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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.31 no.1 Medellín Jan./Apr. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL/ ORIGINAL ARTICLE/ ARTÍCULO ORIGINAL

 

Ações assistenciais e gerenciais do enfermeiro em urgências traumáticas

 

Acciones asistenciales y gerenciales del enfermero en urgencias traumáticas

 

Fecha de Recibido: 29 de febrero de 2012. Fecha de Aprobado:19 de septiembre de 2012.

 

Ana Lídia de Castro Sajioro Azevedo1; Ariane Fazzolo Scarparo2; Lucieli Dias Pedreschi Chaves3

 

1 Enfermeira, Doutoranda. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto e da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EERP-USP), Brazil. email: al_sagioro@hotmail.com.

2 Enfermeira, Doutoranda. EERP-USP, Brazil. email: pscarparo@ig.com.br.

3 Enfermeira, Doutora , Professora. EERP-USP, Brazil. email: dpchaves@eerp.usp.br.

 

 

Investigación asociada al artículo: Gerenciamento do cuidado de enfermagem em unidade de urgência traumática.

Subvenciones: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

Conflicto de intereses: ninguno.

Cómo citar este artículo: Azevedo ALCS, Scarparo AF, Chaves LDP. Nurses' care and management actions in emergency trauma cases. Invest Educ Enferm. 2013;31(1): 36 - 43.

 


RESUMO

Objetivo. Analisar as ações assistenciais e de gestão do enfermeiro numa unidade hospitalar de urgências traumáticas. Metodologia. Estudo qualitativo, exploratório-descritivo, do tipo de estudo de casos múltiplos. Realizou-se numa unidade de urgências traumáticas de um hospital estatal de ensino, do interior do estado de São Paulo, Brasil. Os dados se coletaram por meio de observação participante e entrevistas semiestruturadas aos enfermeiros. Resultados. Observou-se que a assistência e a gestão são dimensões imbricadas na prática do enfermeiro, o qual, baseado nas necessidades de saúde dos usuários, utiliza conhecimentos específicos referentes à previsão e provisão de recursos humanos e materiais e ações de articulação da equipe, para organizar e garantir o atendimento, com o fim de brindar um cuidado integral. Conclusão. A prática do enfermeiro num serviço de urgências traumáticas se aproxima à perspectiva da gerência do cuidado, articulando as dimensões assistencial e de gestão do trabalho.

Palavras chaves: enfermagem em emergência; centros de traumatologia; serviços médicos de emergência; equipe de enfermagem.


ABSTRACT

Objective. To analyze the nurse's care and management actions in an emergency trauma hospital unit. Methodology. A qualitative, exploratory-descriptive multiple case study was undertaken in an emergency trauma unit in a public teaching hospital in a town in the state of São Paulo, Brazil. The data was collected through participant observation and semi-structured interviews with the nurses. Results. It was observed that the dimensions of care and management are interwoven in the nurse's practice, which, based in the service users' heath needs, uses specific knowledge referent to the prediction and provision of human and material resources and to actions articulating the team, to organize and guarantee the care, so as to offer integral care. Conclusion. The practice of the nurse in an emergency trauma service is close to the perspective of care management, articulating the work's care and management dimensions.

Key words: emergency nursing; trauma centers; emergency medical services; nursing, team.


RESUMEN

Objetivo. Analizar las acciones asistenciales y de gestión del enfermero en una unidad hospitalaria de urgencias traumáticas. Metodología. Estudio cualitativo, exploratorio-descriptivo, del tipo de estudio de casos múltiples. Se realizó en una unidad de urgencias traumáticas de un hospital estatal de enseñanza, del interior del estado de São Paulo, Brasil. Los datos se recolectaron mediante la observación participante y entrevistas semiestruturadas a los enfermeros. Resultados. Se observó que la asistencia y la gestión son dimensiones imbricadas en la práctica del enfermero, quien, basado en las necesidades de salud de los usuarios, utiliza conocimientos específicos referentes a la previsión y provisión de recursos humanos y materiales y acciones de articulación del equipo, para organizar y garantizar la atención con el fin de brindar un cuidado integral. Conclusión. La práctica del enfermero en un servicio de urgencias traumáticas se aproxima a la perspectiva de la gerencia del cuidado, articulando las dimensiones asistencial y de gestión del trabajo.

