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Pedagogía y Saberes

Print version ISSN 0121-2494

Pedagogía y Saberes  no.56 Bogotá Jan./June 2022  Epub Sep 29, 2022

https://doi.org/10.17227/pys.num57-14433 

Articulos de investigação

Aproximações entre a filosofía antiga e o pensamento de Paulo Freire: desafíos para pensar a aula no presente*

Approximations Between Ancient Philosophy and Paulo Freire's Thought: Challenges to Think About the Class in the Present

Aproximaciones entre la filosofía antigua y el pensamiento de Paulo Freire: desafíos para pensar la clase en el presente

Maria Alice Gouvêa Campesato** 
http://orcid.org/0000-0002-1965-9564

** Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: mcampesato@yahoo.com.br.


Resumo

Este artigo, que resulta do recorte de uma pesquisa que investigou a aula desde a tradição greco-romana às práticas pedagógicas inovadoras, busca refletir a partir de uma perspectiva foucaultiana, sobre a educação no contemporâneo neste espaço microfísico de encontro entre vivos e mortos, que é a aula. Para tal, estabelece uma aproximação entre a filosofia antiga e o pensamento do educador brasileiro Paulo Freire no ano de seu centenário, tomando os exercícios espirituais aprender a viver, aprender a morrer, aprender a ler e aprender a dialogar (Hadot, 2014a) como uma abertura para pensar outras aulas possíveis e, por conseguinte, outros mundos possíveis.

Palabras clave: escola contemporânea; exercícios espirituais; pedagogia do oprimido

Abstract

This article, which results from a clipping of research that investigated the class from a Greco-Roman tradition to innovative pedagogical practices, seeks to reflect, from a Foucaultian perspective, on a contemporary education in this microphysical space of encounter between the living and the dead that is the classroom. For this, an approach is established between the ancient philosophy and the thought of the Brazilian educator Paulo Freire, in the year of his centenary, taking spiritual exercises learning to live, learning to die, learning to read, and earning to dialogue (Hadot, 2014a) as an openness to think about other possible classes and, therefore, other possible worlds.

Keywords: contemporary school; spiritual exercises; pedagogy of the oppressed

Resumen

Este artículo, resulta de un proceso de investigación que investigó la clase desde la tradición grecorromana hasta prácticas pedagógicas innovadoras, buscando reflexionar, desde una perspectiva foucaultiana, sobre la educación contemporánea en este espacio microfísico de encuentro entre vivos y muertos. Para ello, establece una aproximación entre la filosofía antigua y el pensamiento del educador brasileño Paulo Freire, en el año de su centenario, tomando los ejercicios espirituales para aprender a vivir, aprender a morir, aprender a leer y aprender a dialogar (Hadot, 2014a) como una apertura para pensar en otras clases posibles y, por tanto, en otros mundos posibles.

Palavras-chave: escuela contemporánea; ejercicios espirituales; pedagogía de los oprimidos

1. Notas introdutórias

De aulé (do grego, 'pátio, morada') a flipped classroom (sala de aula invertida), a aula tem sido definida de diversas formas ao longo dos séculos. Tais definições estão articuladas às concepções sobre a educação e a escola, e são atravessadas por maneiras de pensar de cada época, cultura, lugar, com suas condições políticas e discursivas de possibilidade.

Se para os gregos da Antiguidade escola significava "tempo livre", a escola contemporânea é concebida como tempo de investimento no capital humano, em que o aspecto formativo de crianças, jovens e adultos cede espaço para o desenvolvimento de competências e habilidades técnicas e rapidamente aplicáveis; onde o empreendedorismo, o empresaria mento de si, as tecnologias da informação e a inovação tomam magnitude. Nesse contexto, há pouco - ou nenhum - lugar no espaço áulico para o exercício do pensamento, a problematização da vida, do mundo e do próprio conhecimento.

Por outro lado, não necessariamente antagônico, movimentos de cunho conservador buscam apagar a autoria do trabalho docente, com propostas como Escola sem Partido, em que a liberdade de cátedra se vê ameaçada e a censura se esboça com grande nitidez. Tais movimentos, não obstante venham capilarizando-se em diversos lugares do mundo nas últimas décadas, tomando visibilidade e legitimidade, no Brasil, a partir de 2018 com a eleição presidencial que coloca a Jair Bolsonaro no epicentro das decisões políticas deste país. As diversas medidas que vêm sendo adotadas pelo atual governo escancaram inúmeros problemas que até então vinham sendo contornados ou até mesmo enfrentados por seus antecessores, deixando à mostra a grande e histórica desigualdade social brasileira. Com a crise pandémica que se alastrou rapidamente pelo mundo ainda no início do ano de 2020, o agravamento de questões relacionadas à referida desigualdade, associado à falta de investimento em setores essenciais para a manutenção de certa ordem social, vem colocando grande parcela da população brasileira em situação de extrema precariedade.

No campo educacional, com a migração das aulas presenciais para os ambientes virtuais de aprendizagem, um grande contingente de crianças, jovens e adultos ficou apartado da vida escolar e de seu direito de aprender.1 Neste cenário em que a exclusão social se evidencia, em que fake news tomam as redes sociais, as manchetes dos jornais e os espaços oficiais de informação, e a opinião assume o lugar da ciência pelos movimentos negacionistas; pensar sobre a aula torna-se uma tarefa em verdade complexa, assim como um grande desafio. Daí a importância de provocar tensionamentos capazes de criar brechas, rasgos, fissuras no modo de pensar esse espaço microfísico de encontro entre os vivos e os mortos.

A peregrinação pela filosofia antiga neste trabalho não buscou por um modelo de práticas educativas na tentativa de "reapropriação daquilo que, acumulado pelo tempo, teria restado como verdadeiro ou necessário - letra morta, em suma -, mas o tipo de problematização que, no presente, dedicamos a essa matéria, restituindo-lhe a faculdade de coisa viva" (Aquino, 2015, p. 361). Se nos tornamos o que somos, também deixamos de nos tornar outros. A história educacional, assim como nós, também pode ser percebida pelo que não é, e talvez nessa negação a si própria, não entendida aqui como uma recusa, mas como uma possibilidade, podemos pensar o que pode ser. Portanto, "importa conhecer como e porquê nos tornámos naquilo que agora somos. Diria que esta visitação ao mundo antigo, e que nos permite imaginar esse fosso da nossa diferença civilizacional, tornará, ato contínuo, imperativa a necessidade de encetar um combate crítico" (Ó, 2019, p. 137). Esse combate crítico aqui citado não procura a denúncia, mas colocarmo-nos sob suspeição: a educação, a aula, a nós mesmos.

