SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.22 número1Environmental factors and cardiopulmonary syndrome due to hanta virus in ChileEstudo comparativo da potência aeróbica entre os estágios maturacionais determinados pela menarca índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Em processo de indexaçãoCitado por Google
  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO
  • Em processo de indexaçãoSimilares em Google

Compartilhar


Revista de Salud Pública

versão impressa ISSN 0124-0064

Rev. salud pública vol.22 no.1 Bogotá jan./fev. 2020  Epub 19-Jan-2021

https://doi.org/10.15446/rsap.v22n1.79305 

Revisão

Promoção da saúde e atenção primária no cuidado às pessoas com doença crônica não transmissível

Health promotion and primary care for people with chronic non-transmissible diseases

Promoción de salud y atención primaria en el cuidado a las personas con enfermedades crónicas no transmisibles

Renata Machado-Becker1 

Ivonete T. Schülter Buss Heidemann2 

Michelle Kuntz-Durand3 

1 RM: Enf. M. Sc. Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em En-fermagem. Florianópolis, Brasil. renatamachadol9@gmail.com

2 IH: Enf. Ph.D. Enfermagem em Saúde Pública. Docente do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianopólis, Brasil. ivonete.heidemann@ufsc.br

3 MK: Enf. Ph.D. Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em En-fermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianopólis, Brasil. michakd@hotmail.com


RESUMO

Objetivo

Compreender as práticas de promoção da saúde desenvolvidas pelos enfermeiros da Atenção Primária à Saúde, no cuidado às pessoas com doença crônica não transmissível.

Método

Estudo qualitativo, desenvolvido por meio do discurso do sujeito coletivo, realizado com vinte e três enfermeiros da Estratégia Saúde da Família, de um município do Sul do Brasil.

Resultados

As práticas de promoção da saúde desenvolvidas pelos enfermeiros referemse a dois campos principais, dos cinco campos de ação propostos pela Carta de Ottawa: reorientação do sistema de saúde e desenvolvimento de habilidades pessoais. Emergiu como um dos discursos e ideia central os limites para o desenvolvimento dos campos da Carta de Ottawa.

Conclusões

Percebeuse que apesar dos esforços empreendidos pelos enfermeiros, para o desenvolvimento das práticas de promoção da saúde, estas se apresentam em determinados momentos de forma ampliada, pensando em uma nova lógica da promoção da saúde, e em outras situações se mostra de maneira mais restritiva, voltando a uma prática mais tradicional.

Palavras-chave: Promoção da saúde; atenção primária à saúde; en-fermagem em saúde comunitária; doenças não transmissíveis (fonte: DeCS, BIREME)

ABSTRACT

Objective

Understand the health promotion practices developed by primary health care nurses in a southern county of Brazil, in the care of people with chronic non-communicable diseases.

Method

Qualitactive research, developed by multiple speeches, in twenty three health centers of a southern county of Brazil.

Results

According to speeches, the health promotion practices developed by nurses refer to two main fields, of the five action fields proposed by the Ottawa Letter: reorientation of the health system and developing personal abilities. It appeared as a speech, related to the central idea about the limits to developing fields of the Ottawa letter.

Conclusions

Besides the efforts spent to develop health promotion practices, these appear in some moments in an amplified way, thinking in a new logic to Health promotion and in other situations it shows itself in a more restrictive way, returning to a more traditional practice.

Key Words: Health promotion; primary health care; community health nursings; non-communicable diseases (source: MeSH, NLM)

RESUMEN

Objetivo

Entender las prácticas de promoción de la salud desarrolladas por enfermeras en la atención primaria de salud, en una ciudad al sur de Brasil, en el cuidado de personas con enfermedades crónicas no transmisibles.

Método

Se trata de un estudio cualitativo desarrollado a 143 pacientes a través del discurso del sujeto colectivo, realizado con la estrategia de veintitrés enfermeros de la salud de la familia, en veintitrés centros de salud de una ciudad del sur de Brasil, de junio a agosto de 2016.

Resultados

De acuerdo con los discursos que se han presentado, las prácticas de promoción de la salud desarrolladas por los enfermeros se refieren a dos campos principales de los cinco campos de acción propuestos por la Carta de Ottawa: orientación del sistema de salud y desarrollo de habilidades personales. Surgió como uno de los discursos la idea relacionada con los límites para el desarrollo de los campos de la Carta de Ottawa.

