Introdução
O autocuidado é uma função humana que concentra as ações desenvolvidas pelas pessoas com o objetivo de preservar a vida e promover o bem-estar. Essas ações contemplam todos os aspectos da vida e não são limitadas às atividades de vida diária e instrumentais. O autocuidado diz respeito ao cuidado pessoal que todas as pessoas podem desempenhar com o intuito de regular seu funcionamento e desenvolvimento 1.
Um modelo de assistência de enfermagem que tem foco no autocuidado é descrito pela Teoria do Déficit de Autocuidado de Enfermagem 1. Um dos conceitos dessa teoria é a capacidade de autocuidado, que, para sua autora, é definida como um processo dinâmico pelo qual os indivíduos participam de seus cuidados de saúde 1. Esse conceito é o cerne deste estudo.
Para que as pessoas realizem ações de autocuidado, são necessários recursos humanos para prestar assistência contínua a si mesma ou a pessoas socialmente dependentes delas, fato que expressa o conceito de agência de autocuidado. Esse conceito se funde com o entendimento sobre a capacidade de autocuidado, que abrange o desenvolvimento, a operabilidade e a adequação das ações voltadas ao autocuidado realizadas pelas pessoas para si mesmas 2.
A capacidade de autocuidado pode ser afetada por diversas situações vivenciadas pelas pessoas, como o adoecimento, e por fatores individuais, entre eles idade, escolaridade, cultura, crenças religiosas, gênero, experiências e hábitos de vida, além do sistema familiar 3. Nesse sentido, sua preservação está associada a uma melhor percepção da qualidade de vida, a um melhor controle de efeitos adversos de uso de medicamentos e a uma melhora no manejo de sintomas desconfortáveis, como a fadiga. Já o seu comprometimento parece estar relacionado à depressão e à redução da adesão ao tratamento de doenças 4. Além disso, indica a necessidade de ações de enfermagem direcionadas tanto a atender às necessidades de autocuidado que possam estar comprometidas pela falta dessa capacidade, como a apoiar as pessoas na recuperação do autocuidado.
A capacidade de autocuidado é um conceito complexo e envolve componentes de traços individuais, divididos em fundamentais, capacitadores e operacionais. Os traços fundamentais estão associados à capacidade das pessoas de realizar qualquer tipo de ação deliberada; os traços capacitadores compreendem componentes do poder de realizar ações específicas de autocuidado e abrangem habilidades, conhecimentos e energia para realizar o autocuidado. Os traços operacionais estão associados às habilidades direcionadas às operações de autocuidado, como a capacidade de pesquisar aspectos significativos para o autocuidado, a capacidade de tomar decisões e julgamentos, e a capacidade de agir para atender às necessidades de autocuidado. A partir da compreensão dos componentes da capacidade de autocuidado, torna-se mais evidente a influência dos fatores individuais, como os aspectos físicos, cognitivos e psicossociais, nas ações de autocuidado realizadas pelas pessoas 1,4.
A capacidade de autocuidado pode ser comprometida pelas exigências impostas pelas condições crônicas, devido a desconfortos físicos, alterações cognitivas, emocionais, sociais e laborais 5-7. No entanto, diversos estudos destacam a importância de intervenções de enfermagem que auxiliam na capacidade do autocuidado de pessoas com condições crônicas de saúde, contribuindo para melhores desfechos clínicos, melhora da qualidade de vida, redução de hospitalizações, controle adequado dos sintomas e maior adesão ao tratamento 6,8,9.
Entre as pessoas com condições crônicas, a frequência de internações hospitalares é maior e pode comprometer a capacidade do autocuidado. Isso ocorre porque elas expressam as necessidades de cuidado de forma diferente ao longo do processo de adoecimento, o que pode requerer mudanças na atenção ao estado de saúde, na busca por assistência de saúde, na tomada de decisões e na adesão a novas medidas terapêuticas. Além disso, esse contexto influencia o aprendizado acerca da doença e seu tratamento 5,10.
A internação pode sensibilizar os pacientes quanto à importância do autocuidado, especialmente para o controle e adesão ao tratamento de doenças crônicas. Além disso, pode favorecer a aproximação e a interação com os profissionais de saúde, sendo um momento oportuno para identificar lacunas no conhecimento dos pacientes e na capacidade de autocuidado 11. Assim, investigar a capacidade de autocuidado das pessoas hospitalizadas com condições crônicas permite que a equipe de enfermagem compreenda suas necessidades e direcione sua atuação para suprir essas demandas, contribuindo para melhores resultados em saúde 12.
