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Opinión Jurídica

Print version ISSN 1692-2530On-line version ISSN 2248-4078

Opin. jurid. vol.20 no.spe43 Medellín Dec. 2021  Epub June 15, 2022

https://doi.org/10.22395/ojum.v20n43a25 

Artigos

Tecnologias como novos riscos aos Direitos Humanos e a possível tutela do Direito

Las tecnologías como nuevas amenazas a los Derechos Humanos y la posible tutela del Derecho

Technologies as New Threats to Human Rights and the Possible Tutelage of Law

Francieli Puntel Raminelli* 
http://orcid.org/0000-0002-6301-1490

*Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil francieli.raminelli@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-6301-1490


RESUMO

As novas tecnologias facilitam e contribuem para a vida do indivíduo em sociedade, mas, ao mesmo tempo, podem apresentar riscos de violação de direitos. Entre benefícios e malefícios acarretados pelas novas tecnologias, em especial a internet, encontra-se o Direito, que, com muita dificuldade busca uma maneira de regulamentar o ciberespaço. Por este motivo, buscou-se responder a seguinte questão: diante do contexto criado pela relação entre novas tecnologias e os possíveis riscos que apresenta para os Direitos Humanos, quais são as alternativas existentes, hoje, na busca por uma regulamentação do ciberespaço? Objetivou-se contextualizar a relação existente entre as novas tecnologias e os direitos humanos, apresentar em que pontos essas oferecem um risco aos direitos já existentes e àqueles que são conhecidos como “novos direitos” e, por fim, apresentar como o Direito está caminhando para solucionar estas dificuldades. Utilizou-se do método de abordagem dedutivo, com técnica de pesquisa bibliográfica e documental. Conclui-se que, hoje, não existe uma alternativa robusta o suficiente para uma regulamentação satisfatória do ciberespaço, mas é evidente a necessidade de que um sistema seja construído em nível internacional.

Palavras-chave: direitos humanos; novas tecnologias; internet; violação de direitos; tutela jurídica

RESUMEN

Es cierto que las nuevas tecnologías contribuyen y facilitan la vida del hombre en la sociedad, pero, a la vez, pueden presentar riesgos de vulneración de los derechos. Entre beneficios y maleficios ocasionados por las nuevas tecnologías, especialmente el internet, encontrase el Derecho, que busca reglamentar el ciberespacio. Por esta razón, se buscó dar respuesta a la siguiente pregunta: ¿ante el contexto creado por la relación entre las nuevas tecnologías y sus posibles riesgos a los Derechos Humanos, cuales son las alternativas existentes, hoy, que buscan regimentar el ciberespacio? Se objetivó contextualizar la relación existente entre las nuevas tecnologías y los derechos humanos, dar a conocer en cuales puntos ofrecen una amenaza a los derechos ya existentes y aquellos que son conocidos como los “nuevos derechos” y, por fin, presentar como el Derecho está encaminado para solucionar dichas dificultades. Se utilizó el método de enfoque deductivo, con técnica de investigación bibliográfica y documental. Se concluye que, actualmente no existe una alternativa fuerte o suficiente para una reglamentación satisfactoria del ciberespacio, pero es evidente la necesidad que se construya un sistema a nivel internacional.

Palabras clave: derechos humanos; nuevas tecnologías; Internet; derechos vulnerados, tutela jurídica

ABSTRACT

New technologies facilitate and contribute to the individual’s life in society, but, at the same time, they can present risks of violation of rights. Among the benefits and harms brought about by new technologies, especially the internet, is the Law, which, with great difficulty, seeks a way to regulate cyberspace. For this reason, we sought to answer the following question: given the context created by the relationship between new technologies and the possible risks they pose to Human Rights, what are the alternatives that exist today in the search for a regulation of cyberspace? The objective was to contextualize the existing relationship between new technologies and human rights, to present at what points they pose a risk to existing rights and to those known as “new rights” and, finally, to present how the Law is moving towards resolving these difficulties. We used the deductive approach method, with bibliographic and documentary research techniques. It is concluded that, today, there is no robust enough alternative for a satisfactory regulation of cyberspace, but the need for a system to be built at an international level is evident.

Keywords: human rights; new technologies; Internet; violation of rights; legal protection

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é parte das pesquisas realizadas pela autora para a construção de sua tese de doutorado, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil) e na Universidade de Sevilla (Espanha). O título da tese, já defendida, é “Desafios atuais do estado democrático de direito: poder econômico, tecnologia e globalização - uma aplicação ao caso brasileiro”.

Neste trabalho, em específico, abordou-se a delicada relação entre as novas tecnologias e os direitos humanos. As primeiras facilitam e contribuem para a vida do indivíduo em sociedade, mas, ao mesmo tempo, podem apresentar riscos de violação de direitos, alguns deles criados justamente em razão da inserção da tecnologia como item básico do cotidiano de muitos.

Entre benefícios e malefícios acarretados pelas novas tecnologias, em especial a internet, encontra-se o Direito, que com muita dificuldade busca uma maneira de regulamentar o ciberespaço. Por este motivo, buscou-se responder a seguinte questão: diante do contexto criado pela relação entre novas tecnologias e os possíveis riscos que apresenta para os Direitos Humanos, quais são as alternativas existentes, hoje, na busca por uma regulamentação do ciberespaço?

