O INTERESSE e exploração sobre o papel que os estilos parentais assumem no desenvolvimento e ajustamento emocional da população infanto-juvenil não é recente nem inovador (e.g., Baumrind, 1991; Darling & Steinberg, 1993; Pedro, Carapito, & Ribeiro, 2015). No entanto, foi apenas no início dos anos 1960 que assumiu destaque particular no domínio da parentalidade mediante os estudos desenvolvidos por Diana Baumrind (1968). Por essa altura, a autora iniciou a análise do contributo que os estilos parentais poderiam assumir na aquisição de competências por parte das crianças. Através dos seus estudos, verificou-se que a presença de diferentes estilos parentais se associava a níveis distintos de competência social. Para além disto, identificou a presença de dois fatores distintos de interação na díade pais-filho -os estilos e as práticas parentais- clarificando a importância de se respeitar esta diferencianção (e.g., Baumrind, 1968; 1991; Pedro et al., 2015).
Nesta medida, os estilos parentais compreendem os comportamentos e atitudes das figuras cuidadoras que são realizados num clima emocional que engloba, ao mesmo tempo, as dimensões da relação diádica entre pais-filhos (como tom de voz, linguagem corporal). Por outro lado, as práticas parentais referem-se a condutas específicas com o propósito de socialização que procuram, apenas, reforçar os comportamentos percebidos como adequados e reprimir os inadequados (Baumrind, 1991; Yusuf & Sim, 2016). Desta forma, verifica-se que, enquanto o estilo parental utilizado transmite uma disposição afetiva em face da criança mediante a qualidade da atenção, o tom de voz empregue e as respostas emocionais evidenciadas, as práticas parentais comunicam, apenas, a forma como se pretende que esta se comporte (Baumrind, 1991). Depreende-se, neste sentido, que os estilos parentais utilizados moderam a preponderância que as práticas parentais assumem no desenvolvimento da criança (Olivari, Wahn, Maridaki-Kassotaki, Antonopoulou, & Confalonieri, 2015).
Dentre as distintas abordagens e conceptuali-zações, propostas no âmbito dos estilos parentais, relatadas na literatura, a tipologia formulada por Baumrind (1991) parece ser a que reúne mais consenso na comunidade científica (Pedro et al., 2015; Yusuf & Sim, 2016). A abordagem tipológica definida por esta autora, a partir dos resultados obtidos nas suas investigações, sugere que o cons-truto geral dos estilos parentais se organiza em torno de três fatores gerais: o democrático, definido como mais adaptativo e equilibrado; autoritário e permissivo, que caracterizam dois extremos de disfuncionalidade.
De acordo com os pressupostos teóricos desta abordagem, os pais democráticos são afetuosos, dedicados, empenhados e muito responsivos, valorizando de igual modo a obediência e a independência. Geralmente, os cuidadores respeitam e têm em consideração as necessidades da criança ou do adolescente e promovem o diálogo e o raciocínio, assim como a reflexão sobre as normas impostas (Baumrind, 1991; Kajula, Darling, Kaaya, & Vries, 2016; Olivari et al., 2015). O estilo autoritário, por sua vez, é caracterizado pelo controlo excessivo, ordem e punição, assim como pela ausência de comunicação e rigidez na interação parental. Os pais autoritários tendem a revelar pouca consideração pelos desejos e interesses das crianças, e impõem regras e limites de forma arbitrária mediante a ausência de qualquer justificação (Baumrind, 1991; Silva, Morgado, & Maroco, 2012). Já os pais permissivos tendem a não exercer qualquer controlo e autoridade sobre os filhos e não estimulam o respeito e a obediência sobre os limites externos. Estes cuidadores não são tidos como modelos pelos seus filhos e tendem a observar-se a si próprios como um recurso que a criança pode usar e não como um agente responsável por delinear o seu comportamento (Baumrind, 1991; Lee, Zhou, Main, Tao, & Cen, 2013; Olivary, Tabliabue, & Confalonieri, 2013).
Apesar disto, parece importante clarificar que a interação parental estabelecida na díade pais-adolescente não deve ser compreendida à luz de uma adoção estanque e/ou transversal de um estilo parental. Esta questão coloca-se na medida em que poderá existir uma maior ou menor predominância de determinadas atitudes e condutas que, num ambiente emocional, poderão traduzir um estilo parental mais ou menos adaptativo (Baumrind, 1991; Yusuf & Sim, 2016).
