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Investigación y Educación en Enfermería

versão impressa ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.33 no.3 Medellín set./dez. 2015

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n3a10 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v33n3a10

 

Enfrentamento do diagnóstico e hospitalização do filho com câncer infantojuvenil

 

Coping with the diagnosis and hospitalization of a child with childhood cancer

 

Afrontamiento del diagnóstico y hospitalización del niño con cáncer infantil

 

Tainan de Cerqueira Nóia1; Ricardo Souza Evangelista Sant'Ana2; Ana Dulce Santana dos Santos3; Sheila de Carvalho Oliveira4; Sylvia Maria Cardoso Bastos Veras5; Luís Carlos Lopes-Júnior6

 

1Enfermeira. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: tainoia@hotmail.com.

2Enfermeiro. Especialista, Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão, Salvador, Bahia, Brasil. email: rick_ftc@yahoo.com.br.

3Enfermeira, Mestre. Professora, Universidade Católica do Salvador, Faculdade de Tecnologia e Ciência e da Universidade do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. email: anadulcesantana@yahoo.com.br.

4Enfermeira, Especialista em Enfermagem em Terapia Intensiva e Metodologia do Ensino Superior. Professora da Faculdade de Tecnologia e Ciências e Faculdade São Camilo, Salvador, Bahia, Brasil.email:

5Enfermeira, Especialista em Enfermagem em Terapia Intensiva. Professora das Faculdades São Camilo e Maurício de Nassau, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: verassyl@yahoo.com.br.

6Enfermeiro, Doutorando. Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - EERP/USP - Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: luisgen@usp.br.

 

Fecha de Recibido: Septiembre 30, 2014. Fecha de Aprobado: Abril 15, 2015.

 

Artículo vinculado a investigación: Enfrentamento do diagnóstico e hospitalização do filho com câncer infantojuvenil.

Subvenciones: Ninguna.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Nóia TC, Sant'Ana RES, Santos ADS, Oliveira SC, Veras SMCB, Lopes-Júnior LC. Coping with the diagnosis and hospitalization of a child with childhood cancer. Invest Educ Enferm. 2015; 33(3):465-472

 


RESUMO

Objetivo.Conhecer como os membros da família enfrentam a hospitalização devido a um diagnóstico de câncer infantil. Metodologia. Este é um estudo descritivo, exploratório, com análise qualitativa dos dados em um Núcleo de Apoio ao Combate do Câncer Infantil da cidade de Salvador, Bahia, Brasil. 10 familiares de crianças com câncer foram submetidos a uma entrevista semiestruturada como recurso para coleta do material empírico. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática. Emergiram duas categorias: "enfrentamento do diagnóstico pela família"; e "enfrentamento da hospitalização pela família". Resultados. Observou-se que os membros da família sofrem profundamente e enfrentam de diferentes formas o diagnóstico de câncer. Além disso, o estresse emocional e desequilíbrio, que tem impacto cumulativo nos longos períodos de internação ocorrem simultaneamente com tristeza, ansiedade, sofrimento pelos procedimentos invasivos realizados nas crianças, medo e incertezas relacionadas com o prognóstico. Conclusão. O diagnóstico de câncer e o processo de hospitalização provocam um forte impacto na dinâmica familiar. O enfermeiro de forma competente deve estar consciente e sensível, a fim de minimizar esse sofrimento, através da escuta atenta e assistência humanizada e integral à criança e sua família.

Palavras chave: família; criança; diagnóstico; câncer; hospitalização.


ABSTRACT

Objectives. Find out how family members cope with hospitalization due to the diagnosis of childhood cancer. Methodology. This is a descriptive-exploratory design study with qualitative data analyses, undertaken in the Support Center for Childhood Cancer in Salvador, Bahia, Brazil. 10 members of the families of children with cancer underwent a semi-structured interview as a resource to collect empirical data. Data were submitted to thematic content analysis. Two categories emerged: "family coping with diagnosis" and "family coping with hospitalization." Results. It was observed that family members suffer deeply and cope with the diagnosis of cancer in different manners. In addition, psychological stress has a cumulative impact on long periods of hospitalization and occurs in the presence of sadness, anxiety, suffering due to the invasive procedures the children are submitted to, fear and uncertainties related to prognosis. Conclusion. The diagnosis of cancer and hospitalization process causes severe impact on family dynamics. A competent nurse must be aware and sensitive to minimize this suffering by listening carefully and providing humanized and comprehensive care to children and their families.

