Introdução
Vivemos em uma sociedade sexista, onde predomina o discurso e a norma heterossexualista, e sob essa ótica, gênero e sexualidade são determinados biologicamente e não construídos social e culturalmente. Além disso, estamos submersos em um panorama de desigualdades de gênero, onde situações como violência de gênero e violência obstétrica são naturalizadas, banalizadas e/ou invisibilizadas pelos atores dessa sociedade 1-4.
Violência de gênero se refere a uma série de restrições relativas à saúde reprodutiva e sexual das mulheres. É caracterizada também pela dificuldade de acesso a um serviço de saúde durante o período gravídico-puerperal e/ou a informações sobre métodos contraceptivos, licença maternidade, entre outras 5. Neste sentido, a violência obstétrica pode ser considerada uma violência de gênero. De acordo com o Fondo de Población de las Naciones Unidas (FPNU):
[...] violência obstétrica é a apropriação do corpo das mulheres quando em processos reprodutivos, por profissionais da saúde, que prestam assistência desumana, com uso excessivo de medicalização e intervenções iatrogênicas em processos naturais, que implicam na perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres [...] 6.
A violência obstétrica engloba qualquer tipo de violência que ocorra durante o período da gestação, do parto e do pós-parto, incluindo a assistência ao aborto. Este é o modelo predominante de assistência no Brasil, ultrapassado, imerso em práticas intervencionistas e instrumentalizadas pelo uso excessivo de tecnologias, interferindo no processo fisiológico do parto e nascimento 1,7-13.
Diante do exposto acima, realizamos uma revisão integrativa de pesquisas qualitativas, cujo objetivo foi descrever, à luz da perspectiva de gênero e direitos reprodutivos, os fatores intervenientes da assistência na experiência do parto e nascimento, tendo a seguinte pergunta norteadora: Como os fatores intervenientes nas práticas de assistência ao parto interferem na vivência do parto e nascimento?
Materiais e Métodos
Trata-se de uma revisão integrativa, cujo principal objetivo é a integração entre a pesquisa científica e a prática profissional. Adotou-se a revisão integrativa da literatura uma vez que ela é um dos pilares para a aplicabilidade e melhorias de práticas clínicas relevantes através de análises de pesquisas que servem como base para decisões, deduções e a síntese de dados encontrados sobre um determinado assunto. Além disso, ela também aponta lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos 14.
Baseada no método de Whittemore e Knafl 15, seguiu as cinco fases propostas: formulação e identificação do problema, coleta de dados, avaliação dos dados, análise e interpretação dos dados coletados e apresentação dos dados. Definiu-se a questão do estudo, seus objetivos e foi elaborado o protocolo da revisão cujo propósito foi fornecer rigor ao processo de seleção, tendo como tópicos: questão norteadora do estudo; objetivo geral; bancos de dados para busca; critérios de inclusão; critérios de exclusão; descritores; roteiro de seleção de artigos e quadro de caracterização das pesquisas primárias do estudo.
As bases de dados eletrônicas escolhidas foram: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Journal Citation Reports (JCR), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), PubMed, MEDLINE, SociNDEX, American Psychological Association (APA), Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), Web of Science (WOS) e Education Resources Information Center (ERIC), com os descritores: violência OR obstétrica OR gênero OR mulher, AND assistência ao parto, experiência, satisfação, saúde materna. Violence OR obstetric OR gender OR woman, and delivery assistance, experience, satisfaction, maternal health. Violencia OR obstétrica OR género OR mujer, and asistencia al parto, experiencia, satisfacción, salud materna.
Os critérios de seleção dos artigos científicos foram: artigos originais e completos, de abordagem qualitativa, com resumos e artigos na íntegra disponíveis gratuitamente online, escrito em inglês, português ou espanhol, publicados entre janeiro de 1994 até dezembro de 2016 e estar relacionados exclusivamente à experiência de mulheres sobre as práticas de assistência ao parto e nascimento, ou seja, foram selecionados os artigos que continham somente relatos de mulheres.
O início do período de investigação da literatura foi determinando pela referência à legislação específica sobre violência contra a mulher, estabelecida na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1994 e pela Convenção Interamericana, que teve como foco proteger a integridade física, intelectual e mental das mulheres, visando reduzir, ou mesmo, coibir os atos de violência contra a mulher no mundo 3,5. Como critérios de exclusão: artigos que versem sobre experiências de partos em gestações de alto risco e emergências obstétricas e/ou que não demonstrem adequadamente o referencial teórico e metodológico e/ou rigor científico e ético.
