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Lingüística y Literatura

versión impresa ISSN 0120-5587versión On-line ISSN 2422-3174

Linguist.lit.  no.82 Medellìn jul./dic. 2022  Epub 09-Mar-2023

https://doi.org/10.17533/udea.lyl.n82a08 

Estudios lingüísticos

«BRAVA GENTE BRASILIANA» (II): O DISCURSO BRASILIANISTA E SEUS EQUÍVOCOS LEXICOLÓGICOS*

«BRAVA GENTE BRASILIANA» (II): THE BRASILIANIST DISCOURSE AND ITS LEXICOLOGICAL MISUNDERSTANDINGS

Marcos Paulo Santa Rosa Matos1  * 

Itana Virginia Souza Cruz2 

Cleide Emilia Faye Pedrosa3 

1Universidade Federal de Sergipe (Brasil) contato@marcosmatos.com.br

2Universidade Federal de Sergipe (Brasil) profaitanavirginia@gmail.com

3Universidade Federal de Sergipe (Brasil) cliedepedrosa@academico.ufs.br


Resumo

Este trabalho analisa os argumentos lexicológicos adotados por movimentos ufanistas e separatistas do Brasil para distinguir os adjetivos brasiliano e brasileiro e defender a adoção daquele em detrimento deste último: i) o sufixo -eiro denota profissão ou ofício, não formando gentílicos e possuindo conotação pejorativa; II) o sufixo -ano é, por excelência, o formador de gentílicos em língua portuguesa, homologamente ao que ocorre em outras línguas. Para tanto, discorremos sobre a formação do adjetivo pátrio brasileiro e seu emprego como signo de nacionalidade, bem como investigamos os valores morfossemânticos dos sufixos -eiro e -ano.

Palavras-chave: identidade nacional do Brasil; movimentos separatistas; significação dos gentílicos; distinção entre sufixos; lexicologia da língua portuguesa

Abstract

This paper analyzes the lexicological arguments of ufanist and separatist movements in Brazil to distinguish the adjectives brasiliano and brasileiro and defend the adoption of the former one: i) the suffix -eiro denotes profession or trade, not forming gentiles and having a pejorative connotation; ii) the suffix -ano is, by excellence, the one that forms gentiles in Portuguese, similarly than in other languages. To do so, we discuss the formation of the adjective brasileiro and its use as a sign of nationality. We also investigate the morphosemantic values of the suffixes -eiro and -ano.

Keywords: Brazilian national identity; separatist movements; signification of gentiles; distinction between suffixes; lexicology of Portuguese

1. Introdução

No presente trabalho, analisamos os argumentos lexicológicos apresentados por Mendonça (2014), Zatti (2009) e Korontai (2014) para defender a adoção do gentílico brasiliano em lugar de brasileiro -o que estamos aqui denominando de discurso brasilianista-, em uma perspectiva ufanista e separatista de revisão da identidade nacional, ligada ao Partido Federalista ou Movimento Federalista (MF) e ao movimento O Sul é o Meu País (SMP), cujo funcionamento discursivo investigamos, à luz da Análise de Discurso de tradição francesa (ad), no trabalho Brava gente brasiliana (I): a controvérsia do gentílico e seus efeitos de sentido (Souza Cruz, Santa Rosa Matos & Faye Pedrosa, 2017). Aqui também empregaremos o dispositivo teórico da ad, mas o foco será voltado para duas afirmações especificamente lexicológicas apresentadas por esses movimentos: i) o sufixo -eiro denota profissão ou ofício, não formando gentílicos e possuindo conotação pejorativa; II) o sufixo -ano é, por excelência, o formador de gentílicos em língua portuguesa, homologamente ao que ocorre em outras línguas. Esses argumentos podem ser observados, de forma isolada ou conjunta, nas seguintes sequências discursivas (SD):

(SD1) O sufixo «eiro» exprime profissão ou ofício: quem vende pipoca é pipoqueiro, o da padaria é padeiro e o que lidava com o pau-brasil, vendendo, transportando ou comprando, nesses termos tinha a profissão de «brasileiro». E aquele que tingia a roupa de vermelho, com a casca do pau-brasil, era tintureiro. (Mendonça, 2014, p. 1).

(SD2) É isso mesmo: o sufixo «eiro» não forma designativo pátrio, ou gentílico. [...] Neste idioma, desfilam todos os sufixos nacionais e raciais, sem perfilar o «eiro»: Austríaco, judaico, uruguaio, romano, alemão, húngaro, turco, sueco, suíço, grego, latino, belga, fenício, flamengo, canadense, persa, português, caldeu, americano, egípcio, etrusco, argentino, incásico, babilônio... (Zatti, 2009, p. 1).

(SD3) Brasiliano escrito como substantivo próprio, tal como, no idioma inglês, por exemplo, são tratados todos os gentílicos. Aliás, os estrangeiros nos tratam de Brasilianos: em italiano se diz “Brasiliano”, em espanhol se diz «Brasileño», em inglês se diz «Brazilian», em alemão se diz «Brasilianerin» [sic], em francês se diz «Brésilien», para citar os principais idiomas com base latina e anglo-saxônica. (Korontai, 2014, p. 1).

Essas sequências discursivas ao mesmo tempo em que estão dispersas -produzidas por autores diferentes, em momentos e veículos diversos-, tratam da questão do gentílico nacional sob um mesmo panorama ideológico, isto é, situam-se em uma mesma formação discursiva (FD)1 ou em FDS fronteiriças e entrelaçadas. Elas foram extraídas de três textos: Você é brasileiro ou brasiliano?, de Korontai (2014), fundador e presidente do MF, grupo de extrema-direita em busca reconhecimento jurídico como partido político e que defende a autonomia dos Estados federados em uma série de matérias -tributária, legislativa, judiciária, administrativa etc.- e a refundação do Brasil -República Federativa do Brasil- como «República dos Estados Federados do Brasil», por meio de uma nova Constituição (Korontai, 2011); Brasileiro & Brasiliense, de Zatti (2009), secretário-geral do SMP, grupo separatista que defende a independência da região Sul em relação ao Brasil; Hy-Brasil, meu Brasil brasiliano, de Mendonça (2014), membro da Academia Paranaense de Letras, que se baseia em Zatti (2009), mantendo proximidade com o SMP, ao qual faz muitas referências em sua coluna no periódico Paraná Online.2

Para o discurso brasilianista, a diferença entre brasileiro e brasiliano não reside apenas uma questão linguística, mas ideológica:

[Como brasileiros] nos acostumamos a ser isso mesmo: «eiros!». Obreiros de governos, de empresas oligopolizadas, de bancos e financeiras autorizadas a fazer usura livremente, de esquemas de corrupção nas três esferas de Poder e dos Três Poderes, deixamos de ser, ao longo de tanto tempo, de tantas gerações de «eiros», cidadãos de primeira classe.