Key words:family; child; diagnosis; cancer; hospitalization.


RESUMEN

Objetivo.Conocer cómo los miembros de la familia afrontan la hospitalización debido al diagnóstico de cáncer infantil. Metodología. Estudio descriptivo, exploratorio, con el análisis de datos cualitativos en un Núcleo de Apoyo para combatir el cáncer infantil en la ciudad de Salvador, Bahía, Brasil. Se practicó una entrevista semi-estructurada a 10 miembros de las familias de niños con cáncer como un recurso para reunir datos empíricos. La información fue sometida a análisis de contenido temático. Emergieron dos categorías: "afrontamiento del diagnóstico por la familia" y "afrontamiento de la hospitalización por la familia". Resultados. Los miembros de la familia sufren profundamente y enfrentan de manera diferente al diagnóstico de cáncer. Además, se produce en ellos un desequilibrio emocional y estrés, que tiene repercusiones acumulativas en los largos períodos de internación donde afloran la tristeza, la ansiedad, el sufrimiento por los procedimentos invasivos realizados a los niños, el miedo y la incertidumbre relacionada con el pronóstico. Conclusión. El diagnóstico de cáncer y el proceso de hospitalización producen un grave impacto en la dinámica familiar. La enfermera, además de competente, debe ser consciente y sensible con el fin de minimizar este sufrimiento mediante la escucha y la atención humanizada e integral al niño y su familia.

Palabras clave: pofamilia; niño; diagnóstico; cáncer; hospitalización.lítica de salud; masculinidad; atención primaria de salud.


 

INTRODUÇÃO

O National Cancer Institute dos Estados Unidosratifica que, ao longo dos últimos 20 anos, a incidência de crianças com diagnóstico de todas as formas de cânceres invasivos aumentou de 11.5 casos por 100 000 habitantes em 1975 para 14.8 por 100 000 crianças em 2012.1 O câncer infantojuvenil (entre 0 e 19 anos) corresponde a 1% e 3% de todos os tumores malignos na maioria das populações.2 No Brasil, estima-se para o biênio 2014-2015 um percentual mediano de ocorrência dos tumores pediátricos de aproximadamente 11.840 casos novos de câncer em crianças e adolescentes até os 19 anos.3 Do ponto de vista clínico, o câncer que acomete a população pediátrica apresenta, em sua maioria, curtos períodos de latência, são mais agressivos, crescem rapidamente, porém, respondem melhor ao tratamento e são considerados de bom prognóstico.3

Apesar do aumento progressivo e linear na incidência dos tumores da infância em todo o mundo, tem-se observado, também, paralelamente a esse crescimento, um aumento das taxas de cura dessas neoplasias. Os avanços na terapêutica e os métodos de detecção precoce têm possibilitado ao longo das últimas três décadas, em sobrevida de mais de 70% quando o diagnóstico é precoce e o tratamento especializado.2,3  Em que pese os progressos alcançados em termos de taxas de cura e sobrevida, o câncer, quaisquer que seja o tratamento e o prognóstico, constitui-se em uma experiência que subverte todas as referências do paciente que vai desde a relação do seu corpo, com sua família, passando pelas relações com a sociedade e com os papéis que nela ocupa, até o sentimento da sua identidade, valor e confiança em si próprio.4 Ademais, o diagnóstico de um câncer infantojuvenil é uma das realidades mais difíceis que uma criança ou um adolescente e seus familiares podem enfrentar.4