Conclusiones

Se observó que, a pesar de los esfuerzos realizados por los enfermeros para el desarrollo de las prácticas de promoción de la salud en el cuidado a las personas con enfermedades crónicas no transmisibles, estos se presentan en determinados momentos por lo expandido, pensando en una nueva lógica de promoción de la salud. En otras situaciones se muestran de una manera más restrictiva, con la que se vuelve a una práctica más tradicional.

Palabras Clave: Promoción de la salud; atención primaria de salud; enfermería en salud comunitaria; enfermedades no transmisibles (fuente: DeCS, BIREME)

Apromoção da saúde vem sendo debatida internacionalmente desde 1974, com a publicação do Relatório Lalonde e da realização da Conferência de Alma Ata em 1978, marcos estes considerados históricos, por trazerem à cena a discussão da articulação da saúde com as condições de vida, e da necessidade de intervenção sobre os seus determinantes 1,2. Entretanto, a mesma se firmou como proposição de natureza política, sendo incorporada como diretriz no desenvolvimento de políticas públicas de saúde em diversos países, somente em 1986, com a realização da I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada em Ottawa - Canadá 2,3.

Na ocasião, o produto que surgiu foi a Carta de Ottawa, documento que ainda hoje continua sendo referência no debate sobre a temática. É desenvolvida por meio de cinco campos de ação: políticas públicas saudáveis, criação de ambientes favoráveis, ação comunitária, habilidades pessoais e reorientação dos serviços 3. Ou seja, inclui uma combinação de estratégias e ações do Estado, da comunidade, de indivíduos e do sistema de saúde 1,4.

Carrega em sua essência um olhar holístico, intersetorial, com empoderamento comunitário e participação social, equidade, ações sobre os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) e desenvolvimento de ações multiestratégicas e sustentáveis 5. Logo, podem contar com o envolvimento de inúmeros autores, com a utilização de diversos recursos e realizarse em diferentes espaços sociais 6.

Dentre esses possíveis espaços, a área da Atenção Primária à Saúde (APS) é uma possibilidade. Por ter alto grau de descentralização e capilaridade, precisa ser o contato preferencial do usuário, com a Rede de Atenção à Saúde, bem como ser a principal porta de entrada para o sistema de saúde 7. No Brasil a APS se desenvolve por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), que visa estruturar o modelo de atenção, ao priorizar a prevenção e a promoção, sem deixar de lado o atendimento assistencial 8.

A ESF se desenvolve por meio da atuação de uma equipe multiprofissional, na qual o enfermeiro é integrante da equipe básica, sendo que sua presença tem se mostrado primordial para a ampliação e solidificação dessa estratégia.

O profissional enfermeiro é capaz de assegurar a continuidade do cuidado em saúde, ao estar comprometido com ações e práticas de educação, promoção e prevenção, que visam uma melhor qualidade de vida e de empoderamento crítico e construtivo 9,10. Estes elementos são primordiais para o desenvolvimento de práticas de promoção da saúde às pessoas com Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), pois estimulam o controle da doença, previnem complicações e melhoram a sua qualidade de vida e de suas famílias 11.

As DCNT por sua vez, vêm chamando a atenção da comunidade científica por seu panorama epidemiológico alarmante. Consideradas, internacionalmente, como um dos principais problemas de saúde, no ano de 2012 foram responsáveis por 38 milhões de mortes no mundo, e a projeção para 2030 é de 52 milhões de mortes 12-14. Associado a isso, são causas de mortes prematuras, diminuição da qualidade de vida, limitação para as atividades de trabalho e lazer, impacto negativo nas questões econômicas das famílias, indivíduos e sociedade, o que agrava as iniquidades sociais e a pobreza 15.

Portanto, é preciso que algumas medidas sejam tomadas, visando estabelecer um compromisso para o enfrentamento dessa problemática 15. Para isso, a promoção vem ganhando espaço e se destacando, por ser um campo de práticas em saúde importante e por visar superar o modelo biomédico vigente, ao ser um processo transformador, capaz de melhorar as condições de vida e saúde da população 16,17.

Diante destes apontamentos equalizou-se o seguinte objetivo: compreender as práticas de promoção da saúde desenvolvidas pelos enfermeiros da APS de um município do Sul do Brasil, no cuidado às pessoas com DCNT.

MÉTODO

Estudo de natureza qualitativa, desenvolvido por meio da metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Conhecer o pensamento de uma comunidade, sobre uma determinada temática, é o que se deseja com as pesquisas que utilizam esse método 18.