Palabras clave:enfermería de urgencia; centros traumatológicos; servicios médicos de urgencia; grupo de enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

A atenção às urgências traumáticas tem exigido dos serviços e dos profissionais de saúde práticas diferenciadas, para atender quadros de alta complexidade e gravidade, de vítimas de violências e acidentes, que requerem ações/intervenções de saúde específicas.1 Os enfermeiros têm assumido no cotidiano do trabalho nas unidades de urgências traumáticas, os cuidados aos pacientes mais graves e os procedimentos de maior complexidade, além das atividades de gerenciamento de recursos do serviço, que requerem conhecimento científico, manejo tecnológico, competências relacionais, comunicativas e políticas.2 O entrelaçamento e a aproximação entre o cuidar e o gerenciar faz parte de um novo paradigma da enfermagem que está sendo construído na atualidade, de modo que, o enfermeiro tem sido chamado a compartilhar uma tarefa eminentemente voltada para o paciente, que requer destes profissionais habilidades e conhecimentos clínicos, bem como o desenvolvimento de um estilo de gerência vinculado ao cuidado.3-6

O processo de cuidar e o processo de gerenciar são as principais dimensões do trabalho do enfermeiro em unidades de urgências traumáticas. O cuidar caracteriza-se pela observação, o levantamento de dados, o planejamento, a implementação, a evolução, a avaliação e interação entre pacientes/familiares e trabalhadores da enfermagem e entre diversos profissionais de saúde. Já o processo de gerenciar tem como foco organizar a assistência e proporcionar a qualificação do pessoal de enfermagem através da educação continuada/permanente, apropriando-se para isto, dos modelos e métodos de administração, da força de trabalho da enfermagem, além do gerenciamento dos equipamentos e materiais.2-4 As mudanças na infraestrutura e funcionamento dos hospitais, particularmente em serviços de cuidados críticos, a crescente incorporação tecnológica, bem como o perfil de pacientes caracterizados pela alta complexidade, gravidade e pela diversidade de violências impactam na dinâmica dos serviços hospitalares de urgências traumáticas. Diante do exposto, questiona-se que ações constituem a prática profissional do enfermeiro em serviços hospitalares de atendimento aos agravos traumáticos? Quais as especificidades do trabalho assistencial e gerencial do enfermeiro nestes serviços? A dimensão das urgências traumáticas no âmbito dos hospitais e do sistema de saúde; a importância da organização do trabalho do enfermeiro nessas unidades; a crescente demanda por serviços de alta complexidade com elevada incorporação tecnológica; a necessidade do enfoque multiprofissional no atendimento aos pacientes críticos; a produção científica incipiente na área de enfermagem em cuidados intensivos no Brasil,6 justificaram a realização desta investigação. Nesse sentido, foi desenvolvido este estudo que teve como objetivo analisar as ações assistenciais e gerenciais do enfermeiro, em unidade de urgências traumáticas, em hospital terciário conveniado ao Sistema único de Saúde em um município do interior paulista.

 

METODOLOGÍA

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, utilizando dados qualitativos que desenvolveu-se segundo as premissas de estudo de caso múltiplo.7 Foi desenvolvido em um hospital público, qualificado para o ensino na área de saúde e tem como missão institucional o atendimento às urgências de alta complexidade que demandam maior densidade tecnológica e tratamentos especializados, no município de Ribeirão Preto, do estado de São Paulo, sede administrativa e polo assistencial da região. No contexto do sistema regional de saúde, o hospital de estudo é referência para o atendimento a urgências traumáticas, organizado segundo o preconizado pela Política Nacional de Atenção às Urgências, tal situação favorece as ações de regulação do acesso, a organização estrutural, de recursos humanos e materiais, constituindo-se em um caso significativo para estudo da temática em questão. O hospital disponibilizava 165 leitos para internação, 25 para terapia intensiva e 10 em unidade de cuidados semi-intensivos, distribuídos em quatro pavimentos. O primeiro atendimento das urgências traumáticas ocorre na sala de trauma que conta com cinco leitos monitorizados, destinados a pacientes politraumatizados de todas as faixas etárias e de alta complexidade e, um ambulatório de ortopedia anexo com dois leitos de observação. O atendimento é desenvolvido por equipe multiprofissional, composta por médicos de diferentes especialidades, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, assistentes sociais, auxiliares administrativos e técnicos de raios-X. Na sala de trauma trabalham um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem por turno.