Nesse sentido, investigar a capacidade de autocuidado de pessoas com condições crônicas de saúde e de fatores que a interferem a partir da internação hospitalar pode proporcionar melhor direcionamento e resolubilidade da assistência de enfermagem, pois permite contextualizar o nível de comprometimento que a hospitalização promove na capacidade de autocuidado dos pacientes. Assim, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores associados à capacidade de autocuidado de pessoas com condições crônicas hospitalizadas em um setor clínico.
Materiais e métodos
Trata-se de estudo observacional descritivo transversal, cujo relato está baseado nas diretrizes do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). Foi realizado em uma unidade de internação de clínica médica de um hospital universitário vinculado a uma instituição pública de ensino superior, em um município do interior do estado de São Paulo, Brasil. Nesse serviço, há uma unidade de internação de clínica médica com 32 leitos que atende pessoas com condição crônica de saúde, com diferentes níveis de dependência de cuidados e características clínicas diversas.
Os participantes do estudo foram pacientes com condições crônicas de saúde hospitalizados na unidade de clínica médica e a amostra, constituída por conveniência 13. Para o cálculo do tamanho da amostra, foi considerada a média do total de internações no mês (135 internações) em 2022 e margem de erro de 5 %, com resultado de 100 participantes.
Quanto aos critérios de inclusão propostos, foram incluídos pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, internados há no mínimo 24 horas e com registro em prontuário de que apresentava condição crônica de qualquer tipo. Os critérios de exclusão foram não conseguir expressar-se verbalmente para responder aos instrumentos de coleta de dados e estar apresentando algum desconforto, dor, dispneia, fadiga ou outro sintoma que não propiciasse comunicação adequada. O recrutamento e coleta de dados ocorreu entre janeiro de 2023 e fevereiro de 2024.
Quanto à coleta de dados, a pesquisadora responsável se dirigia à unidade de clínica médica e verificava a listagem de pacientes internados, com o intuito de checar os critérios de inclusão. Depois se dirigia até o leito dos pacientes para convidá-los a participar, além de explicar sobre a proposta deste estudo, seus objetivos, bem como fornecer informações de natureza ética envolvidas na realização de pesquisas científicas. Após aceitarem participar do estudo, assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido, em duas vias, para que a entrevista fosse iniciada.
Na entrevista, foram utilizados dois instrumentos, um de caracterização dos participantes e a Escala Revisada para Avaliação da Agência de Autocuidado (Appraisal of Self-Care Agency Scale-Revised [ASAS-R]). O instrumento de caracterização contava com variáveis sociodemográficas (por exemplo, idade, cor, gênero, estado civil, escolaridade, situação de trabalho, rede de apoio, religião) e clínicas (por exemplo, diagnóstico, comorbidades, tempo de internação, número de internações no último ano, número de medicações em uso diário).
A ASAS-R mede a capacidade de autocuidado por meio de 15 itens distribuídos em três fatores: 1) Tendo poder para o autocuidado (composto por seis itens); 2) Desenvolvendo poder de autocuidado (composto por cinco); e 3) Faltando poder para o autocuidado (composto por quatro). Cada item é respondido por meio de uma escala Likert de cinco opções de respostas, descritas por: discordo totalmente; discordo; não sei; concordo e concordo totalmente. A pontuação final se dá pela somatória das respostas em cada item que origina um escore com um intervalo entre 15 e 75. Em termos de análise, quanto maior o escore, melhor é a capacidade de autocuidado 14. Trata-se de um instrumento traduzido e validado para a língua portuguesa do Brasil, além de ter sido construído com base na Teoria do Déficit de Autocuidado, proposta por Dorothea Orem, que constitui o referencial teórico deste estudo 15.
Para atender às Resoluções 466/2012 e 510/2016 16,17, que tratam da regulamentação para pesquisas desenvolvidas com seres humanos, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos e aprovado por ele (CAAE: 63249122.7.0000.5504 e Parecer: 5.690.625).
A variável dependente deste estudo é a capacidade de autocuidado comprometida, mensurada por meio da ASAS-R. Considerase comprometida quando o resultado é inferior a 45 pontos, obtidos a partir do somatório dos 15 itens da escala, o que corresponde a 60 % da pontuação máxima de 75 pontos. Essa variável serve de referência para as análises sobre o comprometimento da capacidade de autocuidado dos participantes.
As variáveis independentes analisadas neste estudo foram obtidas a partir das respostas ao formulário de caracterização dos participantes e incluem fatores individuais e clínicos.
