. Neste contexto, surgem os cuidados domiciliares, que geralmente são realizados por um membro da família, principalmente para aquelas de baixa renda.

A necessidade de cuidar de um familiar em casa requer uma série de ajustes e reorganização de toda a família, com redefinição de papéis e tarefas, visando à adaptação a nova realidade que se apresenta. Esta sofre alterações a nível físico, psíquico, social e econômico, ocasionando modificações no contexto natural da vida familiar.2 Frente à realidade que ora se apresenta, em geral, surge o papel do cuidador familiar, compreendido como a pessoa cuja responsabilidade é a de realizar as tarefas que o indivíduo com sequelas pelo episódio mórbido não tem mais possibilidade de executar.3 Na maioria das situações, as famílias possuem um cuidador familiar que passa a ser o cuidador principal, ou seja, o responsável pelo cuidado e pela maior parte das tarefas desenvolvidas em âmbito doméstico, no sentido de promover conforto e bem estar ao ente querido.

Neste sentido, o cuidador principal tem sido frequentemente estudado por estar em uma relação imbricada em responsabilização exclusiva com o seu familiar dependente, o que o coloca numa condição de vulnerabilidade para o desencadeamento de doenças, tanto de cunho físico, emocional, social e financeiro. A sobrecarga desse indivíduo constitui um problema importante, o que desperta interesse não só de trabalhos de investigação, mas também de instrumentos de avaliação, como Zarit Burden Interview, que foi adaptada e validada no Brasil.4 O referido instrumento compreende 22 itens que avalia e classifica a sobrecarga do cuidador em diferentes níveis. Os indivíduos com sequelas de acidente vascular cerebral (AVC) apresentam níveis diferentes de dependência relacionados à gravidade do episódio mórbido. Quanto maior for o grau de dependência maior será o envolvimento do cuidador e maior a sobrecarga a ele atribuída. Essa experiência de cuidar de alguém com sequelas de AVC em casa tem se tornado cada vez mais comum no cotidiano das famílias.5 O cuidador tem que lidar não somente com as dificuldades de mobilidade, autocuidado e comunicação, como também com os possíveis déficits cognitivos, depressão e mudança de personalidade. Existe uma grande variedade de respostas a essas mudanças, que se diferenciam de indivíduo para indivíduo, como também no mesmo indivíduo ao longo do tempo. Algumas pessoas são capazes de lidar mais adequadamente com as adversidades do cuidar, enquanto outras reagem de maneira menos apropriada, geralmente nas situações em que o estresse se sobrepõe.6

Por se tratar de um processo complexo e muitas vezes longo, o ideal é que os cuidadores não estejam sozinhos nesse contexto, sendo imprescindível, assim, a formação de uma rede de apoio que seja capaz de minimizar os aspectos negativos causados pela função de cuidar. Logo, dispor do apoio de outros membros da família no desenvolvimento do cuidado permitiria o suporte e amparo, indispensáveis, o que contribuiria, para amenizar a sobrecarga atribuída a um único individuo, auxiliando no enfrentamento dos desafios impostos pelo cotidiano vivenciado. Sendo assim, a partir destas considerações, este estudo tem como objetivo conhecer a existência de relação entre a sobrecarga de cuidadores de indivíduos com sequelas de acidente vascular cerebral e o apoio familiar.