Resultados e Discussão
Na primeira busca nas bases de dados encontramos 17 051 artigos, dos quais, após a aplicação dos critérios e do protocolo (filtro 1), restaram 927 artigos. Após a leitura dos resumos, buscando identificar quais respondiam aos objetivos e pergunta de pesquisa (filtro 2), restaram 136 artigos, que foram lidos integralmente, buscando satisfazer os critérios estabelecidos na metodologia. Artigos repetidos foram eliminados (filtro 3). Após estas etapas, restaram 54 artigos. O Quadro 1 apresenta o número de artigos selecionados em cada base de dados e após os filtros.
Quadro 1 Número de referências obtidas por bases de dados de acordo com descritores e número de referências selecionadas até filtro 2. São Carlos-SP, 2016

Fonte: Dados da revisão
A partir do filtro 2, reuniram-se os artigos, sem distinção de bases de dados, a fim de eliminar os repetidos e facilitar sua seleção. Desta etapa, selecionaram-se 54 artigos, que estão listados no Quadro 2.
Quadro 2 Quadro síntese dos artigos integrantes da revisão por título, autor(es)/ano e país, objetivos, sujeitos em ordem alfabética, São Carlos-SP, 2016

Fonte: Dados da revisão
A seguir, separaram-se os artigos de acordo com ano de publicação (ver Gráfico 1).
Após o reagrupamento e síntese dos temas surgiram 4 categorias: Pré-concepções contemporâneas sobre parto normal e cesárea, Elementos desfavoráveis à vivência satisfatória do parto, Banalização da violência obstétrica e Pressupostos da assistência humanizada ao parto.
Na categoria Pré-concepções contemporâneas sobre parto normal e cesárea, a ideia antecipada sobre o parto é sustentada por visões histórico-sociais e culturais acerca do feminino, que dita o modo como a mulher deve reagir e se comportar no processo de gestar e parir. As pré-concepções sobre parto normal geralmente são associadas à ideia de um evento inseguro, que deve ser realizado em ambiente hospitalar e com equipe médica, pois indica um risco onipresente de morte, condicionando a mulher a uma visão de que a parturição está, obrigatoriamente, ligada à dor, que é indispensável para se tornar mãe 13,12,17,27,35,38,42,43,49. Outra pré-concepção que pode ser associada ao que se pensa sobre parto e cesárea é a ideia de que a mulher não está preparada fisicamente para parir, dado que seu corpo não é adequado ao parto fisiológico, sendo necessário haver intervenções sobre ele 12,27,35.
Após a leitura dos artigos, realizou-se um primeiro agrupamento por temas, para a construção das categorias (ver Quadro 3).
Cada parto representa um acontecimento importante na vida da mulher e da família 26. Entretanto, podem determinar benefícios ou danos psicológicos 13,17,38. O parto é marcado por muitas mudanças significativas e não é raro ser visto como um momento crítico, de insegurança, desnecessário e desconhecido para essa família, um momento do qual não se tem controle, portanto, não é uma experiência neutra 13,26,31,32,34,38,43,48. Logo, o medo da dor, do desconhecido e a desinformação sobre a parturição são determinantes socioculturais de grande influência na escolha pelo tipo de parto 9,13,17,31,32,35,38,42-45.
A categoria Elementos desfavoráveis à vivência satisfatória do parto é composta pela desinformação presente nos atendimentos de pré-natal e/ou o acesso tardio às informações relativas ao período gravídico-puerperal, pela peregrinação para o atendimento ao parto, pelas dificuldades relacionadas ao transporte e ao idioma da parturiente, pela ausência de apoio do companheiro e/ou restrição de sua presença pela instituição. Essas situações propagam a insatisfação e insegurança com a experiência do parto e nascimento 13,17,30,43,50-53. Logo, por falta de conhecimento, a mulher perde sua privacidade e controle, deixando seu corpo como propriedade e responsabilidade dos profissionais de saúde, que ditam o comportamento adequado 9,11,24,27,34,37,38,54.