No ano em que se comemora o centenário do pensador brasileiro Paulo Freire, em meio de um cenário de pandemia e crises (ambientais, institucionais, educacionais), as discussões sobre a educação, a escola e a aula adquirem um outro matiz e nos provocam a visitar algumas práticas como possibilidade para pensar algo novo, algo outro. Não como forma de buscar por modelos, mas para nos ajudar a formular novas perguntas, ou como argumentam Gallo e Espinel (2021, p. 51), "lo más importante no es hallar respuestas a tales preguntas y (pre)fabricar modelos a masificar y universalizar. Quizás lo más importante sea mantener viva la pregunta, mantener vivo el fuego del interés, de la inquietud, frente a lo que hacemos a diario2".

Dessa forma, este artigo de pesquisa busca articular a filosofia antiga e o pensamento de Paulo Freire a partir das temáticas da vida e da morte, da leitura e da escrita como uma abertura para pensar outras aulas possíveis e, por conseguinte outros mundos possíveis, a partir do recorte de uma pesquisa que investigou a aula desde a tradição greco-romana à atualidade.

2. Paulo Freire e alguns apontamentos sobre a educação no Brasil

Com o intuito civilizatório e desenvolvimentista, a sociedade capitalista moderna cria uma maquinaria escolar, cujos aparatos concorrem para o disciplinamento dos corpos em nome do progresso (Corazza, 2015). Desde o final da centúria dos 1600, duas tecnologias se sobrepõem uma à outra, em que uma opera no corpo-indivíduo e a outra no corpo-população. Se a disciplina e as minúcias sobre o corpo individual se voltam à docilização e utilidade, a outra tecnologia direciona-se à vida, na figura da população. Isso é o que Foucault (2005) chama de biopolítica, que opera sobre a vida e sobre a morte da população, em que a educação de massas é um espaço profícuo para as práticas de governamento que se dão a partir da segunda metade do século XVIII.

As técnicas disciplinares e as técnicas biopolíticas "conhecem seu maior desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial, com o taylorismo e o Estado-providência" (Lazzarato, 2006, p. 74-75). Isso se deve à retomada dos mecanismos de captura e de "gestão da vida, sob o impacto das novas forças e das novas relações de poder. Mas, no final do século XIX, já se encontravam em gestação novas técnicas de poder, que não tinham mais nenhuma semelhança com as disciplinas ou com o biopoder" (Lazzarato, 2006, p. 75), ou aquilo a que Deleuze (1992), mais tarde, chamou de sociedade de controle. Segundo Deleuze (1992, p. 224), o capitalismo nesta sociedade não está voltado para a "produção, mas para o produto [...]. Por isso ele é essencialmente dispersivo, e a fábrica cedeu lugar à empresa". As instituições (família, escola, exército, fábrica) não já não se constituem em "espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas são agora figuras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes" (Deleuze, 1992, p. 224), o que se intensifica a partir da segunda metade do século XX.

Segundo Lazzarato (2006), as sociedades de controle forjam seus próprios mecanismos de subjetivação, que são diversos daqueles das sociedades disciplinares, tendo como expoente capital a máquina de expressão, na qual se efetiva "a atualização do acontecimento nas almas e sua efetuação nos corpos. A integração e a diferenciação das novas forças, das novas relações de poder, se faz graças às novas instituições (a opinião pública, a percepção coletiva e a ação a distância)" (Lazzarato, 2006, p. 76). Isso nos ajuda a compreender as relações que se dão no âmbito educacional a partir do século XX e que se potencializam, sobremaneira, na atualidade. Também nos ajudam a compreender os diversos fenômenos de natureza necrófila e as ondas conservadoras e negacionistas que presenciamos atualmente.

O ideal universalista da escola disciplinar moderna do século XIX começa a se esboçar no Brasil a partir da década de 1930, concomitante ao "processo de industrialização e urbanização que se iniciara na sociedade brasileira, assumindo certo cunho liberal, como demonstraram o movimento dos educadores liberais escolanovistas e as lutas por parte de alguns segmentos da população pela democratização da escola" (Fernandes, 2018, p. 779). No entanto, ainda levará mais meio século para que o acesso à escola se dê de forma mais ampliada,3 ainda que tenhamos, no segundo decênio do século XXI, um grande contingente de crianças, jovens e adultos que permanecem apartados da educação escolarizada.

Das tecnologias disciplinares à plasticidade de experiências proposta pelos educadores escolanovis-tas, é importante destacar a centralidade no sujeito, que tem nas chamadas teorias críticas um entendimento diverso daquele apregoado pelas concepções neoliberais de educação, embora ambas partilhem de uma forte posição contrária ao ensino denominado "tradicional". As discussões que se dão no âmbito dos estudos críticos veem nas práticas educacionais tradicionais um "espaço de reprodução das desigualdades sociais e econômicas. Todavia, a partir de uma ação de tomada de consciência sobre os processos de dominação e de transformação da realidade, a educação poderia ser vista como possibilidade de libertação da ideologia opressora" (Schuler, 2016, p. 131).

É dentre os pensadores críticos que se encontra o brasileiro Paulo Freire, cujo trabalho se estende para além dos limites latino-americanos. Segundo Freire, a educação é essencial para o desenvolvimento de uma consciência crítica para que o homem possa se tornar sujeito de sua própria história, tendo, na dialogicidade, a base do processo educativo; daí a importância à alfabetização, especialmente a de adultos. É importante destacar que o insistente trabalho de Freire na alfabetização de adultos se relaciona ao contexto brasileiro nas décadas de 1960 e 1970: do público eleitor eram excluídos os 39,7% analfabetos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 1960), que por mais de 100 anos ficaram à margem do processo eleitoral, readquirindo tal direito a partir da Emenda Constitucional n2 25, de 15 de maio de 1985. Portanto, a alfabetização de adultos tinha um duplo papel político: a conscientização e o direito ao voto. Em sua obra Ação cultural para a prática da liberdade e outros escritos, concebido no período em que esteve exilado no Chile, em 1968, Freire (2001) aponta que a concepção ingênua ou astuta do analfabetismo o percebe como uma "erva daninha", uma "enfermidade" ou ainda "como a manifestação da 'incapacidade' do povo, de sua 'pouca inteligência', de sua 'proverbial preguiça' (Freire, 2001, p. 15).

A educação perspectivada por Freire busca não somente atender ao expressivo contingente de pessoas cujo acesso aos bancos escolares se constituía como uma impossibilidade, decorrente da desigualdade social e da ausência de políticas públicas, como também trazer à cena educacional o potencial transformador de mundo, por meio de uma educação com o povo. Nesse educar com, nesse estar junto, educador e educando aprendem e ensinam mutuamente, pois "ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo" (Freire, 1983, p. 79).

É importante salientar que o trabalho de Freire não pode ser conjecturado sem que tomemos sua própria trajetória enquanto educador que busca romper com as dicotomias que separam a teoria da prática, visto que "qualquer destas dicotomias, ao gerar-se em formas inautênticas de existir, gera formas inautênticas de pensar" (Freire, 1983, p. 92). Nesse sentido, o conteúdo político de sua vida-obra se estende para além de condições de possibilidade, buscando modificar as próprias condições materiais da existência humana, num inédito-viável.4

Em sua peregrinação por diversos contextos educacionais dentro e fora do Brasil durante o período em que esteve exilado após o golpe militar de 1964, coordenou projetos, como o de Angicos e o Programa Nacional de Alfabetização de Adultos; assessorou o Ministério de Educação e o Instituto de Capacitação e Pesquisa para a Reforma Agrária no Chile; deu aulas na Universidade de Harvard; foi consultor especial para educação do Conselho Mundial de Igrejas em Genebra; trabalhou na fundação do Partido dos Trabalhadores, assumiu a Secretaria de Educação da cidade de São Paulo5 na gestão de Luiza Erundina, cargo ao qual renunciou antes do término de seu mandato; liderou diversas organizações de educação popular e foi professor na pue e na Unicamp (Kohan, 2019).

A intensa trajetória de Freire, no entanto, transcende à própria temporalidade e é pequena se comparada às ideias sobre educação que experimenta em seu tempo e que lega às gerações futuras, numa "estética de recriação no sentido de ser uma arte de se movimentar no tempo" (Streck, 2011, p. 12). Essa estética de recriação como arte de movimento permite que possamos, passadas algumas décadas de sua escrita, conjecturar a partir de e com Freire, outras possibilidades de existência, habitando o terreno amplo da educação e o espaço microfísico da aula, propondo experimentações no pensamento, articulando com outras perspectivas teóricas e outras práticas formativas, num exercício de invenção de si e do mundo, "como o movimento da pedra que, jogada na superfície do lago, provoca a formação de ondas que vão se abrindo na medida em que a pedra afunda" (Streck, 2011, p. 14).

Esse movimento de abertura, sugerido por Streck, da imagem da pedra promovendo sulcos na água, nos instiga a realizar as conexões propostas neste artigo para pensar a aula no contemporâneo. Esse processo alquímico aqui experimentado arrisca-se a tecer fios heterogêneos numa composição que não busca pelo ineditismo, mas pelo deslocamento no olhar, provocando a pensar, quiçá, o ainda não pensado.

3. Exercícios espirituais como arte da existência: da dimensão estética à dimensão política

Ao longo da tradição greco-romana encontramos uma série de práticas, exercícios e técnicas que buscam operar uma mudança no modo de ser do sujeito, aos quais Pierre Hadot (2014a; 2014b) chama de exercícios espirituais. A palavra espiritual, segundo Hadot (2014b, p. 20), "permite entender bem que esses exercícios são obra não somente do pensamento, mas de todo o psiquismo do indivíduo", em que o espírito não diz respeito a uma parte do sujeito, mas a um conjunto de aspectos que o constitui.

Influenciado por Hadot, Michel Foucault dedicou-se a estudar tais práticas (Gallo, 2015), deixando a nós um importante material que, dentre tantas coisas, nos ajuda a pensar em outras possibilidades de existência, ou, nas palavras de Julio Groppa Aquino (2015, p. 357) , a "despojar o presente de sua replicação veridictivo-subjetivadora, garantindo, assim, a conquista de um intervalo vital entre aquilo que somos e que, no mesmo golpe, já estamos deixando de ser".

A filosofia exerce um papel fundamental na formação da cultura do cuidado de si, operada por meio de inúmeros exercícios e práticas que sempre pressupõem ser acompanhadas por um mestre, um guia espiritual, ou alguém responsável pela apresentação do mundo e pela condução das condutas. Nessa tradição do cuidado de si, Foucault (2006), destaca duas formas bastante distintas entre si, a skholé helênica e a do conselheiro privado romana: a primeira tem um caráter de existência mais coletiva, a outra, um caráter mais privado. Não obstante essas duas formas guardem diferenças entre si, o longo e árduo trabalho de si para consigo, que é da askésis, atravessa a educação greco-romana, tendo sua emergência e visibilidade nas escritas platônicas em Alcibíades,6 que dentre todas as escritas de Platão pode-se considerar como "a primeira grande emergência teórica da epiméleia heautou" (Foucault, 1984, p. 44).

Há, pois, dois momentos distintos do cuidado de si na Antiguidade clássica: o primeiro em Alcibíades, em que a necessidade do cuidado está ligada a certa idade, a uma insuficiente pedagogia e ao governo da cidade; no segundo momento, com estoicos e epicuristas, esse cuidado amplia-se para toda a vida e com um fim em si mesmo. Isso nos permite vislumbrar um cenário heterogêneo em que se desenvolveu essa cultura de si que não se constitui como matéria escolar, mas atravessa a educação na Antiguidade greco-romana. Porém, esse ocupar-se consigo não tem um caráter universal; ao contrário, é exclusivo às elites, àqueles que podem "pagar o luxo da skholé ou do otium. Dessa forma, as tecnologias do cuidado de si são aquelas utilizadas na formação dos jovens que têm acesso à educação, que, diferentemente do ideal moderno, era um privilégio de poucos, daqueles que possuíam tempo e cultura; um "comportamento de elite" (Foucault, 2006, p. 94).

Nessa cultura que busca operar mudanças no modo de ser do sujeito para o conhecimento, no caso socrático-platônico ou para uma bela existência, nas demais escolas filosóficas, os exercícios espirituais se constituem como importantes tecnologias do eu. Segundo Hadot (2014a), aprender a viver, aprender a dialogar, aprender a morrer e aprender a ler compõem o quadro dos exercícios espirituais que atravessam a formação humana nessa tradição. Não obstante, a diversidade entre as concepções varie de escola para escola - "mobilização da energia e consentimento ao destino nos estoicos, descontração e desapego nos epicuristas, concentração mental e renúncia ao sensível nos platônicos" (Hadot, 2014b, p. 55) -, todas elas guardam um elemento em comum tanto nos meios utilizados quanto no fim almejado. Os meios compreendem "as técnicas retóricas e dialéticas de persuasão, as tentativas de domínio da linguagem interior, a concentração mental. A finalidade buscada nesses exercícios por todas as escolas é o aperfeiçoamento, a realização de si"7 (Hadot, 2014b, p. 55).

As temáticas morte, vida, leitura e diálogo estarão presentes, muitos séculos depois, na obra de Paulo Freire. Muito embora os meios e os fins se constituam de modos muito distintos daqueles praticados na tradição greco-romana; em Freire, essas temáticas guardam em comum com o praticado na Antiguidade o propósito de modificar o modo de ser do sujeito. Se para os gregos e romanos, as mudanças se voltam para a verdade ou para uma bela existência, para Freire se voltam para o mundo, num processo que busca transformar a condição desumanizante em que se encontram os indivíduos, provocada por uma realidade opressora (Freire, 1983). A educação, dessa forma, assume uma dimensão política de afirmação à vida, em que o diálogo é a condição essencial para a tomada de consciência e a leitura de mundo, sempre num processo de "luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como 'seres para si'" (Freire, 1987, p. 16). Essa dimensão política, entretanto, não exclui a dimensão estética, que busca promover, ao fim e ao cabo, uma vida plena.

3.1 Aprender a viver e aprender a morrer como possibilidade de criação de vida

A temática da morte está presente na educação greco-romana, quer seja na imortalização do nome do herói épico, quando a imortalidade da alma é algo ainda desconhecido (Jaeger, 1994), quer seja na tradição socrático-platônica, que confere à alma um atributo relativamente novo, que é o da imortalidade, ou nas demais escolas filosóficas, como estoicos e epicuristas, cuja preocupação com a morte busca criar uma equipagem para a vida.

A noção platônica de imortalidade da alma aparece de maneira bastante esclarecedora, segundo Dalbosco (2012), em Menon, em que Platão conduz Sócrates a "descrever a imortalidade da alma e a ideia de conhecimento como recordação que lhe é inerente" (p. 270), onde aparecem duas ideias centrais: a da imutabilidade e a da essência do ser.

Ao voltarmos o foco para o campo educacional, podemos compreender a concepção platônica do conhecimento como algo que está dentro do indivíduo, mas que pela interferência das coisas do mundo sensível, ele não consegue acessá-lo. Para isso, a importância da relação dialógica entre mestre e discípulo, em que o primeiro, por conhecer a verdade, consegue tirar seu aluno do mundo das imagens das sombras. Essa ideia emergirá mais tarde, especialmente a partir dos monges medievais, que retomarão a filosofia platônica, tendo Agostinho (séc. IV-V) como um dos principais personagens na divulgação do pensamento do filósofo grego. A centralidade da relação pedagógica no diálogo também será retomada por Paulo Freire, na segunda metade do século XX, conforme veremos mais adiante, porém deslocada em algumas perspectivas.

Essa preocupação com a imortalidade da alma, importante aos filósofos socráticos, porém, não fazia parte das matérias com que os epicuristas e os estoicos se ocupassem. Segundo Veyne, perguntas como quem somos? e para onde vamos? "nasceram da resposta cristã" (2009, p. 188) , pois os exercícios espirituais e as normas de vida constituíam o cerne da filosofia e não da religião. A religião estava, de certa forma, apartada das "ideias sobre a morte e o além. Havia seitas, mas eram filosóficas, pois a filosofia era a matéria de seitas que propunham convicções e normas de vida a quem isso pudesse interessar; um indivíduo se tornava estoico ou epicurista e se conformava mais ou menos a suas convicções" (Veyne, 2009, p. 188-189).

Para tal, a importância dos exercícios espirituais (Hadot, 2014a, 2014b), como o da praemeditatio malo-rum, a premeditação dos infortúnios ou dos males, praticados pelos estoicos, com o intuito de abastecer o indivíduo com os discursos verdadeiros aos quais poderá lançar mão quando necessário, e a avocatio bem como a revocatio praticadas pelos epicuristas, com o propósito de afastar "os pensamentos sobre o infortúnio" e proporcionar a "proteção e a defesa contra as desventuras" (Foucault, 2006, p. 569), respectivamente.

Dessa forma, a preocupação com a morte está inserida nessa previsão dos males: é preciso, assim como aprender a viver, aprender a morrer. Para aprender a morrer, é necessário compreender a morte como algo para o qual qualquer ser vivo caminha, para ser "capaz de abandonar a vida com serenidade de espírito, pois muitos andam miseravelmente à deriva entre o medo da morte e os tormentos da vida, sem querer viver nem saber morrer" (Séneca, 2018, p. 8, 4, 4-5).

Sêneca, na Carta 100 a Lucílio, chama a atenção deste para a importância de estudar algo sobre o qual só se irá experimentar uma única vez, argumentando que é justamente por isso que "temos sempre que estudar uma coisa que não podemos testar se já sabemos" (Séneca, 2018, p. 100, 26, 10). Construir uma equipagem para a vida significa pensar sobre sua própria finitude, mesmo que isso só seja usado uma única vez. Chamo a atenção para o argumento de Sêneca e que nos serviria, também hoje, quando há tantos questionamentos a respeito de alguns assuntos tratados em aula, em que perguntas como quando irei usar isto?, ou para que serve aprender isto?, como se tudo o que pensamos devesse ter uma aplicação prática e imediata, em uma lógica utilitarista nessa governamentalidade neoliberal que vivemos. O simples exercício do raciocínio, o pensar livremente, já não seria por si algo potente para a vida? Por que tudo o que é ensinado ou trabalhado na aula deve servir para alguma coisa, se exercitar o próprio pensar já é algo de valioso alcance para a formação do aluno?

Na Carta 71, Sêneca diz da "lei do tempo", em que tudo nasce, cresce e morre; um tempo sobre o qual não é possível exercer domínio, embora a certeza da finitude. "Todos os seres obedecem à lei do tempo: tudo tem de nascer, crescer, extinguir-se" (Séneca, 2018, p. 275, 71, 13). Por isso, a importância central, tanto na filosofia estoica quanto na epicurista, de tirar o melhor proveito da existência. Se todo o tempo é irreparável, como aponta Sêneca em outra carta, "todo o tempo que decorreu até ontem é tempo irrecuperável; o próprio dia em que estamos hoje, compartilhamo-lo com a morte" (Séneca, 2018, p. 93, 24, 20), cada momento é precioso para uma vida plena. Daí a importância de não adiar o presente, que é o que não fazemos na aula da Contemporaneidade, entupindo as crianças de atividades para determinadas habilidades e competências que precisarão ter no mercado de trabalho em um mundo que muda tão rapidamente que nem sabemos se serão essas. Pouco se diz hoje sobre a vida e sobre a morte nas aulas.

Pensar sobre a morte e a vida, preparar-se para situações futuras como forma de equipagem, voltar o olhar a si, colocar-se em situações adversas, preparar-se para o sono, e tantas outras práticas que aparecem na condução das condutas e na apresentação do mundo na aula, sempre acompanhada de um mestre, um guia espiritual, de alguém mais velho, capaz de orientar seu aluno ou discípulo a conduzir a si próprio; enfim todas essas questões só poderiam acontecer em um tempo-livre, no otium. Esse ócio, tão fundamental para o cuidado de si na Antiguidade, será visto no Medievo com suspeição, pois o pensamento livre é um convite ao pecado e se constitui com o um problema a partir da Modernidade, em que a máxima "tempo é dinheiro" torna-se uma doxa.

Paulo Freire (1983) traz a temática da morte ao referir-se à "opressão, que é um controle esmagador, é necrófila, nutre-se do amor à morte e não do amor à vida" (p. 74), ao contrário da revolução, apontada por ele como biófila, criadora de vida. Na perspectiva freiriana, a educação a que refere como bancária, por não considerar o educando no processo educativo, baseada em conceitos mecânicos e não-problematizadores do mundo, alimenta-se do amor à morte e não à vida; daí sua característica necrófila, pois já é uma educação natimorta.

Na contraposição a esse tipo de educação mecânica e necrófila está a educação libertadora, humana, que provoca a mudança e, por conseguinte, a vida. Ao se referir ao modo de investigação que prima pela "objetividade científica, transforma o orgânico em inorgânico, o que está sendo no que é, o vivo no morto, teme a mudança. Teme a transformação" (Freire, 1983, p. 118) e nesse temor, aprisiona e mata a vida, expondo sua "marca necrófila" (Freire, 1983, p. 118).

Para o autor, a morte é inerente à própria condição viva, porém a questão que se coloca problemática e contra a qual se deve lutar, é a morte em vida. Aponto para o caráter coletivo com que Paulo Freire trata da morte: ela não diz respeito a uma condição particular de cada indivíduo, mas a uma condição que coloca a vida digna como um estado social de existência.

A comunhão provoca a colaboração que leva liderança a massas àquela "fusão" a que se refere o grande líder recentemente desaparecido. Fusão que só existe se a ação revolucionária é realmente humana, por isto, simpática, amorosa, comunicante, humilde, para ser libertadora. A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida. Não há vida sem morte, como não há morte sem vida, mas há também uma "morte em vida". E a "morte em vida" é exatamente a vida proibida de ser vida (Freire, 1983, p. 201).

Ao adentrarmos com mais profundidade nas palavras de Freire, podemos compreender por que são tomadas como perigosas e porque o próprio autor foi recentemente "declarado por el actual Gobierno brasileño como el enemigo público de la educación nacional8" (Kohan, 2021, p. 30), indo de encontro à recepção que esse autor recebe em outros lugares do mundo. Conforme abordado anteriormente, a palavra tem um forte componente político e transformador de mundo na perspectiva freiriana. Daí a potência da leitura em Freire, conforme a próxima seção.

3.2 Aprender a ler como possibilidade de compreensão de mundo

É possível encontrar, na tradição greco-romana, diversas escritas sobre a leitura, a forma de ler, o que ler, enfim, a leitura como exercício espiritual que busca a formação, a ascese. Isso está ligado ao modo de vida filosófico encontrado ao longo da Antiguidade e que se estende, de forma diversa, mas ainda assim, está presente no Medievo; um modo de vida que busca formar o indivíduo, modificá-lo, tirá-lo de seu estado atual de desconhecimento para o conhecimento de si. Um modo de vida que exige intensa dedicação, operado por um conjunto de práticas, de estudos e de exercícios espirituais que abrangem todos os aspectos da vida, com o intuito formativo.

As recomendações dadas no que se refere à leitura decorrem, segundo Foucault (2006), de uma prática comum na Antiguidade e que são retomadas pela leitura filosófica sem modificá-las no que lhes era basilar, iniciando pela leitura de um número mais reduzido de autores; a leitura de poucas obras voltando-se para poucos trechos; e, por fim, a escolha das partes marcantes. Advém daí a prática de resumir as obras, tomar delas o que é essencial, o que ajudará a refletir, a meditar. Também foi devido a essa prática do resumo que diversos textos da Antiguidade chegaram até nós, como as explanações de Epicuro, realizadas por seus discípulos (Foucault, 2006).

Essa prática de resumir as obras tem sua emergência no Império, quando se busca romanizar o conjunto de regiões que eram distantes menos em termos geográficos do que em etnias, costumes, crenças religiosas, línguas, tradições (Hadot, 2014a), em que a escola será um importante eixo de sustentação para a "unificação do Império sob o modelo da romanitas" (Cambi, 1999, p. 117). Com a fundação das quatro cátedras imperiais, por Marco Aurélio, em 176, há uma retomada, uma recriação do platonismo, do aristotelismo, do epicurismo e do estoicismo. Porém, o ensino, salienta Hadot (2014a), consiste na explicação dos textos, em que a prática do resumo, da não-discussão livre, assume centralidade no processo pedagógico, ao contrário de como ocorrera nas escolas filosóficas do período anterior. A escolha, portanto, por um modo de vida filosófico, em que as práticas buscam a formação do indivíduo, vai, paulatinamente, voltando-se para a crítica e para o comentário de textos.

É importante ressaltar que na tradição socrático-platônica, a leitura se constitui como um problema e um assunto a ser encarado com suspeição. Platão (séc. IV a.C.), na República, argumenta sobre o tipo de textos a serem contados às crianças, condenando os mitos e as fábulas. Um perigo capaz de imprimir nas almas ainda muito jovens e em formação uma ideia que vai de encontro ao Bem Supremo. Expô-las a todo o tipo de situações que colocam os deuses em atitudes pouco honrosas não contribui para sua formação.

Afastar das crianças a literatura perigosa para evitar a comoção, a perturbação de suas almas é a proposta platônica para tratar da problemática educacional da pólis. Judith Butler, na obra Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto?, aponta o caráter político que perpassa o desejo de expulsão dos poetas da cidade idealizada na República. Isso, segundo Butler (2015), diz respeito aos perigos da comoção, visto que Platão compreendia que a exibição frequente de tragédias aos cidadãos levaria com que chorassem pelas mortes testemunhadas, levando a um luto público que desestabilizaria não somente a ordenação da alma, mas "também a ordem e a hierarquia da autoridade política. Se estamos falando de luto público ou de indignação pública, estamos falando de respostas afetivas que são fortemente reguladas por regimes de força e, algumas vezes, sujeitas à censura explícita" (Butler, 2015, p. 66).

Dessa forma, a leitura como um exercício espiritual não estava presente na proposta pedagógica platônica. Já para os estóicos e epicuristas, havia duas formas de leitura: a que tomava os fragmentos e a leitura aprofundada sobre determinada obra. Não há, nessa perspectiva, uma única forma de lidar com a leitura, ou com o texto: isso irá depender do que se quer fazer com ele; a quais propósitos, determinado tipo de estudo, se voltam. Essa parece uma questão muito importante para pensarmos a aula e as práticas de leitura em nosso tempo, ocupado demais para que estabeleçamos uma relação mais demorada com a palavra e com o pensamento.

A leitura de fragmentos ou a leitura de obras inteiras buscam promover uma mudança no modo de ser do estudante, conforme apontado: não há uma única regra de leitura, uma única forma de lidar com o texto nessa tradição do cuidado de si; ao contrário, o texto aqui é pensado como "um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, oriundos dos mil focos da cultura" (Barthes, 2004, p. 62). Dessa forma, a leitura pode provocar comoção, daí a preocupação que atravessa a aula desde a Antiguidade e que coloca a leitura também como um perigo.

Utilizada de maneiras distintas, dependendo do propósito do momento, os mestres aconselhavam a seus alunos que colecionassem excertos que os fizessem refletir sobre os mais diversos assuntos. Também, recomendavam que os estudantes se dedicassem ao estudo de poucas obras, para que conseguissem apreendê-las por inteiro. Esses dois tipos de leitura, uma que busca a reflexão, outra que busca o conhecimento, não são excludentes, mas complementares na aula da tradição greco-romana do cuidado de si. A leitura, por sua potência, também aponta a importância de um mestre, de alguém que pudesse orientar o discípulo na direção de uma vida na direção do bem (Platão, 2014). Esses traços de relação com o texto escrito não desaparecerão ao longo dos séculos.

A leitura, para Paulo Freire, não é algo com um fim em si, uma habilidade a ser adquirida, a decodificação da palavra escrita, mas está ligada à compreensão de mundo. Em sua crítica à educação tradicional, a qual chama de bancária, o pensador brasileiro argumenta que "a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente" (Freire, 1989, p. 9). É nessa relação dialética que o sujeito pode transformar-se a si e ao mundo.

Conforme já apontado, a alfabetização de adultos toma relevado destaque no trabalho freiriano, cuja inserção na educação popular é bastante intensa. Não é demais lembrar que para Freire a importância de ler tem um grande valor político de emancipação. A palavra, nessa perspectiva, nunca é neutra; é sempre política.

Tratava-se, portanto, de um movimento que não se constituía somente na (e para a) esfera educacional, e sim na sociedade e para a sociedade, diretamente ligado a um movimento mais amplo, com vistas à sua transformação estrutural. Em decorrência, pela primeira vez se compôs, com densidade, uma pedagogia cujas bases se fundamentavam na cen-tralidade das classes populares: a pedagogia libertadora de Paulo Freire. (Quissini, 2016, p. 67-68).

Freire se refere à recorrente imagem que associa a leitura à digestão, em que digerir é compreendido como um ato mecanicamente realizado, independentemente da ação do sujeito sobre a matéria. Isso, para ele, não produz vida, pois não leva ao pensar verdadeiro. Nas aulas verbalistas, como refere as práticas pedagógicas tradicionais, ou educação bancária, (Freire 1983, p. 73) diz que "nos métodos de avaliação dos 'conhecimentos', no chamado 'controle de leitura', na distância entre o educador e os educandos, nos critérios de promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há, sempre a conotação 'digestiva' e a proibição ao pensar verdadeiro". Saliento que essa associação com o processo digestivo é utilizada por outros autores ao longo da história da educação, no entanto com uma conotação diversa da utilizada por Freire.

Sêneca, Quintiliano, bem como os monges medievais, aconselham a leitura atenta, não apressada, não às partes, para que se consiga compreender a obra em sua totalidade; uma leitura saboreada, degustada, ruminada. Marchionni (2007), argumenta que a leitura, assim como qualquer trabalho de natureza intelectual, é um trabalho ruminado, tal como a ruminação feita pelos monges cristãos ao lerem os versículos bíblicos enquanto realizavam suas tarefas manuais, ou à semelhança da ruminação dos mantras pelos monges tibetanos. Schuler (2009, p. 15), a partir de Nietzsche, diz que a ruminação se relaciona com "lentidão, dilaceração e abertura. Uma mastigação que se dá por repetidas vezes. Remoer [...], processo em que o ruminante toma os alimentos com a ajuda da língua como se fosse uma foice, que dilacera, corta, rasga, racha. E o alimento retorna à boca para ser ruminado".

Freire (1989, p. 13) diz que se pode ir mais adiante e pensar que "a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de 'escrevê-lo' ou de 'reescrevê-lo', quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. Este movimento dinâmico é um dos aspectos centrais, para mim, do processo de alfabetização". É essa concepção que o faz insistir que toda a organização do programa de alfabetização deve partir do "universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, os seus anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os seus sonhos" (Freire, 1989, p. 13).

A palavra, pois, para Freire, desloca a escrita do mundo para (re)escrever o mundo, num processo que põe a mão do educando e do educador a traçar uma realidade diversa, um mundo outro em que não haja opressores e oprimidos. Trata-se aqui de uma escrita política: "podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de 'escrevê-lo' ou de 'reescrevê-lo', quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente" (Freire, 1989, p. 13). Em Pedagogia do Oprimido, Freire coloca a escrita como um importante material formativo para professor e aluno, ou educador e educando. Também traz à cen-tralidade da relação pedagógica, o diálogo, conforme a próxima seção.

3.3 Aprender a dialogar como possibilidade de abertura ao novo

A prática dos exercícios espirituais provavelmente se enraiza em tradições que remontam a tempos imemoriais. Mas é afigura de Sócrates que a faz emergir na consciência ocidental porque essa figura foi e continua sendo o apelo vivo que desperta a consciência moral. É notável que esse apelo se faça ouvir numa certa forma: a do diálogo (Hadot, 2014a, p. 35-36).

É por meio do diálogo que o mestre provoca o exercício de pensamento do discípulo: "o diálogo socrático aparece assim, portanto, como um exercício espiritual praticado em comum e que convida ao exercício espiritual interior, isto é, ao exame de consciência, à atenção a si, em síntese, ao famoso 'conhece-te a ti mesmo'" (Hadot, 2014a, p. 38).

O filósofo, para Platão, é aquele que conseguiu atingir a verdade e, portanto, como explicitado na República, será o único capaz de governar a cidade justa. O mestre, por conseguinte, é aquele que atingiu a verdade, aquele que conhece, e, dessa maneira, é aquele capaz de conduzir seu aluno para o conhecimento, para a verdade e a justiça ou para o Bem Supremo. No diálogo entre Platão e Adimanto, que se desenrola no Livro V da República, duas questões merecem destaque: uma, que se refere a essa condição ontológica que separa aqueles que conhecem daqueles que não conhecem, e outra, o método dialógico empregado por Sócrates para conduzir Adimanto à verdade. O diálogo opera como "um itinerário de pensamento cujo caminho é traçado pelo acordo, constantemente mantido, entre aquele que interroga e aquele que responde" (Hadot, 2014a, p. 41).

É importante ressaltar que, na perspectiva platônica, a concepção de conhecimento já se encontra na alma a priori, devido à sua condição permanente, eterna. Por conseguinte, o papel do mestre é por meio do questionamento, da interrogação, da relação dialógica, extrair do discípulo esse conhecimento que fora esquecido, pressupondo, como argumenta Dalbosco (2012), a separação do mundo em dois; a condição imortal da alma; o conhecimento como rememoração; a verdade absoluta, não subordinada ao tempo ou ao espaço e "o trabalho do mestre como um agente que faz o conhecimento brotar de dentro do educando" (Dalbosco, 2012, p. 270).

Nos dois primeiros séculos de nossa era, "o desenvolvimento de estruturas administrativas e a burocracia do período imperial aumentaram a quantidade e o papel da escrita na esfera política" (Foucault, 2004, p. 334), dando primazia à cultura escrita, diferente do que era costume anteriormente, em que a oralidade estava na centralidade das relações. A relação dialógica entre mestre e discípulo passa a ser praticada muito também por meio de correspondências; nessas correspondências, o exame apurado das ações realizadas ao longo de um determinado período temporal (dia, semana, mês) são exercitadas em narrativas minuciosas. Segundo Foucault (2004a, p. 335), "prestava-se atenção às nuances da vida, ao estado de ânimo, e da leitura, e, assim sendo, a experiência de si foi intensificada e ampliada pelo ato de escrever. Um vasto campo de experiências se abre, onde antes não existia": o cuidado pormenorizado com aspectos da rotina diária, com questões banais, "com o movimento do espírito, com a autoanálise" (Foucault, 2004, p. 335) consubstancializado na narrativa estabeleciam-se como um exercício de reflexão sobre si mesmo. Porém, tal exame de si difere daquele praticado posteriormente no cristianismo: em primeiro lugar por não ter o caráter condenatório; segundo, por estar articulado à presença do outro que, mesmo ausente fisicamente, estabelece uma relação dialógica. Nas Cartas a Lucílio, Sêneca escreve ao discípulo e, ao mesmo tempo, escreve para si próprio: ao prestar informações ao seu interlocutor, Sêneca faz um exame minucioso de seus progressos, das coisas que precisa melhorar em si etc., ao passo que também aconselha Lucílio, estabelecendo uma relação pedagógica com o outro.

A relação dialógica é crucial na pedagogia freiriana, pois para Freire, a palavra tem um forte componente político; uma potência que carrega consigo uma força transformadora da realidade e do mundo. O silêncio se constitui, para esse pensador, como um entrave ao processo dinâmico de transformação do mundo. Um silêncio que se distancia daquele que potencializa o pensamento: aqui se trata de um silenciamento, um sufocamento da palavra, numa defesa que, a um só tempo, busca a transformação social e a denúncia ao regime ditatorial militar que se instalara em território brasileiro em meados dos anos de 1960. Portanto, a palavra, para Freire, tem uma dupla força, não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no diálogo, em que uns não falam pelo e para os outros, mas com os outros. Este estar com é basilar no pensamento freiriano.

Com influência do materialismo histórico, Freire compreende que alguns, os detentores da palavra, que são as elites dominadoras, são responsáveis pelo silenciamento das vozes das classes dominadas. A cultura do silêncio, pois, se produz, justamente na "impossibilidade de homens e mulheres dizerem sua palavra, de manifestarem-se como sujeitos de práxis e cidadãos políticos, sem condições de interferirem na realidade que os cerca, geralmente opressora e/ou desvinculada da sua própria cultura" (Osowski, 2008, p. 101). A educação bancária contra a qual Freire se insurge, é a responsável por perpetuar esse silenciamento. Para fazer com que a palavra se democratize, é necessária uma outra forma de educação, em que o diálogo não somente seja uma técnica a ser utilizada em aula, mas o componente essencial do próprio processo educacional. O diálogo é a força motriz, é o responsável por impulsionar "o pensar crítico-problematizador em relação à condição humana no mundo. Através do diálogo podemos dizer o mundo segundo nosso modo de ver. Além disso, o diálogo implica uma práxis social, que é o compromisso entre a palavra dita e nossa ação humanizadora" (Zitkoski, 2008, p. 117).

A concepção freiriana de educação busca uma amplitude que extrapola às metodologias, às técnicas, às habilidades: um projeto de transformação social que coloca a educação como o lugar profícuo para a conscientização do povo, do oprimido. A escrita, assim como a leitura, tem um papel crucial nesse processo transformador de mundo perspectivado por Freire, que diz em seu texto A importância do ato de ler que a "insistência na quantidade de leituras sem o devido adentramento nos textos a serem compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada" (Freire, 1989, p. 12).

O educador brasileiro chama a atenção, no entanto, para o cuidado com o uso da palavra, a fim de não tomá-la de maneira a impor uma visão de mundo que julgaríamos a adequada. Isso seria trabalhar no mesmo modus operandi da educação bancária: tratar-se-ia, pois, de substituir uma lógica opressora por outra, o que iria totalmente contrário àquilo a que propõe: "não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens" (Freire, 1983, p. 92). A palavra, pois, atravessa a educação perspectivada por Freire como um convite de abertura à vida em toda a sua potência: aprender a viver e a morrer, a ler e a dialogar encontram, na palavra, condições de possibilidade para a transformação de si e do mundo.

4. Considerações finais

Neste exercício alquímico procurei estabelecer aproximações entre as práticas greco-romanas muito antigas de exercícios voltados para a constituição de modos de existência -os exercícios espirituais- e o trabalho de Paulo Freire, tomando as temáticas da vida e da morte, da leitura e do diálogo.

Conforme abordei neste artigo, a aula contemporânea é atravessada por um conjunto de enunciados que a colocam em posição de obsolescência frente à velocidade e às demandas do mundo produtivo. Temas como a morte e a vida não constam das aulas, exceto quando relacionadas à preservação da própria vida biológica. A morte desapareceu como um assunto a ser estudado na atualidade, em que se busca promover uma educação pautada pela aprendizagem ao longo da vida, mas que não pensa sobre a vida - tampouco sobre a morte.

Olhando para essa temática da vida e da morte, pergunto-me o que vem sendo colocado como matéria de estudo em que a morte é subtraída dos assuntos escolares, em que os alunos estão ocupados demais em meio a tantas atividades que lhes são propostas, que não têm tempo para pensar sobre a própria finitude? Pergunto-me o que sobra à vida, se ela própria não é tratada como matéria, senão quando tomada pelo seu aspecto biológico (prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e ao uso do álcool e drogas; cuidados com a saúde; alimentação saudável; higiene corporal e exercícios para manter a boa forma)? Ao mesmo tempo, colocamos, no presente, uma miríade de conteúdos, alguns assumindo o status de disciplina, e que estão a pautar o currículo nacional brasileiro, voltados à praticidade da própria vida, como Educação Financeira e Educação Empreendedora, por exemplo. Há, portanto, um deslocamento do conhecimento sobre a vida e sobre a morte para habilidades e competências rapidamente aplicáveis. Deixamos de valorar o importante para valorar o útil? Perguntaria Nietzsche: útil para quê? Para quem?

Da mesma forma, a leitura também se esvazia de sua potência (trans)formadora ou criadora de mundos em que olhos e mãos se articulam em pensamentos e ideias, e são tomadas nas práticas pedagógicas inovadoras por um caráter instrumental, atendendo a propósitos utilitaristas e pragmáticos, pautados pela velocidade e pela oferta excessiva de estímulos e de informações. Nesse sentido, aos alunos cabe responder ao que deles se espera, ou a solucionar problemas, em que pouco espaço é destinado para perguntar e criar novos problemas. Por que e para que se escreve e se lê na aula hoje? Qual a preocupação expressa nos modos de existência, se a relação entre os "mortos das obras e os vivos das aulas" (Aquino, 2017, p. 286) esmaece? O que fica em seu lugar?

Se a leitura buscava promover a mudança no modo de ser do sujeito, para o cuidado de si, conforme a aula na tradição greco-romana, ou como potência transformadora de mundo em Paulo Freire, hoje opera no desenvolvimento de habilidades e competências para o mercado, em que o empreendedorismo é percebido como a grande chave que abre o espaço áulico para o mundo globalizado e competitivo.

A escola, pois, vai se esvaziando de um sentido pedagógico, sendo tomada como modelo-empresa; o ensino cede lugar à aprendizagem, ou melhor, ao aprender a aprender, não como experiência, mas como investimento "no próprio capital humano do indivíduo, e os cidadãos-como-aprendizes ativados carregam a responsabilidade vitalícia de encontrar o seu próprio emprego" (Masschelein e Simons, 2014, p. 70).

Segundo Laval (2003, p. 221), "dando ouvidos a muitos experts, tem-se o sentimento de que na 'sociedade da informação' a escola não tem mais que educar, que instruir, formar o pensamento justo, mas que ela deve aprender a coletar, selecionar, tratar, memorizar 'informações'". Dessa forma, o campo educacional afasta-se da educação, no sentido etimológico de levar para, como nos diz Veiga-Neto (2013, p. 4): "a etimologia remota do verbo latino educêre - na forma do radical indo-europeu deuk - aponta exatamente no sentido de 'levar para'; desse modo, ex-ducêre denota 'tirar de' ou 'levar para adiante', mover algo para um outro lugar diferente daquele em que esse algo se encontrava". Essa ideia de trazer para fora é uma das características do diálogo, em que o mestre, no caso socrático-platônico, conduz seu aluno para que atinja à verdade, ou educador e educando, no caso freiriano "se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os 'argumentos de autoridade' já, não valem" (Freire, 1983, p. 78).

Caberia perguntar se estamos sendo responsáveis o suficiente com nossas crianças e jovens ao imprimir-lhes marcas de um mundo pautado pela aceleração, pela fragmentação, pelo individualismo, por fáceis opiniões, pelo excesso. Não seria já momento de perguntarmo-nos sobre o que pode uma aula? De suspendermos a velocidade que nos acompanha diuturnamente e nos faz não ter tempo para sequer pensar sobre a vida? De fazermos uma leitura ruminada, sem pressa e sem ter que emitir parecer sobre o conteúdo ou a intenção do autor? De escrever com a calma e a atenção que a escrita exige, voltando tantas vezes quantas forem necessárias, até que tenhamos conseguido estabelecer com ela "um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou vivida"? (Deleuze, 1997, p. 11). De fazermos mais perguntas sem ter que respondê-las todas? A aproximação, pois, entre a filosofia antiga e o pensamento de Paulo Freire nos provoca a conjecturar outras aulas possíveis, e por conseguinte, outros mundos possíveis, num inédito-viável neste tempo que nos cabe pensar e viver

Referências

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1 De acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad Covid-19, realizada pelo IBGE entre os meses de maio e novembro de 2020, cerca de "5.075.294 crianças e adolescentes de 6 a 17 anos declararam não frequentar a escola ou que frequentavam a escola, mas não tiveram atividades escolares disponibilizadas na semana anterior à entrevista" (Fundo das Nações Unidas para a Infância [UNICEF], 2021, p. 51).

2"o mais importante é não encontrar respostas para tais questões e (pré) fabricar modelos para massificar e universalizar Talvez o mais importante seja manter viva a pergunta, manter vivo o fogo do interesse, da inquietude, diante do que fazemos diariamente" (Gallo e Espinel, 2021, p. 51).

3É importante salientar que desde seus primórdios a educação escolarizada brasileira volta-se às camadas economicamente privilegiadas da população; cenário esse que irá modificar muito recentemente, ao menos em termos de acesso e permanência dos alunos na escola. A Constituição Federal (1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96), e o Plano Nacional de Educação (Lei 13005/2014) preveem nos artigos n° 214, na 4 e n° 2, respectivamente, a universalização no atendimento escolar brasileiro.

4"O 'inédito-viável' é na realidade, pois, uma coisa que era inédita, ainda não claramente conhecida e vivida, mas quando se torna um 'percebido destacado' pelos que pensam utopicamente, o problema não é mais um sonho, ele pode se tornar realidade" (Freire, 2014, p. 225).

5"Paulo Freire foi titular da Secretaria de Educação da Cidade de São Paulo de 1989 a 1991. Os quatro objetivos que marcaram a ação da administração Freire foram: a) acesso dos setores populares à escola e permanência nela; b) democratização da escola, abrangendo alunos, direção, professores e comunidade; c) qualificação da educação em termos de infra-estrutura e acadêmicos; d) combate ao analfabetismo. Essa experiência administrativa está registrada no livro A educação na cidade (Freire, 1991)" (Streck, 2006, p. 274).

6Foucault (2006) adverte que esse conjunto de práticas já ocorria na cultura grega arcaica, como na escola pitagórica, em que se utilizavam de diversos expedientes para esse cuidado.

7É importante salientar que o aperfeiçoamento e a realização de si nessa tradição não têm o mesmo entendimento que se tem hoje na contemporaneidade, em que o indivíduo é percebido como um empresário de si e o aperfeiçoamento é tomado como um investimento, um valor de mercado.

8"declarado pelo atual governo brasileiro como o inimigo público da educação nacional" (Kohan, 2021, p. 30).

* Trata-se de uma pesquisa de Doutorado intitulada "Do tempo-atenção do estudo ao tempo-interesse do estudante: uma arquegenealogia da aula", realizada por meio do Programa de Pós-graduação em Educação Unisinos e pelo Programa Capes-Print, realizado na Universidade de Lisboa.

Para citar este artículo: Campesato, M. A. G. (2022). Aproximações entre a filosofia antiga e o pensamento de Paulo Freire: desafios para pensar a aula no presente. Pedagogía y Saberes, (57), 143-156. https://doi.org/10.17227/pys.num57-14433.

Recebido: 26 de Agosto de 2021; Aceito: 24 de Janeiro de 2022

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