Os dados coletados foram organizados em planilha eletrônica do Excel® com dupla digitação independente para a verificação dos erros e das inconsistências. Posteriormente, os dados foram transferidos para o programa SPSS® e analisados em seguida. As variáveis estudadas foram classificadas e analisadas de acordo com a natureza dos dados. As variáveis quantitativas (contínuas e discretas) foram descritas por medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio-padrão [DP]), enquanto as qualitativas (categóricas) foram descritas por seus valores absolutos e porcentagens. Após a verificação da normalidade da distribuição das variáveis estudadas, incluindo a capacidade de autocuidado medida pelo ASAS-R, avaliada pelo teste Kolmogorov-Smirnov (p < 0,05), as análises estatísticas empregadas foram pautadas em medidas paramétricas.
Além disso, foram utilizados testes de associações entre as variáveis estudadas. Para as variáveis quantitativas, utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson; para a investigação da associação da ASAS-R (variável quantitativa) com as variáveis qualitativas, utilizou-se o teste t-student para amostras independentes e ANOVA de uma via com teste post hoc de Tukey. Para todas as análises, foi considerado um nível de significância de 5 %.
Resultados
Participaram do estudo 100 pacientes (n = 100), com média de idade de 59,8 (DP = 17,2), mínimo de 20 e máximo de 93 anos. Os participantes foram divididos em faixas etárias, sendo 48 (48 %) menores de 60 anos e 52 (52 %) acima de 60 anos; 45 (45 %) do sexo feminino e 55 (55 %) do masculino; 50 (50 %) brancos, 34 (34 %) pardos e 16 (16 %) pretos e amarelo. Destes, 40 (40 %) tinham companheiros(as) e 50 (50 %) não; 39 (39 %) com escolaridade entre zero e cinco anos e 61 (61 %) acima de cinco. Quanto à ocupação, 26 (26 %) desempenham atividades remuneradas, 12 (12 %) estavam desempregados(as), 50 (50 %) eram aposentados(as) e 12 (12 %) recebiam auxílio do governo. Em relação à religião, 80 (80 %) referiram possuir e 20 (20 %), não.
Quanto ao sistema orgânico comprometido durante a internação, quatro (4 %) tinham problemas no sistema neurológico; 25 (25 %), cardiovascular; 11 (11 %), gastrointestinal; 14 (14 %), urinário; 28 (28 %), respiratório; 14 (14 %), endócrino/reumatológico; quatro (4 %), imunológico/dermatológico. A média de dias de internação foi de 6,98, variando de um a 90 dias. Entre os participantes, 78 (78 %) apresentavam comorbidades, 87 (87 %) faziam uso de medicações diárias e 58 (58 %) haviam sido hospitalizados no último ano.
A média das respostas sobre a capacidade de autocuidado avaliadas pela ASAS-R foi de 51,02 (DP ± 11,55), o que significa que os participantes apresentavam algum nível de preservação da capacidade de autocuidado. No entanto, 29 participantes (29 %) apresentaram escores inferiores a 45 pontos, que foi o corte considerado neste estudo para indicar comprometimento da capacidade do autocuidado, representando os piores níveis de autocuidado.
O Fator 1, "Tendo poder para o autocuidado", teve média de 22,32 (DP ± 6,00); o Fator 2, "Desenvolvendo poder o autocuidado", média de 18,02 (DP ± 4,65); e o Fator 3, "Faltando poder", a média de 21,73 (DP ± 3,48). A distribuição da frequência de respostas aos itens da escala ASAS-R está apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 Distribuição da frequência de resposta aos itens da ASAS-R em amostra de pacientes hospitalizados no setor clínico. São Carlos, São Paulo, Brasil, 2023-2024
| ASAS-R | 1* | 2† | 3‡ | 4§ | 5** |
|---|---|---|---|---|---|
| Fator 1 - Tendo poder para o autocuidado | |||||
