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Anuario de Historia Regional y de las Fronteras

versão impressa ISSN 0122-2066

Anu.hist.reg.front. vol.28 no.2 Bucaramanga jul./dez. 2023  Epub 21-Jul-2023

https://doi.org/10.18273/revanu.v28n2-2023008 

Artículo de investigación

Mulheres que não são de papel: o discurso sobre as mulheres indígenas no Chaco desde uma perspectiva decolonial (séc. XVIII)

Mujeres que no son de papel: el discurso sobre las mujeres indígenas en el Chaco desde una perspectiva decolonial (siglo XVIII)

Women who are not paper: the discourse about indigenous women in the Chaco from a decolonial perspective (18th century)

Bruno Campos-Rodrigues* 
http://orcid.org/0000-0003-0497-6580

Fabrício Ferreira-de Lema**  
http://orcid.org/0000-0002-2343-3736

* Estudiante de doctorado en Historia en la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Master en Historia de la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Historiador de la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Correo electrónico: bruno.deepthos@ gmail.com

** Estudiante de Doctorado en Historia en la Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Master en Historia de la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Historiador de la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Correo electrónico: fabriciole6966@gmail.com


Resumo

Esta pesquisa tem como proposta apontar alguns eixos analíticos que nos permitam explorar as narrativas coloniais sobre as mulheres indígenas. Assumimos metodologicamente, que a produção e circulação de narrativas sobre a alteridade estão diretamente relacionadas às condições de possibilidade e assimilação delimitadas pela epistemologia moderna/colonial e seus pressupostos. Foram analisados os escritos dos padres jesuítas Martin Dobrizhoffer e Florian Paucke, que missionaram na região do Chaco no século XVIII, e de Félix de Azara, argumentando que estas narrativas foram perturbadas pelo encontro colonial.

Palavras-chave: Discurso; Mulheres indígenas; epistemologia moderna/colonial; chaco

Resumen

En esta investigación buscamos plantear algunos ejes analíticos que nos permitan poner en cuestión las narrativas coloniales sobre las mujeres indígenas. Metodológicamente, asumimos que la producción y circulación de estas narrativas sobre la alteridad reposa sobre condiciones de posibilidad y asimilación moldeadas por la epistemología moderna/colonial y sus presupuestos. Fueron analizados los escritos de los jesuitas Martín Dobrizhoffer y Florián Paucke, que desarrollaran su actividad evangelizadora en el Chaco del siglo XVIII, y las obras de Félix de Azara. Concluimos que estas narrativas fueron perturbadas por el encuentro colonial.

Palabras clave: Discurso; Mujeres indígenas; epistemología moderna/colonial; chaco.

Abstract

The present research proposes a discussion of some analytical approaches to further explore the modern, colonial narratives about indigenous women in the Chaco region. Recognizing that the production of these narratives about the alterity are intertwined with the conditions of possibility delimited by the modern/colonial epistemology, we have set to analyze the writings of the jesuit priests Martin Dobrizhoffer and Florian Paucke, who have worked at the Chaco missions in the second half of the 18th century, and the writings of Félix de Azara, exploring how these narratives were disturbed by the colonial encounter.

Keywords: Discourse; Indigenous women; modern/colonial; epistemology; chaco.

1. Apresentação

A produção de narrativas sobre as mulheres indígenas na América tem um longo percurso, que pode ser retraçado, pelo menos, desde os primeiros momentos do encontro colonial - ainda no século XV. O corpo e as atitudes femininas foram, simultaneamente, objeto de fascinação, desejo, repúdio ou mesmo temor por parte dos colonizadores. Fosse pela nudez, ou pela participação em atividades do mundo social consideradas como estritamente “masculinas”, como no caso da guerra, a sua presença perturbou categoricamente a elaboração desses textos. Mesmo no decorrer dos séculos XVII e XVIII, quando começam a fixar-se novos critérios de verificabilidade e confiabilidade dos relatos produzidos sobre a alteridade americana1, algumas das imagens cristalizadas pelas gerações dos cronistas precedentes voltam a emergir nesses discursos, abrindo espaço para múltiplas reinterpretações2.

Neste artigo buscamos explorar um dos eixos analíticos que nos permite problematizar as narrativas coloniais sobre as mulheres indígenas, especialmente no que diz respeito àqueles elementos apontados pelos agentes coloniais como sendo componentes característicos do universo feminino. Para isso, estabelecemos um diálogo privilegiado com as discussões oriundas dos movimentos feministas subalternos e decoloniais, cujos questionamentos orientaram as nossas indagações, bem como ampararam a escolha das nossas categorias analíticas centrais, conforme se verá a seguir. Como ponto de partida dessa pesquisa, assumimos que a produção e circulação dessas narrativas sobre a alteridade americana possuí condições de possibilidade, verificação e assimilação singulares, que podem ser inseridas nos moldes do que se convencionou chamar de epistemologia moderna/colonial.

Partindo dessas preocupações, nos propusemos a pensar em algumas das implicações e potencialidades advindas desse posicionamento teórico, indicando de que maneira ele pode nos auxiliar na leitura e análise da documentação colonial propriamente dita. Os questionamentos que aqui apresentamos têm origem nas convergências estabelecidas entre as nossas experiências de pesquisa individuais, que a despeito das suas particularidades, confluíram para que percebêssemos e problematizássemos algumas regularidades observadas no discurso colonial.

Optamos por organizar o nosso artigo em dois tópicos principais, seguidos de breves considerações finais. Entre um e outro buscamos delinear um caminho, ainda bastante incipiente, mas que tem a virtude de apontar para algunas possibilidades ainda pouco exploradas na historiografia sobre povos indígenas no Chaco colonial. No primeiro tópico foram apresentados alguns dos pressupostos básicos que justificam a escolha das categorias de “gênero” e “patriarcado”, que posteriormente foram utilizadas analiticamente para pensarmos a constituição das narrativas coloniais e suas implicações. Nossa intenção foi situar as nossas reflexões no panorama das pesquisas recentes que trabalham na intersecção das temáticas de gênero e povos indígenas a partir de uma perspectiva pós-colonial e decolonial.

Já no segundo tópico, nos debruçamos sobre as narrativas coloniais tendo como foco central inquirir com relação à representação dos corpos e das atitudes das mulheres indígenas feitas pelos agentes coloniais. Foram analisadas as obras dos padres jesuítas Florian Paucke Hacia Allá y para acá (1780), e de Martín Dobrizhoffer Historias de los Abipones (1784). Ambos desempenharam suas atividades missionárias entre os Mocovi e Abipone, respectivamente, na região do Gan Chaco até o momento da expulsão dos jesuítas do território hispano-americano, em 1767. Embora as suas trajetórias apresentem algumas particularidades, oriundas de vivências distintas, esses religiosos centro-europeus produziram obras similares do ponto de vista da sua monumentalidade e sensibilidade narrativa - cujo resultado foi uma reflexão bastante peculiar a respeito do mundo indígena e das suas próprias experiências missionais.3

Também consultamos os escritos de Félix de Azara, especialmente a sua Descripción e historia del Paraguay y del Rio de la Plata (1793), elaborada a pedido do Cabildo Secular de Assunção, em 1793, e postumamente publicada em Madri (1847). Esse funcionário havia sido comissionado para empreender o reconhecimento dos territórios que compreendiam a linha divisória do Tratado de San Ildefonso (1777), entretanto, devido a uma série de atrasos decorrentes da expedição de limites, pôde desempenhar atividades que sobrepassavam as suas incumbências iniciais. Durante um período de aproximadamente 20 anos, ele permaneceu no território e empreendeu uma série de viagens pela América meridional. Além das suas incursões, que também foram realizadas no Chaco, ele pôde consultar os arquivos seculares, bem como os manuscritos deixados pelos jesuítas.

As respectivas fontes foram selecionadas nesta pesquisa pois seus autores tratam do mesmo espaço geográfico: o Chaco e seus habitantes, mas também porque encontramos nelas o material sobre o qual se assentam as nossas reflexões relativas à composição do discurso colonial. Nessa incursão pelos mecanismos de funcionamento das narrativas, podemos perceber que apesar das estruturas que orientaram a elaboração desses relatos, as perturbações decorrentes do encontró colonial - em especial aquelas provocadas pelas condutas femininas - representaram a ruptura e transformação desse discurso, obrigando-o a constantemente recriar a separação que demarcava o narrador dos seus outros. A região do Chaco constituí uma vasta planície semiárida que se estende desde o norte da Argentina, o leste da Bolívia, o oeste do Paraguai até o sul do Brasil. Ela se encontra delimitada pelos rios Paraná e Paraguai, a cordilheira dos Andes e o planalto do Mato Grosso.4 Os imaginários que historicamente se configuraram sobre essa região, ocupada por extensas porções de floresta subtropical, a descrevem como uma geografia imaginária extremamente agreste e selvagem, mas, simultaneamente detentora de riquezas incomensuráveis.5 Dobrizhoffer salienta que o clima e o ar

[…] en toda esta región son muy saludables, y el terreno es muy rico y fértil. Por acá se elevan colinas en suave ascenso, por allá se ven valles cubiertos de altas hierbas, que dan al mejor pastoreo a caballos y ganado de todas clases; por el medio están situados bosques y árboles altísimos de toda clase […]. Los campos y bosques, ríos y lagos todo el aire ofrecen la más bella oportunidad para cazar, pues por todas partes se encuentra una multitud tan increíble cuan variada de fieras extrañas, de peces, anfibios y aves6.