Florianópolis (SC) foi o município escolhido para ser o local de desenvolvimento da pesquisa. De maneira particular, vinte e três centros de saúde da APS, elegidos através de um sorteio eletrônico, sendo que as unidades ficaram assim divididas, conforme seus distritos sanitários: Centro 5, Continente 5, Leste 5, Norte 3 e Sul 5.

Como sujeitos da pesquisa foram eleitos vinte e três enfermeiros, um de cada centro de saúde selecionado. Para participar do estudo era necessário ser enfermeiro, cadastrado e atuante em uma equipe da ESF. A ausência de experiência profissional na área da APS, de no mínimo seis meses de atuação, estar afastado por férias ou licença, foram os critérios de exclusão da pesquisa. Para a escolha dos profissionais, nos locais em que havia mais de uma equipe da ESF, por centro de saúde, deixou-se que o coordenador na unidade se indica um membro, conforme disponibilidade de tempo na agenda, desde que obedecidos os critérios de inclusão e exclusão, sendo que todos aceitaram o convite.

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas individuais, com roteiro semiestruturado, entre Junho a Agosto de 2016. O instrumento questionava sobre algumas características sócio-demográfico-profissional dos participantes, assim como seis questões norteadoras, de modo a compreender como os enfermeiros desenvolviam as práticas de promoção da saúde no cuidado as pessoas com DCNT na APS. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, logo após a sua realização, sendo garantido o anonimato dos participantes. Foram agendadas previamente, via coordenador da unidade, e realizadas em uma sala de consultório, do próprio centro de saúde.

Para a formação do DSC, foi utilizado o software DSC-soft, que tem o intuito de viabilizar as pesquisas desenvolvidas por essa metodologia, deixando-as mais ágeis, práticas, proporcionando o alcance e a validade dos resultados 19. Dessa forma, o estudo foi cadastrado no software, assim como as características individuais dos participantes, as questões norteadoras realizadas e suas respectivas respostas. Posteriormente, foram identificadas às figuras metodológicas, de modo a unir as expressõeschave de mesma ideia central e/ou ancoragem, obtendo assim o DSC.

Nas partes selecionadas do discurso, algumas operações foram realizadas de modo a formar um discurso claro e coerente. Assim, foram sequenciadas as expressõeschaves, de modo a conseguir visualizar um texto com começo, meio e fim. Não foram levadas em conta as especificidades dos sujeitos da pesquisa. Foram resgatadas as ideias de sentidos semelhantes, mas expressas de formas distintas para a construção dos DSC. A redação dos discursos aparece em itálico, conforme recomendação técnica da metodologia, pois se trata de um depoimento coletivo 18.

A apresentação dos resultados ocorreu conforme cada pergunta realizada, sendo que se optou por utilizar somente as respostas da terceira pergunta, para o alcance do objetivo proposto. Com isso foi possível criar três DSC, conforme as ideias centrais expostas na Tabela 1. Após a realização desse processo, análises crítico-reflexivas dirigidas foram realizadas, utilizando como documento base a Carta de Ottawa, com os seus cinco campos de ação, já que os mesmos deveriam guiar as práticas de promoção da saúde desenvolvidas pelos profissionais.

Tabela 1 Síntese das ideias centrais. Florianópolis/SC, 2016 

Pergunta Ideias Centrais
Dentro do que você faz com estas pessoas você considera que algumas atividades/práticas são de promoção da saúde? Fale um pouco sobre isso Práticas de promoção da saúde, campo de ação: reorientação do sistema de saúde
Práticas de promoção da saúde, campo de ação: desenvolvimento de habilidades pessoais
Limites no desenvolvimento dos campos de ação da Carta de Ottawa

Fonte: autoras, com auxílio do DSCsoft.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina e pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, recebendo o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 52861616.0.0000.0121 e o número de parecer 1.487.581.

RESULTADOS

Os resultados apresentam os dados quantitativos e a exposição dos DSC, acompanhados das discussões acerca da temática.

Dentre os enfermeiros, vinte e um eram do sexo feminino e dois do sexo masculino. A idade variou de vinte e sete a cinquenta e sete anos, sendo que a faixa etária de maior prevalência foi entre os trinta e um e quarenta e cinco anos (69,56%). Quanto ao nível de escolaridade, vinte e um possuíam algum tipo de especialização, um tinha mestrado e um doutorado.

