SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33 issue3Revealing the relationship of couples facing prophylaxis of vertical transmission of HIVWomen's primary care nursing in situations of gender violence author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.33 no.3 Medellín Sep./Dec. 2015

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n3a19 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v33n3a19

 

Dúvidas de familiares sobre o cuidado de crianças com necessidades especiais de saúde dependentes de tecnologia

 

Families' concerns about the care of children with technology-dependent special health care needs

 

Dudas de los familiares sobre el cuidado del niño con necesidades especiales de salud con dependencia de la tecnología

 

Joyce de Souza Esteves1; Liliane Faria da Silva2; Daniele Santos da Conceição3; Eny Dórea Paiva4;

 

1Enfermeira pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Niterói, RJ, Brasil. email: jooyce_esteves@hotmail.com..

2Enfermeira, Doutora. Professora, Universidade Federal Fluminense - UFF. Niterói, RJ, Brasil. email: lili.05@hotmail.com.

3Enfermeira, Mestre. Instituto Fernandes Figueira - IFF. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. email: danisancon@gmail.com.

4Enfermeira, Doutora. Professora, Universidade Federal Fluminense - UFF. Niterói, RJ, Brasil. email: enydorea@ig.com.br.

 

Fecha de Recibido: Febrero 3, 2014. Fecha de Aprobado: Abril 15, 2015.

 

Artículo vinculado a investigación: Educação em saúde junto a familiares de crianças com necessidades especiais de saúde em uso de tecnologia. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Enfermagem) - Universidade Federal Fluminense, no ano de 2014.

Subvenciones: Ninguna.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Esteves JS, Silva LF, Conceição DS, Paiva ED. Families' concerns about the care of children with technology-dependent special health care needs. Invest Educ Enferm. 2015; 33(3):547-555

 


RESUMO

Objetivo.Identificar as dúvidas dos familiares de Crianças com Necessidades Especiais de Saúde (CRIANES) quanto aos cuidados relacionados ao uso de tecnologias; e discutir a atuação do enfermeiro frente a essas dúvidas. Metodologia. Pesquisa qualitativa descritiva. O cenário foi o domicílio de seis familiares cuidadores de CRIANES dependentes de tecnologia, acompanhadas em um Hospital Federal do Rio de Janeiro. Coleta de dados em fevereiro e março de 2014, a partir de entrevista semiestruturada. Resultados. As dúvidas se distribuíram de forma temporal, sendo divididas entre o momento em que os familiares receberam a informação da necessidade do uso de dispositivo tecnológico, depois, durante o acompanhamento da criança na hospitalização e, por fim, as que permanecem quando saem de alta hospitalar para o domicílio. Conclusão. A família necessita receber informações e apoio do Enfermeiro, pois surgem diferentes dúvidas no decorrer do tratamento e acompanhamento da criança dependente de tecnologia.

Palavras chave: enfermagem pediátrica; criança com deficiência; comunicação em saúde.


ABSTRACT

Objectives. To identify concerns of family members of Children with Special Health Care Needs (CSHCN) as far as care related to using technology, and to discuss nurses' performance in the face of these concerns. Methodology. Qualitative descriptive research, developed through February and March 2014, through semi-structured interviews with six family members, caregivers of technology-dependent CSHCN who are followed at a University Hospital in Rio de Janeiro. The setting chosen was the family members' home. Data were submitted to content analysis. Results. Concerns were distributed in a timeframe, divided between those occurring the moment the family members received the information about the technological device needed, then those which arose while accompanying the child during hospitalization, and finally those that remained after the hospital discharge. Conclusion. The family needs information and support from nurses, because different concerns emerge throughout the treatment and accompaniment of a technology-dependent child

Key words: pediatric nursing; disabled children; health communication.


RESUMEN

Objetivo.Identificar las dudas de los familiares de Niños con Necesidades Especiales de Salud con respecto al uso de las tecnologías relacionadas con su cuidado. Metodología. Estudio cualitativo descriptivo realizado entre febrero y marzo de 2014. Se realizaron entrevistas semiestructuradas en el domicilio a seis cuidadores familiares de Niños con Necesidades Especiales de Salud dependientes de tecnología y que eran acompañados desde un Hospital Federal de Río de Janeiro (Brasil). Los datos se sometieron a análisis de contenido. Resultados. Los familiares indicaron dudas que se relacionaban con la trayectoria del cuidado, divididas así: 1º ) el momento en el que recibían la información sobre la necesidad del uso de algún dispositivo tecnológico, 2º) el acompañamiento del niño durante la hospitalización, y 3º) después del alta hospitalario, de regreso en el domicilio. Conclusión. La familia necesita apoyo del enfermero para el desarrollo de las habilidades y competencias para el cuidado del niño con necesidades especiales de salud con dependencia de la tecnología.