Métodos

Estudo descritivo com abordagem quanti-qualitativa, realizado com seis cuidadores adscritos em duas Unidades da Rede Básica de Saúde do Município de Chapecó, situado no oeste do Estado de Santa Catarina - Brasil, entre julho e setembro de 2014. Para participar do estudo, adotaram-se como critérios de inclusão a necessidade do cuidador principal, possuir vínculo familiar com o usuário; Não receber remuneração pelo cuidado prestado; Ser domiciliado no município de Chapecó e estar adscrito em um dos Centros de Saúde da Família do município em questão e prestar cuidado a familiar com sequela de AVC. Para a coleta das informações, inicialmente foi estabelecido o contato com a enfermeira coordenadora dos Centros de Saúde da Família selecionados para a pesquisa, sendo esclarecidos o objetivo do estudo e sua relevância, com a finalidade de que a mesma contribuísse no levantamento dos participantes do estudo. Após levantamento das informações na unidade, foram agendadas as visitas domiciliares nas famílias selecionadas para a pesquisa. Os cuidadores que atenderam aos requisitos foram convidados a participar. Como instrumento para a coleta de dados, utilizou-se a aplicação da escala de Zarit Burden Interview, adaptada e validada no Brasil,4 com a finalidade de identificar a sobrecarga do cuidador familiar. O referido instrumento é composto por 22 perguntas, as quais são complementares, e uma vez compiladas, chegam ao resultado da existência (ou não) de sobrecarga familiar - ou seja, este estudo contemplou todo o instrumento. Cada item investigado é pontuado e obedece aos seguintes escores: nunca (0), raramente (1), algumas vezes (2), frequentemente (3), sempre (4). Na última questão, os escores são: nem um pouco (0), um pouco (1), moderadamente (2), muito (3), extremamente (4). O escore global varia entre 0 e 88, e quanto maior o escore, maior a percepção de sobrecarga. A classificação obedece aos seguintes escores: sobrecarga intensa (escores entre 61 e 88), sobrecarga moderada a severa (escores entre 41 e 60), sobrecarga moderada a leve (escores entre 21 e 40) e ausência de sobrecarga (escores inferiores a 21), e após foi realizada uma entrevista semi-estruturada no intuito de identificar o apoio familiar no cuidado, sendo a entrevista gravada, transcrita e analisada. As questões norteadoras que remetem diretamente ao objeto de estudo foram as seguintes: Você recebe algum tipo de ajuda da sua família para o cuidado de seu familiar? Qual (is)? Que significado tem esta ajuda para você? Como esta ajuda interfere no seu dia-a-dia de cuidado?

A análise das informações procedentes da escala de Zarit Burden Interview4) foram descritas em porcentagens. Com o intuito de analisar as informações utilizou-se a proposta operativa de Minayo,7 que se caracteriza por dois momentos operacionais. O primeiro inclui as determinações fundamentais do estudo, o qual é mapeado na fase exploratória da investigação. E o segundo momento denomina-se de interpretativo, pois consiste no ponto de partida e no ponto de chegada de qualquer investigação, representa o encontro com os fatos empíricos. A fase interpretativa apresenta duas etapas: a ordenação dos dados e a classificação dos dados, que inclui a leitura horizontal e exaustiva dos textos, leitura transversal, análise final e a construção do relatório com a apresentação dos resultados.7 Foram respeitados os aspectos éticos da pesquisa com seres humanos, de acordo com a Resolução no 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Fronteira Sul sob o número 817.161 e CAAE 34968014.5.0000.5564.

Resultados

O estudo foi realizado com seis cuidadores de familiares com AVC, encontravam-se na faixa etária de 20 a 79 anos, sendo que duas cuidadoras tinham menos de 30 anos e um cuidador mais de 70 anos. Destes destacam-se as mulheres, com um quantitativo de 4. Quanto ao grau de parentesco 2 cuidadores eram filhas, 2 cônjuges, 1 era pai e outra era nora. No que tange a escolaridade, 4 cuidadores possuem ensino fundamental incompleto, 1 não é alfabetizado e 1 tem ensino médio incompleto. Em relação a atividade laboral 3 participantes nunca tiveram uma atividade remunerada se intitularam do lar, 2 são aposentados e 1 cuidadora trabalha nas dependências de sua residência, tendo uma atividade remunerada No item renda mensal bruta, 3 cuidadores recebem de um a três salários mínimos, 2 menos de um salário mínimo e 1 cuidador de três a cinco.