Resultados do discurso do sujeito coletivo

Os resultados do DSC ocorreram na perspectiva quantitativa e qualitativa. Os resultados quantitativos estão relacionados com a amplitude das ideias centrais e a parte qualitativa representa a opinião coletiva. A identificação das ideias centrais e as respectivas frequências estão apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2 Síntese das ideias centrais. Florianópolis/SC, 2016 

Pergunta Ideias centrais Frequência*
Dentro do que você faz com estas pessoas você considera que algumas atividades/ práticas são de promoção da saúde? Fale um pouco sobre isso Práticas de promoção da saúde, campo de ação: reorientação do sistema de saúde. 21,7%
Práticas de promoção da saúde, campo de ação: desenvolvimento de habilidades pessoais. 69,6%
Limites no desenvolvimento dos campos de ação da Carta de Ottawa. 17,4%

Fonte: autoras, com auxílio do DSCsoft.

Essa frequência é relativa, conforme o número total de entrevistados que descreveram a mesma ideia central.

Dentro do universo das práticas de promoção da saúde no cuidado às pessoas com DCNT, desenvolvidos pelos enfermeiros, foi possível identificar basicamente dois campos de ação principais: reorientação do sistema de saúde e desenvolvimento de habilidades pessoais. Entretanto, temse a ciência de que embora o campo da elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis não tenha sido citado, o mesmo encontrase presente no discurso dos enfermeiros, como pano de fundo das suas práticas, haja vistas que os mesmos seguem as políticas públicas instituídas pelo município. Além disso, chama a atenção, o fato que alguns participantes descreveram limites para o desenvolvimento dos campos de ação da promoção da saúde.

A reorientação do sistema de saúde foi um dos campos de ação, da Carta de Ottawa, que apareceu no discurso dos participantes. Seu conceito traz a cena, a necessidade de que todos devem trabalhar juntos, para a construção de um sistema que contribua para a busca de de saúde.

A partir do discurso dos enfermeiros, identificouse que eles procuram a reorganização do sistema, ao buscarem desenvolverem suas práticas de cuidados, fora do foco da doença. Dessa forma, é possível inferir que os mesmos desejam a superação do modelo biomédico e da assistência curativista, ao fazerem uso de práticas baseadas na escuta ativa, no vínculo e na empatia.

Destacase, ainda que os enfermeiros participantes atuam sobre os DSS, ao descreverem que associam a sua prática com a realidade em que as pessoas com DCNT estão inseridas. Somente quando se conhece de perto a população sob sua responsabilidade, bem como o seu contexto, suas potencialidades e adversidades é que os profissionais conseguirão manter uma relação que propicie a promoção da saúde.

O trabalho interdisciplinar, em especial com a equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), também foi citado no discurso dos participantes, assim como a atuação intersetorial, especialmente junto ao Programa Saúde da Escola (PSE). Embora os participantes não tenham trazido muitos detalhes sobre a sua atuação nesses campos, os mesmos já trazem uma concepção positiva, ao trazerem ao discurso estes dois aspectos.

O trabalho em equipe interdisciplinar é um ponto importante para a reorganização do processo de trabalho, pois visa uma abordagem integral, que se relaciona com a promoção da saúde. Na área da APS é possível contar com o NASF, instituído em 2008, que recebe o apoio de uma equipe multiprofissional. O intuito é ampliar a resolutividade da ESF, bem como superar os modelos convencionais de assistência, curativista, fragmentada e especializada, por meio da corresponsabilização e gestão integrada do cuidado.

Por fim, algumas experiências práticas estavam presentes no discurso e que chamam a atenção, dentre elas a possibilidade de proporcionar visitas entre amigos que não se encontravam há muitos anos, e a presença de hortas comunitárias na unidade de saúde, com atuação prática neste espaço.

A partir do discurso dos enfermeiros sobre as práticas de promoção da saúde relacionadas ao campo do desenvolvimento de habilidades pessoais, está muito atrelada a educação em saúde, especialmente relativas as mudanças do estilo de vida. Relataram, os participantes utilizar os espaços das visitas domiciliares, dos atendimentos individuais e coletivos, para fazerem orientações sobre a prática de atividade física, alimentação saudável, cuidado com os pés, lazer e outros. Além disso, os participantes trazem para o debate a importância do autocuidado para as pessoas com DCNT, a relevância da família nesse gerenciamento, e a qualificação da linha de cuidado com esse público, por meio da publicação do protocolo de Enfermagem sobre hipertensão, diabetes e outros fatores associados a doenças cardiovasculares.

O campo de ação sobre o desenvolvimento de habilidades pessoais se apoia na divulgação de informação, na educação para a saúde e na intensificação das habilidades vitais dos indivíduos.