Objetivou-se contextualizar a relação existente entre as novas tecnologias e os direitos humanos, apresentar em que pontos essas oferecem um risco aos direitos já existentes e àqueles que são conhecidos como “novos direitos” e, por fim, apresentar como o Direito está caminhando para solucionar estas dificuldades.

Para atingir estes objetivos, o presente trabalho utilizou-se do método de abordagem dedutivo, com técnica de pesquisa bibliográfica e documental. Ademais, dividiu-se em três capítulos: o primeiro, em que se abordará uma compreensão doutrinária acerca da relação entre novas tecnologias e Direitos Humanos; o segundo, em que serão apresentados os principais pontos de risco e violação de direitos acarretados pelas novas tecnologias; e o terceiro, em que serão apresentadas possíveis tutelas jurídicas das novas tecnologias.

Sendo assim, no próximo item será abordada a relação existente entre as novas tecnologias e os Direitos Humanos.

1. NOVAS TECNOLOGIAS E DIREITOS HUMANOS

O contexto tecnológico possui, cada vez mais, uma importância no estudo acerca dos Direitos humanos. Isso porque as modificações trazidas pelas tecnologias podem ser muito benéficas, mas, ao mesmo tempo, representar um ameaça aos direitos já conquistados. É por esse motivo que Pérez-Luño (2006, p. 89) defende que, por meio de uma abordagem interdisciplinar, deve ser buscado um equilíbrio entre estes dois fatores: o desenvolvimento e os direitos já conquistados pelo homem.

Uma vez que as tecnologias estão amplamente inseridas no cotidiano de grande parte da população, parece assertiva a afirmação de que elas são “um novo tecido comunitário para a sociedade civil” (Pérez-Luño, 2004. p. 100). De fato, cada vez mais as relações entre indivíduos estão sendo intermediadas pelas tecnologias, sendo que o período vivido nos anos de 2020 e 2021, com intensificação da virtualização da vida, em razão da pandemia do COVID, demonstrou que o ser humano está cada vez mais dependente delas.

Esse é um dos principais motivos pelo qual muitos defendem que o acesso à tecnologia, especialmente à internet, deve ser garantido como direito fundamental do ser humano. Entende-se que “a rede mundial de computadores é hoje um instrumento indispensável de acesso ao conhecimento humano, havendo de ser, por isso mesmo, universal, um direito de todos” (Sampaio et. al, 2021, p. 518 ).

No entanto, além dos relacionamentos pessoais e do amplo acesso ao conhecimento permitido pela rede, muitos outros foram as áreas que se modificaram ao longo dos anos e do uso das novas tecnologias. Toda a estrutura empresarial e social sofreu alterações, uma vez que estes instrumentos tecnológicos, especialmente a internet, acabam por alterar antigos costumes e hábitos. A título de exemplo, hoje, está muito comum o trabalho remoto, no qual o empregado pode trabalhar de casa e, muitas vezes, sem qualquer supervisão.

Este tipo de modificação, no entanto, pode ser benéfico ou maléfico. Para muitos, trabalhar sem sair de casa pode parecer um luxo; no entanto, alguns dos direitos básicos dos empregados, como o direito ao descanso e às horas extras, são mitigados. É exatamente esse o risco que as novas tecnologias trazem: benefícios e facilidades que, muitas vezes, escondem violações a direitos historicamente conquistados.

Fica claro que o Direito pode e deve intervir; é o caso de legislações existentes em diversos países que regulamentam o Direito à desconexão, por exemplo. Sendo assim, a tecnologia pode assumir dois papéis: a de heroína e a de vilã, o que determinará qual deles será assumido depende, justamente, da forma como cada sociedade lida com elas.

Castells (2008, p. 43) afirma que não há controle da sociedade pela tecnologia, uma vez que ela compõe a sociedade. Neste sentido, não existe um controle entre ambas, uma não controla a outra, mas, indubitavelmente, em razão da grande inserção da tecnologia, existem muitas modificações que a sociedade vem sofrendo nas últimas décadas.

É impossível negar, por exemplo, que a internet modificou drasticamente todos os âmbitos da vida humana, inclusive na própria percepção dos direitos. A tecnologia não só alterou limites antes bem determinados (como é o caso do direito à privacidade, por exemplo) como criou a necessidade do reconhecimento de novos direitos, como é o caso do direito à desconexão dos teletrabalhadores, direito à proteção de dados pessoais e o próprio direito de acesso às tecnologias - hoje, muitos Estados discutem se o direito à internet é um direito fundamental.

A importância da tecnologia cresce à medida que a própria sociedade se modifica em razão dela. Castells (2008, p. 65) utiliza o termo “sociedade informacional” para se referir especificamente a uma organização social em que a informação (sua construção, seu processamento e sua difusão) torna-se a fonte fundamental de produtividade e poder. Explica Castells (2008, p. 65) que esta sociedade é fruto do período histórico em que se vive, marcado pelas alterações trazidas pela tecnologia.

