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Bitácora Urbano Territorial

versão impressa ISSN 0124-7913

Bitácora Urbano Territorial vol.28 no.3 Bogotá set./dez. 2018

https://doi.org/10.15446/bitacora.v28n3.68152 

Dossier central

Efluentes urbanos na água do Rio Marau (Brasil). Qualidade da água no Rio Marau

Efluentes urbanos en el río Marau (Brasil). La calidad del agua en el río Marau

Urban effluents in the water of the Marau River (Brazil). Water quality on the river

Mayara Regina Fornaria 

Marilia Camotti-Bastosb 

a Doutoranda em Química Universidade Federal do Paraná mayarafornari@gmail.com

b Doutora em Ciência do Solo Universidade de Lorraine mcamotti@hotmail.com


Resumo

Objetivo desse trabalho foi analisar o impacto dos resíduos urbanos e industriais do município de Marau (Rio Grande do Sul - Brasil) na qualidade da água do rio Marau. Os parâmetros analisados foram: pH, turbidez, condutividade elétrica, tensão superficial, carbono orgânico, metais, nitrito, nitrato, cloreto, fosfato, sulfato e fósforo solúvel. As coletas de água do rio ocorreram em setembro de 2014 e 2016 nos pontos: a montante da cidade de Marau e do curtume; a montante do curtume; no ponto de mistura do efluente da indústria de beneficiamento de couro e o rio; a jusante da cidade de Marau. As análises físico-químicas da água do rio mostraram que os efluentes da cidade de Marau representam a maior fonte de contaminação local, apresentando teores de Al, Pb e P acima do permitido pela legislação. Conclui-se que as atividades industriais e os esgotos clandestinos da cidade de Marau têm impacto negativo na qualidade da água do rio.

Palavras-chave: urbanismo; contaminação; qualidade da água; curtume; efluentes clandestinos

Resumen

El objetivo es analizar el impacto de los residuos urbanos e industriales del municipio de Marau (Rio Grande do Sul -Brasil) en la calidad del agua del río Marau. Para ello, se evaluaron: pH, turbidez, conductividad eléctrica, tensión superficial, carbono orgánico, metales, nitrito, nitrato, cloruro, fosfato, sulfato y fósforo. Las colectas de agua del río ocurrieron en septiembre de 2014 y 2016 en los puntos: aguas arriba de la ciudad de Marau y de La curtiembre; aguas arriba de la curtimbre; en el punto de mezcla del efluente de La industria de curtiembre y el río; aguas abajo de la ciudad de Marau. El análisis físico-químico del agua mostró que los efluentes de la ciudad son la fuente principal de contaminación local, teniendo valores de Al, Pb y P mayores que los permitidos por La legislación. Se concluye que las actividades industriales y los efluentes no tratados de la ciudad de Marau tienen un impacto negativo en la calidad del agua del río.

Palabras clave: urbanismo; contaminación; calidad del agua; curtiduría; afluentes clandestinos

Abstract

The objective of this study was to analyze the impact of urban and industrial waste in the municipality of Marau (Rio Grande do Sul - Brasil) on the water quality of the Marau River. The analyzed parameters were: pH, turbidity, electrical conductivity, surface tension, organic carbon, metals, nitrite, nitrate, chloride, phosphate, sulfate and dissolved phosphorus. The river water samples were collected in September 2014 and 2016 in the points: upstream of the Marau city and the tannery; upstream of the tannery; at the point of mixing the effluent from the leather processing industry and river; downstream of the Marau city. The physical-chemical analysis of river water showed that the effluents of the Marau city represents the major source of local contamination, since present values of Al, Pb and P higher than allowed by law. It was concluded that the industrial activities and the sewage of the Marau city have a negative impact on the river water quality.

Keywords: urbanization; contamination; water quality; tannery; clandestine effluents

Introdução

A urbanização é um aspecto fundamental do processo de desenvolvimento econômico: a aglomeração humana nas cidades traz como vantagens o agrupamento espacial das atividades econômicas (tais como indústrias, serviços públicos e locais de moradia), possibilitando diversos tipos de economia de escala. No entanto, as atividades de produção desenvolvidas nas cidades trazem também externalidades negativas, tais como a degradação ou exaustão de recursos ambientais. Via de regra, os rios que margeiam as cidades são diretamente impactados pelos resíduos gerados nesses aglomerados urbanos.

Devido à rápida expansão industrial e ao crescimento da população urbana, o lançamento de efluentes domésticos e industriais sem tratamento ou com tratamento inadequado nos cursos d'água constitui um dos maiores problemas relacionados à poluição das águas, ocasionando impactos econômicos, ambientais e de saúde pública (Daniel, et al., 2002). Várias regiões do Brasil enfrentam problemas relacionados à qualidade da água, incluindo descargas de águas residuais contendo poluentes sem qualquer tratamento (Messrouk, et al., 2014), com consequente contaminação do solo e das águas subterrâneas e superficiais (Tanner, et al., 2012).