A revelação do diagnóstico de câncer implica vivenciar situações marcadas pela insegurança, perigo, sofrimento e dor e, no caso do câncer infantojuvenil, essa revelação desdobra-se em dois momentos para aos pais: o do alívio em saber o diagnóstico de seu filho e do temor mesclado à sensação de que o médico sela o seu destino e o de seu filho. Em muitos casos, percebe-se que receber o diagnóstico de câncer é como receber uma sentença de morte.5 Diante desse contexto, a criança ou adolescente e sua família necessitam de uma abordagem de atenção à saúde, cujo foco seja a qualidade de vida.6 A comunicação do diagnóstico é um momento delicado para o paciente, familiares e toda equipe multiprofissional, pois está relacionado às mudanças existenciais que permeiam o mundo da criança, da família e daqueles que profissionalmente cuidam. >A dificuldade dessa árdua tarefa reside não somente na formulação verbal do diagnóstico e prognóstico do ponto de vista técnico, mas, sobretudo, na carga afetiva que será depositada sobre o familiar e paciente que o recebe.5

Além disso, a criança, geralmente, enfrenta períodos prolongados e frequentes de hospitalização, os quais têm repercussão em seus processos de crescimento e desenvolvimento, uma vez que, os tratamentos são de longa duração, debilitantes, intensivos, que resultam em efeitos tardios da própria terapêutica e curso da doença.7 Todo esse processo geralmente culmina em interrupções das atividades cotidianas, desvinculação social, na medida em que os separam do convívio de seus familiares, amigos, resultando em desconfortos e desgastes tanto para o paciente quanto para os membros da família.8,9 Aliado ao enfrentamento do diagnóstico e do processo de hospitalização, ainda estão presentes outros tantos desafios entre os quais estão: a busca pela qualidade de vida das crianças e suas famílias afetadas, a procura por tratamentos eficientes precisos e rápidos, por políticas que garantam acesso equitativo à terapêutica, além do atendimento de profissionais de saúde com competência para as relações interpessoais.10,11

As reações desencadeadas nos familiares da criança com câncer por vezes cursam com um processo de adoecimento de um ou mais de seus membros durante essa vivência, modificando a dinâmica familiar. Esse fato deve ser cada vez mais considerado pelos profissionais de saúde, bem como a sensibilização e conscientização da necessidade de cuidar, tanto da criança diagnosticada quanto da família, pois o câncer cursa com elevado ônus econômico e psicossocial para os envolvidos. Conviver e cuidar de uma criança ou adolescente com câncer constitui-se em uma tarefa árdua e, por vezes, dolorosa para todos os envolvidos. Considerar, acolher e valorizar a participação autônoma e colaborativa nas tomadas de decisões dos cuidados ao paciente pediátrico oncológico e sua família, demandam do enfermeiro o desenvolvimento de métodos de abordagem que apreendam as suas necessidades de assistência, que deve primar pelo cuidado personalizado de acordo com a singularidade de cada caso.6 Além disso, o enfermeiro deve estar adequadamente preparado para cuidar de crianças e adolescentes com câncer. Uma série de estudos enfatiza a importância da educação desses profissionais a fim de melhorar a qualidade de sua assistência por meio de atualização contínua de seus conhecimentos e habilidades por programas específicos de educação permanente.9-12