O desenvolvimento de habilidades pessoais é uma estratégia fundamental para a promoção da saúde, e isso justifica a maior frequência (69,57%) desta ideia central nos resultados alcançados. O discurso dos enfermeiros vai ao encontro desta perspectiva, pois a intenção dos mesmos, nas suas práticas de educação em saúde é fornecer orientações, de modo que possibilitem o autocuidado das pessoas com DCNT, a fim de melhorarem a saúde e a qualidade de vida desse público.

As orientações fornecidas por esses profissionais, as pessoas com DCNT, ainda estão muito baseadas em mudanças no estilo de vida, prática da atividade física, alimentação saudável, cuidado com os pés, dentre outros.

Apesar da maioria dos enfermeiros considerarem suas práticas como de promoção da saúde, alguns não a consideram, haja vista que em sua opinião a atenção à saúde ainda se baseia em ações de cuidado tradicional, curativista e biomédica e existe pouca clareza da definição do que realmente seja promoção da saúde, conforme o conceito da Carta de Ottawa. Embora os participantes vivenciam esses limites e dificuldades no desenvolvimento das práticas, os mesmos buscam uma mudança desta situação, para isso, apresentam propostas de atuação, que não foram muito bem detalhadas nas suas falas, mas que vale refletir. Dentre as proposições destacase a necessidade de modificar o processo educacional sobre a promoção da saúde, estimular a emancipação das pessoas no cuidado com a saúde, além da importância de se trabalhar essa temática com as crianças.

Outro ponto a se discutir nos resultados alcançados é a presença de expressões que retomam alguns rótulos, tais como "hipertensos", "diabéticos", "respiratórios", "pacientes". A utilização destes termos acaba expressando como o paradigma biomédico, ainda influencia a prática profissional dos enfermeiros, embora já se tenha conseguido observar avanços em determinados pontos.

DISCUSSÃO

A feminização das profissões da área da saúde é um achado encontrado em diversos estudos 20. Além disso, a presença de população relativamente jovem pode se justificar pela mudança na grade curricular dos cursos de graduação, em que se enfatiza o trabalho na APS, estimulando os alunos a buscarem oportunidades de trabalho neste campo de ação 21, com formação em algum tipo de pósgraduação, sendo a do tipo lato sensu, a de maior prevalência, essa tendência também encontrada em outros estudos 21.

Em relação às práticas de promoção da saúde, identificase que os cinco campos de ação, propostos na Carta de Ottawa, em 1986, ainda hoje se constituem em uma das principais referências para o desenvolvimento das ações no campo da saúde 22,23.

Na APS, o desenvolvimento de práticas de promoção da saúde, também podem ser alcançadas por meio da escuta ativa ou terapêutica, que é uma estratégia de comunicação ativa e dinâmica, indispensável para a compreensão do outro. É uma atitude positiva de interesse e respeito, em que se valoriza a pessoa, minimiza as suas angústias e sofrimento, ao permitir um diálogo em que se possibilita o ouvir e a autorreflexão 24.

O vínculo por sua vez, favorece um cuidado integral, ao democratizar e horizontalizar as práticas em saúde, conforme vai se construindo laços afetivos, de confiança, de respeito e de valorização dos saberes dos usuários, famílias e profissionais da saúde 25.

Logo, para as pessoas com DCNT é necessário que a atuação dos profissionais da APS, seja baseado em uma prática de saúde humanizada, focada nos Determinantes sociais e em ações intersetorias e interdisciplinares 26. Por meio de um trabalho humanizado, ocorre uma melhor compreensão da complexidade dos fenômenos que envolvem os indivíduos, diminuindo assim a fragmentação do conhecimento 27.

Apesar das potencialidades que este trabalho possibilita, ainda é preciso superar alguns desafios, tais como: a escassez e a fragilidade dos espaços para a discussão dos casos e planejamento das ações compartilhadas 28.

O desenvolvimento de práticas de cuidado interdisciplinar e intersetorial possibilitam aos enfermeiros da APS caminhar numa perspectiva da promoção da saúde e reorganização do sistema, ao preconizarem ações que visam romper com o modelo assistencial tradicional. Na medida em que se promove a melhoria da saúde e da qualidade de vida, se fortalece o cuidado às pessoas com DCNT, ao incentivar a promoção de hábitos de vida saudáveis, especialmente com relação a alimentação 29.