No tocante à sobrecarga no processo de cuidar, observa-se que os cuidados em âmbito doméstico se concretizam, sobretudo, pelo trabalho feminino e não remunerado, embora envolvam laços familiares pode ser compreendido como a desvalorização social do trabalho da mulher. A tarefa de cuidar é árdua, por relacionar-se a uma doença crônica e torna-se mais difícil pelas precárias condições financeiras dos envolvidos no processo de cuidado, como exemplifica o relato a seguir: (...) as vezes quase nos matamos aqui dentro, porque não tem dinheiro, eu peço e ninguém ajuda, mas depois nos reconciliamos, porque não adianta ficar brigado (C4).

Em relação a sobrecarga avaliada através da Escala Burden Interview, identificou-se sobrecarga moderada em quatro participantes, sendo que todos dedicavam-se exclusivamente ao cuidado, não contando com ajuda familiar. Dois cuidadores não apresentaram sobrecarga, um relacionado ao baixo grau de dependência de seu familiar, o outro associado ao apoio dos familiares.

Dentre os seis cuidadores, dois não apresentaram sobrecarga. Um dos cuidadores convive com a esposa afásica, e, seus cuidados limitam-se aos de comunicação, esse dado pode constituir como um indicador de que a sobrecarga atua diferentemente em cada indivíduo e que o grau de dependência influencia diretamente na sobrecarga. Essa assertiva é demonstrada na fala: ... o maior sofrimento é ter que ajudar ela em tudo, enquanto ela não caminhar, tem que ajudar, levantar, fazer ela sentar (...) se ela começar a caminhar vai aliviar metade do sofrimento (C1).

Passando para as modificações das relações familiares decorrentes do processo de cuidar, se pôde observar que o cuidado não é uma tarefa fácil e exige uma mudança drástica na vida de quem o faz e também demanda o cumprimento de alguns afazeres tidos como complexos delicados e desgastantes, sendo que, não raro, o cuidador também é uma pessoa frágil que já está em fase de envelhecimento ou em vias de adoecer. Outra cuidadora não apresentou sobrecarga mesmo vivenciando uma situação de dependência de seu familiar.

Outra informação relevante foi que alguns cuidadores ao saberem do resultado da escala de sobrecarga sentiram-se frustrados por apresentarem sobrecarga, entendendo-a como um processo de desamor ao seu familiar, no entanto, houve a oportunidade de mostrar que a sobrecarga não é uma prova de fracasso e sim uma consequência que surge a partir do cuidado contínuo e exposição a situações estressantes. Ficou evidente que a falta de apoio, seja ela formal ou informal, tem se tornado motivo de sobrecarga e geração de sentimentos de solidão no processo de cuidar: Agora elas vem menos aqui em casa porque tem medo que eu peça pra cuida, no caso teria que vim mais pra me ajuda (...) Ninguém fica com ele mais do que dois dias (C6). Outra cuidadora ainda enfatiza que Quando ela fica no hospital daí eu tenho que me virá sozinha, porque os outros irmãos não querem ajudar, dizem que não podem (...) eu saí até do serviço pra cuidar dela (C3).

Conviver com a falta de compreensão e insensibilidade dos demais familiares gera sentimentos de abandono sendo outro agravante, uma vez que esses cuidadores ficam imersos nas tarefas de cuidado, geralmente em tempo integral, não dispondo de tempo para relacionar-se com outras pessoas, não tem tempo para conversar e dividir seu sofrimento, o que fica evidente em outra fala: Eu já não faço o que eu quero (...) eu já me limito a sair, é tudo na corrida (...) quando acordo de manhã primeiro trocar, dar comida, então sempre primeiro ele depois os meus outros afazer, até o meu trabalho no salão tem que esperar, é sempre depois, quando dá (C6). Fica evidente que o cuidador desenvolve capacidades e habilidades para lidar com situações delicadas no cotidiano, experimenta um desgaste, que se apresenta como dificuldade para organizar-se e dar conta de todas as atribuições pelas quais é responsável.