Uma destas alterações, importante de ser ressaltada, é o fato de que se desconstrói de forma avassaladora a antiga hierarquia existente entre conhecimentos. Com a internet, mesmo pessoas anônimas possuem o direito e a possibilidade de comunicação, o que retira o poder de comunicação que antes era bastante restrito. Se por muitas décadas era necessário um rádio ou uma televisão para a comunicação em massa, hoje isso se altera, sendo possível, em poucos instantes, que a mensagem de um chegue a muitos. É por este motivo que Rodotá (2001) aponta o caráter democrático que a tecnologia traz no pertinente ao direito de expressão dos indivíduos.

Este é um dos pontos positivos das novas tecnologias: ela permite que qualquer pessoa não só consuma, como também produza e distribua informações, em tempo real e sem pedir autorização ou despender muito dinheiro para isso (Lemos & Lévy, 2010, p. 25 ). Trata-se do caráter bottom-up da internet “na qual as ideias emanam de baixo para cima, através da construção dos internautas. Esta nova fórmula traz a interatividade, principal benefício oferecido pela Internet em relação a outras mídias [...]” (Rodegheri et. al, 2012, p. 63 ). O sistema bottom-up difere-se daquele chamado top-down, que significa o que vem de cima para baixo e costuma ser apenas imposto por aqueles que possuem mais poder ou autoridade aos que possuem menos (Gomes, 2016).

Isso faz com que a internet construa uma “inteligência coletiva”, definida por Lévy (2007, p. 31) como um conhecimento alastrado por toda a parte, aprimorada a todo momento e organizada em tempo real. Trata-se, portanto, da construção coletiva do conhecimento, sem restrição de participação (qualquer um pode contribuir, já que a internet não impõe “requisitos” ou barreiras à expressão) e que é atualizada a todo instante, em razão do caráter instantâneo da transmissão de informações.

É em razão disso que Pérez-Luño (2006, p. 92) define o espaço virtual, ou ciberespaço, como “um microcosmos digital no qual não existem fronteiras, distâncias ou autoridades centralizadas”. Nas redes, não existe um único centro de comando ou poder, assim como não existe um único “controlador” para impor alguns limites e, até mesmo, punir aqueles que ultrapassem estes limites. De fato, controlar a internet é uma grande dificuldade que se apresenta para o Direito e para os estados que buscam garantir os direitos humanos fundamentais. Em razão de seu caráter totalmente “disseminado”, torna-se impossível para um único ordenamento realizar um controle efetivo (e, muitas vezes, necessário).

Sendo assim, observa-se que as novas tecnologias, em especial a internet, possui muitos pontos positivos, que contribuem para uma sociedade mais democrática e mais próxima. Sartori (1998, p. 121) aponta que a internet abriu possibilidades de comunicação entre “aldeias locais” e “aldeias globais”, no sentido de que hoje não existem barreiras e a informação está disponível a todos. Se anteriormente o acesso era restrito, como, por exemplo, com jornais que tinham foco no local ou no global, hoje a internet oferece os dois e ao mesmo tempo. Se antes algumas “aldeias locais” eram preteri- das pelos grandes meios de comunicação, hoje os próprios indivíduos locais podem compartilhar com o mundo o que desejarem, sem depender de qualquer autorização.

O mundo se conectou e Pérez-Luño (2006, p. 91) afirma que “se há alguns anos parecia que a aldeia global era um grande objetivo do futuro, hoje a internet há convertido em realidade presente o ‘lar global’, na medida em que cada domicílio dos usuários da rede constitui o terminal de um sistema integrado universal”.

Isso, de acordo com Pinheiro (2013, p. 41) “constitui o maior valor de uma sociedade democrática, e a massificação da internet como serviço de informação e informatização possibilita um aumento de competitividade global de comunidades antes marginalizadas”.

Ademais, a internet proporciona a informação, bem como a própria discussão entre os indivíduos. Não é à toa que Castells (2008, p. 65) a denomina de “ágora moderna”. Hoje, os cidadãos mais engajados possuem ambientes propícios para a discussão e busca de respostas e soluções, o que se intensificou com o uso das redes sociais.

A possibilidade de qualquer pessoa se manifestar tornou-se uma ferramenta à disposição de todo cidadão, o que, muitas vezes, contribui e favorece um ambiente em que a democracia se fortalece e os direitos humanos fundamentais são propagados e requeridos. É o caso de muitos regimes ditatoriais que caíram após os cidadãos se organizarem por meio da internet e exigirem mudanças - e o principal exemplo foi a primavera árabe, ocorrida em 2011, que teve a internet como fator determinante para isso acontecer (Castells, 2013, p. 34 ).

É notório, portanto, que as novas tecnologias, em especial a internet, possuem diversos pontos benéficos e que devem ser exaltados. No entanto, por outro lado, também são diversos os riscos que se apresentam, principalmente no pertinente à proteção de direitos básicos dos indivíduos, que, muitas vezes sem perceber, acabam ficando expostos a perigos intensificados pelo mundo virtual. Alguns deles serão abordados a seguir.

2. NOVAS TECNOLOGIAS: NOVOS RISCOS AOS DIREITOS HUMANOS?

As novas tecnologias estão inseridas no cotidiano e oferecem muitos benefícios aos indivíduos. De fato, a comunicação se intensificou e mesmo serviços antes impensáveis de serem realizados de forma virtual, hoje, podem ser realizados em razão da internet. No entanto, muitos são os “problemas” também criados por ela, especificamente no pertinente à violação de direitos humanos. Alguns destes pontos serão abordados neste item; no entanto, é necessário abordar, primeiramente, o fato de que a exclusão digital ainda é uma realidade.