Destacase, ainda que nas Conferências que se seguiram à de Ottawa, é destacado a importância do acesso a informação para a capacitação dos indivíduos e comunidade, de forma a permitir maior controle e maior poder de decisão 30.

O enfrentamento das doenças crônicas, por meio da promoção da saúde, apoiase no desenvolvimento das pessoas, da educação em saúde. Essa prática permite a construção de conhecimento em saúde, que pode contribuir para a autonomia das pessoas em seu cuidado 31. Contudo, é preciso estabelecer uma troca de conhecimentos que se configure como ato de criar e transformar a realidade, assim é possível alcançarmos as mudanças necessárias para as condições de vida e saúde das pessoas da área de abrangência 32.

Como ponto positivo destacase que os enfermeiros envolvem a família no cuidado as pessoas com DCNT. Esta não deve ser vista apenas como uma cumpridora de tarefas, mas sim como um sujeito ativo no processo de construção do autocuidado 33. É preciso valorizar o diálogo e os seus conhecimentos prévios, sobre a doença de seu familiar, de modo a promover a responsabilidade e a participação ativa, na implantação dos cuidados, que visam melhorias da saúde.

Contudo, o modelo de atenção à saúde as pessoas com DCNT, ainda está centrado na dimensão biomédica, com um olhar dirigido apenas para o foco da doença, o que traz limitações, e nem sempre é eficiente e acolhedor das demandas existentes 33. Dessa forma, destacase que a promoção da saúde busca superar esse modelo, por meio de práticas de cuidados que sejam baseadas nos seus cinco campos de ação, entretanto para essa efetivação, ainda é preciso transpor alguns desafios 17.

Dentre estes desafios podese citar a indefinição do conceito e a percepção que os profissionais possuem sobre promoção da saúde, que influencia diretamente o desenvolvimento da sua prática 34. Em um estudo sobre as ações de promoção da saúde e prevenção de doenças crônicas, realizadas pelas equipes da APS, definiuse o cenário atual da seguinte forma: há pouca clareza sobre o conceito real de promoção da saúde; existe baixa precisão do que se espera que essas equipes façam com relação à promoção da saúde e são insuficientes as iniciativas de avaliação sobre estas atividades 2.

Para superar o desafio de implantar ações de promoção da saúde na perspectiva do conceito ampliado de saúde, urge discutir sobre o processo de formação profissional. É preciso uma modificação, tanto nos cursos stricto e lato sensu, como na formação técnica e na graduação, a partir do uso de metodologias que utilizam os problemas reais dos territórios, de modo a fornecer evidências para a tomada de decisões e o incremento da produção científica, contribuindo dessa forma para a melhoria da formação dos profissionais, assim como da atenção 17.

Para estimular a emancipação das pessoas para o cuidado com a saúde, sugerese o uso de estratégias de promoção da saúde de caráter empoderador. Estas ações envolvem a participação das pessoas nas suas decisões, destacando a forma como estas fazem suas escolhas 35. Para as pessoas com DCNT estas ações são essenciais, pois ajudam a reduzir a carga da doença, bem como melh0rar a qualidade de vida das pessoas 36.

A promoção da saúde emerge como uma opção adequada, na luta contra as DCNT, ao levar em consideração um conceito ampliado de saúde e com base nos seus cinco campos de ação proposto pela Carta Ottawa. Outrossim, identificase uma tendência das práticas de promoção da saúde ao campo de ação da reorientação do sistema de saúde e desenvolvimento de habilidades pessoais.

Na reorientação do sistema de saúde as experiências trazidas pelos participantes revelam a presença da escuta ativa, do vínculo, da empatia, do uso dos DSS, da interdisciplinaridade e da intersetorialidade. O desenvolvimento de habilidades pessoais traz a educação em saúde, como protagonista deste campo de ação que visa capacitar as pessoas para que tenham condições de fazerem as melhores escolhas.

Como limites do estudo considerase que não abrangeu as outras categorias profissionais da APS, já que a promoção da saúde, preconiza um trabalho inter e multidisciplinar. Recomendase o desenvolvimento de futuras pesquisas com estes profissionais ♥

REFERÊNCIAS

1. Buss PM. Uma introdução ao conceito de promoção da saúde. In: Czeresnia D, Freitas CM. (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. p. 19-41. [ Links ]

2. Medina MG, Aquino R, Vilasbôas ALQ, Mota E, Pinto Júnior EP, Da Luz LA, Dos Anjos DSO, Pinto ICM. Promoção da saúde e prevenção de doenças crônicas: o que fazem as equipes de Saúde da Família?. Saúde Debate. 2014; 38(n. especial):69-82. DOI:10.5935/0103-1104.2014S006. [ Links ]