Embora esteja gradativamente crescendo a produção científica nacional e internacional sobre o impacto do câncer infantojuvenil, ainda é limitado o conhecimento no que se refere ao enfrentamento de familiares diante do diagnóstico e do processo de hospitalização do filho com esta condição no cenário brasileiro.13 Diante do exposto, este estudo teve por objetivo conhecer como os familiares enfrentam a hospitalização por conta do diagnóstico de câncer infantojuvenil. Espera-se que esse conhecimento possa contribuir para que alguns comportamentos e reações dos familiares que estão sob essa condição sejam mais aceitos e compreendidos, além de fornecer subsídios para o cuidado de enfermagem em busca de evidências que auxiliem esses profissionais a lidar com essa problemática.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa dos dados, realizado em um Núcleo de Apoio ao Combate do Câncer Infantil na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. O cenário elegido para esse estudo assegura às crianças e adolescentes portadores de câncer a atenção e o apoio necessários para o tratamento e visa dar suporte a famílias de baixa renda, oriundas de Salvador e de cidades do interior do Estado da Bahia, em períodos de hospedagem e internações rotativas, para o acompanhamento dos filhos em tratamento de câncer. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa do Instituto Mantenedor de Ensino Superior (IMES), sob o Protocolo n. 3.477, estando em consonância com as diretrizes éticas da Resoluçãon. 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Brasil. Recentemente, foi aprovado e encontra-se vigente a Resolução n. 466/2012 do CNS que regulamenta a pesquisa com seres humanos no Brasil. No entanto, a presente pesquisa não feriu nenhum princípio ético previsto na norma recente.  Os participantes que aceitaram, de forma voluntária, fazer parte da pesquisa foram informados sobre seus objetivos e após assentirem, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os critérios de inclusão estabelecidos para os participantes da pesquisa foram: ser familiar de criança e/ou adolescente internado em função do diagnóstico de câncer no referido Núcleo; ser o acompanhante responsável da criança e/ou adolescente durante a internação. A amostra por conveniência deste estudo constituiu-se por nove mães e um pai de crianças ou adolescentes com diagnóstico de câncer internados naquele Núcleo em diferentes fases de evolução da doença. Ressalta-se que a justificativa do n dos participantes de pesquisa (n=10), se deu mediante saturação dos dados, ou seja, não mais se constataram novos insigths teóricos nem ocorreram revelações de novas propriedades sobre o objeto de estudo.

A coleta de dados foi realizada no mês de setembro de 2011 mediante entrevista semiestruturada, a qual foi gravada e posteriormente transcrita na íntegra. Para nortear a entrevista elaborou-se um roteiro dividido em duas partes, sendo a primeira composta por questões sociodemográficos e clínicas do paciente, quais sejam: idade, sexo, procedência, nível de escolaridade da criança ou adolescente, número de irmãos, idade na ocasião do diagnóstico de neoplasia, tipo tumoral, tempo de hospitalização; e a segunda, questões relacionadas ao enfrentamento do familiar diante do diagnóstico e hospitalização da criança ou adolescente oncológico.Com o intuito de garantir a espontaneidade e promover um ambiente seguro e confortável, as entrevistas foram realizadas separadamente em uma sala reservada. A fim de assegurar o anonimato e preservar a identidade dos participantes da pesquisa, optou-se por atribuir uma codificação a cada sujeito: uma palavra seguida por uma numeração de acordo com a ordem das entrevistas. Por exemplo: familiar 01; familiar 02, e assim sucessivamente. Para análise do material empírico coletado empregou-se a técnica de análise de conteúdo em sua modalidade temática, sendo esta uma técnica que visa a descrição do conteúdo das mensagens, por meio de análises das comunicações por procedimentos sistemáticos.14 A análise de conteúdo foi realizada com base nas informações coletadas por meio das entrevistas, que, após a transcrição, foram organizadas de modo a identificar os significados comuns, e posteriormente agrupadas em duas categorias

 

RESULTADOS

Dos 10 familiares, nove são mães e um é pai de criança ou adolescente com câncer. A média de idade dos familiares entrevistados foi de 39,9 anos, variando entre 20 e 52 anos.  A maioria (n=9) dos participantes da pesquisa era proveniente de diferentes cidades do interior da Bahia e apenas um era da capital. O tempo de tratamento das crianças ou adolescentes variou de 2 meses a 8 anos. No que concerne ao tipo de neoplasia dos filhos, quatro casos são leucemias, um adenocarcinoma, um sarcoma de partes moles, um linfoma, um osteossarcoma, um hepatoblastoma e um tumor peritoneal. A idade dos filhos variou entre um ano e 11 meses a 14 anos. Oito destas famílias eram constituídas por mais de um filho, o que intensificou as dificuldades enfrentadas. Para subsidiar a análise e discussão dos resultados emergiram duas categorias temáticas a partir dos dados: enfrentamento do diagnóstico pela família e enfrentamento da hospitalização pela família.