Após estas conceções, cabe realçar que os aspetos positivos que a implementação de um estilo parental adaptativo pode assumir no bem-estar e ajustamento psicológico da população juvenil têm vindo a ser relatados ao longo dos anos (Nyarko, 2011; Silva et al., 2012; Tavassolie, Dudding, Madigan, Thorvardarson, & Winsler, 2016). A evidência empírica sugere que os adolescentes que percecionam ser educados dentro de um estilo parental democrático evidenciam melhores competências sociais, emocionais e cognitivas. Estes jovens detêm maior capacidade para suportar vivências negativas e evidenciam maiores índices de autoestima, autocontrolo, bem-estar, satisfação e responsabilidade social (Kazemi, Ardabili, & Solokian, 2012; Sangawi, Adams, & Reissland, 2016). Pelo contrário, a perceção de estilos parentais considerados desa-daptativos -autoritário e permissivo- parece associar-se positivamente com o desenvolvimento de problemas de internalização e externalização como ansiedade, depressão, suicidio, deliquên-cia, abuso de substâncias psicoativas e baixo redimento académico (Greening, Stoppelbein, & Luebbe, 2010; Lee et al., 2013; Liem, Cavell, & Lustig, 2010).
Apesar da relevância que os estilos parentais parece assumir no desenvolvimento emocional dos adolescentes, escassos são os intrumentos que avaliam este construto central da parentalidade e se encontram validados e adaptados para a população portuguesa (Pedro et al., 2015). Mais raras são as medidas que avaliam estes mesmos estilos a partir da perceção dos próprios adolescentes e segundo a abordagem tipológica de Baumrind. Para a população portuguesa, não se conhece mesmo nenhum instrumento que apresente uma versão de heterorrelato destinada à população juvenil e apresente, concomitantemente, uma organização teórica segundo três fatores, tal como proposto por Baumrind (1991).
O inventário dos Estilos Parentais (IEP) de Gomide (2006) e o Questionário de Estilos Educativos Parentais da autoria de Ducharne, Cruz, Marinho e Grande (2006) são, em certa medida, duas exceções, na medida em que se encontram adaptados para a população portuguesa e apresentam uma versão de heterorrelato para os adolescentes. Não obstante, avaliam os estilos parentais a partir de duas escalas -responsividade e exigência-, o que dista do modelo conceptual de Baumrind (1991).
O estudo desenvolvido por Locke e Prinz (2002) realça o Parenting Styles and Dimensions Questionnaire (PSDQ) de Robinson, Mandleco, Olsen e Hart (1995) como um dos poucos instrumentos na área da parentalidade que revelam boas características psicométricas ao avaliar os estilos parentais mediante uma tipologia conceptualizada em três fatores (estilo democrático, autoritário e permissivo). Miguel, Valentim e Carugati (2009) estabeleceram um primeiro contributo para a adaptação deste instrumento, apresentando uma versão portuguesa de autorrelato destinada às figuras parentais. De notar, contudo, que a versão referida capta, apenas, a perceção que cada figura cuidadora detém sobre as suas próprias atitudes e condutas parentais. Nesta amostra, a análise em componentes principais confirmou a estrutura original em três fatores, enquanto a análise fatorial confirmatória de 1a ordem revelou índices adequados de ajustamento (MacCallum, Widaman, Preacher, & Hong, 2001; Schumacker & Lomax, 2004).
Recentemente, Pedro et al. (2015) contribuíram em grande medida para a evolução, em Portugal, das medidas psicométricas neste âmbito ao desenvolver uma investigação com o objetivo de analisar a validade e fiabilidade da versão portuguesa de autorrelato do PSDQ. O instrumento revelou bons índices de ajustamento (MacCallum et al., 2001; Schumacker & Lomax, 2004; Yuan, 2005) e níveis de consistência interna mais satisfatórios para os três estilos parentais do que a própria versão original (Cronbach, 1951; Robinson et al., 1995). Tendo por base estes resultados, sugere-se que o PSDQ na sua versão de autorrelato revela qualidades psicométricas adequadas e ajustadas à população portuguesa.