3. World Health Organization. The Ottawa charter for health promotion. Ottawa: WHO, 1986 [cited 2018 Sep 8]. https://bit.ly/32mwOue . [ Links ]

4. Czeresnia D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção. In: Freitas CM. (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2009. p. 43-57. [ Links ]

5. Moysés ST, Sá RF. Planos locais de promoção da saúde: interse-torialidade(s) construída(s) no território. Cien Saúde Colet. 2014; 19(11):4323-9. DOI:10.1590/1413-812320141911.11102014. [ Links ]

6. Arantes LJ, Shimizu HE, Merchán-Hamann E. Contribuições e desafios da Estratégia Saúde da Família na Atenção Primária à Saúde no Brasil: revisão da literatura. Ciênc. saúde coletiva. 2016; 21(5):1499-1510. DOI: 10.1590/1413-81232015215.19602015. [ Links ]

7. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde (MS) ; 2012. [ Links ]

8. Mahmood Q, Muntaner C. Politics, class actors, and health sec-tor re-form in Brazil and Venezuela. Glob Health Promot 2013; 20(1):59-67. [ Links ]

9. Ferreira SRS, Périco LAD, Dias VRFG. A complexidade do trabalho do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde. Rev Brasileira de Enfermagem. 2018 [cited 2019 Apr 08]; 8(71 Suppl 1):704-709. https://bit.ly/36bYMde . DOI:10.1590/0034-7167-2017-0471. [ Links ]

10. Mazzuchello FR, Ceretta LB, Schwalm MT, Dagostim VS, Soratto MT. A atuação dos enfermeiros nos Grupos Operativos Terapêuticos na Estratégia Saúde da Família. O Mundo da Saúde. 2014; 38(4):462-72. DOI: 10.15343/0104-7809.20143804462472. [ Links ]

11. Machado JC, Cotta RMM, Moreira TR, Silva LS. Análise de três es-tratégias de educação em saúde para portadores de hiperten-são arterial. Ciênc. saúde coletiva . 2016 [cited 2018 Oct 19];21(2):611-20. DOI:10.1590/1413-81232015212.20112014. [ Links ]

12. World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases. 2014. Geneva: WHO, 2014. https://bit.ly/2I7Ixph. [ Links ]

13. World Health Organization. Noncommunicable diseases country profiles 2014 [cited 2018 Oct 19]. Geneva: WHO , 2014b. https://bit.ly/3l82ZVm . [ Links ]

14. Alves CG, Neto OLM. Tendência da mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis nas unidades federadas brasileiras. Cien Saúde Colet . 2015; 20(3):641-54. DOI:10.1590/1413-81232015203.15342014. [ Links ]

15. Malta DC, Gosch CS, Buss P, Rocha DG, Rezende R, Freitas PC, Akerman M. Doenças Crônicas Não Transmissíveis e o suporte das ações intersetoriais no seu enfrentamento. Cien Saúde Colet. 2014; 19(11):4341-50. DOI:10.1590/1413-812320141911.07712014. [ Links ]

16. Fischborn AF, Cadoná MA. Trabalho e autonomia dos trabalhadores em saúde: considerações sobre pressupostos teórico e metodológicos de análise do trabalho em saúde. Saude soc. [Internet]. 2018 Jan [cited 2020 Jan 10]; 27(1): 227-237. DOI:10.1590/s0104-12902018170719. [ Links ]

17. Tavares MFL, Rocha RM, Bittar CML, Petersen CB, Andrade M. A promoção da saúde no ensino profissional: desafios na Saúde e a necessidade de alcançar outros setores. Cien Saúde Colet. 2016; 21(6):1799-1808. 10.1590/1413-81232015216.07622016. [ Links ]

18. Lefèvre F, Lefèvre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). 2a ed. Caxias do Sul: Educs; 2005. [ Links ]

19. Lefèvre F, Lefèvre AMC. Depoimentos e discursos uma proposta de análise em pesquisa social. Brasília: Liver Livro; 2005. [ Links ]

20. Machado ECM. Processo de trabalho em saúde: gestão do perfil do profissional de enfermagem. Rev. Saúde e Desenvolvimento. 2015 [cited 2019 Apr 8]; 7(4):26-42. https://bit.ly/358udpD . [ Links ]

