OS PROBLEMAS emocionais e de compor tamento têm sido amplamente estudados devido sua incidência e impacto que podem causar ao desenvolvimento infanto-juvenil (Grigorenko, Geiser, Slobodskaya, & Francis, 2010; Malin-auskienea, Vosylis, & Zukauskienea, 2011; Saur, Correia, Bettiol, Barbieri, & Loureiro, 2014). De acordo com WHO (World Health Organization, 2001), há duas categorias específicas de transtornos mentais na infância e adolescência classificadas como transtornos do desenvolvimento psicológico e transtornos emocionais e de comportamento. Contudo, apenas estes últimos serão foco do presente estudo por interatuarem no processo de ensino-aprendizagem (Zins, Weissberg, Wang, & Walberg, 2004).
Os indicadores de transtornos emocionais e de comportamento são definidos a partir de sua categorização em problemas externalizantes e de internalizantes (Achenbach, 1991), atentando a especificidade de seus sintomas (Wilkinson, 2009). Os problemas externalizantes estão relacionados à oposição, agressão, impulsividade, comporta mento desafiador e manifestações antissociais. Já os problemas internalizantes envolvem depressão, ansiedade, retraimento social, queixas somáticas, medo, preocupação em excesso, tristeza, timidez, insegurança e recusa escolar (Achenbach & Edel-brock, 1979). Os sintomas relativos a ambos tipos de problemas costumam ter início na infância (Bolsoni-Silva, Marturano, & Freiria, 2010) e impactam o desenvolvimento de adolescentes, podendo trazer prejuízos psíquicos e sociais na vida adulta (Rocha, 2012).
Especialmente no que diz respeito a aprendi zagem, a presença de problemas emocionais e de comportamento podem prejudicar o rendimento escolar (Gaxiola & Frías, 2016). Estudos brasileiros indicam que o baixo rendimento escolar associado aos problemas emocionais e de comportamento está entre as principais queixas que motivam a busca pelos serviços de saúde mental (Gauy, 2016; Santos, 2006; Valverde, Vitalle, Sampaio, & Schoen, 2012). De acordo com Vinocur e Pereira (2011), geralmente, é responsabilidade dos pais reconhecer que o filho tem um problema e procurar o tratamento adequado, mas muitos não se atêm a eles acreditando que as alterações emocionais e comportamentais são inerentes à adolescência. Nesse sentido, faz-se importante outros olhares, como o de professores, que, em função do tempo que passam com seus alunos, poderão identificar sinais que demandam encaminhamento para avaliação (Vigoya, 2005), contribuindo para inter venções precoces que podem reduzir a gravidade do problema e prevenir o desenvolvimento de comorbidades (Girolamo, Dagani, Purcell, Coc-chi, & McGorry, 2012). Nesse sentido, o contexto escolar, além do familiar, tem sido identificado como estratégico para prevenção e promoção de saúde mental de crianças e adolescentes.
A avaliação de múltiplos informantes em rela ção às demandas emocionais e de comportamento tem sido justificada por possibilitar mapear o fe nômeno em estudo a partir de diferentes contextos (Barreto, Freitas, & Del Prette, 2011). Quando a população estudada é constituída por adolescentes, essa indicação metodológica parece assumir maior importância, pois o comportamento nesta etapa do desenvolvimento costuma variar em consonância com o contexto no qual está inserido e com quem se interage (Borba & Marin, no prelo). Contudo, são poucos os estudos que atendem a essa questão (Grigorenko et al., 2010; Pezzi, Donelli, & Marin, 2016) e entre os localizados, muitos contemplaram apenas duas fontes de informação, normalmente familiares e professores (Pedrini & Frizzo, 2010; Romano, Babchishin, Pagani, & Kohen, 2010), não considerando o próprio objeto de estudo, que é o adolescente.