Reconhecendo a importância desta versão e o contributo científico que a sua validação assume para a análise das questões da parentalidade em Portugal, salienta-se que a análise quase singular dos estilos parentais, a partir de versões de autorrelato aplicadas às figuras cuidadoras, mais concretamente à figura materna, estabelece umas das principais limitações da investigação empiríca desenvolvida neste âmbito (Pedro et al., 2015). Apesar disto, realça-se que o contributo que a perceção que os adolescentes têm em face das atitudes dos seus cuidadores, ao nível do seu ajustamento emocional tem vindo a ser relatado pela literatura estrangeira (Benetti, Pizetta, Schwartz, Hass, & Melo, 2010; Liem et al., 2010). Neste sentido, parece que a auto e heteroavaliação dos estilos parentais assumem igualmente um contributo importante, mas, possivelmente, díspar no percurso desenvolvimental dos jovens (Benetti et al., 2010; Jonyniene & Kern, 2012).
Denotar que não se conhece nenhum estudo de adaptação ou validação para a população portuguesa do psdq dirigido à população juvenil. Considera-se que a realização deste tipo de investigações metodológicas possibilitaria não só uma maior fiabilidade na análise do papel dos estilos parentais no ajustamento emocional dos adolescentes portugueses, como também a possibilidade de comparação dos estilos parentais tal como são percecionados pelos próprios jovens e pelos seus cuidadores. Assim, o presente estudo assume como principal objetivo analisar as características psicométricas do PSDQ, assim como adaptar a sua versão de heterorrelato para a população portuguesa.
Hipótese
Espera-se que a estrutura conceptual original da versão de heterrorelato do psdq se ajuste à população de adolescentes portugueses em estudo.
Método
Participantes
No estudo, participaram 604 adolescentes portugueses com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos (M=15.99, 0f=.97), dos quais 274 (45.4%) são do género masculino e 330 (54.6%) são do género feminino. No que se refere ao ano de escolaridade, 224 (37.1%) adolescentes frequentam o 10° ano, 255 (42.2%) o 11° ano, 110 (18.2%) o 12° ano, enquanto 15 (2.5%) frequentam o 1° ano do ensino superior. A idade do pai (n=591) varia entre os 32 e os 71 anos (M =45.69, DP=5.34), enquanto a idade da mãe (n=599) varia entre os 31 e os 60 anos n=43.59, DP=5.25). A escolaridade de ambas as figuras parentais compreende-se entre o 1° ano do 1° ciclo do ensino básico e os estudos de pós-graduação respetivamente para o pai M =7.66, DP=3.22) e a mãe M =8.24, DP=3.45).
Instrumentos
Questionário sociodemográfico. Foi construído um questionário sociodemográfico que permitiu obter informações relativas à idade, ao género e à idade das figuras parentais.
O Parenting Styles & Dimensions Questionnaire: Short Version (PSDQ). traduzido para a população portuguesa por Nunes e Mota (2013) a partir da versão original de Robinson et al. (1995) foi utilizado com o objetivo de avaliar a perceção que os adolescentes apresentam perante os estilos parentais das figuras cuidadoras (Apêndice). Trata-se de uma escala de autorrelato composta por um total de 32 itens que estabelecem uma versão para o "Pai" e outra para a "Mãe". Relativamente à organização do questionário, este apresenta-se segundo três dimensões, na medida em que avalia os estilos parentais propostos pelo modelo con-cetual de Baumrind: democrático, autoritário e permissivo (Baumrind, 1991).
A dimensão estilo democrático é constituída por três subdimensões: (a) apoio e afeto, que compreende comportamentos parentais pautados pelo envolvimento e disponibilidade afetiva (itens 1, 7, 12, 14, 27) "Os meus pais são sensíveis aos meus sentimentos e necessidades"; (b) regulação que define o estabelecimento de regras e limites mediante a explicação e clarificação das suas razões (itens 5, 11, 25, 29, 31), "Os meus pais realçam os motivos das regras que implementam", e (c) cedência da autonomia e participação democrática, que pressupõe o incentivo à livre e autónoma expressão dos filhos (itens 3, 9, 18, 21, 22), "Os meus pais têm em conta os meus desejos antes de me pedirem que faça algo".
O estilo autoritário inclui, também, três subescalas: (d) coerção física, que compreende a repreensão parental mediante a agressão física, e.g., dar uma palmada, (itens 2, 6, 19, 32), "Os meus pais castigam-me fisicamente como forma de me disciplinar"; (e) hostilidade verbal, que sugere que o contacto na díade pais-adolescente é realizado através do criticismo e de um tom de voz intimidante (itens 13, 16, 23, 30), "Os meus pais têm explosões de raiva comigo", e (f) punição, que compreende as atitudes parentais pautadas pela implementação de castigos mediante a ausência de diálogo e/ou da sua explicação (itens 4, 10, 26, 28), "Os meus pais castigam-me retirando-me privilégios, fazendo-o com poucas ou nenhumas explicações".
Por último, o estilo permissivo é constituído por apenas uma dimensão, a (g) indulgência, que se refere aos pais que são afetuosos com os filhos e respondem às suas necessidades, mas que não estabelecem limites (itens 8, 15, 17, 20, 24), "Os meus pais dizem que me castigam, mas depois não cumprem".
Cada item tem cinco possibilidades de resposta, apresentadas numa escala tipo Likert, que varia entre 1 (Nunca), 2 (Algumas vezes), 3 (Metade das vezes), 4 (Muitas vezes) e 5 (Sempre). O maior resultado obtido em cada dimensão sugere a presença de uma maior preceção por parte dos adolescentes quanto à frequência das situações descritas nos itens. Apoio e afeto, regulação e cedência de autonomia, e participação democrática são consideradas atitudes parentais funcionais, enquanto coerção física, hostilidade verbal, punição e indulgência são consideradas atitudes disfuncionais na medida em que as primeiras definem o estilo democrático, e as últimas definem os estilos autoritário e permissivo respetivamente.
Procedimentos
No presente estudo, procedeu-se, primeiramente, à tradução dos itens da versão original do instrumento para a língua portuguesa realizada por tradutores bilíngues (português-inglês); posteriormente, foi feito um exercício de reconversão para o inglês. Foi realizada uma análise por uma equipa de dois especialistas na área de psicologia do desenvolvimento no sentido de garantir o valor semântico e a equivalência linguística e cultural (Hambleton, 2005). Foi, ainda, realizada uma reflexão falada com adolescentes entre os 15 e os 18 anos de idade, o que permitiu verificar que os itens se encontravam percetíveis em termos formais e semânticos, e ainda a duração da aplicação requerida, avaliada em cerca de 10 minutos, não tendo sido necessária qualquer alteração. A recolha de dados foi de forma aleatória em diversas instituições de ensino secundário e universitário da região norte de Portugal. A amostra em estudo é não probabilística e foi recrutada por conveniência, assumindo como critério de escolha a satisfação do objetivo deste estudo. Os adolescentes admitidos no estudo tiveram como critérios de inclusão: ter idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos, ser estudantes do ensino secundário ou universitário e não se encontrar institucionalizado. Os critérios de exclusão consistiram na manifestação de défices cognitivos que impossibilitassem a compreensão adequada do protocolo de avaliação e/ou na desistência do participante por vontade própria. Cabe ressaltar que, em cada instituição, foi realizada uma reunião com os diretores do conselho executivo, a quem foram solicitadas as devidas autorizações e clarificados diversos aspe-tos do estudo como a sua pertinência, estrutura e objetivos. Este estudo fez parte de um projeto de investigação no âmbito da psicologia clínica aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro. A recolha de dados decorreu em contexto de sala de aula, na presença do investigador responsável que, de forma sucinta, realizou uma série de instruções standard em que foram explicitados os objetivos gerais do estudo, assim como garantidos todos os pressupostos de voluntariedade, privacidade, anonimato e confidencialidade das informações prestadas. Depois de clarificados todos os aspetos inerentes ao estudo, os adolescentes deram o seu consentimento através do Termo de Assentimento Informado. A recolha de dados foi realizada em novembro e dezembro de 2013, em quatro estabelecimentos de ensino público nas turmas do 10° ao 12° ano, assim como na população em geral.
