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Memoria y Sociedad

versão impressa ISSN 0122-5197

Mem. Soc. v.16 n.32 Bogotá jan./jun. 2012

 

Apresentação: Imagem e Ciências Sociais

Marta Cabrera*
Oscar Guarin**

Ph. D. Comunicação e Estudos Culturais. Diretora do Mestrado em Estudos Culturais e diretora do Departamento de Estudos Culturais da Pontifícia Universidade Javeriana. Correio eletrônico: marta.cabrera@javeriana.edu.co

Discente de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Professor Assistente do Departamento de Historia Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Javeriana. Correo electrónico: oscarguarin@gmail.com


Poder-se-ia argumentar, em geral, que pesquisadores que trabalham com imagens ocupam um espaço minoritário, mal compreendido e até mesmo pouco apreciado dentro das disciplinas das ciências sociais1. A razão é que elas foram concebidas, em grande medida, como "disciplinas de palavras" 2, nas quais o papel da imagem frequentemente se limita ao de suporte do texto escrito ou ilustração.

Embora o uso de materiais visuais e audiovisuais tem longa tradição em algumas disciplinas das ciências sociais, tais como história, sociologia e antropologia, na atualidade, percebe-se notável e renovado interesse por as pesquisas inserir imagens. Isso é, basicamente, devido ao dinamismo das mudanças tecnológicas nas últimas duas décadas e a reflexão teórica animada que tem acompanhado estes processos3.

Assim, a reflexão sobre a imagem desloca-se da história da arte, o campo que tradicionalmente tem se ocupado da imagem e os seus efeitos (embora sua ênfase tenha incidido em manifestações materiais particulares tais como pintura e no fenômeno da arte como expressão localizada em coordenadas geográficas e sociais específicas), para as ciências sociais a partir de perspectivas diferentes: como um objeto, como um problema ou mesmo como uma abordagem metodológica.

De feito, um interesse comum em disciplinas como antropologia, sociologia e áreas inter e transdisciplinares, como comunicação e estudos culturais e visuais, devido a temas como cultura material, as práticas de representação, interpretação de textos culturais e compreensão de formas de relações sociais, entre outros, abriu a porta para uma variedade de usos da imagem que tem contribuído para o desenvolvimento de cruzamentos interdisciplinares, e o surgimento de debates e questionamentos teóricos e metodológicos.

Este é o objetivo principal deste dossiê: fornecer uma visão geral do trabalho contemporâneo em torno da imagem desde uma perspectiva ampla, ou seja, estender a noção de imagem (retórica, literária, sonora, visual), reconhecendo a sua triple condição de texto cultural, representação e lugar de produção cultural, e examinar suas âncoras múltiplas em uma tentativa de oferecer caminhos teóricos e metodológicos inovadores em sua abordagem.

Na verdade, a proliferação atual de estudos sobre imagem está ainda longe de ser um ente unificado. As abordagens nem sempre coincidem nas suas preocupações teóricas e metodológicas, no entanto desde uma perspectiva panorâmica, complementam-se mutuamente. Cada disciplina desenvolveu de uma maneira particular aproximações aos problemas e perguntas que a imagem suscita, e as respostas e achados foram igualmente variegados.

Ao risco de parecer excessivamenteesquemáticos, mas para assinalar só algumas generalidades destas aproximações, temos, por exemplo, que a preocupação central da disciplina histórica foi pelas possibilidades de construir a imagem como fonte, o que tem derivado numa série de questionamentos metodológicos contumazes e uma prevenção e relutância a confiar na imagem e suas possíveis informações. A antropologia, por sua vez, cuja origem e desenvolvimento estão ligados intimamente à imagem, centrou sua reflexão em torno das perguntas pela alteridade e a sua representação e, em termos gerais, pelos efeitos do colonialismo e racismo nas dimensiones do ver e o olhar. Enquanto isso, a sociologia tem aprofundado os aspectos metodológicos que visam para mais alem da "leitura" das imagens incorporando crescentemente registros audiovisuais de processos sociais que misturam no tempo, assim como as formas de incorporar seus sujeitos, oferecendo, desta maneira, processos de pesquisa inclusivos, ativos e participativos, como também resultados de pesquisa tão elaborados que aditam dimensões sensoriais à análise, aspecto tradicionalmente ignorado pela disciplina.

Igualmente, a desancoragem da imagem dos protocolos linguísticos (onde esta é considerada um texto suscetível de ser lido), sua passagem para formas de analise atentas às suas lógicas intrínsecas4 e as complexas conexões com o poder e conhecimento5 abriram novas perspectivas para seu uso nas disciplinas e, mesmo, nos espaços interdisciplinares tais como os estudos visuais.

Desta forma, os artigos coletados neste número dão conta de problemas que achamos centrais na análise do fenómeno da imagem. O primeiro deles tem a ver com as dimensões metodológicas e teóricas da imagem, assim como com as possibilidades analíticas. Neste sentido, o artigo de Tomás Pérez Vejo, ¿Pode se escrever história a partir de imagens? O historiador e as fontes icônicas, questiona-se pela possibilidade de fazer história

a partir das imagens e, pela maneira em que estas podem se tornar fontes para a análise. Transcendendo a mera questão pelo método, está prestes a propor, ao contrário, perguntas sugestivas sobre aquilo que pudermos encontrar e obter das imagens em tanto testemunhos do passado. Uma reflexão em linha análoga da que propor W.T.J. Mitchell6, quer dizer, não sobre o que as imagens podem nos dizer, mas sim sobre o que devemos lhes perguntar.