Palabras clave: enfermería pediátrica; niños con discapacidad; la comunicación en salud.


 

INTRODUÇÃO

Durante o cotidiano assistencial de cuidado em um setor de internação pediátrica é possível observar que algumas crianças apresentam necessidades especiais de saúde e que demandam diferentes cuidados para serem realizados após a alta hospitalar pelos familiares no domicílio. A realização destes cuidados demanda conhecimento técnico, além de ocasionar mudanças no cotidiano das famílias. A literatura internacional denomina estas crianças como Children With Special Health Care Needs (CSHCN). No Brasil, são denominadas como Crianças com Necessidades Especiais de Saúde (CRIANES),1,2 e o aumento desse grupo de crianças está relacionado diretamente à três fatores: doenças evitáveis que têm seu estado de saúde cronificado devido às internações e reinternações, afecções perinatais e malformações congênitas.3

As CRIANES apresentam condições especiais de saúde com demandas de cuidados contínuos, sejam eles temporários ou permanentes. Tais demandas de cuidados são classificadas em cinco grupos: de desenvolvimento (precisam de reabilitação psicomotora e social), tecnológicas (crianças que dependem de algum tipo de tecnologia no seu corpo para sobreviver), medicamentosos (crianças fármaco-dependentes), habituais modificados (necessitam de auxílio para tarefas comuns do dia a dia) e mistos (para as que apresentam demandas de cuidados associados).1,2,4 Com relação à demanda tecnológica, vale lembrar que elas também são conhecidas como crianças dependentes de tecnologia. O Office of Technology Assessment (OTA) afirma que a expressão crianças dependentes de tecnologia refere-se àquelas que necessitam de uma tecnologia médica, incorporada em um dispositivo médico, para compensar a perda substancial de uma função vital corporal, e que requerem habilidosos cuidados continuados de enfermagem para evitar a morte ou posterior deficiência.2,5   No ambiente hospitalar, os cuidados voltados para as demandas tecnológicas são realizados pela equipe de enfermagem, entretanto quando o dispositivo tecnológico permanece no corpo da criança após a alta hospitalar, os cuidados são realizados em casa pelos familiares. Percebe-se, com isso, a importância do enfermeiro atuar na educação em saúde e favorecer a capacitação do familiar para o cuidado domiciliar.

Pela complexidade de cuidado que a CRIANES demanda, é preciso que os profissionais tenham adequada habilidade, conhecimentos específicos na coordenação dos cuidados e boa comunicação com os familiares. A atuação junto à família se justifica por ela ser fundamental no cuidado à criança, e ter importante papel para o bem-estar físico, emocional e social de seus membros.2,6,7 Tendo em vista a complexidade dos cuidados dispensados à criança dependente de tecnologia, para a condução deste estudo foram utilizados os preceitos téoricos de Collière,8 que em suas obras abordou a evolução das práticas de cuidados e suas diferentes naturezas mediante as mudanças sócio-históricas da humanidade. Collière distingue dois tipos de cuidados com naturezas diferentes: 1) cuidados cotidianos e habituais, que asseguram a continuidade da vida, sendo relacionados à alimentação, hidratação, eliminação, aquecimento, energia, deslocamento, bem como a necessidade de afeto; e os cuidados de reparação ou tratamento da doença, que visam limitá-la. Cuidar é, portanto, manter a vida, garantindo a satisfação de um conjunto de necessidades indispensáveis para viver.8

Originalmente, a prática dos cuidados pode estar relacionada a qualquer pessoa que ajude outra a ter garantida a manutenção da sua vida, e não a um ofício ou profissão. Porém, há situações em que os indivíduos necessitam de cuidado profissional para a manutenção da vida8, e, em se tratando das crianças dependentes de tecnologia, o cuidado oscila entre o profissional e o familiar. Entretanto, o cuidado familiar é diferenciado do dispensado a outras crianças sem necessidades especiais, e requer informações e orientações que devem ser realizadas por profissionais qualificados, dentre eles o enfermeiro. A literatura científica aponta que há incongruências entre as orientações realizadas pela equipe de saúde e as demandas das famílias, na medida em que estas apresentam dificuldade de compreender a linguagem usada pelos profissionais no preparo para os cuidados domiciliares.9,10 Ratifica-se que antes do planejamento de ações educativas direcionadas aos cuidados com o dispositivo tecnológico, é necessário dar voz aos familiares para que eles expressem suas dúvidas relacionadas a esse cuidado, visto que tais informações subsidiam a discussão acerca da atuação da enfermagem junto à criança e sua família.