O município de Marau, localizado no noroeste do estado do Rio Grande do Sul possui população estimada em 41.059 habitantes (IBGE, 2017) e é reconhecido como polo industrial regional, abrigando em torno de 200 empresas de diversos setores, tais como couro, alimentos e metalurgia (Prefeitura de Marau, 2013). Os cursos hídricos da região fazem parte da bacia hidrográfica do Taquari-Antas, sendo o rio Marau margeado pela zona urbana do município. Diante da inexistência da rede de coleta e da estação de tratamento de esgoto na cidade, o plano diretor de Marau obriga a presença de fossas sépticas em todas as residências da cidade. Estima-se que a população atendida diariamente pela coleta de resíduos seja de 40%. No entanto, o lançamento clandestino de esgoto doméstico diretamente no rio é um dos grandes responsáveis pela diminuição da qualidade das águas na região (Prefeitura de Marau, 2013).

Além do grande aporte de efluentes domésticos da cidade, diversas empresas locais desaguam seus efluentes de origem industrial no rio Marau. Somado a carga poluidora constante, o rio ainda recebe resíduos de lixo sólido advindo da população local, resultando em diversas formas de degradação ambiental no caminho que o rio percorre até a cidade. A presença de efluentes residuais urbanos, resíduos sólidos e efluentes industriais nessas águas já causou inclusive a morte de peixes ao longo do rio (Prefeitura de Marau, 2013).

Para beneficiamento de couro, o município de Marau possui um curtume que está em funcionamento desde 1947 e emprega atualmente 415 funcionários em sua sede localizada às margens do rio Marau. As indústrias de beneficiamento de couro são responsáveis pela produção de diversos produtos como calçados, peças de vestuário, revestimentos de mobília e estofamentos de automóveis (dos Santos, et al., 2015). Porém, para a obtenção de couro de qualidade o processo de curtimento (transformação da pele em couro) engloba diversas operações mecânicas e tratamentos químicos. O curtume em estudo faz o tratamento dos resíduos da sua atividade curtumeira, empregando um sistema de tratamento oxidativo com três lagoas de estabilização antes de lançar esses efluentes no rio Marau.

O primeiro passo no tratamento do couro é a salga com cloreto de sódio (NaCl, 40 a 45% sobre o peso bruto) para garantir a conservação e armazenamento do material por meses até o seu processamento. Posteriormente são realizados procedimentos envolvendo o uso de diversos produtos contendo cal, sulfetos de sódio, ácido sulfúrico e cromo (Cr) (CETESB, 2005). O Cr é um dos principais metais usados no curtimento da pele animal, pois além de ter baixo custo, seu uso reduz o tempo de tratamento do couro garantindo boa resistência e maleabilidade no produto final. Porém, esse metal figura entre os contaminantes que apresentam maiores riscos à saúde humana, devido ao seu potencial carcinogênico na forma mais oxidada (VI). Outro problema no tratamento do couro é o processo de limpeza da matéria prima para retirada de pelos, peles, carnes e tecidos adiposos, os quais elevam a quantidade de matéria orgânica no resíduo da indústria. Quando esses resíduos são despejados nas águas dos rios ocorre aumento dos valores de pH, turbidez e condutividade elétrica, fato este que representa um fator importante de impacto ambiental relacionado aos curtumes (Baird e Cann, 2014).

No curtume, a água é utilizada como solvente, especialmente nos banhos de tratamento e nas lavagens das peles. Nessas duas etapas, a água entra limpa e sai acrescida de resíduos orgânicos e de produtos químicos, gerados a partir da mistura desses efluentes e, com alto poder de contaminação. Assim, o tratamento realizado de forma incorreta e/ou o despejo inadequado desses resíduos nos cursos hídricos pode ocasionar a degradação do meio ambiente, principalmente a contaminação química das águas nas bacias hidrográficas (de Barros Câmara e Gonçalves Filho, 2007). Cabe salientar que, o tratamento efetivo dos resíduos líquidos requer, em primeiro lugar, bom conhecimento da quantidade, qualidade e variações temporais na composição do efluente. Dessa forma, a caracterização físico-química e o conhecimento de alguns parâmetros físico-químicos são essenciais para definir as características do processo de tratamento (Messrouk, et al., 2014).

No Brasil temos a Resolução No. 357 de 17 de março de 2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA, 2005) que dispõe sobre a classificação dos corpos hídricos e as diretrizes ambientais para o seu enquadramento. Porém, as descargas de fontes pontuais são regidas pela Resolução No. 430 de 17 de maio de 2011 (CONAMA, 2011) a qual dispõe sobre condições, parâmetros, padrões e diretrizes para gestão do lançamento de efluentes em corpos d'água receptores. A emissão de uma autorização de descarga ou consentimento por parte do poder público depende da capacidade de suporte do corpo receptor: não deve haver comprometimento da qualidade da água ou efeito deletério significativo na sobrevivência e reprodução dos organismos. Dentro dessa perspectiva, o objetivo do presente trabalho foi analisar o impacto dos resíduos urbanos e industriais produzidos no município de Marau (RS), na qualidade da água do corpo receptor, o rio Marau.