Em linha de análise próxima, o professor Schollhammer parte do trabalho Apagamentos, da artista brasileira Rosângela Rennó, do qual extrai fotografias dos arquivos policiais sobre cenas de crimes, para propor, em A Cena do Crime - reflexões sobre um palco do contemporâneo, uma serie de perguntas ao redor da maneira que as imagens forenses constituem-se em ponto de inflexão entre memória e história, onde tem lugar o encontro dos feitos acontecidos e das futuras interpretações, vinculando historia da arte, literatura e história.

Um segundo problema gira em torno da relação entre imagem e discurso e, particularmente, do lugar de produção do discurso sobre esta. A imagem, ao invés de apenas um fenômeno visual, implica olhar e interpretação, que são lugares onde as relações entram em disputa pelo poder, saberes, instituições e tradições, como mostra o trabalho de Carlos Rojas Cocoma, Tradição ou revolução: invenção da arte colonial na historiografia colombiana da década de 1960. Este artigo apresenta o debate sobre a criação do campo da arte colonial a partir da análise do lugar de produção dos críticos e historiadores da arte, igualmente, mostra as complexas operações implícitas neste processo.

Outro dos núcleos problemáticos a emergir é o que relaciona imagens e subjetividade. A dimensão emocional e afetiva envolvida nas imagens questiona a maneira aprofundada das ciências sociais; ao ter que dar conta destes elementos, os seus instrumentos analíticos ficam suspensos. Assim, o artigo de Catalina Cortes Severino, SIENA'GA: Imagem no meio da interposição de

temporalidades e espacialidades, propõe analisar a relação entre memória e passado a partir da análise de um álbum de família, explorando novas formas de escrita que dão conta da subjetividade, a qual é vista como um ponto sugestivo de partida para refletir sobre o jeito como imagens, passado e corpo entrelaçam-se dialogicamente.

Finalmente, no centro do debate sobre imagem tem se achado o tema da representação, pelo qual o número inclui um artigo sobre cartografia. Um mapa é síntese e ponto de inflexão das dimensões da realidade, do sabido e do almejado, no ponto que poderia se afirmar que é a imagem por excelência e soma dos debates sobre representação. O artigo de Nara Fuentes Crispín, Triângulos e anseios de precisão. Entre a geografia de escrivaninha e a geografia de campo: discurso e escritório de Juan Polo y Catalina, trata, então, da dimensão cartográfica e as representações do território elaboradas por este geógrafo espanhol do século xvin. Com base nos conhecimentos e saberes deste contexto, a pesquisadora adentra-se na natureza das representações cartográficas e nos complexos processos envolvidos na elaboração de um mapa a partir de uma série de dados e informações de quem não viaja. Geografia de escrivaninha, tal como vem revelar a autora, é um exercício do olhar científico cujos instrumentos de visagem procuraram o ideal do geógrafo: exatidão na medição.

Para fechar, este primeiro número monográfico de Memória e Sociedade sobre imagem e ciências sociais oferece elementos para repensar o fenômeno da imagem e suas implicações teóricas e metodológicas, e a vez, motivar a discussão e o debate. Encontra-se em preparação um segundo número, com que esperamos completar, ainda que brevemente, um panorama geral dos estudosda imagem e sua estreita relação com as ciências sociais.


Rodapé

1John Grady, "The visual essay and sociology", Visual Sociology 6, no. 2 (1991): 23-38; Jon Prosser, "The status of image-based research", em Image-based Research: a Sourcebook for Qualitative Researchers (London: Falmer Press, 1998).
2Margaret Mead, "Visual anthropology in a discipline of words", em Principles of Visual Anthropology, ed. P. Hockings (Berlin e New York: Mouton de Gruyter, 1995).
3Marcus Banks, Visual Methods in Social Research (London: SAGE, 2001); Theo Van Leeuwen e Cary Jewitt, ed., Handbook of Visual Analysis (London: SAGE, 2001); Sarah Pink, Doing Visual Ethnography (London: SAGE, 2006); Jon Prosser, "The status of image-based research", em Image-based Research: a Sourcebook for Qualitative Researchers (London: Falmer Press, 1998); Gillian Rose, Visual Methodologies: An Introduction to the Interpretation of Visual Methods (London: SAGE, 2006).
4W. J. T. Mitchell, "The Pictorial Turn", em Picture Theory: Essays on Verbal and Visual Representation (Chicago: University of Chicago Press, 1994); James Elkins, Visual Studies: A Skeptical Introduction (New York: Routledge, 2003).
5Nicholas Mirzoeff, An Introduction to Visual Culture (London: Routledge, 1999); Irit Rogoff, "Studying Visual Culture", em The Visual Culture Reader, ed. Nicholas Mirzoeff (London: Routledge,1998).
6W. J. T. Mitchell, "What Do Pictures 'Really' Want?, October 77 (Summer, 1996): 71-82.


Bibliografia

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