Enfrentamento do diagnóstico pela família

Os primeiros depoimentos analisados revelam que os pais embora preocupados com os sinais e sintomas presentes, não esperavam uma má notícia com tamanho impacto. Podemos constatar isso, nas falas a seguir, apresentadas por familiares com o início da doença: Nos primeiros sinais e sintomas, como a febre que ela tinha, eu fiquei preocupada, mas não imaginei que seria esse problema, achei que era uma coisa simples (...) (Familiar 02); Comecei a ficar preocupada quando meu filho emagreceu, na mesma semana fiz os exames que precisavam ser feitos. Eu sabia que alguma coisa grave estava acontecendo, né? (Familiar 03).  Nas entrevistas pôde-se observar que o câncer ainda é um termo cercado por vários tabus. Um fato instigante observado nos depoimentos foi que o termo "câncer" não aparece nas falas dos entrevistados: Quando o médico disse que era essa a doença, minha reação foi de desespero, eu não me conformava com isso aí (...) (Familiar 07); Quando a médica falou que ele tinha esse problema no fígado, foi um choque, eu chorei muito no hospital (Familiar 04); Depois que saiu o resultado dos exames, foi aí que eu descobri que ele estava com esse problema (...), é muito difícil ver seu filho bem e, de uma hora para outra, tá com esse problema (Familiar 02).

O momento de sofrimento mais intenso reportado pelos familiares foi por ocasião da confirmação do diagnóstico de câncer da criança, em decorrência do medo do desconhecido. Isso acarreta um impacto muito grande, tanto para as crianças quanto para os familiares: Quando eu descobri, foi um abalo só, um choque muito grande. As médicas não sabiam se atendiam a mim ou a minha filha na hora (Familiar 09). Reações de choque, desespero, abalo, choro, negação e medo ficaram em destaque juntamente com as emoções presentes no momento das entrevistas. Pode-se observar isso a partir de alguns depoimentos dos familiares ao receber o diagnóstico: Me abalou muito, eu não conseguia pensar direito. Desde o dia que eu descobri, eu só fiz chorar, eu não conseguia pensar, parece que você sai de si e fica sem acreditar que aquilo esteja acontecendo (...); Fiquei chocada e com muito medo. No começo, eu tive a sensação de que era mentira, que ele não estava doente, que o exame estava errado (Familiar 03); No momento que eu peguei o diagnóstico eu não acreditava que era isso, não. Sabe aquele baque no coração? Eu pensei que meu filho estava entregue à morte já, porque eu não sabia que tinha cura, eu já estava até desistindo do meu menino (...) (Familiar 06); Eu fiquei sem entender nada, em estado de choque, porque eu tenho 10 filhos e nenhum teve esse problema (...); Pra gente, que é mãe e que não está acostumado com a doença, descobrir isso é como se o mundo tivesse desabado em cima de mim, é como se eu não tivesse chão. Eu pensava até que pegava, porque eu não tinha muita informação. Foi uma luta terrível, ele (referindo-se ao filho) ficou muito debilitado e eu fiquei arrasada (Familiar 08).

Enfrentamento da hospitalização pela família

O processo de hospitalização é visto como uma situação crítica e delicada tanto para a criança quanto para sua família. Ter um parente internado, principalmente um filho, trouxe um grande desequilíbrio emocional e estresse psicológico, que tem repercussões acumulativas nos longos períodos de internação, devido às peculiaridades do ambiente desconhecido, dos sentimentos aflorados como, tristeza, ansiedade, sofrimento diante de procedimentos invasivos realizados nas crianças, medo e incertezas em relação ao prognóstico: O momento mais intenso foi internar e ficar um mês inteiro com o meu filho no hospital, aí precisou minha mãe vir do interior pra ficar comigo lá, porque eu fiquei arrasada (...) era chocante ficar lá na Oncopediatria, é horrível, é agoniante ficar lá naquele hospital vendo outras crianças sofrendo e morrendo, você fica pensando no pior, né? Fiquei rezando pra poder sair dali e, graças a Deus, ele reagiu bem à quimioterapia (Familiar 04). Algumas famílias com filhos portadores dessa patologia passaram a conhecer a experiência de buscar o tratamento em outra cidade, onde será necessária, a construção de outra rotina de vida, bem como, a reavaliação de papéis e atribuições destes familiares: O que me deixa nervosa é que ninguém diz quando é que a gente pode ir pra casa. Eu nunca sei quando o tratamento pode acabar (...) (Familiar 07); Eu tremia todinha quando eu via minha filha indo para cirurgia (Familiar 09); O momento em que eu mais fiquei triste e assustada foi quando eu vi minha filha entubada na UTI do Martagão (Familiar 10).