Estratégias de análise de dados
Numa primeira fase e no sentido de identificar e excluir missings e eventuais outliers, realizou-se, de forma preliminar, uma "limpeza da amostra". Este procedimento consiste na exclusão de questionários incompletos ou considerados inadequados por apresentar mais de 10% de dados ausentes por instrumento. Utilizou-se o programa estatístico SPSS -Statistical Package for Social Sciences-, na sua versão 20.0 para o sistema Windows, para se calcular os valores de consistência interna do construto geral e de cada subdimensão em particular. Num momento posterior, testou-se a adequação da estrutura original do instrumento à amostra em estudo, através das Análises Fatoriais Confirmatórias de 1a ordem (AFC), com recurso ao programa informático EQS 6.1 para o Windows. Recorreu-se, também, a Análises Fatoriais Exploratórias (AFE) no sentido de confirmar a estrutura original do instrumento. Por último, realizaram-se novas AFC de 1a ordem com o objetivo a testar o ajustamento do novo modelo proposto à amostra em estudo de acordo com a reorganização dos itens sugerida pelas AFE (Maroco, 2010).
Resultados
Análise da Consistência Interna
De modo a analisar a consistência interna do instrumento -tal como este foi proposto originalmente pelos autores-, tanto na sua totalidade como em cada dimensão, foram calculados os coeficientes alfa de Cronbach. Estes valores permitem avaliar a homogeneidade da variância entre os itens, sendo que valores superiores a .70 são considerados ajustados (Cronbach, 1951). A análise de consistência interna, na amostra em estudo, demonstrou valores de alfa de Cronbach de .86/.81 para a totalidade do instrumento na sua versão para o pai e para a mãe, respetivamente. Os valores de alfa de Cronbach relativamente às dimensões foram de .85/.82 para o apoio e afeto, .82/.77 para a regulação, de .84/.81 para a cedência de autonomia e participação democrática, de .78/.81 para a coerção física, de .45/.50 para a hostilidade verbal, de .64/.68 para a punição e de .65/.55 para a indulgência na sua versão para o pai e a mãe respetivamente (Tabela 1).
Tabela 1 Alfas de Cronbach do Styles & Dimensions Questionnaire: Short Version (PSDQ) na amostra, comparativamente com os valores do estudo original (Robinson et al., 1995)

Nota: *Alfa de Cronbach com a inclusão do item 23 na versão do pai e da mãe, **Alfa de Cronbach com a exclusão do item 23 na versão do pai e da mãe.
Análise Fatorial Confirmatória
Com o intuito de verificar o ajustamento dos dados da presente amostra ao modelo conceptual original do instrumento, realizaram-se afc de 1a ordem. Atendendo ao número elevado de itens, o que conduzia a um incremento de parâmetros a estimar em face da amostra em estudo, procedeu-se ao método de parcelling dos itens de forma aleatória (designados Apoio1, Apoio2, Apoio3, Cedência1, Cedência2, ... , Indulgência3), tal como propõem autores como Bandalos e Finney (2001).
Numa primeira fase, foram realizadas AFC para o instrumento na sua versão original, que contemplava todas as dimensões propostas pelos autores (apoio e afeto, regulação, cedência de autonomia e participação democrtática, coerção física, hostilidade verbal, punição e indulgência), constatando-se que os índices de ajustamento não se encontravam de acordo com os valores teoricamente esperados (acima de .90 para cfi e valores abaixo de .08 para os índices SRMR e RMSEA e Ratio inferior a 5.0; MacCallum et al., 2001; Schuma-cker & Lomax, 2004) (CFI=.88/.89, SRMR=.09/.09, RMSEA=.08/.07, χ2(168)=732.11, p=.001, Ratio=4.36 / X2(168)=699.01, p=.001, Ratio=4.16) para o pai e para a mãe respetivamente (Tabela 2).
Análise Fatorial Exploratória
Num segundo momento, e em face dos valores desajustados afc da versão original do instrumento, foi desenvolvida uma afe em componentes principais. Os valores obtidos no Teste Kaiser-Meyer-Olkin (kmo; .92) e no Teste de Barlett (7714.56, p=.001) asseguram os requisitos básicos para a realização desta análise (Maroco, 2010) no que se refere à versão do pai do psdq. A análise fatorial em componentes principais explicou 45.86% da variância total. Posteriormente, foi realizada uma rotação varimax em três componentes, através da qual se verificou que, na versão do pai, o item 23 satura num fator diferente do proposto originalmente.