Para desenvolver a pesquisa utilizamos duas técnicas de coleta de dados: observação participante e entrevista semiestruturadas. Optamos por observar as ações assistenciais e gerenciais do enfermeiro à pacientes com agravos traumáticos, desde o momento da admissão na unidade acompanhando o atendimento nas primeiras quatro horas porque este período é considerado crucial para estabilização do caso e o encaminhamento para outro setor do hospital. No período de 1 a 30 de junho de 2009 foi realizada a coleta de dados empíricos que incluía a observação do atendimento prestado a pacientes vítimas de trauma e a entrevista ao enfermeiro que participou do atendimento, assim cada caso correspondia a um atendimento observado e a respectiva entrevista, totalizando 19 casos no período. Para definir os casos selecionados foram estabelecidos critérios de inclusão: todos os atendimentos ocorridos no período de 1 a 30 de junho de 2009 no serviço estudado e, que foram comunicados pelo enfermeiro do plantão e/ou identificados pelo pesquisador, cujos pacientes e/ou familiares e enfermeiros aceitaram participar do estudo. Cabe destacar o intenso trabalho de sensibilização dos enfermeiros para comunicação telefônica dos casos, a disponibilidade em colaborar com a pesquisa e a prontidão da pesquisadora para coletar os dados 24 horas por dia, conforme fosse comunicada de um caso de trauma.

Para o registro das informações observação participante, utilizamos um roteiro-guia de observação, tendo em vista o objetivo da pesquisa, sem deixar de registrar também as informações oriundas da observação mais livre, com enfoque na dinâmica geral das atividades assistenciais e gerenciais da enfermagem. O roteiro contemplava aspectos relativos ao acesso do paciente a unidade, caracterização do quadro clínico do paciente, abordagens assistenciais e gerenciais dispensadas pelos enfermeiros na admissão, permanência e transferência do paciente na unidade e ações de gerenciamento de materiais, equipamentos e recursos humanos. O instrumento foi submetido à pré-teste tendo sido aprovado por três enfermeiros peritos na temática e em metodologia de pesquisa. Em seguida foi submetido a um pré-teste para avaliar as condições de sua adequação para aplicação prática. A observação nos aconteceu diversos turnos de trabalho dos profissionais enfermeiros nessa unidade, por um período de quatro semanas. Foi realizada com o intuito de apreender a dinâmica de atendimento do paciente traumatizado pelo enfermeiro, equipe de enfermagem e de saúde, nas dimensões do cuidado e de gerência da unidade.

Na segunda fase da coleta de dados, utilizamos a técnica de entrevista semiestruturada com 11 enfermeiros que participaram do atendimento dos 19 casos observados, ou seja, alguns enfermeiros estiveram presentes em mais de um caso, o que permitiu apreender o que está além das aparências e da superfície da comunicação, atingindo esferas mais profundas do significado do objeto de estudo definido para a pesquisa. O roteiro de entrevista contemplava dados de identificação e experiência profissional do entrevistado, questões sobre as ações, prioridades e percepções do profissional em relação ao atendimento do caso observado. Este roteiro também foi submetido à validação aparente e de conteúdo por enfermeiros peritos na temática e, após a validação, o instrumento foi submetido a um pré-teste, com enfermeiros que não foram sujeitos do estudo definitivo, permitindo verificar na prática, a forma de utilização do roteiro, a possível flexibilização de perguntas respondidas pelo entrevistado e/ou a necessidade de detalhar perguntas para facilitar o entendimento, de modo a facilitar uma melhor interação entre entrevistador e entrevistado. As entrevistas foram realizadas por uma das pesquisadoras, gravadas em meio digital, agendadas conforme a disponibilidade de horário dos enfermeiros, realizadas de modo a garantir privacidade aos participantes, duraram em média 30 minutos. Foram identificadas por letras (C indicando o número do caso observado e E o profissional enfermeiro) e números seqüenciais. A própria pesquisadora realizou a transcrição das entrevistas na íntegra.