Material e métodos

Este trabalho foi realizado no município de Marau, RS, com monitoramento de quatro pontos de amostragem de água no rio Marau e um ponto de coleta de efluente. O primeiro ponto de coleta se situa a montante do ponto de lançamento da estação de tratamento de resíduos do curtume e acima da cidade de Marau; o segundo ponto de coleta se situa a montante do referido ponto de lançamento e abaixo da cidade de Marau; o terceiro ponto de coleta representa o local do rio onde ocorre a mistura do efluente lançado da estação de tratamento do curtume com as águas do rio Marau e o quarto ponto de coleta está à jusante do local de lançamento da estação de tratamento do curtume (Figura 1). Além dos pontos de coleta situados dentro do rio, foi realizada a coleta da amostra do efluente industrial bruto. As coletas foram realizadas no mês de setembro nos anos de 2014 e 2016, visando ter duplicata dos resultados.

Fonte: os autores. Ponto de coleta 1 - Montante Marau e curtume; Ponto de coleta 2 - Montante curtume; Ponto de coleta 3 - Jusante Curtume (Rio + efluente) e saída do efluente da estação de tratamento dos resíduos da indústria de beneficia-mento de couro; Ponto de coleta 4 - Jusante Marau.

Figura 1 Pontos de amostragem de água no rio Marau - RS 

Uma alíquota das amostras de água e de efluente foi encaminhada para o Laboratório de Análises de Águas Rurais, localizado junto ao Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), para análise dos seguintes parâmetros físico-químicos: (i) turbidez (turbidímetro-PoliControl-AP2000); (ii) condutividade elétrica; (iii) pH (pHmetro-Digimed DM21) e (iv) tensão superficial pelo método do anel de Du Noüy - Temperaturas 20 e 25°C (tensiô-metro-Kruss-Easy-Dyner acoplado a um sistema de aquecimento/ resfriamento Julabo-F12, Alemanha).

No Laboratório de Química e Fertilidade do Solo, localizado no mesmo departamento, outra parte da alíquota de água e efluente foi utilizada para determinação dos teores totais de 13 metais: alumínio (Al), boro (B), berílio (Be), cálcio (Ca), cádmio (Cd), cobalto (Co), cromo (Cr), cobre (Cu), ferro (Fe), potássio (K), lantânio (La), magnésio (Mg), manganês (Mn), níquel (Ni), chumbo (Pb), estanho (Sb), selênio (Se), silício (Si), estrôncio (Sr), titânio (Ti), vanádio (V) e zinco (Zn) em Espectrofotômetro de Emissão Óptica com Plasma Indutivamente Acoplado (ICP-OES, Optima 7000DV-PerkinElmer). Para tal, as amostras passaram por um processo de digestão ácida em micro-ondas de digestão. Utilizou-se 20 mL de amostra homogeneizada, 1 mL de ácido clorídrico (HClconc) e 0,5 mL de ácido nítrico (HNO3conc), os quais foram adicionados em tubos de teflon (USEPA, 2007). A fração solúvel para 13 metais (Al, Be, Ca, Cr, Fe, K, Mg, Mn, Pb, Se, Si, Sr e Ti) foi quantificada por ICP-OES após filtragem das amostras de água em papel filtro (Milipore-φ0,22 μm).

A seguir, foram quantificados os ânions de cloreto (Cl-), de nitrato (NO3-), de nitrito (NO2-), de fosfato (PO43-) e de sulfato (SO42-) empregando cromatografia iônica (Coluna cromatográfica-Dionex lonPac™ AS23; temperatura-30°C; corrente-25mA; eluentes da fase móvel-Na2CO3 3,5mM e NaHCO3 1mM; volume de injeção -10 pL; vazão - 1mL min). Nas amostras filtradas foram também determinados os teores de fósforo (P) disponível através do método desenvolvido por Murphy e Riley (1962).

A determinação do teor de carbono orgânico total (COT) nas amostras de água foi realizada empregando a oxidação com dicromato de potássio 0,4 M e posterior incubação em estufa a 60°C durante 4 horas (Silva e Bohnen, 2001). A quantificação do carbono foi realizada no espectrofotômetro - Uv/Visível (580 nm). O carbono orgânico solúvel (COS) foi igualmente realizado após filtragem (Milipore - φ0,45 μm).

Resultados e discussão

pH, condutividade e turbidez

O processo de tratamento do couro utiliza soluções ácidas e básicas (como cal hidratada e solução ácida salina) que, ao serem despejadas nos cursos hídricos, podem resultar em alterações no pH da água quando o sistema de tratamento de resíduos não ocorre de forma eficiente. Os resultados de pH das amostras de água coletadas no rio Marau no ano de 2014 e 2016 (Tabela 1) mostraram que o tratamento de resíduos realizado pela empresa é eficiente no controle do pH do seu efluente, uma vez que os valores obtidos na água amostrada se enquadram nas condições e padrões estabelecidos pela Resolução No. 430 de 2011 (CONAMA, 2011), para lançamento de efluentes nas águas.

Tabela 1 Resultados obtidos para pH, condutividade elétrica ((S/cm), turbidez (UNT), superficial (γ, em mN m-1) em temperatura de 20°C e 25°C das amostras de água coletadas em cinco pontos na região de Marau - RS 

Fonte: Os autores

Em relação à condutividade, não há limites na Legislação Brasileira. Os valores obtidos nas amostras do efluente da estação de tratamento do curtume nos anos de 2014 e 2016 (2160 (S cm-1 e 2365 (S cm-1, respectivamente) (Tabela 1) são considerados elevados para a qualidade da água, segundo Von Sperling (2007). Esse autor considera que valores superiores a 1.000 (S cm-1 caracteriza-se por ambientes poluídos por esgotos domésticos ou industriais. Contudo, a condutividade elétrica da água coletada nos demais sítios manteve-se baixa, como consequência da diluição que ocorre quando o efluente é lançado no rio, resultando em valores considerados normais para ambientes naturais.

Os valores de turbidez da água nos sítios de amostragem após a entrada do efluente do curtume (20,8 e 11,2 UNT no ponto rio + efluente; 19,1 e 25,5 UNT no ponto jusante de Marau e do curtume, em 2014 e 2016, respectivamente) estão de acordo com o permitido pela Resolução No. 430 de 2011 (<40 UNT) (CONAMA, 2011). Assim, o efluente da atividade curtumeira legalmente não representa risco para a vida aquática local, no que tange à turbidez. No entanto, na amostragem de 2016, no sítio de coleta próximo à cidade de Marau (montante do curtume), obteve-se um valor elevado de turbidez (108 UNT), sendo superior ao limite permitido por essa Resolução.

Segundo o plano diretor de Marau, todas as casas e prédios são obrigados a construir de fossas sépticas. Porém, a inadimplência dos moradores e a falta de controle fiscal resultam em ligações clandestinas de efluentes domésticos que deságuam diretamente no rio Marau (Prefeitura de Marau, 2013). O ideal seria haver uma rede de coleta de esgoto municipal direcionada a uma estação de tratamento de efluentes. No entanto, em Marau não há sequer rede de coleta de esgotos, de modo que o aumento da poluição no rio decorrente da ocupação urbana do solo se torna inevitável.

A turbidez da água é um parâmetro importante do ponto de vista ambiental: quando um corpo hídrico tem valores discrepantes de UNT, o ambiente é considerado turvo e pouca luz alcança a região mais profunda do rio. Quando a turbidez é alta, a fotossíntese ocorre apenas na parte superficial do curso hídrico (Sampaio, 2017), afetando os diferentes estratos em profundidade do rio e seu ecossistema (Alves, et al., 2008). Esses altos valores de turbidez, via de regra, estão relacionados com o aporte de efluentes, com a erosão e com patógenos que podem se adsorver e proliferar entre os sólidos em suspensão (WHO, 1995).

Tensão superficial

Os compostos tensoativos podem ser considerados importantes contaminantes das águas. Dependendo da sua concentração podem ser tóxicos para peixes ou até mesmo para microrganismos decompositores (Penteado, El Seoud e Carvalho, 2006). Eles são muito comuns em efluentes industriais, devido à utilização de detergentes sintéticos. Os agentes tensoativos atuam na interface ar-água e influenciam as trocas gasosas entre ambos, por isso, neste estudo realizou-se análise da tensão superficial das amostras de água em duas temperaturas ambientalmente comuns, 20°C e 25°C.

Em curtumes, os tensoativos são usados para a encalagem e depilação do couro (remoção do pelo e todo o sistema epidérmico) (CETESB, 2005). Eles servem para diminuir a tensão superficial e aumentar a molhabilidade do material, o que também aumenta a superfície de contato entre a pele animal e outros produtos. A tensão superficial no efluente da estação de tratamento do curtume foi muito menor do que nas amostras de água coletadas no rio Marau (Tabela 1), evidenciando a presença de compostos tensoativos no efluente. No entanto, quando o efluente se mistura com a água do rio, ocorre sua diluição e a mudança de tensão superficial não é perceptível. Assim, a água mantém características químicas similares entre todos os pontos amostrados, inclusive no ponto localizado após a descarga do efluente do curtume nas águas do rio.

Como observado, a condutividade elétrica (Tabela 1) obtida no efluente da estação de tratamento de resíduos da indústria de couros foi elevada, indicando grande presença de íons (tensoiô-nicos). No entanto, na saída do efluente do curtume foi observada a formação de grande quantidade de espumas, revelando que o efeito dos tensoativos supera o dos tensoiônicos, o que explica a presença de bolhas (maior área de interface líquido/ar).

Carbono orgânico

Os teores de COS e COT somente foram detectados no efluente da indústria de beneficiamento de couro (COS(2014): 44 mg L-1 e COS(2016) 49 mg L-1; COT(2014): 58 mg L-1e COT(2016): 60 mg L-1). O C presente no efluente é resultado da presença de materiais provenientes de fragmentos do couro, descartados durante o processo do curtimento. As águas das operações de curtume contêm sebo, pelos, tecido muscular, gordura e sangue, que são materiais que apresentam velocidades distintas de decomposição (CETESB, 2005). A matéria orgânica biodegradável lançada no corpo hídrico pode ser decomposta de maneiras diferentes, na presença ou ausência de oxigênio (O2) (Braga, 2007). Quando houver O2 dissolvido, a degradação ocorre através das bactérias aeróbicas, que consomem o O2 presente na água. Se houver grande quantidade de matéria orgânica, o consumo de O2 será intenso e ocorrerá o esgotamento do O2, favorecendo o desenvolvimento de organismos anaeróbicos. Nessas situações ocorre a produção de gases como o metano e o gás sulfídrico (Baird e Cann, 2014).