Outros elementos que sustentam esta categoria é a imposição à parturiente de rotinas hospitalares como jejum, tricotomia, privação da deambulação, posição horizontal no parto, uso de ocitocina sintética, entre outros, que impedem seu conforto, retirando a autonomia da mulher e prejudicando o processo fisiológico do parto 9,7,12,22,35,43,45,52. O processo de parturição é representado por ausência de alívio da dor, sofrimento, insegurança e insatisfação por se sentir desassistida pelos profissionais de saúde, que nem sempre têm condições e tempo para oferecer o atendimento adequado à parturiente. Diante disso, as mulheres mencionam medo de parir sozinhas e muitas vezes, diante deste contexto, optam pela cesariana 9,16,23,30,37,42,54.
A impessoalidade, a distância no tratamento e comunicação representam, para as mulheres, descaso e desrespeito 7,38,51,55. Muitas vezes, elas mencionam terem sido tratadas como um recipiente para o bebê e não como uma pessoa com vontade própria 56. Estes estudos apontam também que ser tratada como estranha, ignorada e rejeitada as fez sentir desvalorizadas e discriminadas 57,58. As relações de poder comprometem as relações interpessoais e a qualidade da assistência prestada 38. Estes estudos apontam que a assistência é marcada por falta de cuidado digno e respeitoso, onde os profissionais raramente se apresentam e agem de modo invasivo em toques vaginais prolongados e dolorosos, sem pedir permissão, não importando os sentimentos expressados pela parturiente 7,11,12,18,24,27,30,34,48.
A categoria Banalização da violência obstétrica se refere às práticas no atendimento prestado à mulher no período gravídico-puerperal. Os elementos discutidos anteriormente foram naturalizados na prática obstétrica, e isto foi denominado de banalização da violência obstétrica. São situações que perpassam todas as outras barreiras, uma vez que atingem mulheres de todas as raças, cor, idade, credo, do atendimento público ou privado e tipo de parto; não há o que garanta proteção e/ou isenção desse tipo de postura profissional na assistência obstétrica. Contudo, algumas pesquisas, como o estudo Nascer no Brasil realizado pela Fundação Osvaldo Cruz, apontam que mulheres negras ou pardas, de baixa renda e baixa escolaridade, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) estão mais sujeitas a diversos tipos de maus tratos em seus processos de parturição 1,3,50. Um estudo realizado exclusivamente com mulheres negras no estado do Maranhão (Brasil) aponta a necessidade de considerarem-se as necessidades e diversidades desta população 58.
Com base nestas considerações, a assistência ao parto e nascimento tem exposto a mulher a situações de vulnerabilidade. As práticas prejudiciais de assistência ao parto, não baseadas em evidências científicas, submetem as mulheres e seus corpos a um processo de naturalização, no sentido de serem consideradas normais, corriqueiras e aceitáveis, 48 o que potencializa a banalização da violência obstétrica, como resultado de uma interação de aspectos bio-psico-socioculturais, políticos e econômicos 23.
Portanto, o atendimento ao parto reflete um modelo que, aquém das recomendações do Ministério da Saúde, guia-se por uma prática impessoal e fria, que não se atenta às necessidades físicas e emocionais da parturiente 9,12. Este modelo ainda retrata, muitas vezes, violências físicas e verbais, expondo as mulheres a crueldades e humilhações 30, constituindo-se em uma vivência marcante e negativa para elas 18,55,59.
Parte dos profissionais de saúde não consegue reconhecer que realizam violência obstétrica em seus atos e condutas, dizem que prestam uma assistência pautada em rotinas hospitalares, que são vistas como esperadas. Persiste uma assistência onde prevalece o uso do poder e a ocorrência da dominação simbólica, submissão, subordinação, autoritarismo, negligência e impessoalidade com os aspectos emocionais e relativos ao cuidado no pré-parto, parto e pós-parto imediato 7,10,18,20,22,24,30,34,35,38,40,42,43,46-48, tornando evidentes as relações de poder na assistência à saúde da mulher. Em muitos casos, essas relações de poder são, ainda, relacionadas a desigualdades baseadas no gênero e classe social, o que determina hierarquia nos atendimentos 3.
Os aspectos discutidos sobre a banalização da violência obstétrica reforçam a necessidade de elaboração de ações estratégicas em vários níveis, que visem combater as práticas prejudiciais à saúde da mulher, especificamente, no período gravídico-puerperal, a fim de que sejam processadas e efetivadas as propostas da Humanização do Parto e Nascimento. Nas últimas décadas, houve um aumento significativo de um movimento no Brasil, baseado nas propostas da Organização Mundial da Saúde (OMS) difundidas em 1985, chamado Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento (MHPN), que propõe não só modificar, mas também ampliar a assistência, num contexto mais igualitário, quebrando as barreiras da hegemonia e da institucionalização.
A última categoria, Pressupostos da assistência humanizada ao parto, reconhece que é necessária uma compreensão ampliada sobre o parto, respeitando seu processo fisiológico e cultural, de forma a oferecer mais suporte emocional à mulher e à família do que intervenções técnicas 18,24,48,60. A mulher que já foi vítima do modelo de assistência tradicional carrega consigo traumas da violência 29. Muitas vezes, as vivências de situações de violência mobilizam as mulheres para um movimento de luta pela retomada do seu protagonismo no processo de parturição, buscando respeito à autonomia e liberdade de escolha 4,18,26,31,46,49.
É essencial um cuidado individualizado, motivador, acolhedor e qualificado, que traga mais satisfação e bem-estar para as mulheres na assistência 11,60-62. A liberdade de posição, de deambulação, de alimentação, o uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor, a privacidade, o respeito ao pudor da mulher, a presença contínua do acompanhante e de doulas, um ambiente amigável e uma boa infraestrutura trazem benefícios e devem ser encorajados e respeitados durante todo o trabalho de parto, privilegiando a satisfação da mulher 11,13,16,19,25,26,29,31,39,41,44,47,63. A boa relação da mulher com os profissionais e "ser levada a sério" pela equipe de saúde são aspectos de grande importância para o parto e o nascimento 19,21,24,26,28,32,36,37,39,41,56,57,61-63, pois o cuidado humanizado e holístico são os diferenciais para uma interação afetiva e terapêutica, que gera autoestima, aumento do senso de identidade, reconhecimento de suas capacidades, confiança, bem-estar, segurança, tranquilidade e satisfação na vivência de parturição, pós-parto e amamentação 21-24,26,28,29,31,37,39,44,46,49,56,57,60,61.
Este modelo de cuidados permite às mulheres familiaridade e tranquilidade com o processo de nascimento e tem como meta a redução das taxas de cesáreas e morbimortalidade materna e perinatal, consideradas problema de saúde pública, uma vez que o uso excessivo de tecnologias vem causando mais danos do que benefícios à mulher e ao bebê 18. A discussão apresentada em todas as categorias apontou um panorama de situações de violência obstétrica que se materializam, de forma naturalizada, no cotidiano das unidades ambulatoriais e das maternidades brasileiras nos últimos anos 65-72.
Nesta ótica, Carneiro et al.65 defendem mudanças marcantes na assistência obstétrica, dado que estas práticas são atreladas ao exercício do poder biopoliticossocial de um modelo de atenção obstétrica que se encontra colonizado por práticas não baseadas nas evidências científicas. Além disso, contrariam as recomendações da Organização Mundial de Saúde 73,74, do Programa Rede Cegonha do Ministério da Saúde 74,75, bem como desrespeitam o documento Assistência ao parto normal: um guia prático, lançado pela oms em 1996 73.
Desse modo, torna-se necessário dar visibilidade à violência obstétrica, pois é sob esta perspectiva que muitas vezes se criam ações que possibilitem aos profissionais de saúde assumir uma responsabilidade para além das rotinas de pré-natal e do entendimento biomédico da gestação e parto 67,72,74,76, de forma a transformar os paradigmas assistenciais obstétricos, necessários para o bem-estar e saúde das mulheres 72,76. Uma das formas de dar visibilidade a este tipo de violência tem sido usada nas redes sociais, em especial através dos blogs que se configuram do seguinte modo:
[...] lugares de textualização da violência, pela narratividade da dor, cujo funcionamento produz um gesto de resistência, pela denúncia. Gesto que intervém na história ao produzir outros modos de narrar o parto, desorganizando o discurso médico estabilizado que governa e administra nossos corpos. Testemunho de um corpo de re(existe) [...] 71.
As mudanças neste modelo podem ser favorecidas pelo compartilhamento de saberes e experiências, conhecimentos e reconhecimentos dos direitos, sobretudo, sobre a saúde sexual e reprodutiva das mulheres, por meio da participação ativa da mulher e de sua família, assumindo o protagonismo na condução do processo de parturição. Estes são aspectos evidentes para a satisfação da mulher na assistência obstétrica 24,34,44,65-70,72,76.
Vale ressaltar que esta revisão permitiu identificar os fatores intervenientes nas práticas de assistência ao parto, que podem interferir na vivência do parto e nascimento, a partir dos relatos das mulheres identificados nos artigos selecionados. Isso o diferencia de outros estudos que privilegiam a identificação de tipos de violência, revisões que se utilizam de várias fontes -literatura acadêmica, produções dos movimentos sociais e documentos institucionais-, ou revisões que se apoiam em manuais técnicos e legislações 77-79.
Considerações finais
Com base nos relatos das mulheres identificados nos artigos selecionados, o parto ainda é visto como uma forma de nascer insegura, fortemente relacionada de forma negativa à dor, sobre a qual a mulher não tem controle por ser considerada inadequada física e psicologicamente. Logo, por falta de conhecimento e informação do processo de parturição e dos seus direitos sexuais e reprodutivos, ela não reconhece a violência obstétrica, aceita o atendimento prestado, acreditando na competência dos profissionais de saúde, que raramente reconhecem que praticam a violência, mesmo que em pequenos gestos e atitudes entre eles próprios e na relação com a parturiente. Os relatos ainda apontam que a assistência ao parto pode ser melhorada pela articulação entre o pré-natal, parto e pós-parto, pela disponibilidade de tempo para o cuidado, pelo acesso à informação, pela comunicação eficaz e por um cuidado centrado na mulher e na família.
Conforme evidenciamos, o modelo de assistência obstétrica está ultrapassado. Ainda que o Ministério da Saúde faça propostas de Políticas e Programas de Saúde da Mulher que proponham práticas assistenciais baseadas em evidência científica, é necessário mudar o processo de formação dos profissionais de saúde, pois ainda há o predomínio da formação pautada no tecnicismo e no uso indiscriminado das tecnologias e intervenções iatrogênicas na assistência obstétrica de baixo risco. Porém, estas mudanças na formação não serão concretizadas se as próprias práticas de atenção ao parto não forem discutidas e reconhecidas como obsoletas e violentas pelos gestores e profissionais de saúde atuantes na assistência pré-natal e no pós-parto, dado que a violência obstétrica não se limita ao parto.
Concluímos sob o enfoque de gênero, que as práticas e o modelo de assistência obstétrica em vigência no Brasil desrespeitam e/ou ignoram os direitos sexuais, reprodutivos e humanos, o que se reflete nos altos índices de cesárea e nos maus tratos sofridos pelas mulheres nas maternidades brasileiras. Fazem-se necessárias múltiplas ações para colocar em prática a humanização da assistência obstétrica e motivar aqueles que não acreditam nela, visando uma melhor qualidade da assistência ao parto e uma vivência satisfatória para todas as mulheres, independente do gênero e da classe social.
Este estudo também evidencia a necessidade de transformações na formação dos recursos humanos durante a graduação, especialização e na formação continuada. Portanto, temas como os direitos das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos devem ser incluídos nos currículos da graduação, bem como na pós-graduação Lato e Stricto Sensu. Ensinar a assistência fisiológica ao parto e modificar as rotinas e as ambiências de ensino, utilizando, por exemplo, Centros de Parto Normal-escola. Ferramentas de educação em serviço, como a Educação Permanente de Saúde, devem ser priorizadas, no sentido de incentivar a discussão e sensibilização dos profissionais que estão inseridos na prática profissional. Outra medida importante é o investimento na formação de obstetrizes e enfermeiras obstetras, que têm sido consideradas pela literatura internacional como especialistas em parto fisiológico e mais adequadas para a condução humanizada e individualizada do parto.
Dessa forma, profissionais capacitados técnica e humanamente devem buscar estratégias de empoderamento das mulheres, por meio de um diálogo acolhedor, esclarecedor e respeitoso em consultas individuais, trabalhos em grupo com mulheres, discussão do tema em escolas e em muitos outros espaços, no sentido de reconhecer e reivindicar o direito de ser assistida de forma digna e respeitosa na gestação e parto. Uma boa relação da mulher com a equipe profissional é de grande importância para o parto e o nascimento, pois a comunicação, o acolhimento e o apoio são o diferencial deste novo modelo de cuidado. Um modelo permeado por uma interação afetiva e terapêutica, que gera autoestima e confiança e resulta em bem-estar e satisfação na vivência e integra valores e crenças, a fim de promover o cuidado integral e o empoderamento da mulher.