A despeito das qualidades enumeradas, a narrativa jesuítica não deixa de manifestar uma ambiguidade ao tratar dos habitantes do Chaco. A ferocidade dos indígenas e sua rusticidade contrastam com a aparente abundância proporcionada pelo clima. Principalmente, porque aos olhos dos inacianos esse espaço recôndito se constituiu como o baluarte para a manutenção de uma série de vícios nativos, dentre eles a poligamia, a bebedeira e a superstição - sendo o último geralmente encarnado na figura das velhas indígenas. Feitos estes apontamentos iniciais, começaremos por explicitar as nossas categorias de análise.

2. Gênero e patriarcado: repensando conceitos para uma análise da documentação colonial

A discussão a respeito das possibilidades de se utilizar categorias analíticas como “gênero” ou “patriarcado” para problematizar e refletir sobre contextos nãoocidentais tem sido palco de muitas polêmicas e debates nos últimos tempos. Diversas autoras de correntes teóricas pós-coloniais e decoloniais têm se preocupado em buscar alternativas para estudar estas questões de modo dissidente dos estudos feministas ocidentais dando voz às subalternidades e às perspectivas minoritárias locais. Entretanto, mesmo dentro desse escopo de estudos as autoras divergem metodologicamente sobre como abordar a temática.

Estes debates, estreitamente vinculados aos movimentos feministas subalternos e decoloniais, tangenciam ainda algumas outras discussões no panorama contemporâneo das ciências humanas, que dizem respeito a uma crítica espelhada do próprio fazer científico e que questionam os limites e as condições que possibilitaram o desenvolvimento da epistemologia científica moderna. A crítica à universalidade epistemológica, às condições geopolíticas do conhecimento, à inseparabilidade da colonização do poder e do saber se inscrevem neste projeto cujo lema é a “descolonização permanente do pensamento”7, propondo um fazer científico alternativo que promova a criação de conceitos e interpretações que não sejam provenientes da razão-ocidental-acadêmica. Os trabalhos alinhados a esse projeto têm se mostrado muito frutíferos em diversas áreas do saber, abrindo também a possibilidade de explorar potenciais aportes para pensar a questão de gênero a partir de uma perspectiva indígena.

Um primeiro movimento em direção a questionar o estatuto axiomático da epistemologia ocidental foi o de pensar que toda a invenção conceitual praticada pela ciência pertence a um contexto histórico (enquanto eixo espaço-temporal significado) que apresenta limitações conscientes e inconscientes8. Localizar geopolítica e historicamente o fazer científico é um passo fundamental no exercício de pensar epistemologias outras, isto é, que contextos históricos distintos podem dar origem a epistemologias distintas, que não tomem necessariamente como referência a razão e a historicidade europeia ocidental. Em poucas palavras, o “passo crucial - que é simultaneamente ético e teórico - consiste em permanecer fiel às implicações de nossa presunção da cultura”9, o que significa reconhecer que outros grupos em outros locais e tempos possam, e concretamente, inventam e inventaram outras formas de conhecer e estar no mundo de acordo com a sua própria “presunção da cultura”, isto é:

Precisamos conceber a escrita da história do modo ocidental e moderno não com um veio imperialista (não estamos corrigindo as percepções erróneas dos outros acerca dos seus passados), e sim como um exercício de tradução (estamos traduzindo suas autodescrições em termos que fazem sentido dentro das nossas tradições intelectuais). Não se trata de recuar em nossas tradições - pois elas são o ponto de partida do nosso exercício de razão, se quisermos mesmo exercitar a razão. Só não atribuirmos a elas um privilégio epistêmico a priori10.

De acordo com Tijana Limic, o problema do falso universalismo epistemológico no qual se funda a ciência moderna está calcada na “ego-política del conocimiento”11, formulada mais claramente pelo pensamento cartesiano e fundamentada no princípio da afirmação da existência e da identidade através da exclusão e subjugação do outro. O que significa dizer que, de uma perspectiva da teoria decolonial, o ego cogito mantém relações imbricadas com a lógica colonial (e colonizadora) do pensamento, de maneira que “penso, logo sou” sempre esteve precedida no ocidente por “conquisto, logo sou”, já que a identidade ocidental está fundada na diferenciação e dominação da alteridade. Para além disto, argumenta-se também que nos séculos XVI e XVII o ego conquiro e o ego cogito foram mediados pelo ego extermino, “extermino, logo sou”, a partir das experiências do genocídio indígena e do tráfico negreiro12. Extermínio que persiste enquanto violência epistêmica e colonização do pensamento mascarada em um universalismo neutro e esvaziado em dois sentidos:

En el sentido de los enunciados (un conocimiento que se abstrae de toda determinación espacio-temporal y pretende ser eterno); en el sentido epistémico (un sujeto de enunciación abstraído, vaciado de cuerpo y contenido y de localización en la cartografía de poder mundial produce conocimientos con pretensiones universales, como diseño global, para todos en el mundo)13.

Segundo Descartes, o conhecimento só poderia ser produzido a partir da separação entre um sujeito conhecedor e um objeto a ser conhecido, ou seja, quando o mundo exterior fosse corretamente “representado” na mente. Para Sanjay Seth, essa separação figura como uma parte importante da transformação intelectual que possibilitou a emergência do conhecimento moderno. Seu corolário foi que “meaning and agency, having been wholly evacuated from the natural world, were firmly relocated in the human subject, now seen not as part of the world-as-text, but as the author of that text”14. Essa independência do sujeito cognoscente inaugura, portanto, um falso universalismo, sutilmente excludente. Esta filosofia que inventa o racional contrainventa sub-repticiamente o irracional, tudo aquilo que foge aos marcos da compreensão da episteme ocidental é relegado ao porão da irracionalidade, do não-humano, dos excluídos, criando uma ruptura vertical e assimétrica entre conhecedores e conhecidos.

A produção e circulação de narrativas sobre a alteridade americana responde a condições de possibilidade, verificação e assimilação muito particulares e localizadas, que estão inseridas nos moldes do que viemos a chamar de epistemologia moderna/colonial. O desenvolvimento desta participa de um processo dialógico, onde a alteridade possui papel central na formulação do sistema epistêmico ocidental, reorganizando as estruturas de produção de conhecimento em novos critérios de legitimação. Assinalar esse ponto significa problematizar as condições pelas quais as narrativas e a produção de conhecimento se efetuam no período moderno em específico - e, consequentemente, o uso que elas fazem das representações da alteridade.

Neste contexto, entendemos modernidade e colonialidade enquanto processos indissociáveis e simultâneos em distintos níveis. Dessa correlação estabelecida entre ambos, “no solo resulta que el imperialismo y la producción de conocimiento surgen uno junto al otro, sino que en lugar de eso sirven como formas de dominación interrelacionadas de forma causal y que se refuerzan mutuamente”15. Isto é, que para a problemática que queremos propor, é necessário argumentar que a colonização epistêmica calçou as bases para o desenvolvimento posterior de nossas disciplinas científicas, ou como apontou Jorge Cañizares-Esguerra, com relação às “sensibilidades historiográficas modernas (e pós-modernas)”, cujas origens assentaram-se “em debates a princípio periféricos no século XVIII. Sob essa luz, o Novo Mundo era tão importante para produzir os princípios fundamentais dos historiadores contemporâneos quanto o fora para moldar as economias do mundo atlântico”16.

Entretanto, falar da impossibilidade de abordar “gênero” ou “patriarcado” em contextos indígenas configura, a nosso ver, três equívocos: um primeiro, fundamentalmente epistemológico, que consiste em cair na ilusão de que haveria a possibilidade de fazer ciência “despojándose de sus presupuestos teóricos y de sus categorías de análisis”17, ou seja, sem observar a “presunção” de toda cultura e negando o direito à criatividade e invenção de outros povos; um problema da orden do discurso, que é o de “supor que todo discurso ‘europeu’ sobre povos de tradição não europeia só serve para iluminar nossas ‘representações do outro’”18, caindo no esvaziamento das possibilidades objetivas de interpretar qualquer narrativa sobre a alteridade;19 e, por último, um problema relacionado à historicidade, reiterando a ideia de populações humanas e culturas paradas no tempo ou apagadas,20 não reconhecendo que os processos de hibridez, abertura e mudanças nos grupos indígenas têm por sua parte componentes políticos e ideológicos,21 pois “acumular conhecimento acerca do mundo não indígena reside na necessidade de se construir alianças estratégicas e políticas, bem como estabelecer um diálogo mais frutífero com diversas instâncias”22.

Se pretendemos permanecer fiéis ao postulado da “objetividade relativa”, assumindo, portanto, que “toda compreensão de uma outra cultura é um experimento com nossa própria cultura”23, devemos reconhecer o limite das nossas analogias, empregadas para compreender outras realidades que não as nossas. Ademais, seria oportuno retomar a metáfora da natureza corpórea da visão, de Donna Haraway, empregada para suplantar a ideia hegemônica de uma objetividade absoluta, que circulava entre os cientistas que por ela advogavam, ainda na década de 80. A ideia de que produzimos “saberes localizados” significa que somente

[...] a perspectiva parcial promete visão objetiva. Esta é uma visão objetiva que abre, e não fecha, a questão da responsabilidade pela geração de todas as práticas visuais. A perspectiva parcial pode ser responsabilizada tanto pelas suas promessas quanto por seus monstros destrutivos. Todas as narrativas culturais ocidentais a respeito da objetividade são alegorias das ideologias das relações sobre o que chamamos de corpo e mente, sobre distância e responsabilidade, embutidas na questão da ciência para o feminismo. A objetividade feminista trata da localização limitada e do conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse modo podemos nos tornar responsáveis pelo que aprendemos a ver24.