 

DISCUSSÃO

Os pais acreditam que os sinais e sintomas apresentados no início, sejam um reflexo de "dores de crescimento" ou que estejam associados a um problema que possa ser facilmente resolvido. Todavia, a definição do diagnóstico é dificultada enquanto a criança não demonstra limitações severas diante da doença. Verifica-se que, no início, as similaridades de sinais e sintomas do câncer com outras doenças mais comuns da infância dificultam o diagnóstico precoce. Assim, as famílias mantêm suas responsabilidades e funções, ao passo que o adoecimento pelo câncer ainda é confundido como uma doença "normal" da infância.15 Ao se referir ao câncer, os familiares o substituem pelo termo "doença" ou "problema", transpondo a dificuldade que é para um familiar aceitar o diagnóstico de um filho com câncer. Isso, muitas vezes, leva o familiar a usar de mecanismos de defesa do ego como a negação. Contudo, esse tipo de comportamento associado a outras reações emocionais podem interferir no nível de compreensão dos pais, na adesão ao tratamento e influenciar negativamente o comportamento da criança.16

A comunicação de más notícias com crianças e suas famílias, como é o caso do diagnóstico de câncer, é bastante complexa, pois, envolve diversos profissionais da equipe multiprofissional de sáude, além das próprias crianças e adolescentes, seus pais, outros membros familiares e cuidadores e ainda é influenciada pelo estadio de desenvolvimento e de cognição do paciente. Além disso, inclui a dinâmica de interação dentro da família e distintas necessidades de pais e filhos.17 Os pais, atores principais no cuidado da criança, são os mais afetados com o diagnóstico de um filho com uma doença crônica, como o câncer.16 Simultaneamente, os pais vivenciam o sentimento de opressão pela abrangência da quantidade de informações técnicas e têm de enfrentar medos e ansiedade em relação à doença para tomar decisões quanto ao tratamento.18 Muitos pais relatam sentir dificuldade em lidar com seus próprios sentimentos e, portanto, não detém de recursos emocionais para preparar seus filhos de forma adequada para a jornada do câncer. Soma-se a isso, o fato de que pais com dificuldades em expressar seus sentimentos tendem a internalizar suas emoções negativas, e invariavelmente isso se manifesta como queixas somáticas e sentimento de sobrecarga pela experiência emocional da doença de seu filho.18

Apesar de o núcleo familiar ser considerado eixo de sustentação, geralmente, nessa situação, o sentimento vivenciado é de impotência e incapacidade diante das necessidades relacionadas não só aos cuidados de saúde do filho diagnosticado com câncer, como também na manutenção do equilíbrio da vida familiar.19 Já a reação da criança diante da doença está diretamente relacionada a múltiplos fatores, tais como: idade, estresse imediato representado pela dor física desencadeada pela doença, traços de personalidade, experiências e qualidade de suas relações parentais. Em certos casos, ela será separada da família para entrar no contexto de uma instituição que passará a fazer parte de sua vida. Aparecerão personagens novos com os quais ela passará a estabelecer relações bastante duradouras: os profissionais de saúde.5 A família, não espera pelo diagnóstico de câncer e quando este é firmado sente-se abalada e desestruturada e, em algumas situações pode e acaba criando um luto antecipado. Nesse período ocorrem reações emocionais características tais como: culpa, solidão, medo, desapontamento, raiva e desespero.20