Concentração de metais na água

Na Resolução No. 430 de 2011 (CONAMA, 2011) não dispõe de valores máximos permitidos para grande parte dos metais presentes na saída dos efluentes liberados em corpos d'água. A falta de estudos sobre os efeitos desses elementos sobre os organismos aquáticos dificulta o estabelecimento de teores limite aceitáveis desses elementos na água, e retarda a elaboração de políticas públicas de cunho ambiental. Todos os resultados referentes às concentrações total e solúvel dos metais nos cinco pontos de coleta no município de Marau estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 Concentração (mg L-1) total e solúvel de 13 metais das amostras de água coletadas em cinco pontos na região de Marau - RS e máxima concentração permitida (mg L-1) pela Resolução No. 357 de 2005 

1 teor total; 2 teor solúvel. *Não há limite estabelecido pela resolução **Apenas os limites máximos dissolvidos: 0,2 mg L-1 de Al e 5,0 mg L-1 de Fe.

Fonte: os autores.

Para conhecer o potencial de contaminação dos sítios estudados, foi realizada a análise total dos elementos presentes na água e a análise dos elementos prontamente disponíveis (solúveis). A diferença entre estes dois parâmetros é explicada pela presença de elementos na forma particulada, os quais também podem apresentar risco ambiental. Os particulados podem conter a parte mineral dos sedimentos de fundo do rio (ex: argila, quartzo), bem como partículas de matéria orgânica que adsorvem os elementos reativos na água.

Alumínio

No ano de 2016, no ponto a jusante de Marau (depois do lançamento do efluente), as concentrações de Altotal (1,27 mg L-1) e Alsolúvel (0,37 mg L-1) foram superiores aos demais pontos coletados tanto em 2016 quanto em 2014. Porém, todos os valores obtidos nas amostras de água coletadas no rio Marau estariam acima do permitido, levando em consideração os limites estabelecidos pela Resolução No. 357 de 2005 (CONAMA, 2005). A variação do grau de contaminação do rio no tempo é influenciada pelos diferentes tipos de efluentes lançados nos cursos hídricos. Geralmente, as concentrações de Al dissolvido em águas coletadas em ambientes preservados, com pH próximo a neutro (6 a 7), se encontram na faixa de 0,001 e 0,05 mg L-1 aumentando para 0,5 a 1,0 mg L-1 em águas mais ácidas ou ricas em matéria orgânica (CETESB, 2005).

A alta concentração de Al obtida na água amostrada após a cidade é resultado da presença de indústrias metalomecânicas na cidade. A prefeitura de Marau (2013), através de um levantamento feito no ano de 2013, conseguiu comprovar que as atividades humanas têm causado grande impacto na qualidade da água que atravessa a cidade. Assmann, Capelesso e Dariva (2017) ao analisarem a concentração de Al em liquens amostrados em três fragmentos localizados em área urbana, industrial e rural, no município de Erechim, no Rio Grande do Sul verificaram que as duas áreas em contado com maior descarga de poluição da cidade foram também as que apresentaram maiores concentrações de Al nos liquens. Assim, o aumento da concentração de Al no rio Marau é consequência das atividades industriais desenvolvidas próximas ao rio, visto que no ponto a jusante da cidade a concentração de Al foi 3,3 vezes maior que a quantidade de Al encontrada na água coletada a montante da cidade de Marau. Quanto aos efeitos à saúde, estudos apontam que a exposição ao Al pode influenciar na atividade cerebral, levando a doenças neurodegenerativas (Bondy, 2016).

Cromo

A água do rio Marau coletada nos dois pontos a montante da indústria de beneficiamento de couro não apresentou nenhum teor de Crtotal. Porém, no ponto Rio + Efluente (Tabela 2), localizado após a entrada do efluente da estação de tratamento do curtume foi constatada a presença de Cr na água (Crtotal(2014): 0,13 mg L-1 e Crtotal(2016): 0,11mg L-1). Os valores de Crtotal obtidos na amostra de efluente da estação de tratamento da indústria de beneficiamento de couro foram de 0,31 mg L-1e 0,29 mg L-1, nos anos de 2014 e 2016, respectivamente. Em termos de contaminação ambiental, os níveis de Cr encontrados nos efluentes do curtume são aceitáveis de acordo com a Resolução No. 357 de 2005 (CONAMA, 2005).

O Cr é usado pelas indústrias de curtume como tanante mineral, visando enrijecer a pele e ao mesmo tempo garantir a preservação do produto final contra o ataque de microrganismos e fungos. O composto aplicado nesse processo é o sulfato de cromo (ILL), Cr2(SO4)3, comumente referido como sal de Cr (Freitas e Melnikov, 2006). A Resolução No. 357 de 2005 (CONAMA, 2005) estabelece que, para que a água seja considerada de qualidade, a quantidade máxima de Crtotal permitida é de 0,05 mg L-1. Já na Resolução em vigência na qualidade de efluentes (CONAMA, 2011), divide as quantidades de Cr de acordo com seu potencial poluidor, sendo permitido para Cr (III) 1 mg L-1 e para Cr (VI) 0,1 mg L-1. Entretanto, esses valores mais significativos permitem que as empresas operem com maior flexibilidade no aporte desse metal nos cursos hídricos. Levando em consideração que o Cr pode sofrer tanto oxidação quando redução, dependendo das condições ambientais é possível que a Resolução No. 430 de 2011 (CONAMA, 2011) esteja subestimando o potencial poluidor de resíduos de Cr em ambientes aquáticos, o que pode implicar em riscos para a fauna e flora desses locais.