Portanto, não cabe nem negar a validade analítica de tais categorias, nem de tomá-las como conceitos explicativos universais capazes de mapear todo e qualquer sistema de diferenciação e dominação sexual. Trata-se de verificar como estas categorias constituem particularidades epistemológicas em distintos contextos que são mobilizadas por mulheres em temporalidades distintas25, e que tensiona perspectivas locais (tradicionais, nativas) a sistemas globais (modernos, coloniais) em um exercício permanente de corrosão desta epistemologia hegemónica e complacente. A fundamental crítica ao feminismo ocidental é a de que as “mujeres occidentales han reclamado como suya la autoridad de hablar en nombre de todas las mujeres porque están permeadas de las lógicas discursivas universalistas del hombre moderno”26 e isto advém da persistência do caráter colonial no discurso do feminismo ocidental. Ao questionar o universalismo do sujeito da enunciação (o homem branco moderno enquanto “sujeito moderno” por excelência) mas não o universalismo dos enunciados (provindos da razão ocidental) o feminismo branco perpetua a lógica de que se pode resolver questões locais que possuem outras dinâmicas a partir de conceitos e discursos eurocentrados, supostamente universais.

Daí a crítica à “importação” de conceitos ocidentais para entender relações de gênero em contextos não-ocidentais, pois isto diz respeito à greta entre as dinámicas da geopolítica do conhecimento e o paradoxal “paternalismo” das feministas ocidentais. Por um lado, se entende a problemática da produção de conhecimento e enunciados a partir das universidades do Norte global e a exportação (mascarada como neutralidade epistemológica) de conceitos explicativos para contextos do Sul, e que, em decorrência disto, gera um “paternalismo” feminista27 que toma para si a responsabilidade de representação das mulheres não-ocidentais em seus discursos, estigmatizando estereótipos etnocêntricos e homogeneizantes (e.g. mulheres pobres e de cor dominadas pelo patriarcado arcaico e religioso do terceiro mundo).

A resposta dada ao feminismo ocidental pela teoria decolonial visa dilucidar as fissuras no modus operandi da epistemologia eurocêntrica, inaugurando uma perspectiva epistemológica a partir do sul.

Así, llega la crítica epistemológica decolonial hasta las estrategias metodológicas de construcción y legitimación de los temas/objetos de investigación. Para decirlo de otro modo, el concepto mismo de lo real y de la objetividad, inventados cinco siglos atrás en el Renacimiento, están arrastrados por la crisis paradigmática que conmueve el núcleo duro mismo, sus contenidos (éticos, cognitivos y estéticos) modernos-ilustrados eurocentrados28.

Partindo desta premissa, busca-se recuperar a criação de conceitos dos e para os contextos de produção de conhecimento do Sul global, sobretudo a América Latina, em relação estreita com a emancipação e autonomia político-epistemológica dos povos não-ocidentais.29 A proposta de uma investigação histórica que busque refletir sobre questões das mulheres indígenas insere-se então neste panorama da crítica decolonial, na intenção de articular perspectivas indígenas em suas particularidades temporais e epistemológicas com o quadro de descolonização do gênero, do poder e do saber na contemporaneidade.

De acordo com o sociólogo Ramón Grosfoguel, foram quatro as violências (genocídios/epistemicídios) que alavancaram a elaboração do quadro epistémico moderno-colonial. Eles são, a saber: a invasão e a expulsão dos mouros de Al-Andalus30 pelo reino de Castela, em 1492; o encontro e a subsequente colonização do territorio americano; a escravização das pessoas do continente africano; e o assassinato de mulheres tomadas como bruxas sob o signo da inquisição31. Entendido assim, o autor afirma que a formulação cartesiana ego cogito ergo sum pressupõe o extermínio físico e epistêmico da alteridade para a realização de sua pretensão enquanto um sujeito solipsista moderno, dotado da capacidade de produzir um conhecimento com validez e aplicação universal.

Há um paralelo importante entre o genocídio/epistemicídio da população nativa americana e das mulheres consideradas bruxas em terras europeias. Entendemos que há um ponto comum entre o genocídio de indígenas e bruxas - e, enfaticamente, de bruxas indígenas - que é chave para refletir sobre a questão do corpo e da corporalidade, dentro do esquema das narrativas modernas-coloniais. No caso das mulheres europeias, perseguidas de maneira intensa entre os séculos XVI e XVII, “no hubo libros que quemar, puesto que la transmisión del conocimiento se hacía de generación en generación mediante la tradición oral. Los ‘libros’ eran los cuerpos de las mujeres”32, de maneira que o genocídio e o epistemicídio tiveram um único alvo: os corpos físicos, que eram também os detentores e comunicadores dos conhecimentos. No caso dos ameríndios, afora exceções, como a queima dos quipus incaicos no Tawantinsuyo33, eram os corpos os protagonistas da produção e da circulação dos conhecimentos nativos, e foram eles, por extensão, as vítimas da violência colonial, física e epistêmica. Dessa maneira, “podemos afirmar que el inicio de la modernidad debe entenderse como una toma de posesión que va desde lo territorial hasta lo corporal”34.

Se entendemos que a linguagem pode ser uma ferramenta de dominação35, e que ela é, seguramente, uma das bases da produção de conhecimento, temos que investigar as maneiras pelas quais narrativas e conhecimento se reconfiguram, reciprocamente, através da experiência com a alteridade americana, e como estas relações cimentaram as bases de estruturas de dominação como o patriarcado e o gênero. Esclarecendo estas considerações iniciais e seguindo os objetivos propostos nesse texto, empreendemos, a seguir, um exercício analítico pensado a partir da documentação colonial.

A despeito das particularidades dos textos que serviram de base para as nossas indagações, eles foram aqui reunidos tendo em vista o que podem aportar a nossa compreensão dos mecanismos de funcionamento do discurso modernocolonial. Privilegiamos a leitura dos escritos dos jesuítas Florián Paucke (1780) e Martín Dobrizhoffer (1784), que atuaram na região do Chaco durante o século XVIII e do funcionário colonial Félix de Azara (1793; 1847) - que por ocasião dos atrasos decorrentes da execução do Tratado de San Ildefonso pôde realizar um conjunto de viagens pela América meridional.

3. Narrativas sobre o feminino na documentação colonial hispânica sobre os indígenas americanos (Século XVIII)

Ao estabelecer como proposição investigativa uma leitura sobre o discurso que trata das mulheres indígenas nas narrativas coloniais, valendo-se e problematizando conceitos analíticos como “patriarcado” e “gênero”, é fundamental compreender como algumas categorias, mobilizadas pelos autores da documentação, são precedidas de séculos de construção textual e semântica que remetem àquilo que seria o ethos indígena para estes. Em meados do século XVIII já estavam bastante consolidados os estereótipos que fixavam a representação do indígena americano em características de selvageria, voracidade, inconstância, luxuria e canibalismo. Com isto em vista, verifica-se como a representação dos corpos indígenas circula em um regime de imagens e significados sempre ambivalente, onde “la sensorialidad del cuerpo indígena ha sido exaltada [...] como una cualidad instintiva que pone en cuestión su condición humana y racional, lo asemeja a los animales, lo exotiza, lo inferioriza, lo fetichiza y lo define”36, de modo que os autores da empresa colonial vão realizar, dentro de seu discurso, uma diferenciação entre o pensamento prático, instintivo, e a capacidade de “reflexão abstrata”:

Cuando les hablas de los caballos, de un tigre o de armas, cualquier abipón te parecerá un Demóstenes o un Tulio; pero si les preguntas sobre los sentimientos del espíritu y sus funciones, o sobre el habito de la virtud, la respuesta se volverá más obscura que la noche, y permanecerán mudos37.

Para o padre jesuíta Martin Dobrizhoffer, os indígenas Abipone não tinham em seu vocabulário palavras que remetessem à capacidade de formular representações abstratas, de maneira que sua capacidade de pensamento e ação estaria restrita à sua sensorialidade, e “mientras la sensación es algo puramente pasivo, la representación supone una actividad: las sensaciones son pasiones de la sensibilidad, y las representaciones son producciones del alma”38. Retomando a chave de leitura da formulação cartesiana de “penso, logo sou”, ao indígena, incapaz de desenvolver o raciocínio abstrato, restaria apenas a conclusão de que “no piensa, luego, no es”39. Essa determinação, estendida para o plano ontológico da questão, expressa a ambivalência com a qual se argumentava que os índios possuíam alma, mas seriam incapazes de raciocinar, o que os situava em um espaço limítrofe da humanidade.

A construção da alteridade pelo discurso colonizador é sempre instaurada inicialmente pela marcação da diferença e a criação do estranhamento assimétrico. Esta fixação da diferença é tão somente o primeiro passo para o estabelecimento das relações de poder desiguais em contextos de contato cultural. A mediação da diferença é realizada, sobretudo e principalmente, a partir da subjetivação dos corpos dos outros na ordem do discurso - diferença e subjetivação que se acentua no caso dos corpos das mulheres somando o poder colonial ao poder patriarcal, onde “o corpo feminino pode ser pensado como o primeiro ‘território’ a ser conquistado e ocupado pelo colonizador (homem, branco, cristão, europeu e heterossexual)”40.