| À medida que a minha vida muda, eu faço as alterações necessárias para me manter saudável. | 9 % | 15 % | 6 % | 26 % | 44 % |
| Se a minha capacidade para movimentar está diminuída, procuro uma maneira para resolver essa dificuldade. | 2 % | 9 % | 8 % | 35 % | 46 % |
| Quando necessário, eu estabeleço novas prioridades nas minhas decisões para me manter saudável. | 5 % | 20 % | 9 % | 27 % | 39 % |
| Eu procuro as melhores maneiras para me cuidar. | 11 % | 20 % | 6 % | 34 % | 29 % |
| Quando necessário, eu consigo tempo para me cuidar. | 6 % | 14 % | 2 % | 42 % | 36 % |
| Eu regularmente avalio se as coisas que eu faço estão dando certo para me manter saudável. | 13 % | 27 % | 13 % | 22 % | 25 % |
| ASAS-R | 1* | 2t | 3* | 4§ | 5** |
| Fator 2 - Desenvolvendo poder de autocuidado | |||||
| Se eu tomo um novo medicamento, eu obtenho informações sobre os seus efeitos colaterais para melhor cuidar de mim. | 20 % | 23 % | 3 % | 26 % | 28 % |
| No passado, eu mudei alguns dos meus velhos hábitos (costumes) para melhorar a minha saúde. | 11 % | 28 % | 5 % | 20 % | 36 % |
| Eu rotineiramente tomo decisões para garantir a minha segurança e de minha família. | 5 % | 21 % | 8 % | 29 % | 37 % |
| Eu sou capaz de obter as informações de que preciso quando a minha saúde está ameaçada. | 5 % | 23 % | 4 % | 38 % | 30 % |
| Eu peço ajuda quando não sou capaz de cuidar de mim. | 8 % | 10 % | 1 % | 32 % | 49 % |
| Fator 3 - Faltando poder para o autocuidado | |||||
| Eu frequentemente sinto falta de disposição (ânimo) para me cuidar como eu sei que deveria. | 8 % | 16 % | 3 % | 40 % | 33 % |
| No meu dia a dia, eu raramente dedico tempo para cuidar da minha saúde. | 12 % | 36 % | 3 % | 34 % | 15 % |
| Eu raramente tenho tempo para mim. | 14 % | 37 % | 7 % | 29 % | 13 % |
| Eu nem sempre sou capaz de cuidar de mim da maneira que eu gostaria. | 9 % | 19 % | 5 % | 38 % | 29 % |
Fonte: elaboração própria a partir dos dados coletados na pesquisa.
Nota: * — discordo totalmente; † — discordo; ‡ — não sei; § — concordo; ** — concordo totalmente.
Ao analisarmos a frequência de respostas em cada item, observa-se que a soma da frequência de respostas "concordo" ou "concordo totalmente" foi superior a 50 % em quase todos os itens dos três fatores, indicando que a maioria dos participantes expressava capacidade de poder de empregar medidas gerais de autocuidado (avaliadas pelo Fator 1) e apresentava capacidade de realizar operações de autocuidado na vida deles (avaliadas pelo Fator 2). No entanto, também demonstravam frequência elevada de respostas indicativas de comprometimento do poder para realizar ações específicas de autocuidado (avaliadas pelo Fator 3).
A exemplo da capacidade de poder empregar medidas gerais de autocuidado, a maioria dos pacientes mostrou capacidade de realizar ajustes diante de problemas com a mobilidade (81 %), conseguiu tempo para o autocuidado (78 %) e fez alterações necessárias diante das circunstâncias da vida (70 %). Os exemplos de ações indicativas de operacionalizar o autocuidado mais frequentes foram pedir ajuda quando não é capaz de cuidar de si (81 %) e obter informações necessárias diante da ameaça à saúde (68 %). Os exemplos de comprometimento da capacidade de autocuidado na amostra foram a falta de disposição para o autocuidado (73 %) e a incapacidade de realizar o autocuidado da maneira que gostaria (67 %).
As variáveis associadas às menores médias de capacidade de autocuidado foram o sexo masculino, o tempo de escolaridade menor do que cinco, a ausência de vínculo religioso, o tempo de hospitalização e a não utilização diária de medicações. Os resultados dos testes de associação entre as variáveis estão detalhados na Tabela 2.