Estudos que priorizaram a avaliação de fami liares e professores, como a pesquisa longitudinal desenvolvida por Romano et al. (2010), cujas mães e professores foram informantes, revelaram que os problemas de atenção e os de externalização prediziam negativamente o rendimento escolar, afetando as relações entre pares e a motivação para aprender.
Quanto aos estudos que realizaram análises de tendência, a maioria deles acaba por considerar apenas um informante. Por exemplo, o estudo longitudinal de Burt e Roisman (2010), que teve 1160 mães norte-americanas como informantes, verificou que são os comportamentos externali-zantes um dos fatores que explica o rendimento escolar em anos subsequentes. Já o estudo de Ou e Reynolds (2008), que contemplou 1286 adolescentes americanos, apontou que as expectativas positivas e a participação efetiva dos participantes no seu pro cesso de aprendizagem explicavam o rendimento acadêmico satisfatório, enquanto que fatores como faltas e reprovação escolar no período de transição entre os anos finais do ensino fundamental e ensino médio foram preditores negativos do rendimento escolar. Por fim, Marturano e Pizato (2015) reali zaram uma pesquisa com 248 alunos brasileiros e alguns de seus professores como informantes. As autoras testaram um modelo de predição de rendimento acadêmico no quinto ano do ensino fundamental, tendo como preditores características do aluno e da escola avaliadas no terceiro ano do mesmo nível de ensino. Os dados revelaram que os problemas de internalização e a percepção de estresse prediziam o baixo rendimento escolar.
Frente ao exposto, evidencia-se que os indi cadores emocionais e de comportamento, quando presentes, podem explicar, ao menos em parte, o rendimento escolar, principalmente na avaliação de familiares e professores. Entretanto, esse dado não é consenso na literatura, uma vez que são encontrados estudos que revelam que é o baixo rendimento escolar que explica os problemas emocionais e de comportamento (Marturano & Elias, 2016; Teixeira, Seraceni, Suriano, Sant'ana, Carreiro, & Paula, 2014), assim como os problemas de atenção e os problemas sociais (Marturano & Elias, 2016).
Considerando as inconsistências encontradas na literatura, a direção da associação entre as variá veis contempladas no presente estudo, indicadores de problemas emocionais e de comportamento e rendimento escolar, o presente estudo priorizou a experiência profissional das pesquisadoras em contextos escolares, nos quais se observava alunos distantes dos seus grupos de pares por apresenta rem comportamento agressivo ou de isolamento/ depressão, o que acabava por afetar seu interesse e rendimento na escola. Não raro também se ouvia relatos de familiares e professores respon sabilizando os próprios alunos pelas dificuldades acadêmicas e comportamentais apresentadas, o que impedia uma compreensão contextualizada para tais demandas (Dazzani, Cunha, Luttigards, Zucoloto, & Santos, 2014; Pezzi et al., 2016) poden do, inclusive, intensificá-las. Assim, teve-se como objetivo investigar se existe contribuição e em que extensão os indicadores de problemas emocionais e de comportamento explicam o rendimento escolar de adolescentes matriculados nos anos finais do ensino fundamental, tendo como informantes os próprios adolescentes, seus familiares e professores.
Método
Delineamento e Participantes
Este estudo caracteriza-se como sendo de delineamento observacional analítico de corte transversal (Grimes & Shulz, 2002) e abordagem quantitativa. Compuseram sua amostra 161 par ticipantes, dentre os quais 70 eram adolescentes (SMS, 2006), matriculados nos anos finais do ensino fundamental em duas escolas públicas localizadas em um bairro de classe média-baixa na cidade de Porto Alegre, e, em igual número, suas famílias, representadas pelos principais cuidadores, além de 21 professores, que avaliaram o número corres pondente de alunos contemplados nesta pesquisa.
Destaca que não foram incluídos os alunos adolescentes matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental porque ainda estão em cons trução do processo de alfabetização e raciocínio lógico, o que poderia interferir na avaliação do rendimento escolar. Além disso, participaram apenas alunos de escolas públicas devido à difi culdade de acessar as escolas privadas no último trimestre do ano letivo. Ainda foram excluídos dois adolescentes que estavam em Atendimento Educacional Especializado (AEE; Brasil, 2008) decorrente de quadros de deficiência mental e transtorno do espectro autista, por necessitarem de estratégias curriculares diferenciadas que afetam a avaliação do rendimento escolar.