21. Carvalho MN, Gil CRR, Costa EMOD, Sakai MH, Leite SN. Necessi-dade e dinâmica da força de trabalho na Atenção Básica de Saúde no Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2018;23(1):295-302. DOI:10.1590/1413-81232018231.08702015. [ Links ]

22. Lefèvre F, Lefèvre AMC. Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo: a metodologia do discurso do sujeito coletivo. 2a ed. Brasília: Liver Livro ; 2012. [ Links ]

23. Pinheiro DGM, Scabar TG, Maeda ST, Fracolli LA, Pelicioni MCF Chiesa AM. Competências em promoção da saúde: desafios da formação. Saúde Soc. São Paulo. 2015;24(1):180-188. DOI:10.1590/S0104-12902015000100014. [ Links ]

24. Mesquita AC, Carvalho EC. A escuta terapêutica como estratégia de intervenção em saúde: uma revisão integrativa. Rev. Esc. En-ferm. USP. 2014; 48(6):1127-36. DOI:10.1590/S0080-623420140000700022. [ Links ]

25. Firmo AAM, Jorge MSB. Experiências dos cuidadores de pessoas com adoecimento psíquico em face à reforma psiquiátrica: produção do cuidado, autonomia, empoderamento e resolubilida-de. Saúde e Sociedade. 2015; 24(1):217-231. DOI:10.1590/S0104-12902015000100017. [ Links ]

26. Viegas APB, Carmo RF, Luz ZMP. Fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica de referência. Saúde soc. 2015; 24(1):100-112. DOI: 10.1590/S0104-12902015000100008. [ Links ]

27. Velloso MP, Guimarães MBL, Cruz CRR, Neves TCC. Interdisciplinaridade e formação na área de saúde coletiva . Trabalho, Educação e Saúde. 2016;14(1):257-71. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00097. [ Links ]

28. Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, Castanharo RCT, Oliveira FRL. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. O Mundo da Saúde. 2014 [cited 2019 Apr 8];38(2):129-38. https://bit.ly/2TZDUA3 . [ Links ]

29. Costa CGA, Garcia MT, Ribeiro SM, Salandini MFS, Bógus CM. Hortas comunitárias como atividade promotora de saúde: uma experiência em unidades básicas de saúde. Cien Saúde Colet. 2015; 20(10):3099-10. DOI:10.1590/1413-812320152010.00352015. [ Links ]

30. Garbin HBR, Guilam MCR, Neto AFP. Internet na promoção da saúde: um instrumento para o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais. Physis: Rev. Saúde Coletiva. 2012; 22(1):347-63. DOI:10.1590/S0103-73312012000100019. [ Links ]

31. Koerich C, Lanzoni GMM, Coimbra R, Tavares KS, Erdmann AL. Recursos e competências para gestão de práticas educativas por enfermeiros: revisão integrativa Rev Gaúcha Enferm. 2019 [acessado 2019 Apr 05]; 40:e20180031. DOI:10.1590/1983-1447.2019.20180031. [ Links ]

32. Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Práticas de cuidado da enfermeira na Estratégia Saúde da Família. Rev. Bras. Enferm. 2016; 69(6):1124-31. DOI:10.1590/0034-7167-2016-0273. [ Links ]

33. Pereira MM. Concepções e práticas dos profissionais da estratégia saúde da família sobre educação em saúde. Texto contexto - enferm. 2014; 23(1):167-75. https://bit.ly/3516DLb. [ Links ]

34. Silva JP, Gonçalves MFC, Andrade LS, Monteiro EMLM, Silva MAJ. Promoção da saúde na educação básica: percepções dos alunos de licenciatura em enfermagem. Rev. Gaúcha Enferm [Internet]. 2018; 39: e2017-0237. DOI:10.1590/1983-1447.2018.2017-0237. [ Links ]

35. Souza JM, Tholl AD, Córdova FP, Heidemann ITSB, Boehs AE, Nitschke RG. Aplicabilidade prática do empowerment nas estratégias de promoção da saúde. Cien Saúde Colet . 2014 [citado 2019 Abr 01]; 19(7):2265-76. DOI:10.1590/1413-81232014197.10272013. [ Links ]

36. Heidemann ITSB, Wosny AM, Boehs AE. Promoção da Saúde naAtenção Básica: estudo baseado no método de Paulo Freire. Cien Saúde Colet . 2014; 19(8):3553-59. DOI:10.1590/1413-81232014198.11342013. [ Links ]

Recebido: 15 de Abril de 2019; Revisado: 22 de Julho de 2019; Aceito: 02 de Outubro de 2019

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons