INTRODUÇÃO
O envolvimento de jovens com drogas é um problema não só de pais e familiares deles, mas também da sociedade inteira [1-5]. É um fenômeno bastante antigo na história da humanidade e constitui um grave problema de saúde pública, com sérias consequências pessoais e sociais, levando ao aumento de criminalidade juvenil, de casos da insanidade mental e até de mutações genéticas em filhos dos jovens envolvidos em consumo de drogas [6,7]. Outro problema que sobressai é o combate ao seu tráfico [8-10]. Ambos os problemas são especialmente atuais nos países em desenvolvimento.
Por outro lado, o tramadol (rac-(1R,2R)-2-(didimetilaminometil)-1-(3-metoxifenilo)-ciclohexanol - CAS: 27203-92-5) é um analgésico muito forte (pertencendo à classe de opioides) e tem ação muito rápida [11-16]. No entanto, o seu quadro de desempenho apresenta múltiplos efeitos colaterais [17]. No caso de uso excessivo, ou acompanhado pelo uso de várias outras substâncias, pode causar dependência e até levar à morte. Em alguns países como a Espanha [18], Ucrânia, [19], Bielorússia [20], Austrália [21] e alguns dos Estados Unidos [22], tramadol é considerado uma substância, passível de uso médico, mas cuja venda não licenciada e não controlada é qualificada como tráfico de drogas (sendo a Ucrânia o primeiro país no mundo a reconhecer tramadol como droga). No Brasil, a venda de tramadol é permitida somente com retenção da receita, em quantidades não superiores a 100 mg por unidade posológica [23]. Outrossim, é planejada a inclusão da substância na lista de doping [24]. Destarte, o desenvolvimento de métodos precisos e exatos da quantiicação de tramadol é muito importante tanto para fins de controle de tratamento, como para fins de perícia policial, ou desportiva [25-28], e o uso de métodos eletroquímicos, envolvendo elétrodos quimicamente modicados, já usados para vários compostos biologicamente ativos [29-35], é uma possibilidade da sua solução.
Um dos materiais modificadores, que pode ser capaz de auxiliar a eletrooxidação de tramadol é o oxihidróxido de cobalto trivalente CoO(OH), um semicondutor do tipo p, visto por alguns pesquisadores [36-40] como alternativa ao dióxido de titânio nos sistemas de foto e fotoeletrocatálise. O estudo das suas propriedades eletroanalíticas começou recentemente [41,42], mas já foi mostrado, experimental e teoricamente [43-46], que o CoO(OH) pode ser ótimo mediador de oxidação de compostos orgânicos em meios neutro e levemente alcalino. Um estudo com tramadol [47] mostrou que o valor do pH, em que a sua eletrooxidação é mais eficiente, é de 9,2. Destarte, é possível afirmar que, em princípio, CoO(OH) pode auxiliar a oxidação de tramadol, já que este valor de pH está dentro da faixa do seu melhor desempenho.
No entanto, já foi detectado que os processos, envolvendo a eletrossíntese de CoO(OH), podem ser acompanhados por instabilidades eletroquímicas [48,49], cuja presença pode alterar muito o sinal analítico. As suas causas mais prováveis só podem ser detectadas mediante o desenvolvimento de um modelo matemático, capaz de descrever adequadamente os processos neste sistema.
Assim, o objetivo geral deste trabalho é a avaliação mecanística da possibilidade de o CoO(OH) ser modificador do elétrodo para auxiliar a oxidação do tramadol. A realização deste objetivo requer o alcance dos objetivos específicos:
- A sugestão do mecanismo da reação, incluindo o desempenho de CoO(OH) no processo;
- O desenvolvimento de modelo, na base deste mecanismo;
- Análise de estabilidade do estado estacionário neste sistema (na base do modelo);
- Verificação da possibilidade das instabilidades eletroquímicas nele;
- Comparação do seu comportamento com o dos sistemas semelhantes 41-46].
O SISTEMA E O SEU MODELO
O conhecimento dos aspectos experimentais da eletrooxidação de tramadol [47] e do desempenho de oxihidróxido de cobalto (III) [41,42] deixa sugerir, teoricamente, o mecanismo da oxidação de tramadol sobre CoO(OH) como:
CoO(OH) é regenerado, em meio básico, conforme a reação:
e em meio neutro, conforme:
Haja vista a saída dos prótons [47], o meio levemente alcalino é mais favorável à eletrooxidação de tramadol. Por outro lado, o pH muito alto (superior a 11-12) pode levar à oxidação direta do tramadol pela hidroxila, à hidrólise do grupo metoxi, e pela dissolução de CoO(OH) conforme:
Destarte, o valor do pH de 9,2 é considerado ótimo para a eletrooxidação e será considerado no modelo. Diante do acima exposto, considerar-se-ão, para efeitos de modelagem, apenas as reações (1) e (2), e, para descrever o comportamento do sistema, introduzir-se-ão as três variáveis:
c - a concentração de tramadol na camada pré-superficial;
θ - o grau de recobrimento da superfície pelo oxi-hidróxido de cobalto;
α - a concentração do álcali na camada pré-superficial.
Para simplificar a modelagem, supomos que o reator esteja agitando-se intensamente (para menosprezar o fluxo de convecção), que o eletrólito de suporte esteja em excesso (para menosprezar o fluxo de migração). Também é suposto que a distribuição concentracional na camada pré-superficial seja lineal, e a sua espessura, constante, igual a δ.
Dada a ausência, do ponto de vista cinético, das reações laterais da base no valor do pH escolhido, o conjunto de equações de balanço ver-se-á mais fácil que nos casos semelhantes [43-46], e descrever-se-á como:
em que D e Δ são coeficientes de difusão da droga e do álcali correspondentemente, r1 e r 2 são velocidades das reações (1) e (2), que podem calcular-se como:
c 0 e α 0 são concentrações da droga e do álcali no interior da solução, G é a concentração máxima do CoO(OH) na superfície do ânodo, os parâmetros k são constantes das respectivas reações, F é o número de Faraday, φ 0 é o salto do potencial, correspondente ao potencial da carga zero, R é a constante universal de gases e T é temperatura absoluta. O salto do potencial depende de θ conforme a relação φ 0 = Υ θ.
É possível ver que a aparência do conjunto de equações se deu semelhante à característica para sensores, baseados em polímeros condutores [50-56]. Isso pode levar à pressuposição de que a aparição das instabilidades eletroquímicas nele seja menos provável que nos semelhantes [43-46], aproximando-se da observada no caso dos polímeros condutores. A análise do modelo e a sua interpretação discutir-se-ão abaixo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para investigar o comportamento do sistema da eletrooxidação de tramadol, auxiliada por oxihidróxido de cobalto, analisamos o conjunto de equações (5), mediante a teoria de estabilidade linear. A matriz funcional de Jacobi, cujos elementos são calculados para o estado estacionário, ver-se-á como:
Em que:
Observando atentamente as expressões (9), (13) e (17), vê-se que o comportamento oscilatório neste sistema é possível, já que existem elementos positivos (referentes à positiva conexão de retorno) na diagonal principal da matriz. Sem embargo, contrariamente aos sistemas semelhantes [43-46], neste, não há oscilações, vinculadas à instabilidade superficial, e o comportamento do sistema se aproxima do observado nos casos da presença dos polímeros condutores [50-56]. Como neles, neste sistema o comportamento oscilatório pode ser causado apenas pelas influências do processo eletroquímico nas capacitâncias da dupla camada elétrica. Nenhuma instabilidade superficial, característica para outros sistemas envolvendo o oxihidróxido de cobalto trivalente, é observada, dada a ausência de reações laterais que levam à dissolução do composto de cobalto.
Analisando o conjunto de equações diferenciais (5), com a aplicação do critério de Routh-Hurwitz, obtemos o requisito de estabilidade do estado estacionário. Para simplificar os cálculos, evitando as expressões grandes, introduzimos as novas variáveis, de modo que o determinante de jacobiano se descreva como:
Abrindo os parênteses em (18) e aplicando a inequação Det J < 0, saliente do critério de estabilidade do estado estacionário, obtemos a condição desta, expressa sob a forma:
Garantida-mente satisfeita no caso da negatividade do parâmetro A, que descreve a eletrooxidação de CoO a CoO(OH). A negatividade deste parâmetro define a ausência das influências fortes do processo eletroquímico sobre a DCE, ou o impacto insuficiente destas para superar o efeito estabilizador do decrescimento da área não coberta por CoO(OH). Como há menos fatores capazes de desestabilizar o estado estacionário neste sistema que nos semelhantes [43-46], dá para afirmar que neste caso a região topológica de estabilidade do estado estacionário será mais vasta. O estado estacionário formar-se-á de forma rápida, e, como ele é correspondente à dependência linear entre o parâmetro eletroquímico e a concentraçao do composto, é possível afirmar que o sinal analítico será bem interpretado. Disso, dá para fazer a conclusão de que CoO(OH) pode ser compatível com a eletroanálise de tramadol in vitro (inclusive na perícia) e, limitadamente, in vivo. Reação será controlada pela difusão, já que dos mencionados é um processo mais devagar e uma vez que os seus parâmetros k 1 e k 2 estão presentes em quase todos os elementos da inequação. A influência difusional neste caso também é mais forte que nos sistemas semelhantes [43-46].
No caso da igualdade das influências desestabilizadoras na DCE às estabilizadoras, forma-se a instabilidade monotônica. Para obter a sua condição, transformamos a inequação 19a em equação (haja vista a condição Det J = 0), e resolvemo-la relativamente ao parâmetro da eletrossíntese de CoO(OH) Λ.
Disso, a igualdade de influências descrever-se-á como:
Este valor marginal é correspondente ao limite de detecção. Nesta margem, existe a multiplicidade de estados estacionários, cada um instável, pois se destrói, após a mudança das condições da síntese.
No caso da presença das substâncias interferentes, também capazes de oxidar-se sobre CoO(OH), os picos, referentes às suas oxidações podem facilmente ser discriminados do correspondente à presença de tramadol, haja vista as propriedades mediadoras deste material desiguais em relação a eles.
No caso da presença das substâncias interferentes, que entram em reação com o analito e com o CoO(OH), o sistema aproximar-se-á aos semelhantes, descritos em [43-46].
A aplicabilidade deste modelo também se estende aos sistemas com polímeros condutores, cuja reversibilidade se alcança com a presença de uma substância adicional.
CONCLUSÕES
A análise teórica da possibilidade de uso de CoO(OH) na detecção eletroquímica de tramadol deixou concluir que:
- CoO(OH), haja vista a estabilidade do material e capacidade de oxidar o tramadol, pode ser usado na eletrooxidação deste. A estabilidade do estado estacionário mantém-se numa ampla região topológica de parâmetros, o que significa que a resposta do sensor é fácil de interpretar;
- Contrariamente aos sistemas semelhantes, envolvendo CoO(OH), a estabilidade do estado estacionário só pode ser comprometida pelas influências eletroquímicas. Nenhuma instabilidade supericial, característica para outros sistemas com a dissolução, é possível. A reação será controlada pela difusão.
- O comportamento oscilatório neste sistema é menos provável que nos outros casos de uso de CoO(OH), aproximando-se a probabilidade à do caso do uso dos polímeros condutores, sendo-lhe a causa apenas as influências eletroquímicas das capacitâncias da dupla camada elétrica.