Os adolescentes participantes tinham idade entre 11 e 17 anos («=12.90; DE=1.08), sendo 41 (58.6%) do sexo feminino e 29 (41.4%) do sexo masculino. Com relação a sua escolaridade, 18 (25.7%) cursavam o sexto ano e 52 (74.3%) o séti mo ano do ensino fundamental. No ano letivo da realização da pesquisa, 13 (18.6%) deles reprovaram e os demais foram aprovados (81.4%). As famílias foram representadas, em sua maioria, pelas mães biológicas (82.9%), mas também participaram seis pais biológicos (8.6%), três mães adotivas (4.3%), um pai adotivo (1.4%), uma tia materna (1.4%) e uma avó materna (1.4%). Entre os professo res, cinco (23.81%) eram do sexo masculino e 16 (76.19%) do sexo feminino, os quais ministravam diferentes disciplinas para as classes participantes, contemplando todas do currículo. A amostra foi acessada por conveniência e estimada de acordo com os critérios propostos por Hair, Black, Babin, Andreson e Thatam (2009) para análise de variância, os quais consideram que o tamanho mínimo exigido é de 20 sujeitos em cada grupo neste tipo de análise.
Instrumentos
Registro do rendimento escolar. Foram con sideradas as notas dos três trimestres avaliativos das disciplinas de português e matemática referentes ao ano letivo da realização da pesquisa (2015). Optou-se pelas disciplinas de português e matemática, tendo em vista que a compreensão da leitura contribui para a aprendizagem de diferentes conteúdos escolares e facilita a utilização de processos cognitivos comple xos, como, por exemplo, o raciocínio analógico e o analítico (Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2008). Já a construção do conhecimento matemático requer que o aluno pense sobre possibilidades, estabeleça relações, compreenda os princípios subjacentes às operações e utilize estratégias de resolução de pro blemas (Corso, 2008). A média final para aprovação pelas escolas participantes era 50 pontos.
Inventário de comportamentos autorre-feridos para jovens de 11 a 18 anos (Youth Self Report [YSR], Achenbach & Rescorla, 2001). Avalia a saúde mental de adolescentes com idade entre 11 e 18 anos, sendo dividido em duas partes. A primeira é composta por itens destinados à avaliação das competências dos adolescentes. Já a segunda, refere-se à avaliação de indicadores autorreferidos dos problemas emocionais e de comportamento a partir de oito escalas que compõem três índices gerais: problemas internalizantes (ansiedade/de pressão, isolamento/depressão e queixas somáti cas), problemas externalizantes (comportamento desviante e comportamento agressivo) e total de problemas, que engloba todos os itens de problemas de comportamento, além dos problemas sociais, problemas de pensamento e problemas de atenção. Para fins do presente estudo, foi utilizado apenas esta segunda parte do instrumento. Em relação às propriedades psicométricas do instrumento, Bordin et al. (2013) revelaram que a confiabilidade média de teste-reteste foi de .82 e a consistência interna das escalas de problemas, medido por alfa de Cronbach, variou de .67 a .95. O YSR se encontra em processo de validação para população brasileira e já foram apontados adequados índices de consistência in terna, com o índice rmsea de .03, indicando bom ajustamento (Rocha, 2012).