É importante também assinalar, enquanto um dos muitos aspectos subjetivos que compõem as narrativas coloniais sobre os indígenas americanos, “o fato de que estes relatos são a consequência escrita da perturbação que a presença e a atuação dos índios exerceram sobre quem registrou”41. Uma afetação na escrita que se expressa pela admiração e nostalgia, ou pela repugnância e rejeição, ela recoloca o corpo do autor em seu texto, de maneira indelével, mas como uma marca d’água, visível através das ambivalências que compõem sua narrativa. Os padres jesuítas, ainda que estivessem rigidamente orientados pelas diretrizes institucionais da escrita da Companhia, deixam transparecer, em momentos, sua sensibilidade individual dentro das relações com os indígenas e com os espaços missionais, o que nos indicia a intensidade das negociações e transformações que cada jesuíta participou e sofreu.

No que tange à nossa análise das narrativas jesuíticas sobre as mulheres indígenas, podemos afirmar que o principal alvo dos ataques dos padres foram as feiticeiras indígenas, que incarnavam, na imagem das anciãs, o maior desafio à empresa evangelizadora. De fato, as velhas feiticeiras, entre os grupos indígenas da região do Chaco, representavam um perigo direto à autoridade dos sacerdotes, justamente pelo importante papel que estas detinham entre as parcialidades indígenas, como, por exemplo, a de introduzir palavras novas aos vocabularios nativos e de nomear e modificar nomes: “únicamente las indias viejas o indios viejos que se encuentran en el rango de hechiceros o brujos reparten nombres”42. Outro exemplo do importante papel figurado pelas anciãs é o processo de escarificação da pele, que constitui um dos ritos de passagem dos jovens para a vida adulta: “la cruel vieja describe los trazos, signos y líneas clavando muy hondo en las carnes las puntas de las espinas, de modo que por casi todo el rostro mana sangre”43.

Os traços negativos, com os quais descreviam as anciãs, frequentemente se manifestam na prática de narrar a degradação de seus corpos, representando-as como “unas viejas despreciables, harapientas y llenas de arrugas”44 Com efeito, as críticas às mulheres velhas fazem parte de um triplo processo de construção da diferença pelos agentes coloniais: enquanto velhas, pois “en las sociedades pre-industriales, donde el trabajo manual constituía la base de la economía, se privilegiaba la fuerza física y la juventud”45; enquanto mulheres, “a la que se pensaba mucho más inferior que el hombre”46; e enquanto mulheres velhas indígenas, que carregavam em seus corpos e em sua oralidade os valores e os conhecimentos ancestrais de suas parcialidades, e reclamavam para si uma posição de poder que conflitava diretamente com a autoridade dos padres.

Indubitavelmente, a figura das anciãs fazia parte de uma dinâmica “donde la presencia de ésta en el colectivo social era más temida que de los más nobles caciques”47. Isto porque as anciãs eram os alicerces da produção e manutenção da memória social dos grupos indígenas chaquenhos, carregando em si as histórias e os ritos que orientavam a perpetuação e a transformação do ser e estar indígena no território, elementos estes que os missionários tentavam combater cotidianamente. O lugar que estas mulheres detinham comprometia não apenas a atuação dos padres nas missões, mas a própria lógica do exercício do poder e da produção e transmissão de conhecimento moderno-colonial, onde “las personas con ‘falta de racionalidad’ (incluidas todas las mujeres del mundo) estaban epistémicamente excluidas de las estructuras de conocimiento”, como apontado por Grosfoguel48. Ademais, no desempenho de suas funções, os sacerdotes, assim como os demais agentes coloniais, enfrentaram o desafio constante de problematizar um conjunto de questões, especialmente aquelas relacionadas ao papel da mulher na “socialización y transmisión de valores en los nuevos modelos de familia y sociedad patriarcal que se estaban gestando en Europa e importando hacia las colonias americanas”49.

Nesse interim, condenavam-se determinadas práticas e condutas remarcadas como caracteristicamente femininas, consideradas contrárias ao modelo familiar que se buscava instituir. A esse respeito, resulta elucidativa a descrição dos casamentos entre os Guaná, feita por Félix de Azara. Segundo o seu relato, antes de efetivar a união, o pretendente estipulava uma série de “normas” em presença da noiva e de seus pais. Discutia-se “el género de vida común, y las obligaciones de cada contrayente, porque no son las mismas en todos los matrimonios dependiendo mucho del capricho de las mujeres”. Porém, é com pesar que afirma: “a pesar de tales contratos, no contraviene en pena el que falta a ello; ni por eso deja de ser el repudio o separación tan libres como todas las cosas, y aún más frecuente en esta nación que en ninguna, casi siempre ocasionado por las mujeres”50. Na sua narrativa é possível perceber a culpabilização da mulher indígena, fosse “por sua sexualidade aflorada, por não guardarem sua pureza e por manterem relações antes do casamento”, ou pela autonomia que tinham para escolher seus parceiros. A poligamia e o divórcio foram veementemente condenados51.

Para os funcionários coloniais as mulheres representavam uma ameaça, também ao modelo de maternidade que se construía e almejava implementar entre os grupos indígenas do Chaco. Isso porque, contrariando os valores cristãos, Azara indica que as indígenas praticavam a “inumanidade” de matar os seus filhos ainda no ventre, ou enterrar vivas as meninas recém-nascidas. Além das reprimendas morais lançadas contra essas mulheres, semelhantes “barbaridades” tinham como consequência acabar com as “mejores castas de los descendientes de Adán”52. Ao descrever os abortos praticados pelas Mbayá, ele enfatiza que nenhuma mulher

tiene más de un hijo, o hija, y si tiene dos, es porque tuvo dos maridos. Por lo común el hijo que conservan es de los últimos que conviven; a todos los demás los matan en el vientre estrujándolo con violencia luego que se sienten embarazadas, cuya manobra inhumana, se hace por las viejas, o por las mismas madres que muchas veces mueren, o guardan estropeadas de las resultas. Los padres miran esta brutalidad, con tanta indiferencia, que reconociéndoles yo sobre ella, me respondieron rindo que el hombre no debía entrometerse en cosas de mujeres53

Foram qualificados de “bárbaros” e “inumanos” todos aqueles atos que se distanciavam das próprias convenções dos narradores. Quanto mais discordantes no “âmago” do que era considerado “natural” ou “inato” às condutas humanas e civilizadas, mais acentuada tornava-se a sua alteridade. Ao mesmo tempo, o expediente utilizado para empreender a compreensão dessas práticas esteve atravessado pelas percepções do observador. Azara recorre às associações básicas do que ele e seus interlocutores consideravam características “inatas” ou “naturais” relativas à maternidade - “a ilusão de que algumas associações de um elemento simbólico são ‘primárias’ e autoevidentes”54. Ou seja, para ele, a palavra “mãe” carregava consigo associações primordiais, como o amor incondicional ao filho que ainda estava no ventre - sendo todas as atitudes desviantes, como o ato de “matar” a criança, fruto de atividades inumanas, cuja motivação encontrava-se únicamente no “capricho” dessas mulheres.

Em suas observações, ele lamenta a execução dessa “diabólica, e inhumana practica”55, atribuindo a ela o descenso populacional percebido em algumas “nações de índios”, e ponderando que:

Para tener una idea de lo que destruye esta costumbre, basta saber que el producto de ocho matrimonios será ocho hijos, de estos, según la probabilidad de la vida, morirán cuatro sin cumplir ocho años, y después dos sin llegar a los treinta y cinco o cuarenta, que es cuando conservarán a su último hijo, y restarán solo dos para unirse y conservar un hijo que será la segunda generación: y siendo la primera de ocho, resulta que cada uno solo es la octava parte de su precedente, y las naciones que han adoptado tal costumbre desaparecerán luego de la faz de la tierra. No puede verse sin dolor que un capricho mujeril extermine a las naciones más fuertes, altas, bellas y elegantes que conoce el mundo. Se cree que el amor principalmente de las madres a los hijos viene de la naturaleza, con tal imperio, que no puede haber madre que no ame a sus hijos tanto como a sí misma. Pero muchas de mis naciones de indios, son la excepción de esta regla, y hacen ver que un capricho en las mujeres tiene más fuerza que la misma naturaleza56.

Significativo, ainda, é notar, na documentação, o esforço narrativo dos sacerdotes jesuítas para degradar e ridicularizar todos os elementos identificados como femininos, traçando, inclusive, comparações com as mulheres europeias:

Es digno de admirar, pero a la vez de lamentar, que las europeas cristianas, desde niñas, caigan en el ridículo, al utilizar con abuso el rojo y otros colores, para atraer a aquéllos a quienes quieren agradar. Cuando se pintan, hacen dispendio de su hermosura nativa del mismo modo que las americanas cuando se lastiman57.

Na mesma medida, o padre Florián Paucke ressalta que as mulheres europeias são como as indígenas americanas em seu juízo estético, quando fala dos ritos de escarificação corporal pelos quais passam as mulheres Mocovi, ao atingirem a puberdade:

¿Y ésta sería la belleza de las indias? ¡Lo qué puede la imaginación! Como el sexo femenino europeo es tan ansioso por todas las modas [y] solo trata siempre de llevar sobre sí nuevos y exóticos vestidos de gala y aprecia en lo más a aquella [moda] que proviene desde tierras lejanas, podría también complacerse con aquella moda que procede desde algunos miles de leguas. Ahora yo preguntaría qué diferencia habría entre una locuela por las modas europeas y una india americana. Yo digo: [no hay] ninguna porque ambas son fantaseadoras y quieren ser bellas mediante la fealdad58.