Optamos pela análise qualitativa dos dados que, consiste na ordenação, classificação dos dados e análise final.8 Foi elaborada uma síntese da análise de cada relato, para identificar aspectos pertinentes ao núcleo temático e, a seguir, foi realizada a síntese da análise conjunta. Cabe destacar que embora o atendimento em situação de urgência/emergência traumática seja caracterizado pela fragilidade do momento em que se encontra o paciente e/ou familiares foi realizada uma abordagem bastante cuidadosa, criteriosa e humanizada para convidá-los a participar da pesquisa, garantindo o cumprimento dos preceitos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de ética e Pesquisa, que regulamenta a pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil. A pesquisa teve sua realização autorizada pelo Comitê de ética e Pesquisa, sob o ofício n° 2676/2008. Os termos de consentimento livre e esclarecidos foram assinados pelos enfermeiros, pacientes e/ ou familiares.

 

RESULTADOS

As ações assistenciais estão focadas no cuidado prestado ao usuário e, envolvem a observação/avaliação do paciente, de modo que permitam estabelecer prioridades de tratamento de acordo com as especificidades e complexidade dos casos, além de garantir a evolução e avaliação das intervenções e ações. As ações gerenciais dispensadas pelos enfermeiros envolvem a organização da unidade/assistência, a coordenação/articulação das equipes profissionais, bem como a mobilização de recursos a fim de garantir a disponibilidade e a qualidade de recursos materiais e infraestrutura necessária, bem como o quantitativo de pessoal suficiente para prestar um atendimento qualificado.

Na prática as ações assistenciais e gerenciais são indissociáveis e exigem dos profissionais enfermeiros o distanciamento dos preceitos do gerenciamento burocrático e a aproximação à perspectiva do gerenciamento do cuidado, que têm o paciente na centralidade das ações. Identificamos durante as observações participantes que as ações assistenciais e gerenciais dispensadas pelos enfermeiros aos pacientes traumatizados iniciam-se com o acionamento da equipe hospitalar pela Central de Regulação Médica. O serviço de atendimento pré-hospitalar integrado a central de regulação permite que o médico regulador forneça informações quanto ao mecanismo do trauma e condições clínicas do paciente para o médico responsável pela sala de trauma, que logo após, na maioria dos casos, repassa essas informações para a equipe de enfermagem deste local. A partir desse momento, os enfermeiros iniciam a organização da unidade, mobilizam materiais, equipamentos e recursos humanos, com base nas informações recebidas, como mostram os relatos dos entrevistados: Fui avisado antes pelo contratado da sala de trauma, ele informou a complexidade, que o paciente era grave. Assim, a enfermagem deixou tudo pronto, inclusive drenagem de tórax, e no momento, a equipe de enfermagem junto com a equipe médica trabalharam em conjunto, com uma boa sintonia (C11E7). Fui avisado pelo médico contratado sobre o estado do paciente que viria de modo que, organizei com tranqüilidade todo o material antes da chegada do paciente (C7E7).

Foi possível constatar através dos relatos que os enfermeiros, baseados nas necessidades de saúde dos usuários, utilizam todo o conhecimento técnico científico referente à necessidade de cuidado bem como a previsão e provisão de recursos humanos e materiais, para organizar o atendimento do paciente, com vistas a qualidade e integralidade do cuidado. Em relação aos materiais priorizei o que precisaria para atender o paciente, a parte hemodinâmica e depois garantir que os exames fossem feitos e que as demais coisas ocorressem (C12E8). Na gerência foi tudo muito rápido, por conta que não tínhamos nada preparado, então foi mais gerenciar o material, equipamentos, tudo o que foi preciso para atender esse paciente que chegou (C6 E5). A organização de materiais e equipamentos da sala de trauma é uma ação de competência do enfermeiro e a falta deles limita a assistência. Verificamos durante as observações que em alguns casos não houve a organização prévia de materiais e equipamentos. De acordo com os relatos dos enfermeiros, os motivos foram à ausência de informação prévia à chegada do paciente ou as mesmas foram transmitidas incorretamente. Não foi realizada organização de materiais e equipamentos especificamente para o paciente politraumatizado, porque não tivemos tempo desde que foi comunicado até a chegada do paciente (C17E10). ...a equipe não se preparou, houve ausência de informações sobre a complexidade do paciente, sendo assim houve falta de materiais indispensáveis, o que resultou em muita correria de toda equipe. (C4E4)

Identificamos que as situações observadas ocorrem em um ritmo acelerado e preciso de ações/intervenções de saúde, de modo que, os enfermeiros organizam a unidade e simultaneamente, no momento da chegada do paciente, utilizam a abordagem mnemônica preconizada pelo Advanced Trauma Life Support (ATLS) para avaliar as condições do paciente, identificar prioridades, estabelecer tratamento e ações necessárias para restabelecer a vida. Destacamos que diferentes profissionais da equipe participam destas abordagens, entretanto, julga-se pertinente enfatizar que os enfermeiros participaram e realizaram as ações em todos os casos observados.9

O Advanced Trauma Life Support (ATLS) é um protocolo aceito internacionalmente para atendimento às urgências traumáticas, propõe fundamentalmente uma padronização das condutas para todos os componentes da equipe de saúde, na perspectiva de uma atenção integral. A abordagem requer um acesso rápido às lesões e a instituição de medidas terapêuticas imediatas de suporte à vida, este processo é denominado 'Avaliação Inicial' e assim que o paciente apresentar tendência à normalização de suas funções vitais inicia-se a 'Avaliação Secundária' que consiste em levantar a história do mecanismo do trauma e do próprio paciente, realizando um exame físico completo com a reavaliação dos sinais vitais, além da realização de exames diagnósticos para identificar lesões específicas.9 Identificamos nos relatos, que a assistência ao paciente é realizada, segundo a proposta do ATLS, ou seja, utilização da abordagem mnemônica do ABCDE para identificação e tratamento imediato dos problemas que coloquem o paciente em risco de vida. Durante a avaliação primária, as vias aéreas (A) foram avaliadas em primeiro lugar para assegurar a sua permeabilidade, todos os pacientes foram monitorizados. Na abordagem da ventilação e respiração (B), os enfermeiros avaliaram as condições ventilatórias e realizaram juntamente com a equipe de saúde a exposição do tórax do paciente. Na abordagem circulatória-controle do choque/hemorragia externa, os enfermeiros avaliaram os sinais e sintomas de choque hipovolêmico, e identificaram pontos de sangramento. Verificamos que na maioria dos casos foram os enfermeiros que puncionaram as veias dos pacientes e realizaram a coleta de sangue para exames laboratoriais diagnósticos.

No final da avaliação primária realiza-se uma avaliação neurológica rápida (D), nesta intervenção houve a colaboração dos enfermeiros juntamente com a equipe de saúde. Em seguida é realizada a exposição completa do paciente e a adequação do ambiente com controle da hipotermia (E), esta abordagem na fase intra-hospitalar é realizada logo no início do atendimento simultaneamente a avaliação do A e B, pois enquanto o paciente é monitorizado, ocorre à avaliação da respiração e ventilação, havendo a necessidade da exposição. Durante a avaliação secundária do paciente da sala de trauma, os enfermeiros são responsáveis por realizar o registro das intervenções e atendimentos no prontuário do paciente: Era um caso de extrema gravidade a prioridade foi realizar as manobras de ressuscitação cardiopulmonar visando otimizar a possibilidade de sobrevida do paciente, a assistência foi de acordo com a sistemática de atendimento do ATLS (C10E10). A prioridade era a circulação 'C', então verificamos as condições do paciente, identificamos que o mesmo não estava chocado, mas havia grande risco de evoluir para choque hipovolêmico, então foi coletado sangue para exames (C2E1). Há evidências da importância das intervenções realizadas pelo enfermeiro durante abordagem mnemônica preconizada pelo ATLS.