O universo do sofrimento envolve uma diversidade de elementos causais, ocasionando sentimentos de natureza diversificada, como alteração no humor, sentimento de perda de controle e esperança, bem como sonhos e necessidade de se reencontrar perante o mundo.21 Dor e sofrimento são constituídos por realidades distintas, porém, possuem conceitos que, de certo modo, são convergentes e que se sobrepõem. O sofrimento é um conceito que apresenta maior amplitude e complexidade, podendo ser caracterizado, no caso de doença, como angústia, vulnerabilidade, perda de controle e ameaça à integridade do eu.21 Observa-se que muitas vezes, as questões não resolvidas, alienadas e problemáticas que persistem desde a época do tratamento e continuam presentes em alguns aspectos da vida dos pacientes e seus familiares, produzindo efeitos negativos e visíveis ou latentes. O enfermeiro deve estar atento aos sinais de sofrimento psíquico durante todo o processo e propor intervenções de prevenção e de tratamento para as sequelas psicológicas, de modo a primar pelo equilíbrio da dinâmica existencial do paciente e da família. Destarte, a enfermagem em oncologia pediátrica precisa aperfeiçoar a atenção e escuta qualificada, tanto ao paciente quanto aos seus familiares, visando acolher e valorizar a sua participação autônoma e colaborativa nas tomadas de decisões e cuidados. 22

O câncer impõe ao paciente e a família mudanças de rotina, atitudes e comportamentos, desde os primeiros sinais e sintomas, passando pela confirmação da doença e chegando à hospitalização.16 A hospitalização dos filhos é uma experiência que passa a ser vivenciada através de sofrimento, acompanhada de desordens da rotina de vida e do cotidiano familiar, acresce-se outras responsabilidades, preocupações e demandas financeiras. Toda essa problemática, leva uma explosão de sentimentos, ações e pensamentos, os quais alteram comportamentos que refletem em como lidar com esta difícil situação.19

Todo tratamento do câncer é um grande desafio para a família que assume a responsabilidade de ajudar a criança a superar situações de sofrimento físico, como os limites impostos pela doença, além dos sofrimentos emocionais e do obstáculo de manter a interação saudável entre os integrantes desse núcleo.19 Quanto às limitações deste estudo, principalmente diz respeito ao pequeno tamanho amostral, o qual poderia ampliar e enriquecer os achados, no entanto, verificou-se que o número de pacientes foi suficiente para analisar o conteúdo e atingir o objetivo do estudo.

A conclusão desta pesquisa é que a maioria dos familiares eram mães, e que, para estas, o momento mais impactante foi à confirmação do diagnóstico. Isso acarretou reações de choque, surpresa e negação, por não estarem preparadas para receber esse tipo de má notícia, seguidas de tristeza, desespero, raiva e até mesmo depressão desencadeada pelo sofrimento, insegurança e medo da morte. No decorrer do trabalho verificou-se que as consequências do câncer infantojuvenil se estendem a toda a estrutura familiar, em especial ao acompanhante que desempenha a função de cuidador principal. Ademais, a realidade de um filho com câncer pode acarretar mudanças significativas na dinâmica familiar e trazer intensas reações diante de todo ônus socioeconômico e psíquico que é imposto.

Os achados deste estudo podem ser úteis para equipes de saúde, em especial para o profissional enfermeiro que está na linha de frente do cuidado em saúde. Ao optar pelo cuidado às crianças oncológicas, os profissionais devem primar pelo zelo científico e técnico, pela competência e relações interpessoais, atentando-se a escuta qualificada às reais necessidades de saúde do paciente e da família. E sempre deve ser considerado que o paciente provém de um seio familiar, no qual os membros acabam passando por uma sobrecarga emocional intensa diante do câncer. é fundamental que a assistência de enfermagem, assim como toda a equipe de saúde, saiba apoiar e acolher integralmente a família de forma que esse sistema seja preservado e fortalecido, em função do tratamento e da cura da criança. O suporte e apoio emocional diante das dificuldades que irão surgir durante todo esse processo, são imprescindíveis, uma vez que, podem reduzir sobremaneira o impacto do diagnóstico e amenizar as reações advindas do tratamento e da hospitalização.

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