Os requisitos básicos para a realização da afe foram, também, garantidos na versão da mãe mediante a análise dos valores obtidos no Teste Kaiser-Meyer-Olkin (KM0=.90) e no Teste de Barlett (7298.84, p=.001). Esta análise em componentes principais explicou 43.78% da variância total. A rotação varimax, em três componentes, permitiu verificar que, na versão da mãe, também, o item 23 satura num fator distinto do originalmente proposto pelos autores (Tabela 3).
Tabela 3 AFE do PSDQ

Nota: (a) Apoio e afeto, (b) Regulação, (c) Cedência de autonomia e participação democrática, (d) Coerção física, (e) Hostilidade verbal, (f) Punição, (g) Indulgência.
Neste sentido, verifica-se uma distribuição dos itens em três componentes principais, o que parece ir ao encontro das dimensões gerais do instrumento: estilo democrático, autoritário e permissivo. Estes resultados parecem sugerir que, na amostra em estudo, os itens se adequam melhor ao constructo geral de cada estilo parental do que propriamente às subdimensões definidas no modelo conceptual original do instrumento. Assim, sugere-se que os itens do psdq se organizem em três dimensões, nomeadamente: (a) o estilo democrático composto pelos itens 1, 3, 5, 7, 9, 11, 12, 14, 18, 21, 22, 23*, 25, 27, 29, 31; (b) o estilo autoritário que integra os itens 2, 4, 6, 10, 13, 16, 19, 26, 28, 30, 32, e (c) o estilo permissivo composto pelos itens 8, 15, 17, 20, 24. O item 23 "Os meus pais repreendem-me e criticam-me para o meu bem" no modelo original dos autores satura significativamente na subescala hostilidade verbal do estilo permissivo, todavia, na presente amostra, surge disperso numa dimensão diferente do estilo democrático.
Análise Confirmatória de 1 a Ordem
Numa terceira fase, mediante a análise dos resultados obtidos na AFE, considerou-se pertinente realizar novas AFC, tentando reajustar o modelo à presente amostra portuguesa. Desta forma, num primeiro momento, foi reorganizado o item que satura num fator inesperado segundo as subdi-mensões que constituem cada estilo parental.
Mediante a análise semântica do item que se correlaciona com um fator inesperado, sugere-se que o item 23, que inicialmente pertencia à sub-dimensão Hostilidade verbal (estilo autoritário), adeque-se e traduza melhor o constructo da subdimensão Regulação (estilo democrático). Os resultados, apresentados na Tabela 4, permitiram verificar que os índices de ajustamento se encontravam dentro dos valores de ajustamento aceitáveis (cfi=.92/.92, SRMR=.08/.07, RM-SEA=.06/.06, χ2(168)=558.16, p=.001, Ratio=3.32/ X2(168)=550.30, p=.001, Ratio=3.28) para o pai e para a mãe respetivamente (Figura 1 e 2).
Tabela 4 Análise fatorial confirmatória com a reorganização dos itens segundo as subdimensões que constituem os três estilos parentais
CFI | SRMR | RMSEA (IC 90%) | |
---|---|---|---|
Pai | .92 | .08 | .06 |
Mãe | .92 | .07 | .06 |
Nota: CFI - Comparative Fit Índex; SRMR - Standardized Root Mean Square Residual; RMSEA - Root Mean Square of Error Aproximation.
Discussão
O presente estudo teve como principal objetivo analisar as propriedades psicométricas do psdq e adaptar a sua versão de heterorrelato para a população portuguesa. Os resultados alcançados realçam a presença de valores menos satisfatórios de consistência interna no estilo permissivo, o que sugere que os itens que constituem esta dimensão apresentem uma intercorrelação menos aceitável. Uma primeira justificação pode relacionar-se com o número reduzido de itens que saturam no estilo permissivo, o que pode contribuir para índices mais reduzidos de confiabilidade (Cronbach, 1951). Podem, ainda, apontar-se as discrepância culturais como uma outra explicação, isto porque os itens que constituem o estilo permissivo (e.g., "Os meus pais estragam-me com mimos"; "Os meus pais consideram dificil disciplinar-me") parecem invocar, mais, as dificuldades experiencidas pelas figuras parentais do que propriamente definir atitudes parentais indulgentes. De salientar, ainda, que a presença destes resultados parece ir ao encontro dos dados obtidos na própria versão original do intrumento (Robinson et al., 1995), assim como corroborar investigações empíricas prévias que apuraram que o estilo permissivo apresentava níveis de confiabilidade considerados baixos (Olivary et al., 2013; Ònder & Gülay, 2009).