Trata-se de uma abordagem prioritariamente assistencial em uma situação de atendimento inicial na qual as ações do enfermeiro e da equipe de saúde têm como objetivo identificar e tratar rapidamente os problemas que coloquem em risco a vida do paciente. Observamos nos relatos que os enfermeiros além de priorizarem as ações assistenciais no momento da admissão do paciente, também atuam como agente articulador das ações de todos os membros da equipe para o benefício do paciente. Importante enfatizar que o enfermeiro reconhece sua responsabilidade na articulação e integração da equipe visando o cuidado qualificado mediante as necessidades do usuário: Na hora que o paciente chegou tive que solicitar que alguém me ajudasse, no caso eu contei com a ajuda de uma enfermeira de outro setor e que auxiliou na organização dos materiais e nos procedimentos ali na hora. Eu tive que delegar outras funções porque este era o paciente mais grave (C16 E9). Na gerência priorizei manter a sala em ordem, todo o material, chamar alguns residentes para poder estar priorizando, para poder organizar, avaliar melhor o paciente, ver que lado iria estar virando o paciente devido as fraturas, porque senão eles viram do lado que estão as fraturas, para que pudessem encaminhar o paciente com maior rapidez ao CT e raio x para poder estabilizar o paciente (C18 E10).

As ações de organização e coordenação da unidade/equipe, mobilização de recursos humanos, materiais e equipamentos, articulação dos agentes e assistência realizadas pelos enfermeiros da sala de trauma são baseadas nas necessidades dos pacientes, no sentido de favorecer um cuidado integral a vítima de trauma. Portanto, baseados nesta evidência empírica, podemos afirmar que as ações gerenciais estão imbricadas com as ações assistenciais, de modo que, a gerência tem como foco as necessidades dos pacientes, como ilustram os relatos a seguir: Na gerência foi priorizado a organização do serviço, do material e da maneira como foi feita a assistência de enfermagem ao paciente (C7E5). Gerência... No geral, assim? Eu acho que gerência é você vislumbrar, baseado nas informações que você recebe, todo o contexto que vai envolver o atendimento do paciente, desde a parte de recursos humanos, recursos materiais, organização da sala, fluxo que este paciente necessitou, como ser encaminhado para a tomografia, então precisava pensar na priorização da sala de tomografia e porventura a necessidade de exames de sangue, transferência, algumas coisas assim (C8 E6). A partir da observação direta dos casos e da percepção dos enfermeiros que atuaram nos casos, pôde-se constatar a interface de uma dimensão assistencial e gerencial de recursos humanos, materiais e de área física, o que demonstra, claramente, o gerenciamento do cuidado exercido pelo enfermeiro na unidade de urgências traumáticas.

 

DISCUSSÃO

O atendimento pré-hospitalar integrado à central de regulação e esta articulada aos serviços hospitalares permitem o acesso regulado de pacientes ao nível hospitalar, situação esta que favorece a organização da unidade de trauma na perspectiva de criar/propiciar condições favoráveis ao atendimento, de acordo com as necessidades dos pacientes. Nesse sentido, a integração e articulação entre os serviços se faz necessária, para otimizar recursos humanos e materiais, favorecer as condições de trabalho da equipe de enfermagem no intuito de iniciar as ações gerenciais e assistenciais para garantir a qualidade do cuidado. Nos serviços hospitalares de emergências, os profissionais atuam diretamente com o risco iminente de morte dos pacientes, destaca-se na prática dos enfermeiros, a realização de ações que garantam a disponibilidade e funcionalidade dos materiais e equipamentos utilizados nos atendimentos, já que nesse contexto cada segundo torna-se precioso e nem sempre há tempo disponível para conserto ou busca de novos materiais durante os atendimentos.4 Estudos comprovam que o enfermeiro, por assumir o gerenciamento das unidades de atendimento e coordenar toda a atividade assistencial, tem papel preponderante no que diz respeito à determinação do material necessário à consecução da assistência, tanto nos aspectos quantitativos, como nos qualitativos. A atuação do enfermeiro na administração de recursos materiais constitui conquista nas esferas da tomada de decisão, destacando, portanto, o importante papel do enfermeiro na dimensão técnica administrativa inerente as ações de cuidar e gerenciar.6