Estando explícito que as narrativas dos autores modernos-coloniais apontam para a prática de uma violência simbólica e física contra os elementos femininos,59 é possível fazer inferências sobre como a epistemologia moderna se constituiu como a exclusão e a degradação sistemática de elementos identificados com o feminino, em prol do estabelecimento e manutenção do poder patriarcal. Destarte se pode afirmar que as descrições que os padres fizeram sobre a conduta moral e sexual dos indígenas, de que “respetaban al sexo débil”, como “no encontré muchas prisioneras españolas que vivían entre los abipones culpables de alguna infamia que afectara su castidad”60, foram traduzidas por intelectuais europeus como “a lack of male sexual appetite that made it impossible for humans to replicate themselves in large numbers”61, isto é, como um signo de fraqueza masculina, que favorecia as fêmeas de todas as espécies no continente americano, tornando-as superdesenvolvidas - uma aberração.

A feminização do indígena americano, justificado em elementos como a nãoviolação das mulheres e a falta de pelos no corpo, respondeu ao processo metonímico de inferiorização dos ameríndios, ressaltando a superioridade do colonizador e mobilizando “uno de los elementos claves en la praxis de poder colonial sobre el ser, la supuesta superioridad sexual de la que gozaban los viajeros europeos con relación a los nativos”62. A superioridade sexual dos espanhóis também foi exaltada pelos funcionários coloniais, como Gonzalo de Doblas, que descreveram, ao final do século XVIII, a “facilidade” com que as mulheres se entregavam ao apetite masculino. Com relação às indígenas Guarani, ele afirmava que:

[…] la incontinencia de las mujeres, así solteras como casadas, se mira con indiferencia; aun los mismos maridos paran poco la consideración en eso, y así se entregan las mujeres al apetito de los hombres, particularmente si son españoles o mandarines, con poca repugnancia y ciega obediencia, tal es la disposición de su ánimo a obedecer a todos los que consideran superiores63.

Outros apontavam, também, para a pouca fertilidade e falta de disposição dos maridos nas reduções, características que fizeram os jesuítas “tocar tambores a la media noche para que se despertasen los indios, y cohabitasen con sus mujeres. Si los indios no propagaban, como corresponde a un pueblo que no conoció celibateismo, esto viene de su poca fecundidad”64. Assim, a imagem que se difundiu entre os círculos europeus, e que foi cooptada e utilizada pelo poder colonial, foi a de que os indígenas varões tinham comportamentos do sexo oposto, e, valendo-se da ideia “de la mujer como antítesis de la razón”, acabava por realizar a manutenção da sujeição do indígena, “reforzando la irracionalidad que les caracterizaba”65. Também sobre isso, conta o padre Florián Paucke, de maneira anedótica, sobre o olhar indiscriminado que os índios faziam das vestimentas masculinas e femininas, utilizando-as com naturalidade em seu cotidiano

Uno de estos cuidadores de ganado creó junto con su mujer una moda cómica en la cual él me visitó en mi vivienda y me pidió un pedazo de tabaco. Su vestimenta no era otra cosa que el batón de su mujer que él tenía pendiente desde el cuello como una capa de coro. Cuanto más yo me reía, tanto más serio estaba parado ante mí el indio66.

Essas descrições de estranheza, frente aos comportamentos compreendidos como masculinos ou femininos, diferenciação que os índios pareciam ignorar, faznos constatar que “o aspecto mais desastroso no diálogo recaia sobre a instituição daquilo que os jesuítas chamam de ‘inversão’: ‘alguns dos homens andam como mulheres’”67. Isto, por conseguinte, faz emergir uma série de paradoxos, “because at the same time the Indigenous were considered to be close to nature, as they were not ‘civilized’, but their practices were judged to be ‘against nature’”68. Em alguns casos, a responsabilização pelos atos praticados “contra a natureza” pelos homens, foram, também, imputados às mulheres indígenas - como no caso da sodomia observada entre os Huanás.

La sodomía, y estos celos más exaltados que en las demás naciones toman origen en la escasez de mujeres que experimentan, y de resultas de haber adoptado las madres la singular e inhumana costumbre de enterrar vivas muchas de sus hijas en el momento que nacen, conservando los varones. Tan particular es esta práctica que se hace increíble a los que no la han visto, y atribuyen a poca fecundidad la escasez que admiran en las criaturas69.

Estas ambivalências narrativas possibilitam a leitura da representação da alteridade sob a chave do fetiche e da fobia, dado que a impossibilidade de estabelecer padrões de controle dos corpos corrói a lógica da dominação colonial: “fonte de medo e curiosidade, mas também de fascínio e desejo, a ideia de um ser ao mesmo tempo macho e fêmea, feminino e masculino, ameaça e questiona os limites dos padrões culturais sobre o que é ser homem ou mulher”70, onde

Dentro do discurso, o fetiche representa o jogo simultâneo entre a metáfora como substituição (mascarando a ausência e a diferença) e a metonímia (que registra contiguamente a falta percebida). O fetiche ou estereótipo dá acesso a uma ‘identidade’ baseada tanto na dominação e no prazer quanto na ansiedade e na defesa, pois é uma forma de crença múltipla e contraditória em seu reconhecimento da diferença e recusa da mesma71.

O ponto de identificação e fixação dos corpos das mulheres resulta em um problema ao fechamento da ordem colonial do discurso. O “ato de reconhecimento e recusa da ‘diferença’ é sempre perturbado pela questão de sua re-apresentação ou construção”72. O processo de fixação da diferença, que constitui elemento central na lógica de dominação, mas que deve ser ratificado ad infinitum gera uma cisão no discurso, onde alternativas às versões autorizadas da alteridade aparecem e se multiplicam. O outro assume, assim, uma dupla posição com relação à linguagem que trata dele: tanto como objeto do discurso construtor de quadros, quanto como catalisador da sua alteração.

O selvagem se torna a palavra insensata que encanta o discurso ocidental, mas que, por causa disto mesmo, faz escrever indefinidamente a ciência produtora de sentido e de objetos. O lugar do outro que ele representa é, pois, duplamente ‘fábula’: a título de um corte metafórico (fari, o ato de falar que não tem sujeito nomeável), e a título de um objeto a compreender (a ficção a traduzir em termos de saber). Um dizer para o dito - ele é rasura do escrito -, e obrigado a estender nele a produção - ele faz escrever73.

Assim, a despeito da “simplicidade” dos indígenas, conforme ela foi destacada pelos narradores coloniais, “porque no escribe, habla muy poco en idioma desconocido, al que tal vez faltan cien veces más voces de las que tiene, y porque no opera sino lo que le ordenan las pocas necesidades que experimenta” - ele não deixa de fascinar o discurso, uma vez que, apesar das ressalvas e das reprimendas feitas pelos narradores, “el indio por más bárbaro que sea, es la parte principal y más interesante de América”74. O observador usa prescritivamente as diferenças para estabelecer os limites entre o “eu” e o “outro”, ao mesmo tempo em que descreve essa separação, reforçando-a. Assim, dizer o outro, é “uma forma de falar de nós, se é verdade que a narrativa não pode escapar da polaridade eles/nós, a qual constitui sua armação infrangível. Um dos efeitos do texto é, portanto, contribuir para cercar o nós”75. Simultaneamente, o “outro” encanta o discurso, servindo como a alavanca que impulsiona a atividade escrita - a despeito das dificuldades encontradas para dizê-lo.

Além disso, chamamos a atenção para a relação entre as narrativas dos agentes coloniais, sejam eles jesuítas ou funcionários laicos, e o desenvolvimento da epistemologia moderna-ocidental - que definiu quais eram os corpos permitidos e os proibidos, estabeleceu padrões e normas corporais, e apontou, embrionariamente, para o aspecto masculino e heteronormativo da produção de conhecimento no Ocidente. Sendo assim, faz-se necessária uma reflexão diacrônica dos processos de composição narrativa, usos das representações sobre os ameríndios, produção de conhecimento moderno e exercício do poder colonial, identificando que o controle sobre os corpos indígenas e suas sexualidades significaram “a strict process of native heterosexualization that took place out of the control of their labor force and the imposition of moral and Family models within the Iberian Christian ideals at that time”76.

Essa práxis exotista moderna resume o indígena americano ao seu corpo, articulando nele os elementos constitutivos da alteridade radical no Ocidente, a saber, o corpo, o indígena e o feminino, dentro de uma cadeia de significados que faz circular a fobia e o fetiche pelo corpo, o medo pela imagem de selvageria, liberdade e harmonia e o desejo por estas mesmas imagens.77 Por outro lado, as negociações de poder dentro do espaço colonial significaram uma exaltação das figuras e elementos masculinos em relação, reconfigurando as próprias dinâmicas nativas de exercício de poder, de modo que “la misión significó la ratificación de los cacicazgos masculinos, no así de las cacicas”78. A cooptação dos homens, enquanto interlocutores privilegiados serviu, portanto, aos interesses da colonização e à eficácia de seu controle. Ela fez parte de uma tentativa de totalização progressiva da esfera política, entendida enquanto local exclusivamente masculino, - às mulheres, o discurso colonial relegou a um espaço de “externalidade objetificada para o olhar masculino, contagiado, por contato e mimese, com o mal da distância e exterioridade próprio do exercício de poder no mundo da colonialidade”79.

Este aspecto é fundamental para sustentar o argumento de que os grupos indígenas passaram por transformações internas radicais através das relações com a sociedade moderna. As autoras que escrevem a respeito deste tema desde uma perspectiva da crítica decolonial sustentam a partir de pesquisas etnográficas e históricas a existências de um “patriarcado de baixa intensidade”80 nas sociedades indígenas americanas que se acentuou com a incorporação de elementos da sociedade moderna ocidental. Embora não seja o nosso objetivo adentrar mais detidamente nessa discussão, a nossa leitura do material documental selecionado indica que o patriarcado serviu, muitas vezes, como modelo de inteligibilidade das práticas indígenas - sendo esse um dos elementos que estruturou as narrativas a partir de determinadas pautas preestabelecidas que deveriam ser abordadas pelos autores.

4. Considerações finais

Interessados em problematizar a documentação colonial sobre a América sob diferentes perspectivas teóricas, chegamos neste esforço a situar nossas trajetórias de pesquisa e nossas analises em consonância com correntes interdisciplinares preocupadas em pensar contextos históricos e culturais do Sul global, especialmente a América latina. Entendemos a importância de localizar a questão da produção de conhecimento e do fazer científico na contemporaneidade de maneira profundamente interseccional, seus engendramentos com as dinámicas do poder, com as estruturas de dominação em diferentes instâncias, tendo em vista o objetivo de desvelar estes processos de sujeição e subjetivação de pessoas e grupos, que atravessam séculos de nossa história.

Abordar a documentação colonial sobre a América no século XVIII a partir de instrumentos oriundos de teorias decoloniais é um empreendimento ainda bastante incipiente dentro das discussões nas ciências humanas sobre conceitos como gênero” e “patriarcado”, bem como sobre a questão das mulheres e do feminino de modo geral. Contudo, trazer estas reflexões com os devidos cuidados pode aportar muito tanto para a compreensão sobre a formação de estruturas de dominação que permanecem, ainda que ressignificadas, até hoje em países colonizados, quanto para atualizar as possibilidades de leitura e interpretação da própria documentação, e, consequentemente, da escrita da história dos povos indígenas.

É possível identificar, como acreditamos ter demonstrado, aspectos das narrativas onde os autores relatam suas percepções sobre as mulheres indígenas e o universo feminino latu sensu, onde transparece a inseparabilidade das estratégias políticas de controle sobre os corpos e as condutas indígenas, do caráter masculino e heteronormativo da produção de conhecimento, que compõe o fundamento da estrutura patriarcal e da diferenciação sexual de gênero no Ocidente moderno. Afirmar isto é fazer referência às diferentes camadas históricas e culturais que se empilham e modelam a compreensão que se tem hoje sobre essas temáticas.

Ainda que seja fundamental discutir e contextualizar o uso das categorías analíticas para interpretar as narrativas coloniais, seu emprego adequado abre espaço para pensar as continuidades entre o discurso que formou as percepções sobre os grupos indígenas em situação colonial e as circunstâncias atuais das estruturas de produção de conhecimento sobre estes grupos, bem como suas condições de existência e de atuação frente à sociedade moderna. A relevância dessa abordagem pode ser medida tanto em termos de diagnóstico das estruturas, quanto nas potencialidades de elaboração de quadros de resistência, que enfatizem o lugar das mulheres indígenas na história e suas ações nos coletivos.

É significativo que a necessidade de controle e integração dos grupos indígenas à sociedade colonial passou pela degradação e inferiorização das mulheres e dos elementos considerados femininos, tramando e ajudando a formular o discurso que serviu de base para a desvalorização destas em suas diferentes esferas de atuação e, em última instância, o apagamento de sua presença nos quadros do conhecimento histórico. Reconhecer isso é apenas um passo na direção da descolonização do saber que se almeja, e que deve configurar no exercício de visibilizar, e efetivamente elucidar as perspectivas indígenas de pensar o mundo e a historicidade. Embora não tenhamos nos dedicado a explorar mais detidamente as possibilidades de atuação dessas mulheres, limitando-nos a problematizar principalmente os diferentes “filtros” pelos quais as suas atitudes foram interpretadas - e constantemente reprimidas pelos agentes coloniais - isso não significa que tenhamos relegado de antemão a sua capacidade de ação à uma aceitação tácita das imposições patriarcais e de gênero. Consideramos que essas mulheres ocupavam um locus fraturado no universo colonial, em que se produzia um movimento tenso “entre a desumanização e a paralisia da colonialidade do ser, e a atividade criativa do ser-sendo”81. Esse pressuposto permitiu que nossa atenção se voltasse para as estruturas de dominação que davam forma às narrativas coloniais sem que, com isso, fosse eliminada qualquer possibilidade de se vislumbrar a sua capacidade de ação frente a essas mesmas estruturas.

Nos parece fundamental destacar, à guisa de conclusão, mas também como apontamento para futuras pesquisas, a centralidade e magnitude das anciãs indígenas em seu papel de manutenção e atualização da memória social dos grupos chaquenhos. Embora constantemente atacadas e reprimidas nos espaços reducionais, elas se mantiveram como núcleo da produção de conhecimento indígena e da consciência histórica coletiva, ensejando continuidades culturais que podem ainda reverberar contemporaneamente nas sociedades ameríndias do Chaco.

Nossa intenção, ao assumir esse posicionamento simultaneamente ético e político, advém da necessidade de cuidado ao abordarmos contextos distintos daqueles que informam a nossa própria tradição de pensamento - de modo a não deduzir, apressadamente, a subjetividade dos sujeitos coloniais a partir da nossa própria subjetividade. Por outro lado, apontar para aqueles elementos que informaram o discurso moderno-colonial com relação às mulheres indígenas nos ajuda a pensar para além das próprias intenções dos diferentes narradores, uma vez que, por mais controlada que fosse a atividade escrita e de inscrição da alteridade nas narrativas, nem todos os elementos puderam ser completamente inteligíveis aos observadores e, por isso mesmo, foram incompletamente traduzidos.

Conforme o que foi anteriormente indicado, é justamente a partir desses lapsos e ambivalências narrativas que se encontram os momentos potencialmente valiosos para que possamos sobrepassar uma interpretação linear das fontes, indicando como os anseios, fobias e temores desses observadores modelam o produto da sua atividade - e também, de que forma os sujeitos descritos perturbaram e agiram sub-repticiamente sobre a elaboração mesma dessas narrativas, o que não significa ignorar a posição hierárquica e desigualmente estabelecida entre aquele que descreve e aqueles que são descritos. Porém, a despeito dessa particularidade nos textos que aqui foram abordados, ainda podemos encontrar fragmentos que apontam para uma dialogicidade latente, principalmente quando o discurso moderno-colonial é obrigado a confrontar essas ambiguidades fazendo delas o material sobre o qual estender a atividade escrita. Acessar os rastros deixados pela voz dessas mulheres nas fontes, que foram solapados pelas palavras ditas e reinterpretadas pelos jesuítas, não é uma tarefa metodológica simples. Para que essa tarefa seja realizável é preciso mergulhar nas entrelinhas dessas narrativas, mantendo um alerta permanente para as modalidades do discurso jesuítico frente ao universo feminino/outro descrito pelos padres82.

A necessidade constante de relatar as perturbações causadas pelas “velhas” indígenas nos ajudam a pensar no papel preponderante que elas desempenharam nas dinâmicas sociológicas das sociedades nativas. Elas eram as responsáveis pela nomeação, conforme o que que foi anteriormente apontado - procedimento que demarcava uma das transições operadas na vida dos sujeitos, e que está diretamente relacionada com o próprio devir dessas comunidades. As atividades que foram veementemente condenadas pelos padres, como no caso das reuniões de bebedeiras também tinham nas mulheres velhas um elo fundamental: elas eram as responsáveis pela confecção das bebidas embriagantes83. Não somente nas cerimônias e ritos de passagem sua presença era de vital importância, mas também na sua atividade de guardiãs da memória do passado84. A permanência e manutenção desses conhecimentos condensavam tudo aquilo que deveria ser combatido pelos inacianos, em prol do progresso das pautas civilizatórias que se pretendiam impor. Era preciso, portanto, combater os antigos costumes e práticas “bárbaras” perpetuados por essas mulheres, muitas vezes retratadas como empedernidas e inabalavelmente atreladas às antigas tradições. Embora as perturbações decorrentes da presença dessas anciãs fosse um estorvo para as pretensões dos padres, elas continuaram a figurar como um ponto de equilíbrio na manutenção da precária ordem reducional - sendo assim, foi preciso adequar um certo grau de tolerância às suas atividades, fundamentais para manter os demais habitantes dentro dos espaços missionais.

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1 Jorge Cañizares Esguerra, Como escrever a História do Novo Mundo. (São Paulo: EDUSP, 2011).

2Esse é o caso, por exemplo, da reificação da imagem das indígenas Mocovi percebidas enquanto “guerreiras” ou “amazonas” pelos padres jesuítas Florián Paucke e Martín Dobrizhoffer no século XVIII. Para Mariana Gómez, as mulheres funcionavam como uma metonímia do mundo indígena, já que “al proyectar la imagen de la indígena como una guerrera o una amazonas, se escenificaba lo bajo, salvaje, remoto y la otredad sexual y cultural que el Chaco connotaba en tanto espacio vacío de civilización”. Mariana Gómez, “Bestias de carga, amazonas y libertinas sexuales. Imágenes sobre las mujeres indígenas del gran chaco”, en Ángela Sacchi y Márcia Maria Gramkow, (Coords.), Gênero e povos indígenas: coletânea de textos produzidos para “Fazendo o Gênero 9” e para a “27º Reunião Brasileira de Antropologia” (Rio de Janeiro: Museu do Índio FUNAI, 2012), 38.

3Dobrizhoffer nasceu em Friedberg, no ano de 1718. Em 1747, 11 anos após ter ingressado na Companhia foi destinado ao Rio da Prata onde permaneceu até o momento da expulsão. Paucke nasceu em 1719, na Silésia. Um ano após ter se ordenado sacerdote chegou ao Rio da Prata, em 1749 e, assim como Dobrizhoffer, esteve em território americano até 1767. María Laura Salinas, y Fátima Victoria Valanzuela,, “Abipones y mocobíes en la historiografía del exilio. Percepciones de los jesuitas expulsos sobre el gran chaco. Siglo XVIII”, Andes, Antropología e Historia, vol. 32, n.°2 (2021): 14.

4Florencia Tola, Introducción. Acortando distancias. El Gran Chaco, la antropología y la antropología del Gran Chaco, en Florencia Tola; Celeste Medrano, y Lorena Cardim, (coords.), Gran Chaco: ontologías, poder afectividad (Buenos Aires: Asociación Civil Rumbo Sur, 2013), 12.

6 Martín Dobrizhoffer, Historia de los Abipones, vol. 3. (Resistencia: Universidad Nacional del Nordeste, [1784] 1967), 216.

7Eduardo Viveiros de Castro, Metafísicas Canibais. (São Paulo: Cosac Naify, 2015), 32.

8Roy Wagner argumenta no sentido de que toda a invenção, aqui tomada enquanto “construído”, acaba contrainventando suas pré-condições de existência, aquilo que está “dado”. “O efeito dessa invenção é tão profundo quanto inconsciente; cria-se o objeto de estudo no ato de tentar representa-lo mais objetivamente e ao mesmo tempo se criam (por meio de extensão analógica) as formas por meio das quais ele é inventado”. Roy Wagner, A invenção da cultura. (São Paulo: Cosac Naify, [1975] 2010), 36-37.

9Wagner, A invenção da cultura, 46.

10 Sanjay Seth, “Razão ou Raciocínio? Clio ou Shiva?”, História da historiografia, vol. 1, n.°11, ([2004] 2013), 187.

13Limic, “Para un diálogo interepistémico y decolonial entre feministas occidentales y no occidentales”, 138.

14Sanjay Seth., Beyond Reason. Postcolonial Theory and the Social Sciences. (New York: Oxford University Press, 2021), 23.

15Dan Wood, “Descolonizar el conocimiento: una mise en place epistemográfica”, Tabula Rasa, vol. 1, n.°27 (2017): 309.

16Cañizares, Como escrever a História do Novo Mundo, 22-23.

17Mariana Gómez, “La mirada cosmologicista sobre el género de las mujeres indígenas en la antropología del Chaco argentino: una crítica”, Corpus, vol. 7, n.°1 (2017): 4.

18Viveiros de Castro, Metafísicas Canibais, 21.

19Nesse sentido, o vasto e heterogêneo projeto de construção do sujeito colonial como outro constitui-se, também, como uma forma de violência epistêmica cujo resultado é a obliteração assimétrica do rastro desse outro em sua precária subjetividade. Gayatri Chakravorty Spivak, Pode o subalterno falar? (Belo Horizonte: Editora UFMG, [1985] 2010), 47.

20Para Cecília McCallum pensar os grupos indígenas “numa dicotomia que opõe modernidade à tradição representa uma violência epistemológica maior do que aquela que porventura resulta do uso de uma categoria analítica como gênero”. Cecilia Mccallum, “Notas sobre as categorias ‘gênero’ e ‘sexualidade’ e os povos indígenas”, Cadernos Pagu, vol. 41, n.°1 (2013): 55. A reificação de uma “não-contemporaneidade histórica entre o antropólogo e o nativo”, ocasionada pela generalização e naturalização da ideia de que o mundo de outrem não existe fora da sua expressão - transformada em uma condição eterna e imutável -geraram um dos equívocos clássicos da antropologia: a primitivização do outro e seu congelamento enquanto objeto do passado absoluto. Eduardo Viveiros de Castro, “O nativo relativo”, Mana, vol. 8, n.°1 (2002): 144.

21De acordo com Mariana Gómez há uma negação em mostrar as “condiciones de interlocución” e os “intereses ideológicos” que qualquer pessoa assume nas narrativas que tratam de culturas outras que as europeias. Gómez, “La mirada cosmologicista sobre el género de las mujeres indígenas en la antropología del Chaco argentino: una crítica”, 4.

22Ângela Sacchi y Márcia Maria Gramkow, “Introdução”, en Ângela Sacchi y Márcia Maria Gramkow (oords.), Gênero e povos indígenas: coletânea de textos produzidos para o “Fazendo Gênero 9” e para a “27ª Reunião Brasileira de Antropologia”. (Rio de Janeiro: Brasilia, Museu do Índio/GIZ/FUNAI, 2012), 20.

23Wagner, A invenção da cultura, 41.

24Donna Haraway., “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”, Cadernos Pagu, vol. 1, n.°5, ([1988] 1995): 21. Seu oposto seria “um olhar conquistador que não vem de lugar nenhum. Este é o olhar que inscreve miticamente todos os corpos marcados, que possibilita à categoria não marcada alegar ter o poder de ver sem ser vista, de representar, escapando à representação. Este olhar significa as posições não marcadas de Homem e Branco, uma das varias tonalidades desagradáveis que a palavra objetividade tem para os ouvidos feministas”. Donna Haraway, “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”, 18.

25Julieta Paredes fala da colonização do tempo que acaba por submeter temporalidades outras à lógica cronocêntrica ocidental. “Se trata de descentrar el tiempo de la hegemonía colonial y, desde esta concepción, de descentrar el tiempo de Europa para así recuperar el tiempo nuestro: el tiempo de vida en nuestros territorios desde los tiempos ancestrales, y desde ahí proyectar nuestro propio tiempo como una raíz de temporalidad, que hoy nos posiciona a nosotras en los tiempos actuales que nos toca vivir. Los tiempos no son los mismos en los diferentes territorios”. Julieta Paredes, “El feminismo comunitario, la creación de un pensamiento propio”, Corpus, vol. 7, n.°1 (2017): 3-4. Nesse sentido, Rita Segato defende que é preciso “abandonar os argumentos relativistas e do direito à diferença e substituí-los por um argumento que se apoie no que sugeri definir como pluralismo histórico. Os sujeitos coletivos dessa pluralidade de histórias são os povos, com autonomia deliberativa para realizar seu processo histórico, ainda que em contato, como sempre foi, com a experiência, as soluções e os processos de outros povos”. Rita Laura Segato, “Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial”, e-cadernos CES [Online], vol. 18, n.°1 (2012): 111.

26Limic. “Para un diálogo interepistémico y decolonial entre feministas occidentales y no occidentales”, 135.

28Hugo Aníbal Busso, “Salirse del juego’. Perspectivas de articulación teórica entre la crítica decolonial transmoderna con las reflexiones de Foucault y Deleuze”, Tabula Rasa, vol. 16, n.°1 (2012): 111.

29Walter Mignolo entende essa proposta como a tentativa de constituição de “um paradigma outro”, que busca a descolonização epistêmica para além dos pressupostos da modernidade. Sua emergência nos espaços de fronteira do Sul global requer a constituição de “epistemologías fronterizas, por un lado, y la apertura hacia la di (o pluri)versalidad y no ya la cerrazón en un ‘nuevo paradigma’ dentro de la ‘universalidad’ [moderna]”. Walter Mignolo, “‘Un paradigma otro’: colonialidad global, pensamiento fronterizo y cosmopolitanismo crítico”, Dispositio, vol. 25, n.°52 (2005): 128.

30“La conquista de Al-Andalus fue tan importante en las mentes de los conquistadores españoles que Hernán Cortés, conquistador de México, confundió con mezquitas los templos sagrados de los aztecas”. Grosfoguel, “Racismo/sexismo epistémico, universidades occidentalizadas y los cuatro genocidios/epistemicídios del largo siglo XVI”, 42.

31Grosfoguel, “Racismo/sexismo epistémico, universidades occidentalizadas y los cuatro genocidios/epistemicídios del largo siglo XVI, 33.

32Grosfoguel, “Racismo/sexismo epistémico”, 51.

33Grosfoguel, “Racismo/sexismo epistémico”, 42.

35Ballestrin, “Feminismos subalternos”, 1037.

37Dobrizhoffer, Historia de los Abipones, 183.

38Gustavo Caponi, “La discontinuidad entre lo humano y lo animal en la Historia natural de Buffon”, História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 24, n.°1 (2017): 67.

39Bucheli, “La ‘colonialidad del ser’ en los discursos ilustrados sobre el cuerpo indígena americano”, 229.

40Ballestrin, “Feminismos subalternos”, 1038. A respeito desse processo de subjetivação no discurso, e suas implicações para um novo funcionamento da escrita ocidental, Michel de Certeau percebeu na “Alegoria da América”, de Jan Van der Atraet, uma metáfora para a própria escrita da história, e sua alteração a partir do encontro colonial. A figura de Vespúcio diante da América, retratada como uma mulher indígena, estendida nua, anuncia a presença não nomeada da diferença. Por trás dessa surpresa inicial, “o que assim se disfarça é uma colonização do corpo pelo discurso do poder. É a escrita conquistadora”. Sua característica principal será a da utilizar “o Novo Mundo como uma página em branco (selvagem) para nela escrever o querer ocidental. Transforma o espaço do outro num campo de expansão para um sistema de produção. A partir de um corte entre um sujeito e um objeto de operação, entre um querer escrever e um corpo escrito (ou a escrever) fabrica a história ocidental”. Michel de Certeau, A escrita da História. (Rio de Janeiro: Forense Universitária, [1975] 1982), 9-10.

42Florián Paucke, Hacia allá y para acá: una estada entre los indios mocovíes, 1749-1767, tomos II e III. (Tucumán: Universidad Nacional de Tucumán, [1780] 1943), 175.

43Dobrizhoffer, Historia de los Abipones, 35.

44Dobrizhoffer, Historia de los Abipones, 105.

45Beatriz Vitar, “La subversión del orden jesuítico: las ancianas indígenas y su resistencia a la acción misionera en el Chaco”, Missões: Revista de Ciências Humanas e Sociais, vol. 1, n.°1 (2015): 61. Sobre a narrativa jesuítica a respeito dos corpos das mulheres indígenas no Chaco ver também: Beatriz Vitar, Cuerpos bajo vigilancia. Las mujeres en las misiones jesuíticas del chaco. (Buenos Aires: SB editora, 2022).

46Bucheli, “La ‘colonialidad del ser’ en los discursos ilustrados sobre el cuerpo indígena americano”, 229.

48Grosfoguel, “Racismo/sexismo epistémico, universidades occidentalizadas y los cuatro genocidios/epistemicídios del largo siglo XVI”, 52.

49Gómez, “Bestias de carga, amazonas y libertinas sexuales. Imágenes sobre las mujeres indígenas del gran chaco, 31.

50Félix de Azara, Descripción e historia del Paraguay y del Rio de la Plata. (Buenos Aires: Editorial Bajel, [1847] 1943), 134-135.

52 Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (BN), Manuscritos da Coleção de Angelis, Rolo 9, doc. 1-181 n. 2. Azara, Félix de. Descripción histórica, física política y geográfica de la provincia del Paraguay. Autógrafo inédito de D. Félix de Azara, 9 de julio de 1793, 109.

53BN, Manuscritos da Coleção de Angelis, Rolo 9, doc. 1-181 n. 2. Azara, Félix de. Descripción histórica, física política y geográfica de la provincia del Paraguay. Autógrafo inédito de D. Félix de Azara, 9 de julio de 1793, 105.

54Wagner, A invenção da cultura, 80.

55BN, Manuscritos da Coleção de Angelis, Rolo 9, doc. 1-181 n. 2. Azara, Félix de. Descripción histórica, física política y geográfica de la provincia del Paraguay. Autógrafo inédito de D. Félix de Azara, 9 de julio de 1793, 109.

56Azara, Descripción e historia del Paraguay y del Rio de la Plata, 151.

57Dobrizhoffer, Historia de los Abipones, 37.

58Paucke, Hacia allá y para acá: una estada entre los indios mocovíes 1749- 1767, 141-142.

59Estevão Fernandes e Bárbara Arisi exemplificam, por meio de um relato do capuchinho Yves d’Evreux, a violência que um índio sofreu por ter aspecto de homem, mas o rosto e a voz de uma mulher, e que “finally he was caught, tied up, and brought to the Fort of São Luis, where they chained his feet and kept him under surveillance until the leaders of other villages arrived to watch [his death]”. Estevão Rafael Fernandes y Barbara Arisi, Gay Indians in Brazil: untold stories of the colonization of indigenous sexualities. (Cham: Springer International Publishing AG, 2017), 7.

60Dobrizhoffer, Historia de los Abipones, 143.

61Kristin Huffine, “Raising Paraguay from decline: memory, ethnography, and Natural History in the eighteenth-century accounts of the Jesuit fathers”, en Figueroa, Luis Millones y Ledezma, Domingo (Coords.), El saber de los jesuitas, historias naturales y el Nuevo Mundo. (Frankfurt: Vervuert; Madrid, Iberoamericana, 2005), 284.

62Bucheli, “La ‘colonialidad del ser’ en los discursos ilustrados sobre el cuerpo indígena americano”, 238.

63Gonzalo de Doblas, “Memoria histórica, geográfica, política y económica sobre la provincia de misiones de indios guaranís”, en Angelis, Pedro de (Ed.). Colección de obras y documentos relativos a la historia antigua y moderna de las Provincias del Río de la Plata. volumen. III. (Buenos Aires: Imprenta del Estado, [1785] 1836), 11.

64BN, Manuscritos da Coleção de Angelis, Rolo 9, doc. 1-181 n. 2. Azara, Félix de. Descripción histórica, física política y geográfica de la provincia del Paraguay. Autógrafo inédito de D. Félix de Azara, 9 de julio de 1793, 136-137.

65Vitar, “La subversión del orden jesuítico: las ancianas indígenas y su resistencia a la acción misionera en el Chaco”, 68.

66Paucke, Hacia allá y para acá: una estada entre los indios mocovíes, 1749-1767, 149.

67Maria Cristina dos Santos y Jean Baptista, “Reduções jesuíticas e povoados de índios: controversias sobre a população indígena (séc. XVII-XVIII)”, História Unisinos, vol. 11, n.°2 (2007): 246.

68Fernandes, y Arisi, Gay Indians in Brazil: untold stories of the colonization of indigenous sexualities, 22. A dicotomia hierarquicamente estabelecida entre os domínios do humano e do não-humano “também tornou-se uma ferramenta normativa para condenar os/as colonizados/as. As condutas dos/as colonizados/as e suas personalidades/almas eram julgadas com bestiais e portanto não gendradas, promíscuas, grotescamente sexuais e pecaminosas. [...] Hermafroditas, sodomitas, viragos e os/as colonizados/as, todos eram entendidos como aberrações da perfeição masculina”, María. Lugones, “Rumo a um feminismo descolonial”, Revista Estudos Feministas, vol. 22, n.°3 ([2010] 2014): 936-937.

69BN, Manuscritos da Coleção de Angelis, Rolo 9, doc. 1-181 n. 2. Azara, Félix de. Descripción histórica, física política y geográfica de la provincia del Paraguay. Autógrafo inédito de D. Félix de Azara, 9 de julio de 1793, 96-97.

70Jorge Leite Junior, “‘Que nunca chegue o dia que irá nos separar’ - notas sobre epistémê arcaica, hermafroditas, andróginos, mutilados e suas (des)continuidades modernas”, Cadernos Pagu, vol. 33, n.°1 (2009): 291.

71Homi Bhabha, O local da cultura. (Belo Horizonte: Editora UFMG, [1994] 1998), 116.

72Bhabha, O local da cultura, 125.

73Certeau, A escrita da História, 235-236.

74Azara, Descripción e historia del Paraguay y del Rio de la Plata, 99.

75François Hartog, O Espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro. (Belo Horizonte: Ed. UFMG, [1980] 1999), 365-366.

76Fernandes y Arisi, Gay Indians in Brazil: untold stories of the colonization of indigenous sexualities, 27.

77Mircea Eliade escreveu sobre o mito da androginia, da união dos elementos masculinos e femininos, rememorando “a nostalgia de toda cultura por uma nunca existente idade do ouro, quando os opostos eram unos, as diferenças integradas e as divergências, contradições e desigualdades não tinham lugar distinto na existência”. Junior, “Que nunca chegue o dia que irá nos separar’ - notas sobre epistémê arcaica, hermafroditas, andróginos, mutilados e suas (des)continuidades modernas”, 292.

78Vitar, “La subversión del orden jesuítico: las ancianas indígenas y su resistencia a la acción misionera en el Chaco”, 63.

79Segato, “Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial”, 120. Apesar disso, as mulheres continuaram a participar da esfera política, embora utilizassem outros meios que não aqueles institucionalizados pelo poder colonial. Veja-se, por exemplo, o depoimento de Azalene Kaingang: “As mulheres têm formas próprias de se impor, de se fazer ouvir, de fazer valer a sua ‘autoridade’ e de comandar revoluções silenciosas no interior das suas aldeias, sem que isso fique explícito. Entre os kaingáng, por exemplo, recordo que meu pai, cacique durante muito tempo, trazia os problemas da comunidade para dentro de casa e os discutia com minha mãe. Embora ninguém mais soubesse, muitas das decisões e das soluções que ele adotava eram ideias dela”. Azelene Kaingang, “Depoimento de uma militante”, en Pinsky, Carla y Pedro, Joana (coords.), Nova História das Mulheres no Brasil. (São Paulo: Contexto, [2012] 2013), 200.

80Ballestrin, “Feminismos subalternos”; Gómez, “La mirada cosmologicista sobre el género de las mujeres indígenas en la antropología del Chaco argentino: una crítica”; Segato, “Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial”.

81Lugones, “Rumo a um feminismo descolonial”, 949.

82Vitar, Cuerpos bajo vigilancia. Las mujeres en las misiones jesuíticas del chaco, 25.

83Dobrizhoffer, Historia de los Abipones, 147.

84Vitar, Cuerpos bajo vigilancia. Las mujeres en las misiones jesuíticas del chaco, 193.

Para citar este artículo: Campos-Rodrigues, Bruno y Ferreira -de Lema, Fabricio. «Mulheres que não são de papel: o discurso sobre as mulheres indígenas no Chaco desde uma perspectiva decolonial (séc. XVIII)». Anuario de Historia Regional y de las Fronteras, 28.2 (2023):pp: 195-222. DOI: https://doi.org/10.18273/revanu.v28n2-2023008

85El artículo se origina de la convergencia de nuestras investigaciones de Máster, dónde tanto en el desarrollo de una y otra investigación, surgió la inquietud a respeto de las narrativas de los agentes coloniales sobre las mujeres indígenas, de manera que empezamos cuestionar nuestras fuentes de manera conjunta. Las dos investigaciones tuvieron financiamiento del CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Recebido: 18 de Janeiro de 2023; Aceito: 02 de Maio de 2023

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