As evidências apontam que o enfermeiro, ao realizar práticas educativas, fortalece o vínculo entre ele e o cliente, especialmente quando faz orientações mais próximas da realidade do indivíduo, de acordo com as suas particularidades,para garantia da continuidade e integralidade do cuidado.2,3,11 Para tanto, antes do planejamento das ações educativas, os profissionais devem ouvir as necessidades dos familiares, para assim traçar estratégias mais próximas à realidade vivida pelos sujeitos. Neste sentido, o interesse em ouvir as famílias para melhor planejamento do cuidado, inquietou e incentivou as autoras para a realização da pesquisa. Com base no exposto, esta pesquisa teve como objeto do estudo: as dúvidas de familiares de crianças com necessidades especiais de saúde em uso de tecnologia. Os objetivos foram:identificar as dúvidas dos familiares de crianças com necessidades especiais de saúde quanto aos cuidados relacionados ao uso de tecnologias; e discutir a atuação do enfermeiro frente às dúvidas dos familiares de crianças com necessidades especiais de saúde quanto aos cuidados relacionados ao uso de tecnologias.

 

METODOLOGIA

Pesquisa qualitativa descritiva,12 realizada no domicílio dos familiares de crianças inscritas no Programa de Assistência Domiciliar, de um Hospital Federal do Rio de Janeiro, Brasil. A coleta de dados aconteceu nos meses de fevereiro e março de 2014. Os critérios de inclusão dos participantes foram: familiares com idade igual ou superior a 18 anos; com participação no cuidado à criança com necessidades especiais de saúde com demanda de cuidado tecnológico. Os critérios de exclusão foram: familiares de crianças que deixassem de usar a tecnologia durante o período de coleta de dados. Para a seleção dos participantes foi realizada consulta no prontuário de todas as crianças atendidas pelo Programa. Inicialmente havia nove crianças elegíveis, para participação dos familiares, entretanto duas tiveram alta do Programa e, em um caso, o familiar se recusou a participar. Sendo assim a pesquisa foi realizada com um familiar de cada uma das seis crianças, pois em todas as famílias, no dia agendado para a entrevista, só estava presente um familiar em casa.

Destaca-se a que a entrevista foi realizada em uma única visita na qual todas as perguntas foram respondidas, e teve duração aproximada de 30 minutos. Vale destacar que para a realização da entrevista, a primeira autora acompanhou as visitas domiciliares realizadas pela equipe do Programa de Assistência Domiciliar, sendo apresentada aos familiares pela enfermeira do Programa, que é a terceira autora da pesquisa. Após a apresentação da pesquisadora, a mesma explicou os objetivos da pesquisa, os aspectos contidos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), posteriormente fez o convite para participação do familiar, e procedeu a entrevista, com os que aceitaram participar. Para a coleta de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada conduzida pela primeira autora que, no momento da realização da pesquisa, era graduanda em enfermagem e foi orientada pela segunda autora do estudo, professora adjunta, RN (graduada em Enfermagem) e PhD (doutora) de uma Universidade Federal localizada no Rio de Janeiro. Utilizou-se um roteiro contendo perguntas abertas e fechadas. As perguntas fechadas estavam voltadas para identificação das características dos participantes como grau de parentesco, idade, sexo, escolaridade, assim como os dados referentes às crianças tais como a patologia e tipo de tecnologia utilizada. Já as perguntas abertas foram elaboradas para identificação das dúvidas relacionadas aos cuidados realizados com as crianças com demandas tecnológicas. Sendo elas: fale sobre os cuidados que você realiza com a criança. Você tem alguma dúvida sobre o cuidado que você realiza? Qual? Você tem dúvida quanto aos cuidados com o dispositivo (gastrostomia, traqueostomia, cateter venoso, colostomia, entre outros) que a criança usa?