Discutir os benefícios e malefícios das novas tecnologias e especificamente da internet é extremamente relevante, mas é necessário ressaltar que muitas pessoas seguem excluídas deste mundo. Este é um dos assuntos mais apontados por aqueles que não entendem a tecnologia como uma solução ou a percebem como um risco à sociedade - os também chamados ciberpessimistas. Hoje, a tecnologia ainda é muito excludente.

Para exemplificar, os dados referentes ao acesso à internet no mundo apontam que cerca de 65,6% (sessenta e cinco vírgula seis por cento) das pessoas já acessaram a internet ao menos uma vez na vida (Internet World Stats, 2021). Ou seja, dos mais de sete bilhões de habitantes do planeta, pouco mais de cinco bilhões já tiveram algum contato com a rede internacional de computadores (internet).

Sendo assim, estes dados não indicam que todas as pessoas que já tiveram acesso conseguem conectar-se com frequência ou que têm a internet como uma ferramenta cotidiana; muitas das pessoas contabilizadas tiveram um único contato, em situações específicas; outras, ainda, possuem o acesso restrito, acessando, muitas vezes, poucos sites que funcionam mesmo em redes de baixa qualidade.

Ademais, é importante ressaltar que vários são os fatores que acabam por contribuir para a exclusão digital. O primeiro deles é o econômico. Enquanto as classes sociais mais abastadas possuem um acesso quase completo à internet, classes economicamente mais baixas têm metade disso. É o que demonstra uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (2020, p. 62), que apresenta os dados da inserção da internet no Brasil.

Quando se trata de tecnologia, ainda existem os fatores próprios dela, como são as limitações que alguns locais possuem em razão de questões técnicas. A título de exemplo, na pesquisa citada anteriormente, percebe-se que as áreas urbanas possuem acesso de 77 % de sua população, enquanto em áreas rurais este número baixa para 53 % (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação, 2020, p. 25). Isso acontece principalmente porque muitas vezes a tecnologia ainda não consegue alcançar locais mais afastados, independentemente do poder aquisitivo do indivíduo.

Apontado este fator preliminar, para os que possuem acesso à internet e possuem a possibilidade de utilizá-la sem grandes restrições, alguns são os pontos preocupantes que devem ser levantados.

Em primeiro lugar, há de se esclarecer que existem diferentes classificações dos Direitos Humanos que podem ser realizadas. Antonio Enrique Pérez Luño (2006, p. 75) classifica os direitos humanos em três gerações, que se atrelam aos diferentes modelos de estados existentes: a primeira geração se vincula ao Estado Liberal, a segunda ao Estado Social, e a terceira ao Estado Democrático de Direito1.

Das três gerações existentes, a terceira é a que tutelará os direitos relativos às novas tecnologias e demais situações relativamente recentes que buscam regulação e proteção jurídicas. Esses direitos se atrelam ao termo “solidariedade”, uma vez que, por ultrapassarem os limites territoriais e geográficos dos Estados, requerem uma cooperação entre eles para serem reconhecidos e protegidos. Tratando-se de direitos que não pertencem a um único local e sendo universalmente requeridos, é necessário que se realize um esforço conjunto em escala global (Pérez Luño, 2012, p. 26 ).

Ademais, a terceira geração gera a expansão da titularidade dos Direitos Humanos, uma vez que, em razão de novas possibilidades e sujeitos de direitos, são reconhecidos como detentores de direitos subjetivos inclusive animais, plantas e outros elementos naturais - é o caso do meio ambiente, por exemplo (Pérez Luño, 2012, p. 39 ).

Pérez-Luño divide a terceira geração de Direitos Humanos em três grandes grupos. O primeiro deles versa sobre o direito ao meio ambiente, a qualidade de vida e à paz. Já o segundo trata sobre todos os direitos que envolvem as novas tecnologias de informação e da comunicação. O terceiro, por fim, aborda os direitos relativos a bioética e a biotecnologia (Pérez Luño, 2012, p. 25).

O primeiro grupo (que se refere a direitos que versam sobre o meio ambiente, a qualidade de vida e a paz) certamente não se vincula apenas ao momento atual, uma vez que estes elementos sempre existiram. No entanto, foi a partir desta geração que estes direitos foram reconhecidos, uma vez que se intensificaram as consequências negativas por meio das tecnologias.

O meio ambiente passou a ser degradado com mais intensidade (ou, ao menos, isso passou a ser mais divulgado); a qualidade de vida passou a ser visivelmente impactada, uma vez que o ritmo acelerado se impôs no cotidiano (o que justifica, por exemplo, a discussão sobre o direito à desconexão); e, por fim, indo de encontro ao direito à paz, a tecnologia trouxe muito avanço para a indústria bélica, sendo que “a potência dos armamentos de destruição massiva situa a humanidade diante da ameaçadora perspectiva de um grande desastre de proporções mundiais capaz de converter nosso planeta em um imenso cemitério” (Pérez-Luño, 2012, p. 21 ). Percebe-se que todos estes problemas não são exatamente novos, no entanto, ganham nova roupagem e tornam-se ainda mais sérios com o avanço das novas tecnologias.

De fato, parece importante apontar que própria internet foi criada no contexto da guerra fria, no intuito de ser uma ferramenta para proteger mensagens entre as tropas aliadas. Ela só foi liberada para o restante da população mundial com o fim da Guerra Fria, a partir da década de 1990 (Castells, 2008, p. 82 ).

O segundo grupo de direitos de terceira geração se relaciona com as tecnologias e, certamente, é o que mais se desenvolveu e gera, até hoje, muitos conflitos tanto para o reconhecimento de novos direitos como em relação a violação de direitos já existentes.

A título de exemplo, o direito à privacidade, com as novas tecnologias, ganhou novos contornos e, se antes a principal comunicação entre pessoas acontecia por telefone, hoje existem diversos pontos de contatos, todos com potenciais riscos para a segurança do indivíduo. Por este motivo o tema referente à proteção de dados pessoais está sempre em voga e passou a ser tutelado por diversos estados, sendo que se podem citar a União Europeia e a Argentina como países vanguardistas nesta regulamentação (Raminelli & Rodegheri, 2016).

O terceiro grupo apresentado por Pérez-Luño (2012, p. 24 ) relaciona-se com a bioética e a biotecnologia, tendo direta relação com o segundo grupo, uma vez que estes direitos também surgem em razão das novas tecnologias. Podem-se citar aqui direitos relativos à proteção da intimidade em cadastros médicos e experimentos no âmbito da biotecnologia, passíveis de agressões à liberdade e à liberdade dos indivíduos.

Por exemplo, neste grupo incluem-se a manipulação genética, o processamento de embriões e células-tronco e as questões de clonagem. Além disso, outras questões polêmicas contidas neste terceiro grupo incluem o aborto, a eutanásia e o direito à morte digna. Esses direitos são muitas vezes considerados conflitantes com os direitos da primeira geração, como o direito à vida, por exemplo (Pérez-Luño, 2012, p. 24 ). Portanto, a inserção destes direitos de terceira geração no “cenário tecnológico e global está se apresentando como desafiante em compreender as facetas que esses direitos revelam nesta Era, bem como exigem repensar e recriar os velhos conceitos da Teoria do Direito” (Berwig & Engelmann, 2019, p. 60 ).

Todos esses “novos direitos” são direitos humanos previstos em alguns documentos internacionais e nas constituições de países democráticos, porque são direitos decorrentes do respeito ao indivíduo. Perez-Luño (2006, p. 40) enfatiza que a universalidade dos direitos humanos é uma necessidade prática dos direitos de terceira geração, não apenas um pressuposto ideal para o futuro. No entanto, os regulamentos existentes nem sempre são específicos o suficiente para garantir a proteção dos indivíduos. Isso ocorre porque muitas previsões são genéricas e não cobrem tópicos específicos sobre tecnologia e suas possíveis consequências.

Dentro dos Direitos Humanos de terceira geração, ponto que gera especial dificuldade de controle versa sobre a liberdade de expressão, que é um Direito Humano reconhecido em diversos documentos internacionais e constituições dos Estados, mas que, na internet, torna-se muitas vezes sem controle, atingindo direitos de terceiros. Assim, apesar deste ser um ponto positivo da internet, acaba por ser também um ponto negativo, uma vez que o exagero pode violar direitos.

De fato, referindo-se a este contexto, Umberto Eco aponta que “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade” (Silva, 2015). Se é extremamente positivo que a internet possibilite voz a pessoas que nunca poderiam expressar suas opiniões publicamente, por serem “pessoas comuns” ou não serem especialistas em determinados temas, um problema criado é justamente o fato de que hoje qualquer pessoa pode falar sobre qualquer coisa.

Isso gera um conflito entre opinião e qualidade de informação, uma vez que muitas pessoas acabam por encontrar falsas informações, que não passam de opiniões não fundamentadas e se baseiam nisso para tomar as suas próprias decisões. Isso se mostra bastante sério em questões que envolvem a saúde e pode ser percebido por toda a desinformação propagada acerca do COVID no último ano. Ademais, hoje muitas pessoas acabam buscando diagnósticos e tratamentos na internet, realizando “automedicação, modificação da prescrição médica ou, mesmo, à troca de profissional” (Coelho, Coelho & Cardoso, 2013), muitas vezes recorrendo a fontes desqualificadas ou não comprovadas.

Outro risco apresentado pela internet versa sobre o excesso de exposição das pessoas. Embora exista a exposição voluntária, muito comum em redes sociais em que se compartilham detalhes da vida pessoal, muitos ignoram o quão longe todas estas informações podem chegar, sendo que ainda mais preocupante é o compartilhamento de dados que, em tese, seriam compartilhados apenas para o cadastro nos aplicativos e sites e que, muitas vezes, são compartilhados e vendidos, alguns com fins totalmente ilícitos.

Pérez-Luno (2006, p. 93) , neste sentido, aponta que “a internet se apresenta como um incremento de formas de criminalidade, uma vez que potencializa a difusão de sabotagens, vírus e abordagens aos sistemas por parte de um número imprevisível e incontrolável de hackers”. A internet trouxe facilidades para os seres humanos, mas, no entanto, algumas delas podem ser usadas para fins maléficos, que causam dor e sofrimento.