Os resultados obtidos nas AFE, realizadas em três componentes principais, revelaram que o item 23 ("Os meus pais repreendem-me e criticam-me para o meu bem"), no modelo original dos autores, satura significativamente na subescala hostilidade verbal (estilo permissivo), todavia, na presente amostra, surge disperso numa dimensão diferente (estilo democrático). Mediante a análise semântica do item, sugere-se que este se adeque melhor à subdimensão Regulação do estilo democrático, definida pelo estabelecimento de regras e limites mediante a explicação e clarificação das suas razões (Robinson et al., 1995).
A presença desta discrepância cultural parece ir ao encontro da dualidade que o próprio conceito "criticar" assume na cultura latina. Isto porque este conceito tanto pode assumir uma conotação negativa/depreciativa, enquadrada numa conduta parental autoritária, como ser compreendido em função de um feedback positivo que visa promover o respeito pelas normas e limites impostos. Este último significado, ao contribuir para uma autoregulação emocional e comportamental mais adaptativa, parece traduzir-se numa conduta parental democrática. Desta forma, sugere-se que os adolescentes portugueses compreendam a repreensão e a crítica parental a partir de uma perspetiva construtiva que promove o seu crescimento e desenvolvimento pessoal. Resultados similares foram obtidos no estudo de validação da versão portuguesa de autorrelato do PSDQ, que revelou que o item 23, também, aparece distrubuído no estilo democrático (Pedro et al., 2015), podendo, por isso, ser remetida uma discrepância cultural ou linguística na amostra portuguesa quanto ao significado atribuído pelo autor original.
Por fim, importa referir que os resultados apurados ao nível das AFC de 1a ordem sugerem que o modelo revisto apresenta um melhor ajustamento para a população portuguesa do que o modelo original do PSDQ. Pelo exposto, propõem-se a nova estrutura fatorial para a versão de heterorrelato do PSDQ, por se considerar que esta é mais ajustada à cultura portuguesa.
Como notas finais, cabe apontar as principais implicações práticas alcançadas com a concretização do presente estudo, assim como elencar as limitações que lhe estão subjacentes mediante a clarificação de pistas para investigações futuras. Desta forma, realça-se que os resultados obtidos confirmam a abordagem tipológica dos estilos parentais em três fatores (Baumrind, 1991) na população portuguesa, segundo a perceção que os adolescentes revelam em face dos cuidados prestados pelos seus cuidadores. Para além disto, a concretização desta investigação contribuiu para o desenvolvimento da investigação empírica no âmbito da parentalidade, por meio da apresentação de um modelo adequado e ajustado à cultura portuguesa para a heteroavaliação dos estilos parentais. Desta forma, considera-se que o novo modelo proposto do psdq pode ser relevante a nível da investigação científica. Esta versão parece, ainda, contribuir para o desenvolvimento de intervenções longitudinais, que possibilitem avaliar e acompanhar a evolução da preponderância dos estilos parentais ao longo da trajetória desenvolvi-mental da população juvenil a partir de diferentes informantes (e.g., mãe, pai, adolescente).
Algumas limitações deste estudo sugerem que, ainda que seja reconhecido o valor e segurança das análises de esquações estruturais para avaliar a multidimensionalidade e o ajustamento do modelo teórico de um instrumento, a obtenção de modelos satisfatórios em face da adaptação da escala deverá ser criteriosa ao ser generalizável para a restante população (Maroco, 2010). Neste sentido, sugere-se a pertinência de se analisar em investigações futuras -tal como já foi realizado para a versão de autorrelato do PSDQ (Pedro et al., 2015)- a fiabilidade e validade da versão portuguesa de heterorrelato deste instrumento, considerando ainda uma amostra representativa da população portuguesa. Considera-se que a realização de tais análises permitiria a formulação de conclusões mais válidas acerca do papel da perceção que os adolescentes portugueses apresentam quanto aos estilos parentais, podendo contribuir para melhor compreender o seu ajustamento psicoafetivo.