Deixamos de ser o que talvez nunca tenhamos sido: Brasilianos! [...] Ser Brasiliano é ser cidadão de verdade, de primeira classe, que não aceita mais imposições estúpidas, embora legalmente válidas, que invadam sua privacidade, relativizem seus direitos, não aceita ser extorquido, não espera tudo pronto - faz acontecer. [...]

Ser Brasiliano é deixar de ser «eiro» [...]. Repito [sic]: não estou propondo a troca do gentílico «brasileiro», mas o sentimento que o «eiro» implica, para o sentimento real de ser um cidadão de primeira classe. Esse sentimento, multiplicado pela Nação, derrubará o castelo Brasília, limpará o lixo da Capital de um País tão maravilhoso quanto o Brasil. (Korontai, 2014, p. 1). (Grifo nosso).

Nesse contexto, o gentílico desempenha um papel preponderante, na medida em que é tomado como um metassigno da identidade, isto é, assume, enquanto denominação, a própria representação simbólica da comunidade a que se refere: ele permite dizer, em uma só palavra, a identidade cultural / nacional que se busca comunicar. Por isso mesmo, determiná-lo é sempre uma questão política que transborda aspectos linguísticos formais, tendo em vista que ele não é um produto automático dos processos de formação lexical de uma língua, a partir do topônimo a que se referem, mas produzido historicamente através de escolhas da própria comunidade, de identificações que ela inscreve na língua.

Nosso percurso de análise será construído em três passos: inicialmente, sintetizamos o processo histórico de deriva de sentido dos gentílicos brasileiro, brasiliano e brasiliense, relacionados ao topônimo Brasil, procurando situar as condições de produção e circulação dos signos e dos sentidos que são mobilizados pelo discurso brasilianista; no segundo momento, abordamos o problema relativo à afirmações linguísticas da sd1, sd2 e sd3, que se referem ao valor semântico do sufixo -eiro no âmbito do léxico português e propõem a adoção do sufixo -ano, por homologia a -an da língua inglesa e -en da língua francesa.

2. Origem de «brasileiro» como gentílico do Brasil

Um gentílico representa, por excelência, a identidade cultural de uma comunidade territorial. Contudo, ele não é apenas o nome dessa identidade, mas também parte constitutiva dela, elemento de sua materialidade histórica. As denominações são, nas FD, elementos centrais do processo de simbolização, isto é, de produção de sujeitos e de sentidos, porque são o elo mais sensível entre o real da língua e o real da história.3 Os gentílicos, por sua vez, explicitam as posições ocupadas pelos sujeitos no discurso, ou seja, suas inscrições em fd dadas, tendo em vista que representam relações de pertencimento que só podem ser atribuídas a indivíduos vinculados às instituições societárias que as governam, como a nação, que impõe ao indivíduo uma determinada forma-sujeito -o sujeito jurídico do Estado Moderno. Para Ferrari e Medeiros (2012), o gentílico nacional é a marca de um batismo estatal que se assemelha a um «nome próprio» coletivo:

Se um nome próprio é algo complexo que demanda corpo e ao corpo está integrado, diremos que com o gentílico o funcionamento é outro: ele pode ser preenchido por vários e distintos corpos, mas não se trata de homônimo, trata-se de uma ordem de identificação necessária na relação do sujeito com a nação. Se o Estado jurídico impõe um nome próprio (com sobrenome), que opera como individualizador (daí a categoria homônimo -dois nomes semelhantes para corpos distintos), impõe, como nação, um gentílico (a ser preenchido em documentos oficiais): nome único para diferentes corpos que funciona como designação identificadora de pertencimento a um país. Um gentílico instaura um sujeito jurídico como sujeito de uma nação uma armadura supostamente vazia - um significante que decorre de outro e a outro retorna em movimento incessante de ir e vir- a ser ocupada por aquele que... nasceu ou é filho de ou pertence a um Estado-Nação. (Ferrari & Medeiros, 2012, p. 85).

Todavia, os gentílicos não são um efeito da formação do Estado-Nação, mas um dos seus elementos constitutivos, «antecedem-no; serviram -e servem- para indicar pertencimento à religião (Houaiss, 2009) ou à região, abrangendo, neste caso, não somente homens, mas também coisas» (Ferrari & Medeiros, 2012, p. 85). Por isso mesmo, topônimos e gentílicos estão intrinsecamente associados nos sistemas linguísticos, remetendo, um ao outro, através de processos regulares de formação lexical, como é o caso da derivação, nas línguas latinas. É esse modo de produção de denominações nacionais que une, de um lado, o topônimo Brasil, e do outro os gentílicos: brasileiro, brasiliano, brasiliense, brasilense, brasílico etc.

Isso significa que os gentílicos não são apenas «nomes referentes a homens ou coisas de uma dada região» (Câmara Jr., 1984, p. 126), mas implicam formações ideológicas (FI) que constituem o sujeito como pertencente a determinada estrutura sociocultural. Nesse sentido, há um arcabouço de características que definem os sujeitos enquanto «x» ou «y», isto é, enquanto um cidadão de «primeira classe», ou um explorador «de segunda classe», conforme as relações de poder que sustentam a unidade nacional. A formação do país se faz a partir dessa relação entre as denominações que designam aquele que pertence a determinada região, como assinalam Ferrari e Medeiros (2012):

A formação de nação não se faz, como já dito, sem a instituição de um nome a ser o designador daquele a que pertence àquela região - movimento, salientamos, de ida e volta de que faz parte o nome que, afinal, irá funcionar como indicador daquele pertencimento. Mas se trata de um nome que vem a reboque de outro que o engendra no funcionamento linguístico da derivação, como ocorre com regularidade no português. E, com isto, estamos dizendo que há, por um lado, funcionamentos previstos para que de nomes de nação se façam gentílicos a partir do acréscimo de determinados sufixos. No entanto, como a língua é capaz de falha, o «impossível» acontece, isto é, sufixos não previstos para gentílicos, como é o caso de -eiro, fazem furo e se instalam formando gentílico (p. 86).

A relação do gentílico com o sujeito, portanto, não é estática, mas dinamizada pelo efeito da história sobre a língua, fazendo com que o signo da identidade nacional assuma sentidos e formas diversas. Esses deslizamentos não obedecem a uma ordem predeterminada, mas são efeitos das relações e tensões entre as FD. A morfologia do gentílico está assim sujeita à «falha», já que, além das opções institucionalizadas pelas regras de formação de palavras, o «impossível» pode acontecer, instaurando novos percursos simbólicos, que passam a integrar a dinâmica da língua -e da história-, possibilitando novos processos de criação de significantes e de deriva de sentidos.

Os habitantes do Brasil receberam diversos nomes ao longo da história. Nos séculos XVI e XVII, os índios eram chamados de brasilienses, e os portugueses e seus descendentes, de brasílicos; o termo brasileiro, por seu turno, surgiu para designar aqueles que trabalhavam na extração do pau-brasil, sendo empregado inicialmente para os indígenas, primeira mão de obra utilizada na atividade, depois para os portugueses que voltavam ricos para Portugal em razão dessa atividade extrativista, em seguida para todos os que nasciam no Brasil, exceto os índios (Ferrari & Medeiros, 2012). A independência do Brasil, isto é, a construção do Brasil como um Estado-nação, suscitou o problema do gentílico, tendo em vista que a unidade nacional e o sentimento de pertença a uma única comunidade exigia a substituição da multiplicidade de nomes empregados até então para denominar os diversos grupos sociais que habitavam o território -o que incluía, entre outros, os indígenas, os negros, os descendentes de portugueses, os descendentes de povos invasores (como os holandeses), os mestiços, além dos próprios portugueses naturalizados- por um único termo.

Houve, então, a emergência de uma tensão entre os defensores das várias denominações existentes ou possíveis, que almejavam determinar o gentílico oficial, porque embora todas elas pudessem permanecer como sinônimas e alternativas, «toda denominação apaga necessariamente outros sentidos possíveis, o que mostra que o dizer e o silenciamento são inseparáveis» (Orlandi, 2007, p. 74). Os principais gentílicos em disputa foram brasileiro, brasiliense e brasiliano. O jornalista Hipólito José da Costa (1774-1823), à época exilado em Londres, por exemplo, defendeu a adoção do termo brasiliense, de formação mais erudita, que utilizou para dar nome ao seu jornal, o Correio Braziliense, fundado em 1808.

Apesar dessa e de tantas outras oposições de letrados, foi o termo brasileiro que se consagrou no estribilho do Hino da Independência «Brava gente brasileira!», canção adaptada de uma composição anterior à própria independência e curiosamente denominado Hino Constitucional Brasiliense, de autoria de Evaristo Ferreira da Veiga e Barros (Cardoso, 2012). Por fim, o termo foi oficializado na Constituição Política do Império do Brasil: «Art. 1. o imperio do Brazil é a associação Política de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente» (Constituição Política do Imperio do Brazil, Art. 1, 1824) (grifo nosso). Brasiliano e Brasiliense, contudo, continuaram a ser utilizados paralelamente ao gentílico dominante, como em Coleção Brasiliana, enciclopédia de 415 volumes sobre o Brasil, publicados pela Companhia Editora Nacional nos anos 1930 e 1940. Por ocasião da construção de Brasília, forma latina de Brasil, a querela do gentílico ressurgiu, mas foi resolvida pela Academia Brasileira de Letras (ABL), que consagrou o termo brasiliense para seus habitantes (Ferrari & Medeiros, 2012), o que fez com que ele passasse a ser empregado mais raramente como sinônimo de brasileiro.

O sucesso obtido pelo gentílico brasileiro, frente às outras propostas de representação da identidade nacional, parece estar ligado ao fato de não ser uma simples possibilidade inscrita na língua portuguesa, mas já fazer parte da memória popular e literária do Brasil, como seu respectivo adjetivo pátrio, conforme registrou Silveira Bueno (1968, como se citou em Ferrari & Medeiros, 2012):

No tempo colonial, brasileiro era adj. Que indicava profissão: tirador de pau-brasil. Como tal, sendo esses homens criminosos, banidos para o nosso país por Portugal, o adjetivo tinha significado pejorativo e por isto ninguém queria chamar-se brasileiro. Foi o franciscano Fr. Vicente do Salvador o primeiro que teve a coragem de usar brasileiro, não na antiga significação de tirador de pau-brasil, mas na de originário, oriundo, nascido no Brasil. Assim procedeu Fr. Vicente do Salvador ao escrever a sua «História da Custódia Franciscana do Brasil». Daí para cá, passou o adjetivo pátrio [sic], aureolando-se da glória, do patriotismo, de nós todos os que aqui somos nascidos. Concorreu também para esta nova significação o desaparecimento do comércio do pau-brasil que era exportado para a Europa (p. 99). (Grifo no original).

O problema do gentílico, contudo, seria continuamente retomado em diversas FD de orientação nacionalista que se organizaram ao longo da história do Brasil, e que apresentaram uma preferência pelo termo brasiliano, em contrapartida de um repúdio por brasileiro. Esse repúdio baseia-se, quase sempre, em uma retomada etimológica do termo brasileiro, que surgiu com uma conotação pejorativa, e na tese da exceção do sufixo -eiro, que seria inadequado para formar gentílicos. Esse foco daquilo que podemos chamar de «discurso brasilianista» manteve-se mais ou menos constante desde Hipólito José da Costa, passando pelo antropólogo -e também membro da ABL- Edgard Roquette-Pinto (1884-1954), que «só escrevia brasiliano, nunca brasileiro, que repudiava como falsidade e condenava como erro» (Lins, 2008, p. 364) (grifo no original), até chegar aos contemporâneos movimentos políticos ultradireitistas que defendem o ufanismo ou até mesmo o separatismo, como é o caso do Partido Federalista e do movimento O Sul é o Meu País.

3. «Brasileiro» rima com pedreiro, «brasiliano» rima com americano

Mendonça (2014), Zatti (2009) e Korontai (2014) apresentam uma visão lexicológica bastante reduzida e obstinada, desconsiderando o caráter polissêmico e o papel prolífico e produtivo4 que o sufixo -eiro5 sempre desempenhou na história da língua portuguesa e possui no atual léxico do português, como nos mostram os estudos de Rio-Torto (2008; 2013), Simões Neto e Coelho (2014) e Viaro (2011; 2012). Ao contrário da afirmação de que -eiro forma apenas profissões e ocupações, Viaro (2011) identificou pelo menos 25 variantes semânticas no léxico contemporâneo,6 sendo que 21 delas surgiram após o século XIII, quando a língua já estava suficientemente autônoma e madura.

Segundo Simões Neto e Coelho (2014), o caráter polissêmico de -eiro provém de sua própria origem, que remonta ao sufixo latino -ārĭus, a, um (formador de adjetivos) e de seus derivados arĭus, ĭi -formador de substantivos com valor agentivo, vegetal ou instrumental / objetal- e arĭa, ae e -arĭum, ĭi -empregado na formação de substantivos com valor locativo- (Houaiss, 2009; Simões Neto & Coelho, 2014). Viaro (2011), por sua vez, considera que há um duplo processo de divergência e de convergência: de um lado, ambos os sufixos -eiro e -ário são provenientes da forma latina -ārĭus, a, um; de outro lado, essa seria apenas uma das origens de -eiro, que teria duas outras formas primitivas -cuja convergência foi fomentada em razão de sua proximidade fonética-, o sufixo latino -orĭus, a, um (que possuía valor locativo) e o sufixo grego -árion (-άριον) -de valor originalmente diminutivo, que passou a ser usado em latim com valor coletivo-7.

Pelo processo de divergência, as «formas em -ário provêm dos nominativos (masculino -arius e neutro -arium) e formas em -eiro provêm de acusativos (masculino e neutro -arium)» (Viaro, 2011, p. 122) (grifo nosso). Em sua trajetória de diferenciação, o sufixo -ário surgiu como uma forma aportuguesada da terminação latina clássica, tendo uma conotação mais culta e uma produtividade muito mais baixa -no século XX, por exemplo, apenas na palavra antifonário há ocorrência desse sufixo, empregado no processo cultista de adaptação do latim medieval antiphonarium à língua portuguesa-; já -eiro provêm diretamente da variante falada do latim e a partir de -arium, terminação do acusativo lexicogênico vulgar que «sofreu metátese do iode (-airo) e consequente assimilação parcial, mais especificamente, alçamento e fechamento da vogal aberta (-eiro)» (Viaro, 2011, p. 143) (grifo nosso). As diferenças entre esses dois sufixos inicialmente geminados, contudo, não é apenas o grau de formalidade e o nível de produtividade, sendo que:

o sufixo -eir- nominal perfila-se como sufixo autónomo e não como mera variante de -ári-, dado que os valores que confere às bases distinguem-se claramente dos transmitidos por -ári-; só no emprego adjectival, em que ambos designam «Relativo a», podemos considerar plenamente -eir- como variante de -ári- (Caetano, 2003, p. 237). (Grifo no original).

Com o valor de agentivo profissional ou habitual, -ário cederá o posto de principal opositor de -eiro para -dor (deverbal), de valor denominativo e predicativo, e posterior e principalmente -ista (denominal).

A afirmação de que -eiro não forma gentílicos -ou os forma em raríssimas ocorrências- também é uma afirmação questionável, inclusive compartilhada por alguns gramáticos ao longo da história dos estudos da língua portuguesa, como notaram Ferrari e Medeiros (2012):

Na gramática de Cunha (1985), na lista de sufixos que servem para formar gentílicos (-ano, -eno, -ense, -ês), não comparece o sufixo -eiro. Na gramática de Bechara (1992), ele se faz presente em um único exemplo (brasileiro). Em ambas, no entanto, se procurarmos na parte referente a sufixos os usos e sentidos de -eiro, não encontraremos o indicador de gentílico, mas outros sentidos, como, por exemplo, de ocupação, ofício, profissão, lugar onde se guarda algo, árvore ou arbusto, ideia de intensidade, aumento, objeto de uso, noção coletiva (p. 101). (Grifo no original).

Respondendo a um dos leitores de seu blog acerca da questão brasileiro versus brasiliano, Moreno (2009) citou os sufixos -ense, -ês, -ano, -ino, -ão, -ito, -enho, -ista e arriscou que «gentílicos com a terminação EIRO são muito raros e não devem chegar a meia dezena» (p. 1). Muitas dessas opiniões, contudo, baseiam-se no fato de que apenas os gentílicos brasileiro e mineiro possuem grande popularidade na língua portuguesa, principalmente no Brasil, e de que elas eram originalmente profissões ou ocupações. Todavia, a capacidade do sufixo -eiro para denotar origem ou proveniência é atestada pelas gentílicos denominais de formação popular beiradeiro, brejeiro, canoeiro, catingueiro, fronteiro, missioneiro, pantaneiro, pampeiro, suleiro etc. e, em certo sentido, também estrangeiro e forasteiro, embora nesses casos -eiro tenha surgido como uma terminação aportuguesada em um processo de empréstimo linguístico -do francês étranger e do catalão foraster-, que passou a ter um valor sufixal em relação a uma base latina preexistente, isto é, as formas extra, «na parte exterior, fora de, além de, à exceção de» e fòras, «para fora, na parte exterior», respectivamente (Houaiss, 2009; Viaro, 2011).8

De acordo com Viaro (2011), o valor «[x]eiro = pessoa que provém de x»9 tem origem provavelmente agentiva e surgiu a partir do século XVIII. O Houaiss (2009), por sua vez, registra algumas ocorrências anteriores a esse período, surgidas no português ibérico -no qual o sufixo foi muito mais prolífico-: brejeiro (1478), estrangeiro (séc. XIV), fronteiro (séc. XIII), forasteiro (1510), mineiro (1563)10, além do próprio brasileiro (1651). Ademais, os gentílicos terminados em -eiro, muitos deles oficialmente reconhecidos e outros empregados apenas na linguagem popular, estão longe de serem apenas meia dezena. Em uma pesquisa não exaustiva a partir de Caetano (2003), Houaiss (2009), IBGE (s.d.), ILTEC (s.d.), Melo e Gomes (2000), Rio-Torto, Soares Rodrigues, Pereira, Pereira, Ribeiro, (2013), encontramos 37 ocorrências -não se computando as variantes fonomorfológicas-, relativas a 36 topônimos em três países.11:

Tabela 1 Lista de alguns topônimos e gentílicos com -eiro em língua portuguesa 

Topônimo (Localização) Gentílico com -eiro
Ablitas (Espanha) abliteiro
Berlengas (Peniche, Portugal) berlengueiro
Brinches (Serpa, Portugal) brincheiro
Buarcos (Figueira da Foz, Portugal) buarqueiro
Cacilhas (Almada, Portugal) cacilheiro
Campinas (São Paulo, Brasil) campineiro
Cartaxo (Portugal) cartaxeiro
Estevais (Mogadouro, Portugal) estevaleiro
Fão (Esposende, Portugal) fangueiro (ou fanzeiro)
Frielas (Loures, Portugal) frieleiro
Iporanga (São Paulo, Brasil) iporangueiro
Jacaré dos Homens (Alagoas, Brasil) jacarezeiro
Lagoaça (Freixo de Espada à Cinta, Portugal) lagoaceiro
Leça da Palmeira (Matosinhos, Portugal) leceiro
Machico (Portugal) machiqueiro
Matosinhos (Portugal) matosinheiro
Milheiros (Maia, Portugal) milheiroeiro
Minas Gerais (Brasil) mineiro
Minas Novas (Minas Gerais, Brasil) fanadeiro
Monchinque (Portugal) monchinqueiro
Murtosa (Portugal) murtoseiro
Nadadouro (Caldas da Rainha, Portugal) nadadoreiro
Ovar (Portugal) vareiro
Pantanal (Brasil) pantaneiro
Pardilhó (Estarreja, Portugal) pardilhoeiro
Peniche (Portugal) penicheiro
Piauí (Brasil) piauizeiro*
Porto (Portugal) tripeiro*
Póvoa de Varzim (Portugal) poveiro
Redondo (Portugal) redondeiro
Santiago de Compostela (Espanha) picheleiro, santiagueiro
Santos (São Paulo, Brasil) caranguejeiro*
São João da Foz do Douro (Porto, Portugal) sanjoaneiro (ou são-joaneiro)
São Vicente de Alfena (Valongo, Portugal) penteeiro
Seixal (Portugal) seixaleiro
Soajo (Arcos de Valdevez, Portugal) soajeiro

Trata-se, portanto, de um sufixo até mais prolífico do que outros tradicionalmente considerados formadores de gentílico, como -aco, -ato, -ego, -ejo, -eta, -íaco, -inho, -ista, -ota e -oto, mas, por outro lado, menos prolífico do que os pares greco-latinos -ão e -ano (ambos provenientes do latim, - ānus, a, um), -eno e -enho (do latim, -ēnus,a,um) -ês e -ense (do latim vulgar -ensis,is,e), -eu (do latim -aeus, a, um / -ēus, a, um / -aeum, i / -ēus, i, em grego -aîos, a, on / -aîos, os, on / -aîon, ou / -aîos, ou) e -aico (do latim -aĭcus, a, um, em grego -aïkós, ê,ón), -io e -ico (respectivamente, do latim -īus, a, um / -īvus, a, um e - ĭcus, a, um, que remontam ao grego -ikós, ê, ón), -ino (do latim - īnus, a, um) e -ita (do latim - īta, ae / -ītēs, ae / -ītis, ae, em grego -ítés) (Houaiss, 2009; Melo & Gomes, 2000; Viaro, 2014).

Os estudos realizados por Ferrari e Medeiros (2012) e por Almeida (2013), a partir de gramáticas e de dicionários etimológicos de língua portuguesa, mostraram a existência de um discurso metalinguístico segundo o qual «o sufixo -eiro como indicador de gentílico funciona como exceção» (Ferrari & Medeiros, 2012, p. 101), o que constitui uma tensão entre o imaginário linguístico e a língua efetivamente materializada por seus falantes. Segundo Rio-Torto et al. (2013), no português contemporâneo, «os sufixos -an(o/a), -eir(o/a), -ens(e) e -ês são os mais disponíveis e produtivos para a formação de adjetivos gentílicos» (p. 252) (grifo no original), registrando-se uma crescente representatividade de -ist(a) em Angola, em Portugal e, principalmente, no Brasil.12 Do ponto de vista diacrônico, Rio-Torto (2008) observou que:

desde sempre em português o sufixo -eir- concorreu com muitos outros sufixos também portadores de valor gentílico, pátrio ou étnico, razão pela qual ao longo dos séculos viria a revelar-se menos aproveitado para tais funções. Recorde-se que, de acordo com Viaro (2002), nas 420 Cantigas de Santa Maria, compostas no último quartel do séc. xiii (1270-1282), o sufixo predominante para esta função é -ão, -ãa (v.g. perssião, romão, africão, aleimãa, aldeão, vilão). Os demais étnicos são portadores de -es (burgues, genoes, frances, marques, leones), não ocorrendo formas com o sufixo -ense. O sufixo -en- está representado apenas no adjectivo damasceno (p. 233). (Grifo no original).

No tocante ao valor avaliativo do sufixo -eiro, Miranda (1979) destaca que, enquanto formador de agentivos profissionais e habituais, ele denota informalidade, não-especialidade e desprestígio social, caracterizado pelos traços semânticos [+concreto] e [-especialidade], em oposição a -ista, [±concreto] e [+especialidade], mas que essas correlações não podem ser tomadas em um sentido absoluto:

Devemos observar, ainda que tal fato não interfira em nossa análise, que a distribuição aqui proposta entre os agentivos -ista e -eiro não corresponde sempre a uma verdade por inteiro, em termos de palavras existentes: há os engenheiros e os balconistas, em vez de *engenhistas e *balconeiros (Miranda, 1979, p. 88).

Assim, banqueiro, enfermeiro, engenheiro, marqueteiro, tesoureiro, testamenteiro etc., de um lado, e alfarrabista, atacadista, calista, cambista, florista, motorista, postalista, pracista, varejista etc., de outro, fogem desse padrão de distribuição; por outro lado, oposições como cancionista / cancioneiro, flautista / corneteiro, pianista / pianeiro, violonista / violeiro etc., que separam instrumentistas clássicos de tocadores populares, além de outras como artista / arteiro, candomblecista / candomblezeiro, futebolista / peladeiro, jornalista / jornaleiro, manobrista / manobreiro, reforçam a regularidade do traço [±especialidade]. Por isso, Miranda (1979) concluiu que, em linhas gerais, deve-se

atribuir a -ista uma agentividade [+intelectual] e a -eiro uma agentividade [-intelectual], ou seja, enquanto as formas em -ista seriam cobertas pela paráfrase «especialista em x», a paráfrase para as formas em -eiro teria que ser algo como ‘que faz algo em relação a x’ (p. 88). (Grifo nosso).

Rocha (2003) propõe que o sufixo -eiro como agentivo só pode ser aplicado a uma base nominal substantiva que tenha os traços [-abstrato], [-agente indivíduo] e [-palavra composta], embora o sistema linguístico possa restringir ou bloquear a aplicação do sufixo a essas bases, e ocorram muitas exceções a essa regra, por exemplo (Simões Neto & Coelho, 2014): baderneiro, bagunceiro, barraqueiro, biscateiro, boateiro etc. têm base com traço [+abstrato]; chicleteiro (de Chiclete com Banana), aviãozeiro (de Aviões do Forró) e marineiro (de Marina Silva) têm base [+agente indivíduo]; são-joaneiro e roupa-velheiro têm base [+palavra composta]. Por isso, Gonçalves e Costa (1997) afirmam que o valor pejorativo das construções com -eiro e de prestígio nas construções com -ista provêm da base e não dos sufixos.

Viaro (2011) observa, ainda, que o valor pejorativo de algumas modernas construções agentivas profissionais com -eiro, «[x]eiro = pessoa que trabalha vger x», em grande parte advém do fato de ele ser um prefixo mais antigo que -ista, de modo que, na formação neológica, «o conflito de formas concorrentes altera a produtividade, gera arcaísmos ou adiciona à forma mais antiga uma especialização valorativa (sobretudo a pejoratividade)» (p. 142). De acordo com Soledade Barbosa Coelho (2013), no português arcaico, antes do surgimento de -ista, o sufixo -eiro era aplicado a todas as bases, sendo formador das profissões de prestígio da época, como albergueiro, cavaleiro, despenseiro, mercadeiro, pessoeiro, pousadeiro etc.; quanto às formações relacionais e agentivas habituais, seu valor podia ser depreciativo quando a base tinha um sentido negativo -aguireiro, falseiro, mentireiro, usureiro etc.-, ou apreciativo, no caso de bases neutras -braceiro, praceiro- ou positivas -certeiro, justiceiro, sabedeiro, verdadeiro, vertudeiro etc.-.

O valor avaliativo, de caráter pejorativo, para Viaro (2012), está presente em construções atributivas ou agentivas habituais do tipo «[x]eiro = pessoa adjpej que gosta de vinf x» desde o século xv, e estaria relacionado aos traços de quantidade, intensidade e excessividade, em razão da intolerância à repetição nas sociedades ocidentais modernas. Essas formações derivariam de «[vpart]eiro = pessoa adjpej que vpres x», em que o «valor iterativo do presente do indicativo manifesta-se na repetição da ação, que denota algum apreço por ela, o qual não é compartilhado pelo falante» (Viaro, 2012, p. 2675). Rio-Torto (2008) e Simões Neto e Coelho (2014) generalizam essas características para outras formações com -eiro, o que permite explicar, por exemplo, o fato de o genitivo fazendeiro não ter conotação pejorativa, ao contrário de interesseiro, marcado pelo exagero:

Desde sempre os locativos (lamaceiro, esterqueira) acusaram marcas de grande quantidade, de intensidade, de excessividade e de avaliação (tendencialmente negativa), do mesmo modo que aos atributivos (aventureiro, fofoqueiro, grosseiro, mentireiro, mexeriqueiro) e aos atitudinais (asneira, baboseira, maroteira) também se associam traços de intensidade, de excessividade e de avaliação. Este filão alargou-se a outros nomes, deadjectivais e denominais, que explicitam propriedades/atitudes (baboseira, parvoeira), processos (barulheira, tosseira), estados (nervoseira, preguiceira), mesmo que metereológicos (caloreira, inverneira) (Rio-Torto, 2008, p. 239). (Grifo no original).

Essas características estariam ainda presentes em denominações de continentes -açucareiro, bomboneira, esmolneira, goteira, louceiro, saladeira, tinteiro etc.-. Mais uma vez, contudo, o valor avaliativo dessas formações não é exclusivamente depreciativo, podendo haver uma avaliação favorável quando o excesso representar para a base uma qualidade positiva, como em amigueiro e aventureiro, ou servir para denotar expressividade. Rio-Torto (2008) observou que o traço avaliativo-intensivo de -eiro permitiu que ele fosse usado para a marcação subjetiva e expressiva, o que alargou a sua «amplitude denotacional, combinatorial e categorial» (p. 237) e o distinguiu de sufixos mais neutros como -idade e -ia, na formação de nomes de estado e atividade. Assim, «o traço de expressividade presente em nervoseira está ausente de nervosismo, marcado pela tecnicidade que caracteriza os derivados em -ismo» (Rio-Torto, 2008, p. 238) (grifo no original).

O valor pejorativo atribuído ao sufixo -eiro, portanto, está ligado a uma série de variáveis, não sendo um traço semântico intrínseco a ele, que também pode ser utilizado para denotar expressividade ou mesmo avaliação positiva. Para Simões Neto e Coelho (2014), essa heterogeneidade «possibilita que falantes atuais possuam modelos do sufixo sendo empregados tanto com valor apreciativo quanto com valor depreciativo, e não há como, com os dados de que dispomos, afirmar que há prevalecimento de um sobre o outro» (p. 101). Nos atuais gentílicos com -eiro, encontrados em nossa pesquisa, apenas três (8 %) possuem um valor nitidamente pejorativo: caranguejeiro, piauizeiro e tripeiro.

Já o argumento de que o gentílico do Brasil deve ser brasiliano -por homologia ao que ocorre em inglês, francês, espanhol etc.- baseia-se em uma visão / ilusão de linguagem transparente, em que é possível fazer correspondências linguísticas diretas, necessárias e inequívocas entre as línguas, e entre os termos de uma mesma língua. Essa comparação pressupõe relações biunívocas entre topônimos e gentílicos: de derivação sufixal no âmbito de uma mesma língua, e de tradução por equivalência formal no âmbito de línguas distintas. Todavia, ainda que a deriva de formas na relação entre topônimos seja limitada pelo fato de haver uma designação oficial para topônimos e gentílicos, os processos de derivação e tradução são afetados pelo equívoco. Comparando-se os topônimos de países que em inglês terminam com o sufixo -land / -lands («terra») e seus correlatos em francês e português, bem como os respectivos gentílicos,13 verifica-se que, embora haja uma correspondência relativamente estável entre os sufixos -land (inglês), -lande (francês) e -lândia (português), ela também está sujeita ao equívoco, daí a concorrência com -land / -lande / -landa, -land / -terre / -terra, -land / -sse / -cia, -land / -sse / -ça, -land / -ogne / -ônia.

Além disso, cada topônimo tem uma história específica em cada língua, não sendo simples «traduções» das designações originais, como o território oficialmente denominado de Netherlands (inglês), Nederland (holandês), Hulanda (frísio) e Nederlân (papiamento), que possui uma só variação em inglês, e três em francês e em português: Pays-Bas / Países Baixos, por meio de decomposição e tradução dos constituintes etimológicos do lexema originário (Neder + land); Hollande / Holanda, emprego metonímico da designação afrancesada / aportuguesada da região centro-oeste do país; *Néerlande / *Neerlândia, formas adaptadas da designação oficial e de uso bastante restrito, por arcaísmo em francês e neologismo em português. Os termos ingleses England e Poland, por sua vez, sofreram haplologia a partir das formações arcaicas Engleland / Englaland (land of the Angles) e Poleland / Polaland (land of the Poles), de modo que o radical se confunde com o sufixo, processo que não se verifica em francês e em português, tendo em vista que os sufixos não duplicam o som consonantal do radical, talvez porque derivam do latim Polanie (Harper, 2001; oup, 2015).

A derivação dos topônimos para os gentílicos também não revela nenhuma relação estabilizada entre sufixos toponímicos e sufixos gentílicos, e a definição de gentílicos nem sempre obedece a um processo derivacional partindo do topônimo -em muitos casos, aliás, é o topônimo que deriva do gentílico-, havendo a ocorrência de irregularidades, poucas, porém significativas, a exemplo de alemão / germano ou teutão, francês / gaulês, grego / heleno, holandês / batavo, inglês / bretão, japonês / nipão, mianmarense / birmanês, norte-americano / ianque, português / lusíada etc. Muitos desses nomes remontam a tribos ou porções de terra a partir dos quais foram fundadas as identidades nacionais, ou mesmo a topônimos anteriores, abandonados em razão de mudanças no regime político ou na constituição do território.

Por fim, a relação entre gentílicos de línguas diferentes, ainda que próximas, revela a inexistência de correspondência estabilizada entre sufixos. Comparando-se alguns dos gentílicos de países formados pelo sufixo -an em inglês, que é de longe o dominante nessa língua, e seus correspondentes em francês e em português,14 verifica-se que não há uma relação estabilizada com os sufixos de línguas mais diversificadas nesse quesito, como a portuguesa, por exemplo. A maior parte dos sufixos gentílicos portugueses é homólogo do inglês -an em alguma ou algumas de suas ocorrências. Na comparação com o francês, ao menos nesse recorte, há uma correspondência modal -an / -en, mas tanto o -an possui outros correspondentes em francês, quanto o -en equivale a terminações diversas em inglês, como, por exemplo, israelien / israeli (israelense), saoudien / saudi (saudita), surinamien / surinamese (surinamês), vietnamien / vietnamese (vietnamita) etc.

4. Conclusão

O gentílico é, por excelência, o lugar do equívoco e do diálogo, seu processo de lexicalização constitui-se como um trabalho de denominação realizado em dois tempos ou duas posições, que, em sua maior parte, se dá em duas línguas ou pelo menos duas culturas diferentes: só há necessidade de nomear a si mesmo frente ao outro, há uma dialética entre o próprio e o alheio. Brasileiro, por exemplo, é nome importado de Portugal, assim como espanhol é um termo incorporado do provençal pelo castelhano (Mello, 2000). É pelo fato de o gentílico funcionar de maneira dialógica que Mendonça (2014), Zatti (2009) e Korontai (2014) recorrem à voz do outro para tentar definir a si mesmos: os outros gentílicos da língua portuguesa, os nomes dados aos brasileiros pelos falantes de outras línguas.

Debruçando-nos sobre as questões lexicológicas levantadas por esses autores, encontramos dados visceralmente contrastantes. A afirmação de Mendonça (2014) e Zatti (2009) de que o sufixo -eiro refere-se quase exclusivamente a ofício ou profissão, não sendo utilizado em língua portuguesa para formar gentílicos e tendo uma conotação pejorativa, é completamente infundada, uma vez que ele é utilizado para designar os habitantes de mais de três dezenas de territórios -estados, cidades, vilas, freguesias etc.- de pelo menos três países -Brasil, Espanha e Portugal-, sendo utilizado em muitas outras formações além das agentivas profissionais e habituais, constituindo-se em um dos mais polissêmicos, prolíficos e produtivos da língua portuguesa.

No tocante à comparação com línguas próximas, que justificaria o uso do sufixo -ano, conferimos a relação entre os topônimos e gentílicos e concluímos que não é possível estabelecer nenhum tipo de correspondência entre eles através de processos de tradução e derivação, já que pertencem a sistemas semióticos que não compartilham a mesma lógica estrutural e possuem histórias e sentidos próprios e diversos. Por isso, a comparação proposta por Korontai (2014) é absolutamente casuísta, mas tem como efeito de sentido a ilusão de uma regularidade: brasiliano estaria inserido em uma cadeia de homologia morfológica.

Mesmo inconsistentes, os argumentos lexicológicos presentes nesses textos fazem sentido, ainda que não seja o sentido pretendido por seus autores, já que a língua e a história sempre trazem consigo o equívoco, não enquanto acidente, mas como fundamento do discurso, que põe em movimento os signos e os sujeitos. Nas SD que motivaram o presente trabalho, um equívoco está inscrito na comparação mesma que foi proposta, porque os brasileiros, que seriam chamados pelos falantes de culturas próximas com gentílicos formados por terminações correspondentes a -ano, os chamam de maneiras muito diferentes, em um verdadeiro desfile de sufixos: itali-ano, espanh-ol, ingl-ês, alem-ão, franc-ês. Isso revela que o discurso brasilianista usa propostas e argumentos linguísticos apenas como catapulta para lançar na ordem do dia da agenda pública seus interesses políticos.

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1. Uma formação discursiva é definida por «[...] aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.)» (Pêcheux, 1995, p. 160). (Grifo no original).

2. Em Souza Cruz, Santa Rosa Matos e Faye Pedrosa (2017), também analisamos o texto Brasileiros e Brasilianos, de Kanitz (2007), ex-colunista da revista Veja, de orientação política extremo-direitista, que, embora não possua vínculos diretos com o MF ou o SMP, apresenta afinidades político-ideológicas, sendo inclusive muito citado pelos membros daquele partido. Não o incluímos no corpus do presente trabalho porque Kanitz (2007) não apresenta argumentos lexicológicos explícitos, embora recorra implicitamente aos dois argumentos aqui estudados: «Brasileiro rima com padeiro, pedreiro, ferreiro. [...] Brasiliano rima com italiano, indiano, australiano» (Kanitz, 2007, p. 22). (Grifo no original).

3. Embora trabalhe com a concepção saussuriana de signo como uma associação entre forma / imagem (significante) e conteúdo / conceito (significado), proposta por Saussure (2006), a ad não adota certas distinções estruturalistas acerca dos tipos de «conteúdo» comunicados / representados por meio dos signos, que têm por base sua abrangência universal, social ou individual. Para Eugênio Coseriu (1992; 1998), por exemplo, o conteúdo de um signo é dividido a designação —a referência a um objeto exterior ao próprio signo, isto é, a um referente cuja existência é indicada por meio das línguas em geral—, o significado —o conteúdo estabelecido por cada língua em particular, a designação por ela delimitada conforme seu sistema de distinção / oposição entre signos— e o sentido —aquilo que é «dito» por meio do «dizer», o conteúdo linguístico expresso em cada discurso individual por meio da apropriação da designação e do significado, correspondente às atitudes, intenções, suposições etc. do enunciador—. Considerando que não há «sentido literal» —tomando-o como um efeito de evidência promovido pelas formações ideológicas sobre os sistemas linguísticos— e que todo uso individual dos signos implica a mobilização de possibilidades de sentido social e historicamente determinadas, para ad «O sentido de uma palavra, expressão, proposição não existe em si mesmo, só pode ser constituído em referência às condições de produção de um determinado enunciado, uma vez que muda de acordo com a formação ideológica de quem o (re)produz, bem como de quem o interpreta. O sentido nunca é dado, ele não existe como produto acabado, resultado de uma possível transparência da língua, mas está sempre em curso, é movente e se produz dentro de uma determinação histórico-social, daí a necessidade de se falar em efeitos de sentido» (Leandro Ferreira, 2001, p. 22). (Grifo nosso).

4. Um sufixo é dito prolífico quando constituiu uma grande quantidade de vocábulos, e produtivo quando ainda é capaz de ser usado na formação de novos vocábulos (Viaro, 2011).

5. Acompanhando Caetano (2003), Rio-Torto (2008), Viaro (2011), entre outros, não estamos fazendo distinção entre os sufixos -eiro e -eira (-eir-).

6. Considerando que [x] indica a derivação a partir de um nome —denominal ou, mais raramente, deadjetival—, e [v] a partir de um verbo (deverbal), Viaro (2011) enumera as seguintes variações semânticas a) [x]eiro = que é de x; b) [x]eiro = pessoa que v x; c) [v]eiro = pessoa que v (com frequência); d) [x]eiro = pessoa que (gosta de) v x; e) [x]eiro = pessoa que provém de x; f) [x]eiro = árvore que produz x; g) [x]eiro = que é x; h) [x]eiro = pessoa que v em x; i) [x]eiro = pessoa que possui x; j) [x]eiro = que está em x; k) [x]eiro = objeto em que se v x; l) [v]eiro = objeto em que se v; m) [x]eiro = objeto em que há x; n) [x]eiro = lugar em que se v x; o) [x]eiro = objeto com que se v x; p) [v]eiro = objeto com que se v; q) [x]eiro = lugar em que há muito x; r) [x]eiro = lugar em que há x; s) [x]eiro = muito x; t) [x]eiro = pessoa que tem muito x; u) [x]eiro = x intenso; v) [v]eiro = estado em que algo se v intensamente; w) [v]eiro = estado em que uma pessoa v intensamente; x) [x]eiro = estado em que uma pessoa é x; y) [x]eiro = ato típico de x.

7. Embora Viaro (2011) tenha chamado atenção apenas para a divergência entre -eiro e -ário (a partir de -ārĭus, a, um), os demais sufixos primitivos que convergiram para -eiro, também teriam dado lugar a processos de divergência: -orĭus, a, um originou -eiro e -ório; já -árion é apontado por Ayers (1986, p. 240) como a forma a partir da qual derivaram tanto -ārĭus, a, um quanto -orĭus, a, um.

8. Viaro (2011) lembra ainda que o sufixo francês -er é o equivalente do latino -arius.

9. As bases lexicais estão aqui representadas do seguinte modo: x (substantivo), adj (adjetivo) e v (verbo).

10.Mineiro como gentílico é datado em 1709.

11. Os gentílicos assinalados com asterisco têm conotação pejorativa.

12. Quanto a -ári(o/a), Rio-Torto et al. (2013) enfatizaram que não forma adjetivos detoponímicos, mas se combina com nomes de classes semânticas variadas.

13.England / Angleterre / Inglaterra; Finland / Finlande / Finlândia; Iceland / Islande / Islândia; Ireland / Irlande / Irlanda; Scotland / Écosse / Escócia; Netherlands / Pays-Bas ou Hollande / Países Baixos ou Holanda; Switzerland / Suisse / Suíça; Poland / Pologne / Polônia ou Polónia; Thailand / Thaïlande / Tailândia; New Zealand / Nouvelle Zélande / Nova Zelândia; Northern Ireland / Irlande du Nord / Irlanda do Norte etc. (United Nations, 1997; iso, 2013; Houaiss, 2009; pel, 2014; Robert, 2013).

14.Afghan / Afghan / Afegão ou Afegane; Austrian / Autrichien / Austríaco; Belgian / Belge / Belga; Bolivian / Bolivien / Boliviano; Chilean / Chilien / Chileno; Cuban / Cubain / Cubano; Cyprian / Cyprien, Cypriote ou Chypriote / Cipriota, Cíprio ou Chiprense; Egyptian / Égyptien / Egípcio, Egipciano ou Egicíaco; Eritrean / Érythréen / Eritreu; Ethiopian / Éthiopien / Etíope ou Etiopês; etc. (United Nations, 1997; Houaiss, 2009; pel, 2014; Robert, 2013).

*Cómo citar: Santa Rosa Matos, M. P., Souza Cruz, I. V., & Faye Pedrosa, C. E. (2022). «Brava Gente Brasiliana» (II): The Brasilianist Discourse and its Lexicological Misunderstandings. Lingüística Y Literatura, 43(82), 196-213. https://doi.org/10.17533/udea.lyl.n82a08

Recebido: 20 de Setembro de 2021; Aceito: 01 de Fevereiro de 2022

*Autor para correspondencia: Marcos Paulo Santa Rosa Matos. Correo electrónico: contato@marcosmatos.com.br

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