A grande dificuldade reside no fato de que estes atos mal intencionados são muito difíceis de serem controlados ou mesmo punidos, pois a internet “cria um paradoxo, que se origina em sua eficácia global e ilimitada para atentar contra bens e direitos enquanto que a capacidade de resposta jurídica está fragmentada por fronteiras nacionais” (Pérez-Luño, 2006, p. 93 ).

Portanto, o uso de novas tecnologias de informação e comunicação fornece muitas preocupações, especialmente para o Direito. Algumas dessas questões envolvem falso conhecimento e informações, drásticas mudanças nas relações de trabalho, um grande número de disputas por responsabilizações civis e criminais devido a opiniões ofensivas e a redução dos direitos de privacidade.

Neste momento, é essencial considerar os riscos decorrentes da utilização destas ferramentas e promover ações que possam minimizar os riscos, principalmente quanto à resposta jurídica a estes fenômenos, visando maximizar benefícios e minimizar riscos cuja utilização pode levar ao indivíduo.

Para o Direito, o maior desafio é dar conta de atualizar-se na mesma medida que surgem novos direitos e novos riscos aos direitos já existentes. As novas tecnologias e sua velocidade de alterações trouxeram novos desafios que o direito positivo nem sempre pode enfrentar. Por este motivo, o próximo item tratará de possíveis tratamentos jurídicos para enfrentar esta nova realidade que se apresenta em nível mundial.

3. TECNOLOGIAS E A (POSSÍVEL) TUTELA JURÍDICA

Regulamentar o mundo virtual não é tarefa simples ou fácil. Quando o tema é tecnologia, as mudanças acontecem a todo o instante e o Direito enfrenta diferentes tipos de dificuldades. Em um primeiro momento, tem-se o fato de que, tecnicamente, as regulações acontecem dentro dos âmbitos dos ordenamentos internos dos Estados Nacionais, o que se mostra insuficiente para lidar com o caráter universal das novas tecnologias; em segundo lugar, o sistema tradicional de regulamentação costuma ser lento, requer diversos processos burocráticos e, com isso, muitas vezes leis que surgem para resolver problemas que envolvem tecnologias já nascem ultrapassadas, uma vez que dia a dia são geradas novas atualizações (Barrio Andrés, 2018, p. 61).

Isso tudo apenas comprova que a sociedade, hoje, requer novos marcos jurídicos de regulamentação, “que permitam a comunicação e a integração internacional e ao mesmo tempo a proteção aos seres humanos e ao meio ambiente para a manutenção da vida no Planeta” (Berwig & Engelmann, 2019, p. 605 ).

É expressamente necessário que o Direito ultrapasse o conceito tradicional de basear-se apenas na legislação e busque novos conceitos, passíveis de solucionar os desafios apresentados por todas as mudanças sociais ocorridas (Berwig & Engelmann, 2019, p. 605 ).

Desse modo, para superar a situação surgida em decorrência de tantas modificações sociais, deve-se ultrapassar o foco voltado apenas para o direito positivo e voltar-se ao estudo de temas interdisciplinares, como ocorre especificamente em relação às novas tecnologias. Novos conceitos e interpretações devem ser feitos para resolver conflitos que não podem ser eliminados pela própria lei. Esta é uma evolução obrigatória que deve levar em conta as necessidades da sociedade.

Embora pensar-se em uma única regulamentação para todos os problemas advindos das novas tecnologias seja um desafio com enormes dificuldades de resolução, é necessário que as discussões a esse respeito sejam intensificadas. Para se falar disso, no entanto, é necessário que alguns princípios básicos do ciberdireito estejam bem delimitados.

Esses princípios consistem em “diretrizes do ciberdireito que inspiram, orientam, relacionam e estruturam seus distintos elementos e a caótica disparidade de suas normas jurídicas” (Barrio Andrés, 2018, p. 80 ) e podem ser elencados seis deles.

O primeiro princípio é a liberdade de expressão (Barrio Andrés, 2018, pp. 80-83 ). No ambiente virtual existe uma notável liberdade para todo e qualquer indivíduo se expressar. Não existe qualquer instrumento que tenha facilitado tanto a expressão da opinião e nem permitido que elas chegassem tão longe. A internet proporciona um alcance instantâneo em nível mundial, ou seja, algo publicado em um lado do globo chega no outro lado em uma fração de segundos.

Como já abordado, apesar de ser um ponto positivo, é necessário atentar- se para o fato de que determinar limites para que essa expressão não viole direitos de terceiros é um desafio, além do fato de que também se busca mitigar a exclusão digital no intuito que mais pessoas possam ter este direito garantido.

Em segundo lugar aparece o princípio da neutralidade do ciberespaço e a neutralidade tecnológica (Barrio Andrés, 2018, pp. 83-87 ). A rede foi construída para ser “aberta” ou “neutra”, o que significa dizer que ela foi desenhada para conservar e transportar qualquer conteúdo. Entretanto, muitos provedores e operadores de redes perceberam que poderiam alterar esta neutralidade, modificando o fluxo da rede, favorecendo conteúdos e preterindo outros, a depender de seus interesses. Este princípio foi muito debatido, pois existem posicionamentos contrários a ele.