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética e Pesquisa da instituição onde foi realizada (CAAE: 23229613.0.0000.5243/ Parecer: 541.806), e respeitou todos os aspectos contidos na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde Brasileiro. Os participantes da pesquisa assinaram o TCLE. O anonimato dos participantes foi mantido, e eles foram identificados com a letra F seguindo-se a ordem numérica sequencial das entrevistas. Além disso, para garantia da privacidade e sigilo das informações, no momento da entrevista estavam presentes apenas o pesquisador e o familiar participante da pesquisa. Com a autorização dos entrevistados, as falas foram gravadas com uso de gravador de voz, do tipo MP3, e posteriormente dos foram transcritas na íntegra para serem analisadas. A coleta de dados foi encerrada, quando ocorreu a saturação teórica verificada pela repetição das dúvidas dos familiares de CRIANES quanto aos cuidados relacionados ao uso de tecnologias.13

A análise dos dados foi realizada seguindo as três fases da análise temática:12 (a) pré-análise, com leitura flutuante. Nesta etapa, depois de transcritas na íntegra, as entrevistas realizadas junto aos familiares foram lidas com o objetivo de conhecer o conteúdo do material empírico gerado; (b) na fase de exploração do material, foram feitas leituras exaustivas para delimitação das unidades que representavam significados, e posteriormente agregados em categorias pré-estabelecidas que versassem sobre as dúvidas dos familiares de CRIANES dependentes de tecnologia; (c) fase de tratamento e a interpretação dos resultados, quando foi possível fazer inferências à luz da literatura científica sobre as dúvidas de familiares de CRIANES dependentes de tecnologia. Para operacionalização da análise as falas dos familiares foram classificadas manualmente, a partir de cores, nas quais aquelas com o mesmo sentido foram coloridas da mesma cor, dando assim origem às categorias. Vale destacar que a categorização e análise foram feitas em dupla, inicialmente pela primeira e segunda autora. Posteriormente, o material foi submetido à análise crítica pela segunda dupla, composta pela terceira e quarta autora.

 

RESULTADOS

Com a análise dos dados emergiram três categorias de dúvidas, que foram apontadas pelos entrevistados de forma temporal, em três momentos distintos: no início da trajetória de cuidado, quando receberam a informação da necessidade do uso do dispositivo tecnológico; dúvidas que foram sanadas durante a hospitalização e preparo da alta; e, por fim, as dúvidas que surgiram quando criança já estava no domicílio, e que se mantiveram até o período de coleta de dados.

Dúvidas de familiares de CRIANES dependentes de tecnologias no início da trajetória de cuidado

Os familiares destacaram que no início, quando receberam a notícia da necessidade do uso de tecnologia, suas preocupações eram relacionadas à patologia em si, à necessidade de realização de cirurgia e ao quadro clínico da criança. Nessa fase inicial, os dispositivos tecnológicos acoplados ao corpo da criança não despertavam tantas preocupações e dúvidas: No início ela dessaturava muito! Eu queria saber sobre a patologia, a operação do coração, a parte do pulmão... Eram dúvidas mais profundas, como: da parte do coração, porque que encharcava o coração, porque estava prejudicando o pulmão, as cirurgias (F 4). O que me mais preocupava era a parte da doença, vem muito mais coisa por aí, a fibrose (fibrose cística) não ataca só a parte intestinal. Ela ataca o pâncreas, os rins, e mesmo a gente sabendo que tem transplante, a gente sabe que não é a cura, é só mais um tempo de vida, de repente eles acham um remédio aí (...) As minhas dúvidas eram mais sobre a doença (F 6).

Passada a fase inicial, após obterem as informações quanto à patologia, começaram a ter interesse em saber o que era a gastrostomia e a traqueostomia. Relataram que possuíam dúvidas relacionadas ao dispositivo tecnológico em si, tinham necessidade de conhecer o botton usado na gastrostomia, de saber o volume que o balonete do botton comporta, os mililitros que podem ser administrados de medicação, o tamanho da cânula de traqueostomia e o comprimento da sonda que deve ser introduzido na cânula para realizar a aspiração: No começo eu tinha dúvidas. Eu não sabia o que era traqueo (traqueostomia), gastro (gastrostomia), não sabia nada disso (F 3). A minha dúvida era conhecer como ele (o botton) é por dentro, né? Era saber quantos mls (mililitros) que fica alí dentro do balonete. O máximo e o mínimo, entendeu? Eu queria conhecer a cânula de traqueostomia, o tamanho dela por dentro. Quanto introduzir da sonda (de aspiração) queria saber isso. O número da cânula (F 4).

Além das dúvidas relacionadas aos dispositivos em si, os familiares destacaram aquelas direcionadas aos cuidados domiciliares com os mesmos. Já que no momento em que começaram a realizar os cuidados com o dispositivo havia tensão, nervosismo e ansiedade. As principais dúvidas foram durante os seguintes cuidados: a troca da cânula de traqueostomia e troca da bolsa de colostomia. Vale destacar que com o decorrer do tempo e a realização repetida dos procedimentos, os entrevistados passaram a se sentir seguros para a realização do cuidado: No início eu tinha bastante medo dessa traqueo (traqueostomia), porque a traqueo dele é diferente, mas agora ele já arrancou umas cinco vezes, claro, há uma tensão na hora de colocar né? Mas agora estou bem segura, é mais tranquilo (F 1). Eu tinha dúvida de como tirar a bolsa de colostomia, colocar, lavar, eu ficava nervosa... A gastro (gastrostomia) vazava muito, não sei porque, ele comia, vazava (F 5). Eu tive medo de machucar, principalmente na hora de trocar a cânula (da traqueostomia). Tinha medo de colocar errado (...) você esta mexendo com a vida. Agora me sinto segura (F 3).

A trajetória de cuidado durante a hospitalização e preparo da alta de CRIANES dependentes de tecnologias

Os familiares relataram que as dúvidas relacionadas aos cuidados com os dispositivos tecnológicos foram gradativamente sanadas durante a hospitalização, pois as crianças passaram muito tempo internadas. Neste sentido, na hospitalização adquiriram experiência com os dispositivos através da observação do cuidado sendo realizado em outras crianças: No começo tinha dúvida, mas hoje me sinto segura para realizar os cuidados porque fiquei no hospital a mais de um ano (F 4). Quando vim para casa eu não tive muita dúvida para cuidar dela (CRIANES) porque eu via (o cuidado sendo realizado) no hospital, né? Como a gente fica muito no hospital, eu via as outras mãezinhas realizando os cuidados, aí já sabia já mais ou menos... Sabia que tem que abrir e fechar (a gastrostomia) (F 2). Eu procurava sempre tirar dúvida, ver, observar, então quando ela passou a usar (gastrostomia), eu já sabia mexer na gastro, já sabia passar a sonda na gastro porque eu via as outras crianças usando no hospital (F 6).

Os familiares relataram ainda que aprenderam a realizar os cuidados com os dispositivos tecnológicos para que a criança pudesse receber alta hospitalar. Eles realizaram o procedimento algumas vezes até se sentirem seguros para realizá-los no domicílio. O médico falou para mim que (CRIANES) ia ter alta e eu tinha que aprender a mexer na traqueo (traqueostomia), ela só ia ter alta se eu aprendesse. Lá no hospital eu troquei umas quatro vezes. Até eu me sentir segura. Eu tive dúvida assim, de como inserir a cânula, mas como eu estava doida pra ir embora eu aprendi muito rápido (risos) (F 3). Eu tinha muita dúvida mesmo para lavar a bolsa de colostomia porque vazava, aí tinha que colocar esparadrapo e gaze. Eu só saí de alta (do hospital) depois que eu aprendi (F 5).

As dúvidas de familiares de CRIANES dependentes de tecnologias quanto aos cuidados domiciliares

Após a alta hospitalar, quando se encontraram no domicílio, os familiares relataram que se sentem inseguros e com dúvidas quanto ao cuidado com a criança em caso de possíveis intercorrências: Eu fico nervosa, sem saber o que fazer quando falta luz (energia elétrica) e ela fica no oxigênio, aí eu ligo para empresa de energia avisando que eu tenho uma criança especial em casa. Ela fica na bala de oxigênio até reestabelecer a luz (F 6). Outro aspecto destacado foi a preocupação com intercorrência com o dispositivo, como o rompimento do botton e a necessidade de usar outro dispositivo (sonda) o qual não esta habituada. No caso do botton (da gastrostomia) romper, se eu não tiver outra para usar? Se tiver que passar a sonda, eu não vou saber (...) até hoje só coloquei o botton... Se não tiver como colocar na hora ou se acontecer de estourar, coloco o curativo? Tenho dúvida, no imprevisto de um acidente... O que fazer? (F 4) .

Outra situação destacada que gera dúvida e nervosismo na família é quando ocorre o deslocamento da cânula de traqueostomia, ou quando há necessidade de troca: Outra coisa que eu tenho dúvida e que fico muito nervosa é para trocar a cânula (da traqueostomia) quando ela sai do lugar, porque ela se agita muito, e fica muito roxa (cianótica). (...) Sempre que precisa trocar a cânula eu fico aflita, com medo de acontecer alguma coisa (F 4).

 

DISCUSSÃO

Os familiares de crianças dependentes de tecnologia destacaram que a fase inicial de contato com a doença e a necessidade especial da criança, foi geradora de dúvidas quanto à doença e quadro clínico. A literatura indica que inicialmente a situação é de choque e manifestação de sentimentos de desamparo. Sendo assim, a maneira como a família é amparada no momento do diagnóstico e as explicações que recebem têm impacto importante no modo como irão enfrentar a condição de adoecimento e as necessidades especiais da criança.14  Nessa na fase de diagnóstico, na qual é evidente a necessidade de acesso as informações pela família, alguns recorrem à internet para consegui-las, e ao longo do tempo, este hábito continua menos frequente.15

A preocupação dos familiares relacionada à cirurgia, a qual a CRIANES foi submetida, citada em uma das falas, é justificada por ser esse procedimento um fator de estresse. Estudo realizado com mães acompanhantes de crianças hospitalizadas para realização de procedimentos cirúrgicos eletivos destacou que o período pré-cirúrgico envolve uma sobrecarga emocional para toda a família. Além disso, constatou que ocorre alto índice de stresse em mães acompanhantes de crianças hospitalizadas, especialmente quando se tratou da primeira experiência de cirurgia da criança.16 Outro aspecto destacado pelos familiares foi a preocupação e as dúvidas com a evolução de uma doença crônica, como por exemplo, a fibrose cística. A literatura aponta que apesar do progresso da ciência e tecnologia em relação aos procedimentos utilizados para o diagnóstico e tratamento de doenças crônicas, a criança e a família são acometidas por sentimentos de medo e incertezas, e que a trajetória de cuidado percorrida por ela é repleta de sofrimento, luta e desafios.17,18

Na ótica da teoria de Collière,8 desde o nascimento até a morte, a vida é marcada por sucessões de passagens: nascimento, desmame, primeiros dentes, entrada na escola, puberdade, primeiro emprego, dentre outros. Além dessas passagens que são esperadas, o sujeito pode deparar-se com as passagensinesperadas e ocasionais como doenças, que levam os envolvidos a buscarem algum tipo de preparo para o enfrentamento de tal passagem. Neste sentido, foi visto que os familiares buscaram informações quanto à doença da criança, os procedimentos a serem realizados, como a cirurgia, e também quanto a possível evolução da enfermidade. Foi visto que os familiares precisam compreender melhor e ter mais informação quanto ao processo de adoecimento e aos procedimentos realizados com a criança. No que diz respeito à troca de informações entre profissionais e familiares, um estudo evidenciou que os pais de crianças dependentes de tecnologia, pelo uso de gastrostomia, julgaram as informações feitas pelos profissionais inadequadas, relatando não se sentirem ouvidos.19 Fica ratificado assim, que as dúvidas dos familiares estão além do que a equipe acredita ser necessário sanar, e que para o adequado preparo a fim de potencializar um enfrentamento mais positivo eles precisam ser ouvidos.

Foi perceptível a dificuldade que os familiares enfrentaram para realizar alguns cuidados, como, a troca da cânula de traqueostomia, a troca da bolsa coletora de colostomia, e os cuidados com a gastrostomia. Tais dificuldades se devem, principalmente, por insegurança e medo de machucar a criança. Ratifica-se a ideia do desafio que é para o cuidador familiar realizar o cuidado em sua criança, sendo ela um ente querido.20 é no meio cultural que os familiares vivem e aprendem a realizar os cuidados cotidianos e habituais, que são voltados para alimentação, eliminação, entre outros, sem uso de dispositivos, como sondas de gastrostomia e bolsas de colostomia. Porém, quando se deparam com a criança dependente de tecnologia, a natureza de tais cuidados passa a ser também de reparação ou tratamento da doença,8 então eles precisam de um tempo para assimilação dessa nova forma de cuidar para manutenção da vida da criança. Em contrapartida, os dados da pesquisa indicaram que, com o decorrer do tempo e a realização repetida dos procedimentos, eles passam a ter mais segurança para a realização do cuidado. Esse dado concorda com a pesquisa que afirma que alguns cuidadores aprendem a cuidar da CRIANES através da prática desenvolvida no decorrer do tempo, por meio da experiência.2

Parte das dúvidas dos familiares foi sanada durante a hospitalização da criança. Este dado confirma que o conhecimento e habilidade para a realização do cuidado domiciliar iniciam-se durante a hospitalização, onde alguns familiares têm o conhecimento adquirido, amparado na observação que fazem dos profissionais de saúde durante a internação da criança.2,20 Neste sentido, a observação dos cuidados realizados com o dispositivo tecnológico, pelos profissionais e outros familiares, facilitou a aprendizagem dos entrevistados que de tanto observarem adquiriram maior segurança para a realização dos mesmos. No preparo para a alta hospitalar, os familiares demostraram preocupação em como se daria o cuidado no domicílio. Por isso, durante toda a internação hospitalar a família deve ser preparada para o momento em que a criança deixará os cuidados do hospital e irá para o domicílio, visando, desta forma, diminuir a ansiedade dos familiares. Este estudo vai ao encontro de outro, que afirma que o preparo para a alta acontece durante a hospitalização, se consolida no momento final da internação e continua no período pós-hospitalar.21