Inventário dos comportamentos de crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos (Child Behavior Checklist [CBCL],Achenbach & Rescorla, 2001). Afere a competência social e a presença de proble mas emocionais e de comportamento em crianças e adolescentes de acordo com a percepção dos pais/ cuidadores. Da mesma forma que para o YSR, o ins trumento divide-se em duas partes, sendo utilizado neste estudo apenas o segundo nível do inventário. Embora não haja validação do instrumento para a população brasileira, apenas uma análise preliminar (Bordin, Mari, & Caeiro, 1995), o estudo de Rocha et al. (2013) evidenciou a validade da sua estrutura fatorial (RMSEA=.02) e capacidade discriminativa (/K.001). Silvares, Rocha e Emerich (2016) revela ram que na versão brasileira, foram encontrados bons índices de consistência interna para uma amostra não encaminhada para serviços de saúde mental (a=.95) e para outra amostra de crianças e adolescentes encaminhada para atendimento em um serviço de psicologia de Porto Alegre (a=.95).
Inventário dos comportamentos de crianças e adolescentes-relatório para professores (Teacher's Report Form [TRF],Achenbach & Rescorla, 2001). Avalia o funcionamento adaptativo, composto por desempenho acadêmico, dedicação ao trabalho escolar, comportamento apropriado, aprendizagem e felicidade, além de problemas internalizantes e externalizantes. O instrumento se constitui como uma medida paralela ao CBCL, que foi desenvolvida para, quando usados em conjunto, proporcionar uma compreensão global do funcionamento da criança/adolescente em diferentes ambientes, de vendo ser respondido pelo professor que conheça o aluno há pelo menos dois meses, critério que foi cumprido no presente estudo. Bordin et al. (2013) afirmam que o instrumento na versão original é considerado padrão para a avaliação de problemas de comportamento e é um dos mais utilizados no mundo, com boa confiabilidade teste-reteste (.90) e consistência interna, medida pelo alfa de Cronbach, variando de .72 a .97. Entretanto, as validações do instrumento estão sendo conduzidas no Brasil por pesquisadores das Universidades Estadual e Federal de São Paulo (Unifesp e USP), sendo comparados os itens das versões traduzidas pelos grupos de pesquisadores para posterior análise e finalização da versão brasileira.
Procedimentos de Coleta de Dados
Inicialmente, foi realizado contato presencial com a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, com vista à autorização do estudo e duas escolas da cidade de Porto Alegre/RS foram selecionadas. A escolha ocorreu por conveniência, considerando a localização acessível à pesquisa dora. As famílias foram contatadas por meio de palestras informativas realizadas pela pesquisadora e organizadas pela equipe diretiva das escolas, além de reuniões de entrega de avaliações. Aqueles que aceitavam participar assinavam o Termo de Con sentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e levavam um envelope constando uma Carta de Apresentação da Pesquisa, instruções quanto aos procedimen tos de preenchimento do CBCL e o instrumento propriamente dito. O prazo de preenchimento era de uma semana, após o qual deveriam reenviar os instrumentos pelos adolescentes. O material era recolhido na própria escola. Os adolescentes, por sua vez, foram acessados em sala de aula, com a devida liberação da Direção da escola e aprovação do professor responsável pela disciplina, para assi narem o Termo de Assentimento e responderem coletivamente ao YSR. Por fim, com os professores foi agendado um dia e horário individual que estivessem disponíveis na escola para assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderem ao TRF. Tendo em vista a extensão do instrumento, o período da coleta (terceiro trimestre do semestre letivo) e considerando que muitos dos adolescentes participantes faziam parte de uma mesma turma, todos os professores dos anos finais foram convidados a participar e orientados, individualmente, sobre quem deveriam considerar para avaliação a fim de não os sobrecarregar. Assim, nenhum deles preencheu mais de sete inventários. Destaca-se que o presente estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, sob o CAAE 47369215.2.0000.5344.
Procedimentos de Análise dos Dados
As respostas dos instrumentos YSR, CBCL e TRF foram analisadas a partir do ASEBA-PC. Para fins deste estudo, não foram consideradas as escalas orientadas pelos critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IY). Os escores das escalas contempladas foram classificados em clínico (percentis a partir de 70), borderline ou limítrofe (percentis entre 65 a 69) e não clínico (percentis abaixo de 65), mas neste estudo optou-se por incluir os adolescentes categorizados como limí trofes na categoria clínica, conforme recomendação de Achenbach e Rescorla (2001). Essa classificação não representa um diagnóstico; porém, auxilia na identificação de fatores de risco que indicariam a necessidade de ajuda profissional. Também foram utilizados os escores t referentes a cada subescala e escala dos instrumentos, visto que esse padroniza os resultados, não havendo interferência do número de itens correspondente (Rocha, 2012).