Segundo Baird e Cann (2014) quando o elemento Cr se encontra em ambientes oxidantes (como rios de correnteza com turbilho-namento das águas), o mesmo permanece na forma do Cr (VI), normalmente na forma do íon Cromato (CrO42-). Quando na forma de cromato, o Cr é considerado mais perigoso, pois pode causar problemas de saúde como, por exemplo, câncer. O íon cromato possui similaridade estrutural com o íon sulfato (SO42-), o que lhe permite entrar na célula biológica e oxidar bases do DNA e RNA, resultando em apoptose celular (Barreto e Segura, 1998). Quando o Cr se encontra em ambientes que promovem sua redução (como em águas lênticas a maiores profundidades, com menor concentração de oxigênio dissolvido) a forma predominante do íon Cr é a de valência III, que é a menos solúvel. Em pH mais neutros ou alcalinos, o metal precipita (Baird e Cann, 2014), tornando-se menos reativo e, portanto, menos perigoso para os organismos que estão em contato com ele.

O Cr pode bioacumular-se nos organismos e ser repassado para os demais níveis tróficos da cadeia alimentar. Como exemplo, Rocha, et al. (2015) verificaram que peixes que se encontravam em águas contaminadas com Cr acumularam o metal nos tecidos musculares. Ou seja, nessa região, a pesca é uma das vias indiretas de contaminação a longo prazo nos seres vivos, uma vez que a prática é recorrente. É importante ter em mente que a maioria das atividades realizadas pelo homem produz resíduos, e que os valores limites (dispostos em legislação) para os constituintes dos resíduos a serem descartados visam minimizar o impacto sobre o meio ambiente e diminuir os riscos à saúde humana. Assim, mesmo apresentando concentrações, em duas coletas, dentro dos limites estabelecidos pela legislação, o Cr presente nos resíduos do curtume em estudo pode trazer riscos à saúde dos organismos aquáticos e danos a cadeia trófica.

Cálcio e Magnésio

Na saída do efluente da indústria de couro, as concentrações de Ca e Mg foram elevadas, tanto para o teor total quanto na fração solúvel. Quando o efluente se mistura com a água do rio, a concentração total de ambos os elementos se reduz e a fração solúvel aumenta (Figura 2). A presença de altas concentrações de Ca e Mg é resultado da intensa utilização desses compostos no tratamento da pele animal. Para precipitação do Cr, entre outros agentes alcalinos, são utilizados os hidróxidos de cálcio (Ca(OH)2) e o óxido de magnésio (MgO), de modo que as águas das operações são fortemente alcalinas e esbranquiçadas, devido ao uso de cal em excesso (CETESB, 2005).

Fonte: os autores.

Figura 2 Concentração total e solúvel dos elementos Ca e Mg das amostras de água coletadas em cinco pontos na região de Marau - RS 

As concentrações de Ca e Mg não são citadas nas resoluções brasileiras como parâmetros de referência de qualidade de água doce e de efluentes. Através das concentrações de Ca e Mg é possível determinar a dureza da água pela equivalência do carbonato de cálcio (CaCO3). A água pode ser classificada em água branda (0-40 mg L-1), água moderada (40-100 mg L-1), água dura (100-300 mg L-1), água muito dura (300-500 mg L-1) e extremamente dura (acima de 500 mg L-1) (CONAMA, 2005). Esse parâmetro de qualidade é muito importante para indústrias e para o tratamento de água, pois altas concentrações de CaCO3 na água e sua classificação como água dura podem resultar no entupimento de tubulações, devido à deposição desse sal, com consequentes prejuízos econômicos. Assim, as amostras de água analisadas no presente estudo enquadram-se na classificação como águas moles, exceto aquela correspondente à saída do efluente, que apresenta aumento da concentração desses elementos, principalmente de Ca, devido aos tratamentos utilizados no curtimento do couro. Isso pode servir de alerta, visto que a alta concentração de Ca pode provocar entupimentos de canos do próprio curtume e causar algum dano material à indústria de beneficiamento de peles.

Chumbo

Os valores de PbTotal encontrados na água amostrada a montante de Marau e do curtume (Pbtotal (2016): 0,14 mg L-1) e a jusante da cidade de Marau (Pbtotal (2016): 0,04 mgL-1) foram maiores do que o limite estabelecido pela Resolução No. 357 de 2005 e la Resolução No. 430 de 2011 (<0,01 mgL-1) (CONAMA, 2005; 2011). O local de amostragem a montante da cidade de Marau e do curtume é usado para a captação de água pela empresa de saneamento que faz o tratamento da água e sua redistribuição para a cidade. O resultado encontrado é preocupante, pois o Pb é reconhecido pela OMS como um dos elementos mais perigosos para a saúde humana e também para o ecossistema aquático, causando problemas hematológicos e neurológicos, além da magnificação biológica (Fewtrell, Kaufmann e Prüss-Üstün, 2003). No entanto, como o Pb encontrado está principalmente na fração particulada, sendo possível que a estação de tratamento de água consiga retirá-lo totalmente na etapa de filtragem. Nos outros pontos de coleta a concentração de Pb na água variou de 0 a 0,1 mg L-1, situando-se dentro do limite permitido pela resolução para águas doces de qualidade.

Selênio

O Se foi encontrado apenas nas amostras de água coletadas no ponto de amostragem após a cidade de Marau, estando presente principalmente na fração sólida (Tabela 2). Nas áreas urbanas de Marau, além da produção agrícola e das agroindústrias que produzem suínos e aves em grande escala para exportação, existem grandes indústrias metalúrgicas (Prefeitura de Marau, 2013). Assim, analisando o contexto local, pode-se afirmar que a presença de Se é decorrente de seu uso em processos industriais tais como a produção de vidro (através do seleneto de cádmio) e a metalurgia, em que o Se é empregado como desgaseificante (Melo, Melo e Melo, 2004).

Fósforo solúvel

As maiores concentrações de Psolúvel nas águas do rio Marau foram encontradas no ponto a jusante da cidade e do curtume (Tabela 3), devido à grande presença de esgotos clandestinos ligados diretamente ao rio Marau. Muitos produtos de limpeza utilizados diariamente (como detergentes) possuem altas concentrações de P, principalmente na forma de Psolúvel, o que explicaria o aumento detectado desse parâmetro nas águas desse ponto.

Tabela 3 Resultados da análise de cromatografia iônica para Psolúvel, Cl-, NO2-, NO3-, PO4-3 e SO4-2 (mg L-1) das amostras de água coletadas em cinco pontos na região de Marau - RS e valor máximo da concentração total permitida (mg L-1) segundo a Resolução No. 357 de 2005 

Fonte: os autores.

Apesar de a amostragem ter sido realizada em águas lóticas, é preciso considerar que as águas do rio Marau se somam às águas de outros rios, que também passam por regiões industrializadas e/ou por áreas agrícolas, para então irem desaguar no Lago Guaíba. Nessa região de deságue, as águas são mais lentas e o P pode acumular-se nos sedimentos de fundo do lago e ser remobilizado para a superfície quando ocorre turbulência, como por exemplo, durante tempestades com fortes ventos. Nos sistemas aquáticos de água doce, o P é o elemento limitante para a eutrofização e seu excesso pode levar aos fenômenos de floração de algas em que há aumento da biomassa, maior consumo de oxigênio dissolvido disponível e diminuição do teor disponível desse elemento para os demais organismos aquáticos. A morte e a decomposição de muitos organismos aumentam ainda mais a quantidade de P disponível para o crescimento das algas (Janssen, et al., 2014). A eutrofização pode causar a morte de peixes, mau odor e produção de toxinas prejudiciais para a saúde humana e/ou para a fauna e flora do local. A recuperação de uma área eutrofizada é custosa, trabalhosa e nem sempre é possível, de modo que o dano à qualidade da água nesses ambientes pode ser totalmente irreparável.

Cloreto, Nitrato, Nitrito, Fosfato e Sulfatos

Através da cromatografia iônica foi possível determinar a concentração de Cl-, NO2-, NO3-, PO4-3 e SO4-2 nas amostras de água do rio Marau e do efluente da estação de tratamento de resíduos da indústria de beneficiamento de couro (Tabela 3). Entretanto, as concentrações de NO2- e PO4-3 (nas amostras de água) mostraram-se inferiores ao limite de detecção. No efluente da estação de tratamento do curtume foram detectadas altas concentrações de Cl- e de SO4-2. O tratamento da pele bovina é realizado principalmente através do uso de compostos químicos que não são inteiramente absorvidos pela pele e consequentemente são direcionados para o efluente tais como NaCl, NH4Cle/ou (NH4)2SO4, Cr2(SO4)3, Na2SO4, sulfato de dimetilamina (CETESB, 2005). Na Resolução No. 357 de 2005 (CONAMA, 2005), o limite máximo de concentração de Cl- é de 250 mg L-1. Entretanto, as empresas usam a Resolução 430 de 2011 (CONAMA, 2011), que não menciona limites para esse íon no efluente. Assim, levando em consideração a Resolução No. 357 de 2005 (CONAMA 2005), a concentração de Cl- no efluente estaria acima do permitido. O mesmo ocorre para o ânion SO4-2.

A presença de maior concentração de íons na água, tais como Cl- e SO4-2 (tensoiônicos), gera o aumento da tensão superficial, conforme já comentado anteriormente. Mas, estes ânions podem igualmente provocar a sedimentação das partículas presentes, como é comum ocorrer nos estuários dos rios que deságuam no mar. A sedimentação ocorre à medida que a água se torna mais concentrada nesses íons, aumentando a oportunidade de contato mais efetivo entre as partículas. Ao mesmo tempo, a concentração de eletrólitos aumenta, resultando em um decréscimo na espessura da camada difusa das partículas, e proporcionando sua aproximação e sedimentação (Tchobanoglous, et al., 2014). Neste caso, devido à descarga do efluente rico nesses íons, um fenômeno semelhante pode estar ocorrendo.

Cenários de risco para a saúde humana e o ambiente

No Brasil, a falta de participação social e de interesse da população na resolução dos problemas relacionados ao mau uso e à depreciação da qualidade d'água resulta na falta de controle e na poluição dos recursos hídricos (Gurgel, et al., 2009). Assim, estudos como este têm o objetivo de promover reflexão sobre a importância de realizar trabalhos sociais na região relacionados à reprodução da consciência e conduta. A problemática da realização de esgotos clandestinos na região é a constatação da falta de pertencimento do indivíduo ao meio em que vive. Assim, os trabalhos de conscientização da população sobre os riscos de suas atividades para o meio ambiente e a punição dos infratores devem ser realizados para que sejam reduzidos os riscos à saúde pública local. No futuro, espera-se que estudos como este sirvam de subsídio para a decisão da cidade sobre a implantação da rede de coleta e tratamento de esgotos na região.

Os resultados mostram que a qualidade d'água do rio Marau é preocupante e que deve ser monitorada e fiscalizada pelos governos locais, principalmente em termos de concentração de Al, Pb e P. A presença desses metais na água dos rios podem resultar na contaminação de diversos organismos devido a sua bioacumulação e bioconcentração dentro dos diversos níveis tróficos da cadeia alimentar (Falandysz, et al., 2017). Além disso, a presença desses metais na água do rio para consumo humano é indesejável, mesmo quando os teores são encontrados em níveis legalmente aceitáveis (Rovira, et al., 2015). Isto porque a exposição a longo prazo a metais tóxicos e concentrações excessivas de elementos essenciais têm sido associada a efeitos adversos à saúde humana (Callan, et al., 2015; Kim, et al., 2016).

Embora o tratamento de efluentes líquidos seja responsabilidade do poder público, a população pode desempenhar um papel relevante no sentido de amenizar o problema, exercendo um papel que lhe é assegurado pelo Princípio da Participação, no direito ambiental. Mas para cumprir esse papel o cidadão tem o direito de ser informado e educado para que possa interferir de fato na gestão ambiental. As pesquisas futuras devem focar no desenvolvimento de abordagens participativas, com planejamento e otimização de programas de monitoramento da qualidade da água (Behmel, et al., 2016). A promoção da saúde humana depende da qualidade do ambiente e dos modelos de produção em que os indivíduos se encontram. Assim, pensar em qualidade de vida implica defender modalidades de desenvolvimento sustentável, que superem as crises de desenvolvimento social e ambiental, buscando condições suportáveis de crescimento (Gurgel et al., 2009).

Conclusões

A empresa de tratamento de couro avaliada segue as normas estabelecidas pela legislação brasileira. Porém, as atividades domésticas e industriais do município de Marau representam o maior problema de contaminação ambiental local. Com exceção das altas concentrações de Ca e Mg, que não constam na legislação como sendo prejudiciais à qualidade da água, a maioria dos parâmetros e elementos considerados de alto valor na saída do efluente da indústria diminuem em consequência da diluição nas águas do rio Marau, igualando-se àqueles valores obtidos antes do ponto de mistura do efluente. A falta de fiscalização dos órgãos públicos do município e a inexistência da rede de coleta e de estação de tratamento de esgoto são os principais agravantes dessa situação. A presença de valores significativos de P, Al e Pb nas águas do rio Marau demonstra uma das externalidades negativas dos aglomerados urbanos: a contaminação e perda da qualidade das águas dos rios dessas regiões. Dessa forma, torna-se necessário repensar o atual modelo produtivo e de desenvolvimento econômico adotado, local, regional e nacionalmente, tendo em mente os Princípios da Precaução e do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, assegurados no direito ambiental, os quais visam a preservação da saúde humana (Gurgel, et al., 2009).

Além do impacto ambiental advindo do lançamento de efluentes no rio, cabe ressaltar que num dos pontos amostrados (situado a montante do curtume) está localizado o ponto de captação de água para o abastecimento da cidade. Quanto mais poluído e contaminado for esse local, mais difícil, custoso e ineficiente será o tratamento de água, e mais caro será o valor desse serviço para o consumidor. Assim, é iminente definir elementos para gestão sustentável dos recursos hídricos, levando-se em consideração o conjunto da sociedade brasileira (agricultores, industriais e cidadãos). Espera-se que esse estudo sirva de referencial teórico para trabalhos futuros realizados em outras cidades do Brasil, pois a cidade de Marau é uma entre muitas cidades brasileiras que possuem problema de destinação de resíduos domésticos e industriais.

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Mayara Regina-Fornari Mestre em Ciência do Solo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutoranda em Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Marilia Camotti-Bastos Doutora em Ciência do Solo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pós-doutoranda da Universidade de Lorraine (França).

Fabiana de Medeiros-Silveira Doutora em Engenharia Florestal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professora da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ).

Jocelina Paranhos-Rosa de Vargas Mestre em Ciência do Solo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutoranda em Ciência do Solo da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Gracieli Fernandes Mestre em Ciência do Solo Universidade da Federal de Santa Maria (UFSM), doutoranda em Ciência do Solo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Maria Alice Santanna-dos Santos Doutora em Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), professora associada da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Danilo Rheinheimer-dos Santos Doutor em Ciência do Solo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor titular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Siglas

Cloreto (Cl-)

Nitrato (NO3-)

Nitrito (NO2-)

Fosfato (PO43-)

Sulfato (SO42-)

Carbono orgânico total (COT)

Carbono orgânico solúvel (COS)

Recebido: 07 de Outubro de 2017; Aceito: 07 de Junho de 2018

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