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Prolegómenos

versión impresa ISSN 0121-182X

Prolegómenos vol.17 no.33 Bogotá ene./jun. 2014

https://doi.org/10.18359/dere.788 

ARTÍCULO DE REFLEXIÓN
DOI: http://dx.doi.org/10.18359/dere.788

DIREITO DOS "PROFISSIONAIS DO SEXO" EM BRASIL: ANÁLISE SOBRE O PROJETO DE LEI 4.211 DE 2012

DERECHO DE LOS "PROFESIONALES DEL SEXO" EN BRASIL: ANALISIS DEL PROYECTO DE LEY 4.211 DE 2014.

RIGHTS OF "SEX WORKERS" IN BRAZIL: ANALYSIS OF BILL 2014 4.211

Iriana Munhoz*, Taís Nader Marta**

* Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Instituição Toledo de Ensino. Doutoranda na área de Direito Civil da Universidade de Buenos Aires (UBA). Advogada Familiarista. Professora do Curso de Direito da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), São Paulo, Brasil. Endereço eletrônico: irianamunhoz@hotmail.com
**Especialista em Direito Processual e em Direito Constitucional. Mestre em Direito Constitucional Professora. Advogada. Endereço eletrônico: tais@nadermarta.com.br.

Forma de citación: Munhoz, I. & Nader, T. (2014). Direito dos "profissionais do sexo" em Brasil: análise sobre o Projeto de Lei 4.211 de 2012. Revista Prolegómenos. Derechos y Valores, 17, 34, 33, 143-158.


Fecha de recibido: 8 de marzo de 2014.
Fecha de aprobado: 14 de mayo de 2014.

Resumo

A prostituição alinha-se entre os mais complexos temas do conjunto de conhecimentos específicos que tem por centro o ser humano. O presente artigo objetiva refletir sobre a possibilidade legal dos profissionais do sexo obterem direito ao trabalho, assim como qualquer outro profissional, conforme regulamentado em um projeto de lei apresentado para o Congresso pelo deputado carioca Jean Wyllys em 2012. É um assunto que nos leva a uma grande reflexão, pois não se trata apenas de um procedimento legal, muito pelo contrário, a prostituição é refurtada pelos valores religiosos e morais arraigados desde os primórdios dos tempos, em razão disso será difícil à sociedade brasileira aceitar sua legalização, pois tal anuência estaria na contramão dos valores morais.

Palavras chave: Profissionais do sexo, Prostituição, Tráfico de pessoas,Direitos fundamentias, Valores morais.


Resumen

La prostitución se alinea entre los más complejos temas de un conjunto de conocimientos específicos que tienen por centro al ser humano. En este artículo se reflexiona sobre la posibilidad legal de los trabajadores del sexo obtener derecho al trabajo, al igual que cualquier otro profesional, tal como propone un proyecto de ley radicado ante el Congreso Nacional por el diputado carioca Jean Wyllys em 2012. Es un tema que nos lleva a una gran reflexión, porque no se trata sólo un procedimiento legal, por el contrario, la prostitución es rechazada por los valores religiosos y morales arraigados desde el principio de los tiempos, por lo que será difícil para la sociedad brasileña a aceptar su legalización, pues tal apoyo sería a contramano de los valores morales católicos.

Palabras clave: Profesionales del sexo, prostitución, tráfico de personas, derechos fundamentales, valores morales.


Abstract

Prostitution aligns among the most complex issues of the body of knowledge whose center to humans. This article aims to reflect on the legal possibility of sex workers get right to work, as well as any other professional, as regulated in a bill introduced to Congress by Congressman Jean Wyllys Rio in 2012. That's a subject we lead to a large reflection, because it is not just a legal procedure. Otherwise, prostitution is rejected by the religious and moral values since the earliest of times, because it will be difficult to Brazilian society to accept its legalization, for such consent would be directly against the catholic moral values.

Key words: Sex, prostitution, human trafficking, fundamental rights, moral values.


INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea percebe-se uma grande evolução nos costumes e nos conceitos morais. Dentro desse progresso está o direito de explorar o próprio corpo, quando consentido.

Em consequência desse desenvolvimento cultural os paradigmas tradicionais, aos poucos, estão sendo rechaçados, abrindo assim, portas para direitos até então ignorados pela sociedade. Assuntos que eram sutilmente proibidos hoje parecem estar na moda e passam a ser debatidos abertamente e com naturalidade em telenovelas, revistas, jornais e cinema.

Dessa forma, a prostituição, suscitou ao Direito, que, enquanto ciência, tem como escopo regular os comportamentos sociais, a necessidade de investigar e proteger essas pessoas que exploram seu corpo com objetivos econômicos.

O Brasil era silente sobre o assunto até o pouco tempo, mas com o advento do Projeto de Lei 4.211/ 2012 da autoria do Deputado Jean Wyllys, o tema está sendo discutido por toda a sociedade, que para ser justa, livre, solidária e inclusiva, necessita enfrentar esses desafios sociais.

Dessa forma, os direitos fundamentais entram em ação, por se tratar de instrumentos de preservação do ser humano, os quais devem ser respeitados em toda e qualquer profissão.

O Projeto por nos analisado disciplina direitos frente aos profissionais do sexo, que passam a ser tratados como qualquer outro trabalhador digno, todavia, apesar da intenção de seu autor ser a proteção de uma classe vulnerável e discriminalizada, tal projeto ainda precisa ser mais refletido para corresponder a realidade social brasileira.

Assim sendo, realizamos apontamentos positivos e negativos no decorrer do trabalho, todavia nossa reflexão não tem a pretensão de exaurir o assunto, ao contrário, queremos que essa leitura seja o inicio de complexas reflexões, mas para isso torna-se necessário o desprendimento de qualquer espécie de preconceito, bem como a imparcialidade do operador do direito no que diz respeito ao assunto analisado, até porque, a prostituição é um fato concreto e existente nas diversas classes sociais, portanto, nega-la é um ato de discriminação.

DIREITOS FUNDAMENTAIS

O conceito de direitos fundamentais não é unívoco, como também não é expressão que lhes designa: direitos fundamentais, direitos humanos, direitos humanos fundamentais e liberdades públicas. (Gonçalves, 2007, p. 33).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, conforme assevera Celso Ribeiro Bastos1 preocupou-se, essencialmente, com quatro ordens de direitos individuais:

Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do indivíduo: direito à vida, à liberdade e à segurança. Num segundo grupo encontram-se expostos os direitos do indivíduo em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo os casos de crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior como no exterior e, finalmente, direito de propriedade. Num outro grupo são tratadas as liberdades públicas e os direitos públicos: liberdade de pensamento, de consciência e religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos. Num quarto grupo figuram os direitos econômicos e sociais: direito ao trabalho, à sindicalização, ao repouso e à educação (Bastos, 2000, pp. 174-175).

A primeira geração (ou núcleo inicial de liberdades individuais) se caracteriza por seu conteúdo negativo; já que para sejam exercidos de maneira plena exige-se uma abstenção do Estado na esfera social, só intervindo em caso de perturbações. Estado e sociedade eram imaginados como dois sistemas distintos, cada um com limites bem definidos, com regulações autônomas e com mínimas relações entre si. Surge o Estado Liberal com o intuito de salvaguardar as liberdades individuais ante a sua principal ameaça, traduzindo-se na idéia de que o direito vincula positivamente o poder público (que só pode fazer o que está expressamente na lei) e negativamente os cidadãos (que poderiam realizar tudo aquilo que as normas não proíbem). O Estado Absoluto transmudase em Estado de Direito (pautado na legalidade formal). Existe a necessidade de uma forma nova (sistemática e racional) de ordenação e limitação do poder político e, como resultado dos movimentos constitucionalistas, aparecem as primeiras constituições ("Constituições Modernas"), como documentos escritos nos quais se declaram as liberdades/direitos e se fixam os limites do poder político.

Assim,

(...) como fruto do constitucionalismo moderno, portanto, se formaram duas esferas estanques, dando origem à famosa dicotomia clássica entre o público e o privado. O interesse privado tinha no indivíduo sua afetação jurídica natural, e o interesse público tinha como seu titular e executante, o Estado (Vale, 2004, p. 39).

As ideias de direitos fundamentais, que começaram a se formar na era moderna e as sociedades pluralistas atuais exigem das Constituições a possibilidade de uma vida em comum. O que é verdadeiramente fundamental, pelo mero fato de sê-lo, nunca pode ser posto, mas, sim, sempre pressuposto (Zagrebelsky, 2007, p. 9).

Existe uma coexistência de valores e princípios sobre os quais hoje deve basear-se necessariamente uma Constituição para que não renuncie a seus deveres de unidade e de integração e que, ao mesmo tempo, não seja incompatível com a sua base material pluralista; exige que cada um desses valores e princípios tenha um caráter não absoluto, mas compatível com todos os outros com quem deve conviver (Zagrebelsky, 2007, p. 14).

A solução de cada controvérsia não mais pode ser verificada considerando-se simplesmente o artigo de lei que parece contê-la e resolvêla, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico, e, em particular, de seus princípios fundamentais, considerados opções de base que o caracterizam.

Há uma força expansiva dos direitos fundamentais, segundo Juan María Bilbao Ubillos:

Asistimos, en efecto, a un proceso de continua expansión de los derechos fundamentales, en varias direcciones. Su contenido se enriquece incesantemente: día a día, los tribunales descubren nuevas posibilidades (a veces insospechadas) de penetración de aquellos derechos, nuevos escenarios en los que se estima que pueden operar (Bilbao, 2006, p. 308).

A ideia dos direitos fundamentais é, assim, tão antiga como a própria história das civilizações, tendo logo se manifestado, em distintas culturas e em momentos históricos sucessivos, na afirmação da dignidade da pessoa humana, na luta contra todas as formas de dominação, exclusão e opressão, em prol da salvaguarda contra o despotismo e a arbitrariedade, bem como na asserção da participação na vida comunitária e do princípio de legitimidade (Trindade, 1997, p. 17).

De todas as inovações da Constituição de 1988, sem dúvida a mais positiva e valiosa foi o destaque ímpar na nossa história conferido aos direitos fundamentais. A própria estruturação interna pôs os direitos fundamentais na parte inicial da Carta Magna, o que revela a importância sem precedentes conferida a tais direitos (Sarmento, 2008, p. 85).

Nada obstante a noção de direitos fundamentais tenha sua origem na garantia de liberdades do indivíduo frente ao Estado, com uma eficácia vertical, o processo histórico acabou por alargar o espectro e o campo de eficácia desses direitos (Fachin & Ruzyk, 2006, p. 90). Pois, pelo fato de inerente a esses direitos uma eficácia irradiante, possibilita assumir uma eficácia em âmbito horizontal.

Os direitos fundamentais como princípios gerais do direito, tratam de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive, (Silva, 2005, p. 178). ou seja, são direitos reconhecidos pelo Estado para propiciar uma vida mais digna ao homem, o que lhes afere uma função central no ordenamento jurídico, influenciando todas as normas do ordenamento jurídico.

MITIGAÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO COM CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS RAMOS DO DIREITO E SEUS EFEITOS

A clássica separação do direito positivo em ramos, dividindo-se em direito público e privado foi abrandada, tendo em vista o novo constitucionalismo que se instaurou no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em que ocorreu sua ascensão científica e institucional e, ao mesmo tempo em que o direito civil perdia a centralidade do sistema jurídico, essa era transferida à Constituição, que ao tornar-se o núcleo desse sistema passou a entremear as relações jurídicas em geral.

A Constituição passa a ser a tela onde se pinta a realidade da vida jurídica, condicionando e regulando a interpretação e a aplicação de todas as normas do sistema, com fulcro na dignidade da pessoa humana, nos direitos fundamentais e nos anseios democráticos de nosso Estado Constitucional.

O relacionamento entre direito público e direito privado, em suas nuances especificas: direito constitucional e direito civil, no decorrer da história passa por algumas etapas. Tendo o direito civil suas origens mais remotas fundadas nos romanos, pode-se inferir a força de sua tradição na definição consignada por Ulpiano no Corpus Iuris Civilis:

Huius studii duae sunt positiones, publicum et privatum. publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem pertinet. dicendum est igitur de iure privato, quod tripertitum est; collectum est enim ex naturalibus praeceptis aut gentium aut civilibus.2

A partir desta máxima os vários ramos do direito positivo, que foram se formando, no percorrer da história, tomaram-no por parâmetro, ou seja, os ramos concernentes ao direito público consignaram como aspecto ordinário o Estado e, os ramos do direito privado consideraram a pessoa concebida em seu âmbito particular.

Assim, insurgiu-se a primeira das etapas que a distinção entre direito constitucional e civil perpassou, onde tais ramos encontravam em realidades totalmente distintas, tendo em vista que, sob a semente plantada pelo direito romano já se vislumbra a existência de uma incomunicabilidade latente. Esta, porém, ao ser cultivada se torna mais acentuada na era moderna, com o início do Estado de Direito, onde se proporcionou a cada um desses ramos um objeto de representatividade própria. Há, dessa forma, o surgimento das primeiras Constituições do Estado Liberal representativas do direito constitucional e o Código de Napoleão codificação que defendia os interesses do o direito civil.

Essa separação somente perdurou pelo fato dos ideais do Estado Liberal serem fundados na integral separação entre o Estado e a sociedade, e na exacerbada não intervenção Estatal nos negócios entre os particulares.

O advento do Estado Liberal é marcado pelo signo da liberdade dos indivíduos perante o Estado por meio da não intervenção, além de favorecer crescimento do individualismo e dar sucedâneo à propriedade privada. Contudo, essa separação era tão perniciosa, que equivaleria em se afirmar que havia "dois direitos", tendo em vista que não se confundiam e nem interferiam um no outro.3

Esta dicotomia se edificou na ideologia liberal sob as bases de uma igualdade de cunho formal, conveniente às próprias necessidades econômicas que expandiam ante ao incremento do capitalismo. "Esta separação entre público e privado tornava a economia um campo infenso à intervenção estatal" (Silva, 2005, p. 178). Além do mais, há de asseverar que, a própria procedência dos direitos fundamentais (de primeira dimensão) está profundamente atrelada ao afastamento dos âmbitos privado e público.

Acima de tudo, os direitos fundamentais - na condição de direitos de defesa - objetivam a limitação do poder estatal, assegurando ao indivíduo uma esfera de liberdade e lhe outorgando um direito subjetivo que lhe permita evitar interferências indevidas no âmbito de proteção do direito fundamental ou mesmo a eliminação de agressões que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia pessoal (Sarlet, 1999, p. 142).

A segunda etapa desenrolou-se no decorrer do século XX, ensejando gradativamente a diminuição da incomunicabilidade existente anteriormente. É a publicização do direito privado, que com o aparecimento do Estado Social, busca atribuir um novo papel ao Direito, põe-se a incentivar e dirigir comportamentos sociais em direção ao ideal social que espelha. Antes, houve a separação entre Estado e Sociedade, neste ocorre o sentido inverso, a absorção da Sociedade pelo Estado.

Inicia-se uma abertura legislativa ao se regular certas matérias que antes constavam exclusivamente do Código Civil, em legislações esparsas, surgindo o epíteto dos microssistemas. Dessa forma, os emblemas que fomentavam a total separação entre o público e o privado gradativamente perdem importância para as leis insurgentes, que por não serem concentradas em um único diploma; operaram uma verdadeira inflação legislativa (Sarmento, 2005, p. 39).

Assim, em determinado momento da trajetória histórico jurídico, social e cultural, vislumbrase a aproximação definitiva entre o público e o privado, principalmente, porque houve a impossibilidade de a autonomia privada e os direitos fundamentais, serem percebidos como realidades destacadas dos valores da sociedade, tão pouco serem analisados e aplicados como elementos estanques de determinada área do direito.

Diante desse contexto, no mundo moderno, com o aumento da complexificação da sociedade, aos poucos os direitos que antes eram conteúdo de Códigos e leis esparsas passam a ser tutelados pelas Constituições, é a Constitucionalização do Direito.

Neste ínterim, indaga-se: No que compreenderia a constitucionalização do direito? No entender de Virgílio Afonso da Silva (2008, p. 18), a constitucionalização do direito representaria a difusão dos efeitos das normas ou valores constitucionais aos outros ramos do direito.

A Constituição passa a ser o referencial de todo ordenamento jurídico, abandonando-se o constitucionalismo ideológico do Estado Liberal. Depreendo -se que "el constitucionalismo tradicional era sobre todo una ideología, una teoría meramente normativa, mientras que el constitucionalismo actual se ha convertido em una teoría del Derecho opuesta al positivismo jurídico como método" (Figueroa, 2003, p. 165).

Além do mais, frente a essa perspectiva, toda a ordem jurídica gira em torno desse novo paradigma, donde se pode inferir que há uma conjugação dos diversos ramos do direito como reflexo desta constitucionalização. Destarte, nessa etapa, necessário se destacar dois incrementos doutrinários que foram intensamente desenvolvidos, segundo a lição de Luiz Roberto Barroso:

i) a centralidade da dignidade da pessoa humana, que operou um repersonalização e uma despatrimonialização do direito civil, por sua ênfase: em valores existenciais e do espírito, nas condições materiais mínimas de sobrevivência (mínimo existencial), nos direitos da personalidade, tanto na dimensão da integridade física quanto psíquica; ii) a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. Aqui desenvolveramse duas grandes teorias: a da aplicação indireta e mediata, por intermédio do legislador e das cláusulas abertas; e a aplicação direita e imediata, por via de uma ponderação caso a caso entre o princípio da autonomia da vontade e o direito fundamental em jogo (Barroso, 2005, pp. 512-513).

Portanto, "a constitucionalização do direito civil seria uma demonstração de que a distinção entre direito público e direito privado não pode ser uma distinção rígida".4 Pois, este fenômeno ratifica tão-só a mudança do eixo fundamental da ordem jurídica que passa a ser a Constituição Federal (Silva, 2008, p. 173), em detrimento da lei.

Além do mais, no atual estágio da sociedade contemporânea a constitucionalização trouxe à tona aspectos éticos, morais e antropológicos à ordem jurídica buscando o mais amplo resgate da pessoa humana titular e destinatário mor de todos os direitos e garantias fundamentais. Igualmente, favorecendo-se a proteção do direito que é intrínseco a toda pessoa, como os direitos da personalidade que premem por uma ampliação de sua tutela dada as grandes mutações que ocorrem no seio social. Faz-se imperioso que se rompa a barreira públicoprivado visando assegurar-se a dignidade da pessoa, principalmente quando se põe em xeque interesses conflitantes.

DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PERSONALIDADE: INSTRUMENTOS SUSTENTAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

Sob esta nova perspectiva, a Constituição Federal de 1988 inovou ao albergar os direitos da personalidade como categoria autônoma consentânea a todo o indivíduo, garantindo-o em seu texto de forma específica, consoante vislumbra-se no art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal.

Além do mais, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, a Constituição Federal de 1988 incorporou, expressamente, ao seu texto o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da Carta Magna) - como valor supremo -, definindo-o como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito e dos Direitos Fundamentais, unificando o sistema de direitos fundamentais.

Com relação a decisão do constituinte em positivar o princípio da dignidade da pessoa humana, salienta Ingo Wolfgang Sarlet:

Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 - a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal (grifou-se) (2002, p. 68).

Assim, confirmando a crescente oriental constitucional, com o intuito de tutelar a dignidade da pessoa humana, constata-se que a presença dos direitos de personalidade na Constituição Federal lhe outorgou um status de fundamental, que vislumbramos diante de suas características, quais sejam, a oponibilidade a todo aquele que viola tal direito, incluindo aqui o Estado (erga omnes) e, um segundo que, frente a uma violação, nem sempre seu ressarcimento redundará em uma reprodução em esfera econômica ou patrimonial. Já que, resultará em formas diferenciadas de reparação como se dá com a reparação pelo dano moral (nãopatrimonial), pelo fato de serem insuscetíveis de valoração monetária, tendo em vista que qualquer indenização por ameaça ou violação dos direitos da personalidade proporciona, tãosó, o equivalente em dinheiro.

Os direitos da personalidade ainda podem ser distinguidos, por observação de grande parte da doutrina, em dois grupos: i) o consignado no art. 5º, caput, conjugado com o inciso X, da Constituição Federal, que são os direitos da personalidade à integridade moral, enquadrando- se a honra, a liberdade, a imagem, a intimidade, a privacidade, ao nome, entre outros; e ii) o consubstanciado no art. 5º, caput, interpretado conjuntamente com o inciso V, do Texto Constitucional, compreendendo os direitos da personalidade à integridade física, neste conglomera-se os direitos à vida, ao cadáver e ao próprio corpo. No estudo em questão nos reportaremos, ao direito da personalidade à integridade moral, mais especificamente, ao direito à liberdade.

Nesse sentido, assevera-nos Adriano de Cupis no sentido de que "serve à denominação direitos de personalidade àqueles direitos essenciais por constituírem a 'medula' da personalidade humana" (1961, p. 17).

Considerando que o indivíduo foi elevado a núcleo axiológico de todo ordenamento jurídico, a proteção resultante tanto da Constituição como das demais legislações concernentes à tutela da pessoa humana devem harmonizar-se no sentido de estender-se a outras possibilidades não vislumbradas pela casuística, onde a tutela da personalidade da pessoa humana se difundirá nas mais variadas manifestações. Como é o caso da manifestação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade à autonomia privada para contratar.

Assim, deve-se, com base no texto constitucional, elevar a cláusula geral de tutela da pessoa como máxima valorativa de todo ordenamento jurídico no afã de se promover à pessoa humana, bem como de tutelar sua dignidade quando esta restar violada.

Ao se garantir a personalidade de cada pessoa, automaticamente se promove o alcance de sua dignidade. Pois, ao se afiançar o direito de ser livre para qualquer ato da vida pessoal - incluídos aqui, os âmbitos social, civil, trabalhista e político, não apenas conformado no direito à liberdade de ir e vir, mas de se ter reservada parcela de sua autonomia a desejos próprios, isentos de interferências e limitações externas que possam contrariar, de alguma forma, sua mais íntima vontade, assegurando-se, dessa forma, uma integral expansão de características que são próprias da personalidade humana.

Significa dizer que, no âmbito da ponderação de bens ou valores, o princípio da dignidade da pessoa humana justifica, ou até mesmo exige a restrição de outros bens constitucionalmente protegidos, ainda que representados em normas que contenham direitos fundamentais (Sarlet, 2002, p. 114) de modo a servir como verdadeiro e seguro critério para solução de conflitos de tal envergadura5.

Na cadência dessas assertivas, o direito à liberdade de cada indivíduo, deve sustentar a possibilidade de conjugar-se à dignidade da pessoa humana e ao direito geral ao livre desenvolvimento da personalidade. Nesse diapasão, personalidade pode ser resumidamente definida como:

(...) o conjunto de características do próprio indivíduo; consistem na parte intrínseca da pessoa humana. Trata-se de um bem, no sentido jurídico, sendo o primeiro bem a pertencente à pessoa, sua primeira utilidade. Através da personalidade, a pessoa poderá adquirir e defender os demais bens.
Os bens que aqui nos interessam são aqueles inerentes à pessoa humana, a saber: a vida, a liberdade e a honra, entre outros. A proteção que se dá a esses bens primeiros do indivíduo são denominados direitos de personalidade (Szaniawski, 1993, p. 35).

Ora, basta apenas se ter vida, para que todo e qualquer ser humano possa gozar de direitos da personalidade. Cada indivíduo é único e possui peculiaridades próprias que lhe torna detentor de uma infinita gama de direitos.

Ao se descortinar a personalidade humana, entendida como uma característica ínsita à própria natureza do homem, se intensificou a vindicação da tutela de certos valores por meio do direito, tendo em vista serem indispensáveis para a qualidade de vida de todos os indivíduos.

Como já salientado anteriormente, a pessoa humana foi elevada a elemento indispensável e inseparável da concepção e da sustentação de um verdadeiro Estado Constitucional Democrático, na medida em que se percebeu que de nada adiantaria a consagração pelo ente estatal de direitos e garantias, de isonomia, de liberdade etc. se ele não conseguisse prover a existência digna do indivíduo que o forma.

Maria Celina Bodin de Moraes corroborando no cotejo da dignidade da pessoa humana, vislumbra incrustado em seu bojo a proteção de vários princípios, como o princípio da igualdade (que consiste no direito a não receber tratamento discriminatório: em ver respeitadas as suas peculiaridades - direito à diferença - e em obter o mesmo tratamento dos demais - direito à igualdade perante a lei), da integridade física e moral (que referese ao direito de não ser torturado e o direito à existência digna), da liberdade (em que se inserem a privacidade, a intimidade e o livre exercício da vida privada) e da solidariedade (definido como um "conjunto de instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, em uma sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados", inserindo-se aí a disciplina da responsabilidade civil, especialmente nos casos de danos aos consumidores e ao meio ambiente) (Moraes, 2006).

Assim, como espécie do direito fundamental de personalidade, da plena realização de sua dignidade, o direito à liberdade representaria sinteticamente o direito de "poder realizar, sem interferências de qualquer gênero, as próprias escolhas individuais, mais, o próprio projeto de vida, exercendo-o como melhor convier" (Moraes, 2006, p. 138).

Ora, o direito à liberdade seria a capacidade que cada pessoa possui de autodeterminar-se, de realizar suas próprias escolhas. Ou seja, liberdade é a aptidão de, conscientemente, conectar um conjunto de necessidades com o intuito de concretizar os interesses pessoais, dentro de uma concepção social-político-jurídica.

Destarte, este direito ainda ganha um plus, auferindo um real significado, quando interpretado em consonância à cláusula geral de tutela da pessoa constante do no art. 1º, III da Constituição Federal.

Dentro desta perspectiva, dever-se-á realizar uma abertura epistemológica da legislação civilista com o fito de albergar a tutela da pessoa humana como norte e fim de toda atividade de interpretação constitucional e da lei. Promovendo, não somente a observação das diversas possibilidades de compensação da lesão ou de sua ameaça, mas, também, numa perspectiva antropológica, onde a pessoa humana como cerne de toda tutela de status constitucional possa desenvolver livremente sua personalidade, para além dos limites codificados pelo legislador.

ANÁLISE SOBRE O PROJETO DOS DIREITOS DAS MULHERES FRENTE AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Há décadas o corpo humano é um instrumento para se ganhar a vida, tanto para homens como para mulheres, estas denominadas de prostitutas, marafonas, quengas, rameiras, mulheres da vida ou fáceis, garota de programa, meretriz, messalina, rapariga, etc. Se homens, os nomes também variam como michê, garoto de programa, trabalhadores do sexo, sem nos olvidar dos transexuais, pois alguns deles também se prostituem.

Enfim não importa a denominação dada a essas pessoas, o importante é percebê-las e direcionar-lhes um olhar humanizado e não preconceituoso.

Esse olhar não só deve partir da sociedade, mas precipuamente por parte do Estado, o qual tem o dever de proteger seus cidadãos, não importando suas escolhas afetivas ou profissionais. Pois, conforme já expusemos garantir a personalidade de cada pessoa, automaticamente se promove o alcance de sua dignidade.

Dessa forma, ao se afiançar os direitos trabalhistas dos profissionais do sexo estarão conferindo-lhes o direito a liberdade para qualquer ato da vida pessoal, que é um direito fundamental, sendo assim, reserva-se parcela de sua autonomia a desejos próprios, isentos de interferências e limitações externas que possam contrariar, de alguma forma, sua mais íntima vontade, estaremos preservando o ser humano na sua essência, indiferentemente de suas escolhas.

Nossa Constituição Federal é cristalina em seu art. 1º, inciso III, ao garantir dignidade á todos os seres humanos indistintamente, tal princípio encontra seu desdobramento no art. 5º e incisos, o qual garante os direitos fundamentais do individuo, não podendo haver qualquer condição para que estes direitos sejam efetivados.

O projeto a ser interpretado não é o primeiro que tenta oferecer proteção a esses profissionais, que buscam através de seu corpo um meio de sobrevivência.

No Brasil já tivemos o Projeto de Lei 98/2003 do Jornalista e ex- Deputado Federal Fernando Gabeira, filiado ao Partido dos Trabalhadores, o qual foi baseado na lei alemã que regulamenta as relações jurídicas das prostitutas (Gesetz zur Regelung der Rechtsverhältnisse der Prostituierten - Prostitutionsgesetz), a proposta tratava da "exigibilidade de pagamento por serviço de natureza sexual e suprime os arts. 228, 229 e 231 do Código Penal", sendo arquivado, e o Projeto de Lei 4244/2004, do ex-Deputado Eduardo Valverde, que saiu de tramitação a pedido do próprio autor.

O direito a dignidade social e profissional dessas mulheres sempre foi motivo de discussões, inclusive na mídia. O saudoso escritor brasileiro Jorge Amado em um de seus Best Sellers, "Gabriela" retratou a difícil vida das prostitutas que trabalhavam no bordel Bataclã, e lutavam por direitos, como por exemplo, o de sair em procissão pela cidade, que lhes eram negados, pois não poderiam exercerem o direito a crença junto com as famílias, portanto a própria igreja excomungavam as prostitutas.

O fato é que a prostituição é uma realidade social, desde sempre, não podendo ser varrida para debaixo do tapete, como fizeram com os homossexuais.

Segundo o deputado Jean Willys na Justificativa do Projeto de Lei nº 4.211/12, a prostituição é atividade cujo exercício remonta à antiguidade e que, apesar de sofrer exclusão normativa e ser condenada do ponto de vista moral ou dos "bons costumes", ainda perdura. É de um moralismo superficial causador de injustiças à negação de direitos aos profissionais cuja existência nunca deixou de ser fomentada pela própria sociedade que a condena. Trata-se de contradição causadora de marginalização de segmento numeroso da sociedade.

O intuito de realizar a leitura desse Projeto, o qual regulamenta a atividade dos profissionais do sexo, jamais será de exaurir o tema, mas sim de repensarmos o que podemos fazer enquanto parte de uma sociedade silente e um Estado indiferente sobre essa realidade social.

O Código Penal brasileiro não considera a prostituição crime, apenas sua prática é considerada imoral ou antiética, algo reprovável pela sociedade, porém isso não é motivo suficiente para sua proibição, se tal comportamento não trouxer prejuízos a terceiros.

As prisões de prostitutas, michês e travestis, quando ocorre não é porque vendem seus corpos, mas quase sempre pelos delitos previstos em nossa legislação como, por exemplo, atos obscenos, atentado violento ao pudor, dentre outros:

Art. 233 Código Penal - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Art. 61 - Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: Pena - multa.

Existem vários outros delitos ligados à prostituição, como, por exemplo, o Favorecimento à Prostituição, Tráfico Internacional de Pessoas, ambos previstos no Código Penal, e que são citados no projeto em comento com alterações, conforme analisaremos adiante.

Por isso, devemos buscar qual é o bem jurídico a ser tutelado, devendo ser afastado qualquer tipo de influência moral, para que possamos ter condições de distinguir o que é crime e o que é apenas repelido pela sociedade, em razão da moralidade e dos bons costumes.

A moral é um dogma variável, pois depende de valores religiosos, familiares, contexto histórico, idade, etc.; já o direito não trabalha com valores íntimos, mas sim com a conduta externa do homem que venha lesar a sociedade.

O Jornal "Folha de São Paulo" (Turollo, agosto 8 de 2013) recentemente publicou uma matéria referente à revolta dos moradores da cidade de Bauru (329 km de São Paulo) com a colocação de uma estátua da liberdade na entrada da cidade por uma grande loja de departamentos. Até então, a revolta dos moradores não traz qualquer conteúdo atípico, pelo contrário estão usufruindo da liberdade de expressão conferida à todos os brasileiros. No entanto, a surpresa da matéria se dá quando o historiador Henrique Perazzi de Aquino, do Conselho Municipal de Educação, um dos líderes da realização do abaixo assinado para a retirada da estátua, propõe que se erga outro monumento, em homenagem à cafetina Eny Cezarino (1916-1997), dona de um dos bordéis mais conhecidos do Brasil nos anos 1960 e 1970, frequentado por políticos e empresários. Conforme, Aquino, "A Eny, sim, é um verdadeiro ícone de Bauru".

O pedido para a construção de um monumento que venha homenagear uma cafetina é uma demonstração que dogmas são temporais. Na visão do historiador, a cafetina levou o nome da pequena cidade para todo Brasil, ainda que tenha sido através de uma casa de prostituição, mas com certeza na década de 60 ou 70 essa homenagem seria repudiada pelos moradores, em razão dos valores morais arraigados da época.

A nosso ver a reportagem retrata a mudança social que estamos vivendo a cada dia, o que vem de encontro com a análise do projeto em comento, que pretende desconstruir a imagem emblemática da profissão sexual, que nunca configurou crime, logo quem agencia essa atividade com a anuência do profissional, também não comete delito algum, pois não podemos nos olvidar que o direito a liberdade de conduta pessoal, é um direito fundamental garantido.

Nesse sentido, Guilherme Nucci preceitua que "o amparo à prostituição pode ser útil e legítimo, desde que respeite a livre vontade da pessoa que comercializa o sexo" (2013, p. 148). Assim, segundo Taís de Camargo Rodrigues (2013, p. 38), a suposta imoralidade da conduta não eleva à categoria de bem jurídico tutelado pelo direito penal. Além disso, se a atividade principal que é a prostituição não é ilícita, seria um contrassenso punir aquele que a favorece. Por esse motivo algumas figuras do Código Penal necessitam ser reavaliadas na visão de Nucci.

Passaremos a analisar as propostas de alterações do Projeto 4.211/12, em relação há alguns artigos do Código Penal.

O art. 230 do Código Penal trata do rufianismo, que é o aproveitamento da prostituição alheia. O dispositivo atualmente tem o seguinte teor: "Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça (grifo nosso).

O Projeto de Lei em análise propõe uma alteração da palavra "prostituição" por "exploração sexual". Essa mudança tem como objetivo retirar a figura do cafetão como criminoso, pois havendo autorização do profissional do sexo, maior e capaz, não há que se falar em crime por parte daquele que é sustentando ou favorecido pela prostituta, até porque prostituição não é crime.

O art. 230 passaria ter a seguinte redação: Art. 230 - Tirar proveito de exploração sexual, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça (grifo nosso).

Para um melhor entendimento, podemos usar o exemplo de atores que atuam em filmes pornográficos, ¿seriam eles profissionais do sexo? Caso eles alimentem pessoas com a renda advinda desse trabalho, ¿os sustentados seriam cafetões? A reposta é negativa, haja vista se tratar de um trabalho legal, apesar de para muitos ser imoral.

Nosso sistema jurídico, não possui previsão na doutrina, nem na jurisprudência sobre uma distinção entre prostituição e exploração sexual, o que acaba gerando dúvidas para o hermeneuta, por isso, a diferenciação é de suma importância para se criar uma tipificação penal objetiva.

O Projeto de Lei 4.211/12 em sua justificativa propõe uma diferenciação entre "prostituição" e "exploração sexual", a primeira seria uma atividade não delituosa e profissional, sendo a segunda, crime contra a dignidade sexual da pessoa.

O Código Penal brasileiro trata a prostituição como uma das formas de exploração sexual, o que é uma incoerência gritante, pois se a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso X e XLI, garante a liberdade sexual individual, como poderia uma lei ordinária limitar tal direito.

Outro ponto a ser repensado no Projeto é em relação ao art. 228 do CP, que dispõe: Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone (grifo nosso).

Não há crime em alguém induzir ou atrair outrem a se prostituir, pois estamos no campo da autonomia de vontade, desde que essa pessoa seja maior e capaz, e não estiver presente a violência, coação ou fraude. O mesmo não se diz quanto à exploração, que segundo o Projeto de Lei 4.211/12 é um atentado á dignidade sexual do indivíduo. A "exploração" significa abuso, portanto ser abusado sexualmente é crime, alias qualquer tipo de exploração é repelida pelo nosso ordenamento.

O referido artigo passaria ter a seguinte redação:Art. 228. Induzir ou atrair alguém à exploração sexual, ou impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual ou a prostituição.

Repare que a nova redação da norma comentada mantém como crime, alguém impedir ou dificultar o abandono a prostituição. Essa proibição legal tutela a autonomia de vontade do profissional do sexo, pois ele tem o direito como qualquer outro trabalhador em continuar ou não a exercer sua atividade.

Porém, induzir ou atrair alguém para explorálo sexualmente é crime, o exemplo clássico é a vinda de mulheres e travestis de regiões miseráveis do norte e nordeste do Brasil, com promessas falsas de trabalho glamoroso. Se a prostituição não é crime, ¿seria ilegal manter estabelecimentos que ofereçam esse tipo de serviço a seus clientes?

O art. 229 do Código Penal Brasileiro, mencionava em seu título na redação original "Casa de Prostituição", atualmente consta "favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual", pois bem, o crime que será mantido será o de manter estabelecimento em que ocorra exploração sexual e não o de casa de prostituição, em razão disso a alteração proposta do Projeto de lei é apenas de alterar o título para "Casa de exploração sexual", conforme o conteúdo do próprio caput do artigo em comento, dessa forma, a casa de prostituição não é mais crime tipificado uma vez que a prostituição se torna profissão regulamentada e poderá ser exercida de forma autônoma ou cooperada, como se lê na justificativa do deputado Jean Willys referente ao Projeto de Lei 4.211/12.

Na verdade, o art. 229 do Código Penal proíbe de forma indireta o funcionamento de prostíbulos, haja vista que a prostituição pode ser uma forma de exploração, logo com a alteração não haverá mais dúvidas que não há proibição para o funcionamento de casa que ofereçam serviços de cunho sexual, com a anuência do profissional sem abusos.

O Projeto de Lei em seu art. 3º, parágrafo único prevê a autorização para o funcionamento de prostíbulos, desde que não haja exploração, tal permissão tem como escopo impor regras a serem seguidas pelos proprietários, que serão fiscalizados.

Com isso poderemos exigir a dignidade furtada desses trabalhadores do sexo, que se submetem ao labor em locais imundos, sem o mínimo de higiene adequada para o ambiente, sobrevivendo em um submundo, esquecido por todos.

Todavia, observamos que o Projeto não traz em seu bojo as normas necessárias para se criar um ambiente de trabalho adequado, nem o órgão responsável para fiscaliza-los, como por exemplo, os requisitos que se deve cumprir para obter o alvará de funcionamento da casa de prostituição sem expor a saúde do acompanhante muito menos do prestador de serviço, portanto se trata de regras de saúde pública.

Outro ponto a ser contestado por nós é o art. 2º do Projeto de Lei 4.212/12, que dispõe:

Art. 2º É vedada a prática de exploração sexual.
Parágrafo único: São espécies de exploração sexual, além de outras estipuladas em legislação específica:
I- Apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual por terceiro; (...)

Para o Projeto de Lei é licito a cobrança de até 50% pelo proprietário do estabelecimento frente ao programa do profissional. Ora, se almejamos a extinção da exploração sexual, como permitir legalmente o direito do proprietário em receber até metade dos honorários do trabalhador.

Ao nosso ver essa porcentagem dever ser revista, haja vista estar a mesma a margem da proteção, a qual acreditamos que o projeto analisado, se propõe a estabelecer.

Já os artigos 231 e 231-A do CP respectivamente dispõem, sobre o "Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual" e do "Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual". O motivo da substituição dos termos prostituição para exploração, nesses dispositivos, segundo o autor do Projeto:

Optou-se pela retirada da expressão "prostituição" porque a facilitação do deslocamento de profissionais do sexo, por si só, não pode ser crime. Muitas vezes a facilitação apresenta-se como auxílio de pessoa que está sujeita, por pressões econômicas e sociais, à prostituição. Nos contextos em que o deslocamento não serve à exploração sexual, a facilitação é ajuda, expressão de solidariedade; sem a qual a vida de pessoas profissionais do sexo seria ainda pior. Não se pode aceitar qualquer facilitação em casos de pessoas sujeitas à exploração sexual, principalmente se há vulnerabilidade especial.

A redação atual desses dispositivos:

Art. 231- Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena-reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos
Art. 231- A - Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: (grifo nosso).

O Projeto de Lei propõe a seguinte redação:

Art. 231- Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a exploração sexual, ou saída de alguém que vá exerce-la no estrangeiro (...)
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para ser submetido à exploração sexual.

Na visão do Projeto de Lei 4.211/12 o deslocamento dos profissionais do sexo para outros Estados ou Países tipificaria crime, se fosse para explorá-lo sexualmente, contudo se a decisão fosse voluntária, ou seja, uma escolha do trabalhador a onde exercer suas atividades, o deslocamento para outros Estados ou Países não poderia configurar-se crime, haja vista que o projeto se propõe descriminalizar a prostituição.

Em nosso entendimento o conteúdo da norma carrega lacunas, dessa forma deve ser revisto este dispositivo, garantido ao trabalhador o seu direito de ir e vir, porém outro problema se instala se somente for revisto o direito de liberdade de onde prestar esses serviços, pois a ida de trabalhadores do sexo para outros países, pode continuar gerando crimes, ainda que seja com sua anuência, em razão da possibilidade da função não ser legalizada em outros países, caso em que esses profissionais do sexo seriam explorados da mesma forma, sem qualquer fiscalização ou proteção por parte do Estado.

Portanto, a alteração destes dispositivos deveria ser revisados com o escopo de cercar melhor as inúmeras situações fáticas que podem ocorrer com a legalização da prostituição, caso contrário, ao invés de darmos um passo a frente daremos dois para traz.

A essência desse Projeto de Lei é legalizar a remuneração da atividade sexual, dando a esses profissionais condições dignas de realizarem seu trabalho.

São inúmeros os motivos para a criação de normas disciplinadoras para essa profissão como, os direitos trabalhistas, podendo o profissional do sexo exigir na justiça a remuneração do trabalho não pago; direito previdenciário, ensejando a possibilidade desses trabalhadores de se aposentarem dignamente como qualquer outro, levando em consideração que essa atividade leva ao envelhecimento precoce, em razão de seus turnos de trabalho.

Mas acima de todos esses direitos está o direito à vida, pois a vida desses profissionais do sexo está exposta a todos os tipos de doenças sexualmente transmissíveis. Destarte, esses direitos estão garantidos constitucionalmente, como vimos, pois são direitos fundamentais, sendo assim, a falta de normas protetivas para os profissionais do sexo se caracteriza em infração a nossa Carta Maior, mais que isso torna o próprio Estado um dos violadores das normas constitucionais, o que não podemos permitir, porque como já explanado, os direitos fundamentais foram atingidos, após muitas lutas.

A prostituição atualmente é um problema de saúde pública, por isso leis que criminalizam e desumanizam os trabalhadores do sexo, os levam para a clandestinidade, afastando-os dos serviços essenciais de saúde, mais uma vez o gritante desrespeito com os direitos fundamentais, aliás, com o maior deles o direito à vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não existem apenas direitos contra o Estado, mas também direitos por meio dele. Como dito, os direitos fundamentais possuem sua dimensão objetiva que justifica a força normativa da Constituição. Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana, justifica as razões pelas quais os direitos fundamentais também devem vincular os particulares.

A falta de proteção de outros bens jurídicos diversos, também revestidos de envergadura constitucional, pode gerar infração aos direitos fundamentais. A Constituição brasileira de 1988 indica como primeiro objetivo fundamental da nossa República "construir uma sociedade livre, justa e solidária" (art. 3º, I), portanto a ausência de direitos trabalhistas aos profissionais do sexo, configura o Estado como violador dos direitos fundamentais.

Seja o poder público ou poder privado, a violação de direitos fundamentais do cidadão representa uma afronta ao regime das liberdades, indispensável para a sobrevivência de um Estado de Direito que se considere democrático.

Portanto, não se trata, apenas de criar algumas normas, com a intenção de descriminalizar a profissão, muito mais que isso, o Projeto deve ter a atenção dos profissionais do direito de diversas áreas, como trabalhista, previdenciário, penalistas, inclusive civilistas, pois tendo o profissional do sexo o direito de cobrar os serviços prestados na justiça, adentramos na seara contratual, dessa forma deve o projeto em análise ser reavaliado frente aos direitos fundamentais garantidos a todos os seres humanos, haja vista, que esses direitos são inerentes a raça humana, ao contrário esse projeto se tornará um vazio jurídico, sem alcançar seu propósito, que nada mais é que a justiça!


NOTAS

1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 174-175. Voltar

2 Digesto, 1.1.1.2. O texto foi assim traduzido por Hélcio Maciel França Madeira: "São dois os temas deste estudo: o público e o privado. Direito público é o que se volta ao estado da res Romana, privado o que se volta à utilidade de cada um dos indivíduos, enquanto tais. Pois alguns são úteis publicamente, outros particularmente. O direito público se constitui nos sacra, sacerdotes e magistrados. O direito privado é tripartido: foi, pois, selecionado ou de preceitos naturais, ou civis, ou das gentes" (Madeira, 2002, pp. 17-18). Voltar

3 "Todo o Direito é público no sentido de sua origem - regra de conduta emanada da autoridade social - e de sua validez - importando a sanção do poder estatal. A diferença está nos seu alcance. O Direito Público pertence ao Estado como governo: regula a sua existência política. O Direito Civil resolve os problemas da sociedade civil nas relações entre as pessoas particulares: designa o conjunto do Direito da Sociedade extra-estatal" (Calmon, 1938, p. 11). Voltar

4 SILVA, Virgílio Afonso da. Op. Cit., p. 173. Voltar

5 Sarlet cita como exemplo "(...) as decisões que, em prol de uma proteção da dignidade da pessoa, reconhecem limitações à liberdade individual, especialmente no campo da autonomia privada e liberdade contratual, inclusive - como já referido - no sentido de uma proteção da pessoa contra si mesma" (p. 114). Voltar


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