Para estatística descritiva foram utilizadas as distribuições absoluta (n) e relativa (%), bem como as medidas de tendência central e dispersão (média, mediana e desvio padrão) com o estudo de normalidade da distribuição dos dados pelo teste de Kolmorogov-Smirnov (correção de Li-llifors). Com o objetivo de verificar a existência de relação entre as escalas do YSR, CBCL e TRF e a média final obtida nas disciplinas de português e matemática, realizou-se a análise de correlação de Pearson. Após, foram eleitos para o modelo inicial aqueles fatores cuja correlação entre a média final e as escalas dos instrumentos fosse estatisticamente significante ao nível de 20%. Posteriormente, foi empregada a análise de regressão linear multiva-riada, utilizando o método backward conditional, para cada escala dos instrumentos YSR, CBCL e TRF, definidas como variáveis explicativas (ou independentes), a fim de determinar os preditores para o rendimento escolar. As análises indicadas foram realizadas por meio do programa estatístico SPSS 22.0 (Statistical Package for Social Science) e considerou-se o nível de significância /K.05.
Resultados
Para avaliar se existia contribuição dos indi cadores de problemas emocionais e de comporta mento no rendimento escolar dos adolescentes, foi realizada a análise de correlação de Pearson, con siderando os escores t das escalas e subescalas do YSR, CBCL, TRF e a nota final obtida nas disciplinas de português e matemática (valor médio). Como pode se verificar na Tabela 1, foram encontradas correlações significativas e negativas, para a escala problemas de atenção na avaliação de adolescentes (p<.01), familiares (/K.01) e professores (/K.01). Os docentes também evidenciaram correlações negativas para comportamento desviante (/K.01), comportamento agressivo (pK.04) e problemas externalizantes (/K.01). Para o total de problemas evidenciou-se correlação negativa na avaliação de adolescentes (/K.02) e professores (/K.01). As relações da nota final com as demais escalas dos instrumentos, entre os três informantes considera dos, não se mostraram representativas. Contudo, foi incluída a variável problemas internalizantes e isolamento/depressão para análise de regressão linear múltipla por apresentarem p<.20.
Ansiedade/depressão | -.15 | -.06 | -.03 | |
Isolamento/depressão | -.10 | -.16 | -.16 | |
Queixas somáticas | -.15 | -.04 | .10 | |
Problemas sociais | -.18 | -.11 | -.20 | |
Problemas de pensamento | -.18 | -.03 | -.12 | |
Problema de atenção | -.34* | -.37* | -.52* | |
Comportamento desviante | -.22 | -.14 | -.31* | |
Comportamento agressivo | -.10 | -.14 | -.24* | |
Problemas internalizantes | -.15 | -.01 | -.05 | |
Problemas externalizantes | -.21 | -.19 | -.29* | |
Total de problemas | -.26* | -.17 | -.33* | |
Nota: *p<.05. |
Já para examinar em que extensão os indica dores de problemas emocionais e de comportamen to explicam o rendimento escolar dos adolescentes, utilizou-se a análise de regressão linear múltipla (método backward conditional), considerando a nota final de português e matemática (variável dependente) e os escores t das escalas e subescalas do YSR, TRF e CBCL (variáveis independentes). Verificou-se entre os adolescentes que as escalas de problemas de atenção, comportamento des viante e problemas externalizantes explicaram 52% da variância ocorrida no rendimento escolar (F(3,66)=4.247; p<.01). Já no modelo relativo aos fami liares, as escalas problemas de atenção e problemas internalizantes (preditor positivo), predisseram 31% da variância ocorrida no rendimento escolar (F(3,66)=5.030; p=.01). Por fim, no modelo referente aos professores, verificou-se que os indicadores de isolamento/depressão, problemas de atenção e problemas internalizantes (preditor positivo), explicaram 49% da variância ocorrida no ren dimento escolar dos adolescentes (F(6.63) =5.902; p=.01). A Tabela 2 apresenta as variáveis que foram significativas na análise de regressão.