Quanto à neutralidade tecnológica, versa sobre a impossibilidade de que se imponham determinadas tecnologias no intuito de interferir na livre concorrência. Em outras palavras, defende que o desenvolvimento de novas tecnologias não pode ter o fim específico de excluir outras já existentes (Barrio Andrés, 2018, p. 86 )

O terceiro princípio é a boa-fé (Barrio Andrés, 2018, pp. 87-88 ). Quando relacionado ao ciberdireito, este princípio se consolida com “o dever de informar o usuário não apenas sobre a tecnologia empregada no serviço eletrônico em concreto, mas também sobre de que forma se obtêm os dados e como se realiza o seu tratamento” (Barrio Andrés, 2018, p. 88 ) para que ele possa decidir se deseja utilizar o produto ou serviço nestas condições e se está de acordo com o tratamento de seus dados pessoais. Desta forma, todas as informações devem estar claras, disponíveis, de fácil compreensão, além de ser fornecidas integralmente (políticas de serviço e/ou de privacidade).

O quarto princípio determina a privacidade. O usuário da rede possui o “direito de determinar quando, como e em que medida os dados pessoais podem ser compartilhados com terceiros” (Barrio Andrés, 2018, p. 89 ).

O quinto é o princípio da cooperação jurídica internacional (Barrio Andrés, 2018, pp. 89-90 ). Tratando-se de ciberdireito, é inquestionável a necessidade de cooperação entre Estados. Diversos são os assuntos que não se limitam às fronteiras, como é característico dos direitos de terceira geração. Desta forma, qualquer sistema construído que se baseie apenas no poder central de um único Estado tende a falhar, pois sendo o sistema do ciberespaço plural, da mesma forma deve-se organizar qualquer regulação que o almeje.

O sexto e último princípio fala da segurança desde o desenho (Barrio Andrés, 2018, pp. 90-91 ). Com isso, desde o início do desenvolvimento da tecnologia precisase buscar como será realizada a proteção de seus usuários. Não é aceitável que se desenhe tecnologia sem ter isso em mente, uma vez que, sendo ponto central para a proteção de Direitos, a segurança deve ser uma preocupação desde o princípio, não apenas um adendo posterior.

É fácil perceber que diante de tantas mudanças, novos direitos estão sendo reconhecidos. No entanto, estes reconhecimentos impõem mais responsabilidades ao Estado, principalmente por meio de disposições legislativas, e, por outro lado, com compensações em caso de violação. Embora a ação internacional conjunta seja necessária em muitas questões, em outras os países podem e devem legislar para reduzir os riscos existentes das novas tecnologias de informação e comunicação.

Não há dúvida de que a atual sociedade digital que depende e se baseia nas novas tecnologias da informação e da comunicação precisa ter teorias jurídicas aplicáveis a elas. Discussões e investigações de questões relacionadas a elas acontecem há décadas, mas a supervisão dessas novas tecnologias ainda é incipiente.

Na busca de uma resolução para a regulação do ciberespaço, quatro possibilidades são listadas. A Europa é um exemplo da coexistência e aplicação de todos estes regulamentos, embora não se possa dizer que seja um exemplo de outros países, porque existem muitas discussões sobre esta matéria. Além disso, por ser a Internet uma invenção americana, muitas questões regulatórias, de controle e jurídicas estão relacionadas ao sistema jurídico dos Estados Unidos (Barrio Andrés, 2018, p. 72 ).

A primeira proposta estende a soberania territorial do país ao ciberespaço (Barrio Andrés, 2018, p. 69 ). Sendo assim, o país também pode estender seu ordenamento jurídico para se aplicar aos espaços virtuais, o que já ocorreu em diversos campos jurídicos, como proteção de dados, direitos do consumidor ou propriedade intelectual. No entanto, esse modelo tem sido acusado de estabelecer padrões inflexíveis, que podem ser frear o progresso tecnológico em países com regulamentações mais rígidas. Além disso, não é suficiente para resolver problemas que exigem maior cooperação entre os países, como pedofilia ou pornografia infantil, páginas da web, controle de nomes de domínio, supervisão de e-mails indesejados (spam), etc.

A segunda teoria defende o estabelecimento de alguns acordos internacionais de supervisão coordenada por meio de um arcabouço legal básico para a supervisão de diferentes campos. Porém, como obstáculo à inserção desse modelo, tem-se o fato de muitos países resistirem à inclusão de normas estrangeiras, bem como ser definido um tratamento superficial do assunto (Barrio Andrés, 2018, p. 70 ).

A terceira teoria busca desenvolver novos organismos internacionais, como algumas organizações existentes: Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), World Wide Web Consortium (W3C) e Internet Society (ISOC). Porém, a dificuldade disso é que cada uma dessas entidades tem naturezas e funções diferentes e, até hoje, o sistema criado não foi tão eficaz quanto o esperado (Barrio Andrés, 2018, pp. 70-71 ).