Uma situação essencial de ser considerada é que por vezes o cuidador, em decorrência do nível de envolvimento nos cuidados, passa a não prestar atenção nas necessidades pessoais, e assim, surgem os problemas físicos, oriundos da inobservância do autocuidado. Quando o papel de cuidador principal é assumido, um novo cenário surge na vida de cada um deles, ficando em segundo plano as suas necessidades e vontades, emergindo as demandas do familiar dependente. O fato de não contar com suporte de cuidadores secundários e terciários constituiu-se como uma nova barreira, impossibilitando por vezes, que este cuidador cuide da própria saúde. Este sentimento fica evidente nas falas: quando eu fico doente, eu não posso fazer aquilo que eu gostaria de fazer, como ficar quietinha dormindo (...) sou só eu para cuidar, preciso dar conta do cuidado, porque sei que ela precisa de mim (C2). Vivenciar mudança nos hábitos de vida é uma situação difícil enfrentada pelos cuidadores, pois eles deixam de viver sua própria vida para viver a do outro. Esta relação de entrega por vezes causa sofrimento, diminuição da autoestima, perda da liberdade e estresse. Este fato é agravado quando o cuidador não conta com o suporte de outros membros da família, tornando-se tão dependente de outras pessoas quanto seu familiar, manifestação descrita de forma clara na fala que segue: como não posso contar com meus irmãos, tenho que pedir pros vizinho, se os vizinhos podem (...) pegam ela e levam pra sua casa, pra cuida dela lá, pra mim pode sair um pouco, tentar me distrair (C3).

O cuidador familiar compartilha a dor e o sofrimento da pessoa a quem cuida e apesar de sentimentos desagradáveis permearem o dia a dia do cuidador, também há momentos em que se sentem felizes e realizados como nas situações em que podem contar com o apoio dos familiares: quando eles vêm aqui e ficam com ela pra mim é um sinal que eles ainda nos amam (...) eles não nos abandonaram (C1). Ah, eu me sinto bem! Feliz mesmo, porque eu sei que se precisar é só chamar que eles tão junto, eles dividem comigo (C5).

Discussão

A associação encontrada entre o trabalho doméstico não remunerado e figura feminina pode ser explicada pela tradição em um passado recente onde as mulheres não desempenhavam funções fora do ambiente familiar. Evidencia-se também nesse estudo, no que diz respeito ao universo feminino, que algumas cuidadoras somam ao cuidado as atividades domésticas, de mãe, de avó e esposa, podendo assim gerar um acúmulo de trabalho com consequente sobrecarga nos diferentes domínios da vida, como social, emocional, físico, espiritual, contribuindo para o descuido de si e da própria saúde.8

A média total de sobrecarga do cuidador familiar, na presente pesquisa, foi semelhante à de outros estudos que tiveram como propósito avaliar esse fenômeno entre os cuidadores.9 Algumas investigações mostraram que cuidadores com alto grau de sobrecarga são mais facilmente afetados com doenças como a depressão, com uma frequência média de 30% dos cuidadores observados.10 Os familiares que assumem o papel de cuidadores podem entrar numa situação de crise, podendo apresentar tensão, estresse, frustração, fadiga, constrangimento, depressão e alteração da autoestima tendo como consequência, problemas físicos, psicológicos, emocionais, sociais e financeiros, que por sua vez afetam o bem - estar do doente e do cuidador.11

A tensão vivida pelos cuidadores eleva o risco de doenças cardiovasculares e seu risco de mortalidade em 23% e 63%, respectivamente, quando comparados com os não cuidadores.12 Esses impactos negativos sobre o bem-estar dos cuidadores podem resultar na quebra dos cuidados e na institucionalização dos sobreviventes de AVC, o que impõe um custo substancial nos sistemas de saúde. Entretanto, no âmbito brasileiro, a figura do cuidador tem sido desvalorizada tanto em nível governamental, devido à falta de estratégias e de infraestruturas para intervir, de forma sistemática, no contexto da situação de dependência, quanto em nível não governamental, que inclui a própria família e profissionais de saúde. Para tanto, os cuidadores são desafiados por inúmeras demandas e passam a ter restrições em relação à própria vida, o que contribui para o aparecimento da sobrecarga.13 Neste sentido, acreditamos que quando os cuidadores recebem apoio de outros membros da família e o cuidado é compartilhado, há um alívio nas atividades e tempo para cuidarem-se de si mesmos e assim diminuindo a sobrecarga vivenciada, principalmente quando a situação de dependência é maior. Estudos já evidenciaram que o grau de dependência influencia diretamente no cuidado, determinando o quanto o cuidador terá que disponibilizar de seu tempo para auxiliar nas as atividades da vida diária.11