B | p | b | p | B | p | |
Isolamento/depressão | -.50 | .01 | ||||
Problema de atenção | -.51 | .01 | -.55 | .01 | -.76 | .01 |
Comportamento desviante | -.32 | .02 | ||||
Problemas internalizantes | .32 | .01 | .45 | .01 | ||
Problemas externalizantes | -.44 | .01 | ||||
R2 Ajustado | .52 | .31 | .49 | |||
Fcalc (gln) | 4.24 (3,66) (3,66) | 5.03 (3,66) | .90 (6,63) | |||
p (modelo) | .01 | .01 | .01 |
Nota. b: Coeficiente de regressão; R2: Coeficiente de determinação; gl.: Graus de liberdade.
Discussão
Frente aos objetivos e resultados encontrados no presente estudo, destaca-se que os problemas de atenção foram identificados na avaliação dos adolescentes, familiares e professores como contri buindo e explicando o baixo rendimento escolar. Tal dado está de acordo com a literatura que indica que a falta de atenção acarreta dificuldades para estudar e se concentrar, o que, consequentemen te, está associado ao pior rendimento escolar (Casali-Robalinho, Del Prette, & Del Prette, 2015; McLeod, Uemura, & Rohrman, 2012; Romano et al., 2010). Valverde et al. (2012) também ressaltaram que as tarefas escolares exigem dos adolescentes esforço consciente e contínuo para manter o foco, sendo que as dificuldades de atenção encontradas no início da escolarização podem levar ao baixo rendimento escolar no futuro.
Particularmente, em relação aos adolescen tes, além dos problemas de atenção, também se constatou que o total de problemas estava asso ciado ao baixo rendimento escolar, assim como os comportamentos desviantes e os problemas externalizantes, que foram apontados como con tribuindo em mais de 50% para tal rendimento. Esse resultado está consonante com a literatura, que indica que os comportamentos externali-zantes podem levar os alunos a experimentarem relações negativas com os professores e colegas, o que, por conseguinte, diminui o seu interesse e motivação para aprender (Malinauskienea et al., 2011). Além disso, alunos com problemas externalizantes costumam apresentar dificulda des para lidar com as demandas da escola, pois, devido a característica de seus sintomas, não conseguem permanecer na sala de aula por muito tempo e se engajar em atividades escolares, o que compromete o seu rendimento escolar (Dessen & Szelbracikowski, 2006).
Nessa mesma direção, na avaliação dos profes sores, constatou-se que o baixo rendimento escolar foi relacionado aos comportamentos agressivos, desviante e aos problemas externalizantes. Vários autores salientaram a dificuldade de os professores conseguirem ministrar uma aula diante da presença de tais comportamentos devido a necessidade de intervirem constantemente junto ao aluno (Burt & Roisman, 2010; Romano et al., 2010).
Contudo, foram os indicadores isolamento/ depressão os que melhor explicaram o baixo rendimento escolar dos adolescentes na avaliação dos professores. O estudo de Lyra, Assis, Njaine e Pires (2013) e de Lyra, Assis, Njaine, Oliveira e Pires (2009) revelou que esses indicadores eram observados pelos professores a partir de sinto mas como apatia em sala de aula, mas somente aqueles com algum nível de sofrimento psíquico se referiam a tais indicadores como problemas, possivelmente por haver alguma identificação. Pesquisas têm apontado que a tendência ao isola mento, bem como sintomas depressivos interferem negativamente no rendimento escolar, pois os alunos com tais características apresentam um estilo negativo de avaliarem a si mesmos e suas descobertas, sendo provável que, diante de uma situação de insucesso escolar, venham a nutrir pensamentos de autodesvalorização, desesperança e pessimismo (Baptista, Lima, Capovilla, & Melo, 2006; Cruvinel & Boruchovitch, 2004).