Por fim, a última teoria foca na arquitetura pioneira que regula diretamente o ciberespaço, ou seja, usa o próprio código da rede para regulá-lo. De acordo com a chamada “arquitetura” da rede, ela pode permanecer mais ou menos aberta. No entanto, esta proposta esbarra no fato de existirem muitas regras dispersas, criadas por empresas interessadas em determinados temas, e que, em várias situações, podem entrar em conflito (Barrio Andrés, 2018, pp. 71-72 ).

Em todo caso, a tecnologia tem relação direta com os direitos humanos de terceira geração, o que torna um desafio para os países garantirem a proteção de seus cidadãos em todos esses aspectos. Existem muitas discussões sobre como podem ser minimizados os riscos decorrentes da utilização de tecnologias indispensáveis que se desenvolvem a um ritmo incompatível com as leis existentes.

Feitas estas análises, pode-se dizer que muitas são as possibilidades de controle do ciberespaço, mas todas ainda possuem pontos de ajuste, ou seja, nenhuma é a resposta ideal.

Por certo o uso da tecnologia facilita e agrega na vida humana, no entanto, em razão de muitos riscos que apresenta, torna-se necessário que o Direito intervenha e encontra uma forma de regular para, ao menos, mitigar os possíveis danos que podem ser causados.

A respeito disso, Pérez-Luño (2006, p. 76) faz um importante apontamento: “Uma sociedade livre e democrática deverá mostrar-se sempre sensível e aberta a aparição de novas necessidades, que fundamentem novos direito. [...] Mas, Direitos Humanos não são meros postulados de dever ser”. Desta forma, além de reconhecer direitos, é necessário garantir meios para que eles sejam resguardados, o que vem se buscando ao longo dos últimos anos, ainda que muitos sejam os desafios para se encontrar a solução mais adequada.

Uma vez que “atuais sistemas não se demonstram eficazes às novidades desafiantes das tecnologias” (Berwig & Engelmann, 2019. p. 611 ), é necessário que novos sistemas, de cooperação internacional, sejam construídos. Não se nega o papel isolado de cada um dos Estados, especialmente no que se refere a situações ocorridas dentro de seus territórios. No entanto, assim como todos os direitos de terceira geração, são questões que ultrapassam as fronteiras territoriais, motivo pelo qual os sistemas atuais não são suficientes e novas alternativas precisam ser propostas e aplicadas.

CONCLUSÕES

As novas tecnologias da informação e da comunicação são uma realidade e se inseriram na vida de grande parte dos indivíduos como ferramentas que trouxeram facilidades em diversos âmbitos. Podem-se citar a comunicação entre as pessoas, que se tornou imediata e facilitada, a liberdade de expressão e o fácil acesso a informações, as possibilidades mais variadas de serviços prestados pela internet, entre outras.

No entanto, existem riscos inerentes a todos os benefícios trazidos por estas tecnologias, os quais, muitas vezes, não são percebidos pelas pessoas. São violações à direitos (muitos deles criados em razão das novas tecnologias), facilitação para a realização de crimes, exclusão digital, exposição de dados pessoais, entre outros.

Neste contexto, o Direito é chamado para que os danos causados pelo uso das novas tecnologias, em especial a internet, sejam mitigados. Espera-se que novas normas e teorias jurídicas consigam regulamentar o ciberespaço. No entanto, a realidade é outra: o Direito, da forma como está estruturado hoje, não consegue acompanhar o ritmo acelerado das novas tecnologias.

Mais do que isso: por se tratarem de Direitos Humanos de terceira geração, estes direitos ultrapassam os limites territoriais dos Estados, requerendo uma cooperação internacional para que sejam tutelados. O Direito nacional interno, como se apresenta hoje, não tem força para controlar ou até mesmo impor normas como se necessita. É necessária a construção de outro sistema, mais potente e construído de forma coletiva.

A construção de um sistema de cooperação internacional, por outro lado, também possui desafios a serem superados para ser efetiva. De fato, abordaram-se quatro possibilidades de uma regulamentação do ciberespaço e um “acordo” entre países seria um deles. No entanto, assim como as outras alternativas (cada Estado ser responsável de forma individual; criar-se organismos internacionais para este fim; e criar uma regulamentação no próprio código da rede), esta saída ainda carece de maiores ajustes, uma vez que não se mostra robusta o suficiente para solucionar o problema existente hoje.

Sendo assim, apresentadas as alternativas existentes para a tutela jurídica das novas tecnologias, conclui-se que não se tem, hoje, uma resposta capaz de ser aplicada de forma eficaz. Logo, até que se encontre uma, os Estados devem seguir construindo suas legislações internas para que, dentro possível, exista algum controle das tecnologias e seus potenciais riscos aos seres humanos. Sabe-se que isso não é o suficiente, no entanto, na ausência de uma solução satisfatória, este é o caminho a se seguir até que outros sejam possíveis.

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1 Grande parte da doutrina entende que a sociedade, hoje, se encontra na terceira geração dos direitos fundamentais, nos quais também se inserem direitos relativos às novas tecnologias. No entanto, existem divergências, pois muitos doutrinadores defendem um desdobramento das três primeiras com o passar do tempo. É o caso de Paulo Bonavides (2008), para quem já se podem visualizar, ao menos, cinco gerações de direitos.

Recebido: 30 de Junho de 2021; Aceito: 30 de Março de 2022

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