é importante lembrar que a alta da criança não significa uma completa recuperação da saúde, e que o cuidado desenvolvido no hospital continuará a influenciar aquele a ser realizado no domicílio pelos familiares.7,22 A possibilidade de acontecimento de alguma intercorrência gera nervosismo e dúvidas nos familiares, os pais ficam sem saber como proceder nessas situações. Outro estudo apontou que as intercorrências no cuidado à criança com necessidades especiais de saúde são consideradas pelo familiar como uma emergência, dando o mesmo significado para o grave e o complexo.3

Cuidar da criança dependente de tecnologia, no domicílio, exige reorganização familiar para atendimento às necessidades da criança, pois situação como interrupção de energia elétrica, pode ser ameaçadora à vida quando há dependência equipamento com uso de energia.

Levando em consideração as diversas dúvidas apresentadas pelos familiares, ratifica-se que receber informações claras dos profissionais e ter suas reais dúvidas esclarecidas diminui a ansiedade dos pais, aumenta a aceitação e o envolvimento deles no cuidado, além de favorecer o processo de enfretamento da doença.23 Na tentativa de minimizar o sofrimento psíquico, a família deve ser valorizada e respeitada nas relações que permeiam o ambiente hospitalar.23 Salienta-se a importância do papel do enfermeiro na orientação desses familiares, para que seja minimizada a ansiedade e o medo, e o cuidado à criança tenha mais qualidade. Assim, durante a realização do cuidado, o profissional deve estimular a autonomia, favorecer o acolhimento e suporte social destes cuidadores para que se sintam seguros e confortáveis na realização do cuidado e manutenção da vida da criança.

Frente as possíveis dúvidas que os familiares possam apresentar em diferentes momentos da trajetória de cuidado da criança dependente de tecnologia, torna-se visível a importância do enfermeiro orientar o familiar quanto aos dispositivos tecnológicos e o cuidado com os mesmos, durante o curso da hospitalização, para minimizar a insegurança no momento de realização do cuidado no domicílio. Com relação a isso, a literatura destaca que a enfermagem é fundamental no processo de hospitalização, e pode contribuir de maneira direta para o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos ao cuidador domiciliar. Tendo o compromisso de ampará-los no processo de transição para o domicílio e posterior acompanhamento.20 Desta forma, para que não haja comprometimento do cuidado, é necessário que o enfermeiro esteja envolvido no processo de alta, para promover continuidade da assistência do hospital ao domicílio.

Tornar os pais aptos para desenvolverem os cuidados não depende unicamente de informações teóricas e práticas fornecidas no momento da alta, visto que os medos e as dúvidas afloram no dia a dia, quando estão no domicílio. Vai ao encontro desta, pesquisas que ressaltaram o desafio de realizar o cuidado a essas crianças no contexto domiciliar, cujos saberes e práticas não pertencem ao seu dia e dia e sim a um contexto hospitalar.2,4 Nota-se que o enfermeiro precisa se aproximar da família, para juntos buscarem estratégias de suprir as necessidades vitais, pois cuidar é acompanhar as passagens difíceis da vida, é estimular, desenvolver capacidades e compensar o que não esta bem.8 Para isso, é notória a necessidade de criação de espaços de diálogo, escuta e aprendizagem, considerando os conhecimentos adquiridos e as possibilidades de o familiar cuidar no domicílio.2 Além disso, é preciso que haja acompanhamento de enfermagem aos familiares de CRIANES dependentes de tecnologia, no domicílio. Recomenda-se que a equipe que atende à criança dependente de tecnologia amplie seus espaços de atuação, do hospital para o domicílio, pois neste cenário novas dúvidas surgem, e nele os profissionais e familiares, juntos, podem buscar melhores soluções para a realização dos cuidados necessários a essas crianças.

Como limitação do estudo destaca-se a participação de um único familiar por criança, pois nos dias agendados para a entrevista não havia outros familiares. Conclui-se, desta forma, a importância do papel do enfermeiro para o desenvolvimento de habilidades e competências do cuidador familiar; e a necessidade da orientação para a alta da criança acontecer durante toda a hospitalização e não somente no momento da alta. No domicílio as dúvidas estão relacionadas à possibilidade de intercorrências, seja por interrupção de energia elétrica, necessidade de uso de dispositivos diferentes ou por deslocamento acidental do dispositivo. Salienta-se assim, a necessidade de acompanhamento de enfermagem para sanar as dúvidas que só afloram no dia a dia do cuidado domiciliar.