Outro aspecto relevante é a sistematização da assistência aos pacientes segundo as premissas do ATLS, que padroniza as ações dos profissionais de saúde através da abordagem mnemônica do ABCDE. Esta abordagem possibilita identificação e tratamento imediato dos problemas que coloquem o paciente em risco iminente de morte considerando a falta de diagnóstico inicial e limitação dos dados.9 Praticamente todos os profissionais entrevistados consideraram a importância da sistematização das intervenções assistenciais, segundo a proposta do ATLS, que permite uma abordagem integral segundo as prioridades estabelecidas, subsidia a avaliação do paciente sem tirar a autonomia do profissional. A literatura reconhece a abordagem mnemônica do ABCDE como uma diretriz para atenção ao trauma e tem sua sustentação na medicina baseada em evidências.9,10

Cabe acrescentar que a abordagem preconizada pelo ATLS no atendimento ao paciente traumatizado possibilita um campo de atuação comum a todos os profissionais de saúde, em que todos independente da formação profissional, realizam as mesmas atividades e se organizam em função do paciente e da situação em si. As ações gerenciais envolvem a organização do trabalho e elaboração de estratégias de intervenção visando equacionar as necessidades dos pacientes no cotidiano dos serviços de emergência.3,4,11,12 Nesse sentido, os resultados também indicaram a importância do papel do enfermeiro na articulação de profissionais e na mobilização de recursos para atenção ao paciente, constituindo-se em expressiva parcela de seu trabalho no âmbito gerencial na sala de trauma.

Os resultados permitiram entender o gerenciamento do cuidado de enfermagem com interface de uma dimensão assistencial e outra organizativa de recursos humanos/materiais. Além disso, envolve ação de articulação da própria equipe de enfermagem e equipe de saúde. Trata-se de um contexto de prática de enfermagem marcado por fatores facilitadores e outros que trazem dificuldades inerentes no cenário hospitalar contextualizado no sistema de saúde. Assim, as atividades assistenciais e gerenciais ocorrem de forma articulada, como uma prática de gerenciamento do cuidado. Para alguns autores o gerenciamento do cuidado consiste em um processo amplo, que compreende ações de cuidado, ações administrativas, quer sejam burocráticas ou não, ações educativas e pesquisa, todas convergindo para o benefício do paciente.2-6,11

Em síntese, o gerenciamento centrado no e para o paciente resulta na convergência do cuidar/gerenciar. Não é possível pensar o gerenciamento do cuidado de forma idealizada e teórica, mas algo em processo de construção e reconstrução contínua, foco do trabalho de enfermagem hospitalar. A observação dos atendimentos articulada às falas dos enfermeiros evidencia aspectos acerca dos 'fazeres', que explicitam as ações assistenciais e gerenciais de enfermagem desenvolvidas pelo enfermeiro no âmbito da unidade de urgências traumáticas. A prática do enfermeiro na sala de trauma se distancia da concepção de gerenciamento burocrático e aproxima-se da perspectiva de gerenciamento do cuidado que articula a dimensão assistencial e gerencial do trabalho, dimensões indissociáveis do trabalho do enfermeiro, com especificidades, que têm o cuidado integral ao paciente como foco das ações.

Apontamos como limitações do estudo não contemplar o acompanhamento do paciente durante todo o tempo de sua permanência na sala de trauma que por uma condição do serviço é superior ao preconizado na literatura. As limitações estão relacionadas à necessidade de um recorte maior do objeto, nesse sentido instigam futuras pesquisas. Apresentamos um enfoque atualizado acerca da temática prática profissional do enfermeiro em serviços hospitalares de atendimento aos agravos traumáticos, sem, contudo esgotar as possíveis abordagens focando o tema. Acreditamos que ainda há muito a ser explorado considerando a contemporaneidade dos agravos traumáticos e da dimensão da gerência do cuidado no trabalho do enfermeiro.

 

REFERÊNCIAS

 

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