Destaca-se que na avaliação dos professores e dos familiares, os resultados contrariam os achados da literatura que indica que os problemas interna lizantes foram identificados como contribuindo positivamente para o rendimento escolar (Mar-turano & Pizato, 2015; Rocha, 2012). Os sintomas internalizantes, muitas vezes, não interferem na dinâmica da sala de aula e costumam ser descon siderados por familiares e professores (Lyra et al., 2009), principalmente no período da adolescên cia, etapa a qual se associa a complexização das regras de convívio social (Cia & Barham, 2009). Entretanto, tais sintomas necessitam da atenção de familiares e educadores, uma vez que podem levar a uma variedade de resultados negativos, incluindo a dificuldade de inserção e interação no ambiente escolar (Barreto et al., 2011; Borba & Marin, no prelo).
Por fim, cabe destacar que os dados da análise de regressão apontaram o maior poder explicativo dos problemas emocionais e de comportamento resultante da avaliação dos próprios adolescentes. Casali-Robalinho et al. (2015) já haviam assinalado que a autoavaliação de adolescente não deve ser subestimada quando se avaliam os problemas emocionais e de comportamento, pois ela é um indicador importante para o rendimento escolar. Portanto, aponta-se a necessidade de novos estu dos sobre a temática atentarem para inclusão dos próprios alunos em suas pesquisas. Já os dados resultantes da avaliação dos familiares foram os menos expressivos.
É, ainda, importante salientar que o con junto dos resultados encontrados indicaram divergências entre os múltiplos informantes em relação aos tipos de problemas emocionais e de comportamento que contribuem e explicam o baixo rendimento escolar, o que pode ser ex plicado pelo fato de os familiares e professores, considerados importantes agentes para o des envolvimento dos adolescentes, poderem estar limitando-se às dificuldades mais apresentadas pelos adolescentes em sala de aula, podendo não estar atentos a outras demandas emocionais e de comportamento que precisariam ser acolhidas para que se consiga aprender. Enquanto isso, cabe aos adolescentes a "denúncia" por meio de comportamentos externalizantes, do que está subjacente ao seu rendimento escolar.
Não se pode deixar de mencionar que o presente estudo apresenta limitações, como o corte transversal, que dificulta a identificação de preditores do rendimento escolar. Além disso, não foram obtidas informações prévias sobre a escolarização dos pais e histórico de reprovação dos alunos, visto que se considerou apenas os aspectos relativos ao rendimento atual dos ado lescentes. Por outro lado, destaca-se alguns dos seus diferenciais, como a inclusão de múltiplos informantes para avaliação dos problemas emo cionais e de comportamento dos adolescentes, possibilitando uma maior compreensão do fenô meno em estudo.
Acredita-se que os dados apresentados e discutidos trazem contribuições a literatura da área no sentido de esclarecer que, apesar das diferentes percepções dos informantes, foram identificados indicadores emocionais e de com portamento que contribuem e explicam o rendi mento escolar de adolescentes, o que assinala que tais fatores devem ser considerados no âmbito da educação e saúde. Não se preconiza que eles sirvam para rotular e diferenciar os alunos, mas que sejam considerados no planejamento de ações e intervenções que viabilizem uma relação próxima entre professores e alunos, acentuando a motivação para aprender. Ainda se destaca que a preocupação em identificar o impacto específico dos problemas emocionais e de comportamento sobre o rendimento escolar instiga novos estudos na área, com amostras maiores e representativas, assim como em outros contextos escolares, como o privado, que visem melhor entender os fatores que afetam o baixo rendimento escolar entre adolescentes, tendo em vista os prejuízos, atual e futuro, em seu desenvolvimento.