 

REFERÊNCIAS

1. Silveira A, Neves ET, Paula CC. Cuidado familial das crianças com necessidades especiais de saúde: um processo (sobre)natural e de (super)proteção. Texto Contexto Enferm. 2013; 22(4):1106-14.         [ Links ]

2. Silveira A, Neves ET. Crianças com necessidades especiais de saúde e o cuidado familiar de preservação. Cienc Cuid Saúde. 2012; 11(1):74-80.         [ Links ]

3. Neves ET, Silveira A. Desafios para os cuidadores familiares de crianças com necessidades especiais de saúde: contribuições da enfermagem. Rev Enferm UFPE on line. 2013; 7(5):1458-62.         [ Links ]

4. Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2012; 20(2): 282-8.         [ Links ] 5.

5. Guerini IC, Cordeiro PKS, Osta SZ, Ribeiro EM. Percepção de familiares sobre estressores decorrentes das demandas de cuidado de criança e adolescente dependentes de tecnologias. Texto Contexto Enferm. 2012; 21(2):348-55.         [ Links ]

6. Christian BJ. Research commentary-challenges for parents and families: demands of caregiving of children with chronic conditions. J Pediatr Nurs. 2010; 25(4):299-301.         [ Links ]

7. Simon TD, Mahant S, Cohen E. Pediatric Hospital Medicine and Children with Medical Complexity: Past, Present, and Future. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2012; 42:113-9.         [ Links ]

8. Collière MF. Cuidar... A primeira arte da vida. 2nd Ed. Loures: Lusociência; 2003.         [ Links ]

9. Milbrath VM, Siqueira HCH, Motta MGC, Amestoy SC. The family of children with cerebral palsy: perception about health team orientations. Texto Contexto Enferm. 2012; 21(4):921-8.         [ Links ]

10. Floriani CA. Home-based palliative care: challenges in the care of technology-dependent children. J Pediatr. 2010; 86(1):15-20.         [ Links ]

11. Ünsal-Avdal E, Arkan B. Individual and Group Education in Diabetes and Outcomes. Aquichan. 2014; 14(2):138-47.         [ Links ]

12. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec; 2010.         [ Links ]

13. Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DM. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saúde Pública. 2011; 27(2):389-94.         [ Links ]

14. Santos LM, Valois HS, Santos SSBS, Carvalho ESS, Santana RCB, Sampaio SS. Aplicabilidade de modelo teórico a famílias de crianças com doença crônica em cuidados intensivos. Rev Bras Enferm. 2014; 67(2):187-94.         [ Links ]

15. Pimentel EDC, Luz GS, Pelloso SM, Carvalho MDB. Using the internet to exchange information and experience on cystic fibrosis. Invest Educ Enferm. 2013; 31(3):457-63.         [ Links ]

16. Carnier LE, Rodrigues OMPR, Padovani FHP. Stress materno e hospitalização infantil pré-cirúrgica. Estud psicol . 2012; 29(3):315-25.         [ Links ]

17. Gomes IP, Lima KA, Rodrigues LV, Lima RAG, Collet N. From diagnosis to survival of pediatric cancer: children's perspective. Texto Contexto Enferm. 2013; 22(3):671-9.         [ Links ]

18. Costa EAO, Dupas G, Sousa EFR, Wernet M. Children's chronic disease: family needs and their relationship with the Family Health Strategy. Rev Gaúcha Enferm. 2013; 34(3):72-8.         [ Links ]

19. Cruz AC, Angelo M, Gamboa SG. A visão da família sobre a experiência de ter uma criança gastrostomizada. Rev Enf Ref. 2012]; 3(8): 147-53.         [ Links ]

20. Okido ACC, Pizzignacco TMP, Furtado MCC, Lima RAG. Criança dependente de tecnologia: a experiência do cuidado materno. Rev Esc Enferm USP. 2012; 46(5):1066-73.         [ Links ]

21. Silva, RVGO, Ramos FRS. Processo de alta hospitalar da criança: percepções de enfermeiros acerca dos limites e das potencialidades de sua prática para a atenção integral. Texto Contexto Enferm. 2011; 20(2):247-54.         [ Links ]

22. Pinto JP, Ribeiro CA, Pettengill MAM. The recovery process of children after discharge from hospital: an integrative review. Acta Paul Enferm. 2010; 23(6):837-42.         [ Links ]

23. Rodrigues PF, Amador DD, Silva KL, Reichert APS, Collet N. Interação entre equipe de enfermagem e família na percepção dos familiares de crianças com doenças crônicas. Esc Anna Nery. 2013; 17(4):781-7.         [ Links ]