As dificuldades encontradas pelos cuidadores escutados nesse estudo são oriundas do esforço físico empregado na tarefa cotidiana de cuidar, levando a uma exaustão e o desejo de que essa realidade se modifique. As atividades que necessitam de esforço físico certamente são as que causam maior dificuldade, uma vez que para cuidar de um adulto dependente torna-se necessário ter uma boa capacidade física para dar conta de tarefas pesadas, como a locomoção, além da necessidade de recuperar-se rapidamente, de uma noite mal dormida.5

Para cuidadora que não apresentou sobrecarga mesmo vivenciando uma situação de dependência de seu familiar, avalia-se que pode estar associado à sua atuação profissional, pois exerce atividade remunerada nas dependências de sua residência, o que sugere a possibilidade de manter autonomia financeira e interação com outras pessoas da comunidade, o que pode minimizar os danos do cuidado crônico ao cuidador familiar. As relações sociais, o convívio com outras pessoas pode ser uma forma de alívio para as pressões vivenciadas no cotidiano de cuidado. Numerosos estudos apoiam a ideia de que as pessoas que têm boas redes sociais adaptam-se de modo mais fácil a sua situação, da mesma forma, consideram que essas redes protegem os indivíduos contra o estresse gerado pela doença e pelo fato de tornarem-se cuidadores o que permite reavaliar a situação e adaptar-se melhor a ela, ajudando a desenvolver respostas positivas de enfrentamento.13

Na família a pessoa ao se engajar no papel de cuidador o faz por um movimento de “slipping into it” (escorregar para dentro), paralelamente a ocorrência de outro movimento desencadeado pelos demais membros do sistema que é o “slipping out of” (escorregar para fora). Isto significa que quanto mais o cuidador se envolve no cuidado, mais os não cuidadores se desvencilham deste papel.14 Situação que pode levar ao cuidador a solidão no processo de cuidar.

O cuidado familiar é um fenômeno complexo, o que gera sentimentos diversos. Receber apoio dos familiares para atravessar este momento, significa que existe amor entre a família e a sensação de abandono é minimizada, perante uma situação adversa. O fato de ter com quem contar nos momentos difíceis e de necessidade faz com que o cuidador se sinta amparado. A família, seja ela nuclear, formada por pais e filhos, ou expandida, que inclui pessoas consideradas membros de uma mesma família, independente de laços consanguíneos ou parentais, constitui-se como fonte primária de auxílio e cuidados a seus integrantes3. A rede social natural básica é a família nuclear, no entanto, os parentes, vizinhos, amigos, serviços de saúde, também constituem a extensa rede de suporte social.15

Como conclusão, esse estudo permitiu conhecer a existência de relação entre a sobrecarga de cuidadores de indivíduos com sequelas de acidente vascular cerebral e o apoio familiar. Nesta perspectiva, evidenciou-se a existência de sobrecarga do cuidador, associada a alterações significativas nos laços familiares, demonstrando ônus maior em cuidadores que não possuem suporte da família. A sobrecarga relacionada ao cuidado é um fenômeno facilmente perceptível quando persistente, podendo levar ao adoecimento do cuidador. No entanto, quando o cuidado é compartilhado minimiza o sofrimento e fortalece as relações familiares existentes, tornando-as mais sólidas e amorosas pelo envolvimento estabelecido entre os envolvidos. Cabe destacar que em uma sociedade onde observa-se mudanças na estrutura familiar, se faz necessário a elaboração de políticas públicas com vistas ao estabelecimento de suporte formal para os doentes e seus familiares em situação de dependência.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 28 de Outubro de 2015; Aceito: 31 de Agosto de 2016

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