Tabela 2 Testes de associação das variáveis investigadas com as medidas obtidas na ASAS-R dos participantes do estudo. São Carlos, São Paulo, Brasil, 2023-2024
| Variáveis | ASAS-R | |||
|---|---|---|---|---|
| Total | Fator 1 | Fator 2 | Fator 3 | |
| Idade | r = -0,045 | r = 0,003 | r = -0,140 | r = 0,050 |
| 0,656* | 0,975* | 0,165* | 0,623* | |
| Faixa etária (p-valor) | 0,300† | 0,676† | 0,088† | 0,780† |
| < 60 anos (média) | 52,3 | 22,6 | 18,8 | 10,8 |
| > 60 anos (média) | 49,8 | 22,1 | 17,2 | 10,6 |
| Sexo (p-valor) | 0,006† | 0,009† | 0,130† | 0,010† |
| Feminino (média) | 54,6 | 24,0 | 18,8 | 11,7 |
| Masculino (média) | 48,1 | 20,9 | 17,4 | 9,9 |
| Cor (p-valor) | 0,625‡ | 0,304‡ | 0,981‡ | 0,810‡ |
| Branca (média) | 52,0 | 23,2 | 17,9 | 10,9 |
| Parda (média) | 49,5 | 21,1 | 18,1 | 10,4 |
| Preta e amarela (média) | 51,0 | 22,2 | 17,9 | 10,8 |
| Estado civil (p-valor) | 0,803† | 0,925† | 0,188† | 0,384† |
| Com companheiro(a) (média) | 51,4 | 22,2 | 18,8 | 10,3 |
| Sem companheiro(a) (média) | 50,8 | 22,4 | 17,5 | 11,0 |
| Escolaridade (p-valor) | 0,450† | 0,873† | 0,633† | 0,022† |
| De 0 a 5 anos (média) | 49,9 | 22,4 | 17,7 | 9,7 |
| > 5 anos (média) | 51,7 | 22,2 | 18,2 | 11,4 |
| Ocupação (p-valor) | 0,447‡ | 0,784‡ | 0,540‡ | 0,081‡ |
| Desempenha atividades remuneradas (média) | 53,7 | 23,2 | 18,9 | 11,5 |
| Desempregado(a) (média) | 47,5 | 21,4 | 17,6 | 8,5 |
| Aposentado(a) (média) | 50,4 | 22,3 | 17,5 | 10,7 |
| Recebe auxílio do governo (média) | 51,5 | 22,4 | 18,7 | 11,3 |
| Religião (p-valor) | 0,050† | 0,044† | 0,195† | 0,085† |
| Sim (média) | 52,3 | 23,0 | 18,3 | 11,0 |
| Não (média) | 45,9 | 19,7 | 16,7 | 9,4 |
| Sistema comprometido (p-valor) | 0,027‡ | 0,070‡ | 0,180‡ | 0,034‡ |
| Sistema neurológico (média) | 53,5 | 21,7 | 19,7 | 12,0 |
| Sistema cardiovascular (média) | 49,9 | 21,5 | 18,6 | 9,8 |
| Sistema gastrointestinal (média) | 42,5 | 18,3 | 15,0 | 9,4 |
| Sistema urinário (média) | 58,4 | 25,7 | 19,7 | 12,9 |
| Sistema respiratório (média) | 50,7 | 22,4 | 17,3 | 11,2 |
| Sistema endócrino/reumatológico (média) | 53,9 | 24,1 | 18,9 | 10,9 |
| Sistema imunológico/dermatológico (média) | 45,5 | 20,7 | 17,0 | 7,7 |
| Tempo hospitalização | r = -0,240 | r = -0,251 | r = -0,213 | r = -0,070 |
| 0,016* | 0,012* | 0,033* | 0,488* | |
| Comorbidades | 0,673† | 0,693† | 0,477† | 0,071† |
| Sim (média) | 51,3 | 22,4 | 17,8 | 11,1 |
| Não (média) | 50,1 | 21,9 | 18,7 | 9,5 |
| Medicações diárias | 0,048† | 0,252† | 0,084† | 0,002† |
| Sim (média) | 52,1 | 22,6 | 18,4 | 11,1 |
| Não (média) | 43,9 | 20,1 | 15,5 | 8,23 |
| Internações último ano | 0,564† | 0,215† | 0,692† | 0,849† |
| Sim (média) | 50,5 | 21,7 | 18,2 | 10,8 |
| Não (média) | 51,8 | 23,2 | 17,8 | 10,7 |
Fonte: elaboração própria com base nos dados da pesquisa.
Nota: * — coeficiente de correlação de Pearson; † — teste t-student de amostras independentes; ‡ — ANOVA de uma via; r — resultado do coeficiente de correlação de Pearson.
A partir da análise da Tabela 2, os participantes do sexo feminino (p = 0,006), que declararam ter religião (p = 0,050), que tinham maior tempo de internação (p = 0,016) e que faziam uso de medicações diariamente (p = 0,048), mostraram ter melhor capacidade de autocuidado como um todo. Os participantes do sexo feminino (p = 0,009), que declararam ter religião (p = 0,044) e com menor tempo de hospitalização (p = 0,012), apresentaram melhores níveis de poder para o autocuidado, medidos pelo Fator 1. Já os pacientes do sexo feminino (p = 0,010), com mais de cinco anos de escolaridade (p = 0,022) e que faziam uso de medicações diariamente (p = 0,002) apresentavam relato de falta de poder para realizarem o autocuidado, medido pelo Fator 3. Somente o tempo de hospitalização comprometeu o desempenho do autocuidado na amostra (p = 0,033), medido pelo Fator 2.
O sistema comprometido e em tratamento durante a internação também influenciou a capacidade de autocuidado; as análises post hoc discriminaram que a diferença foi maior entre as pessoas com doenças do sistema gastrointestinal do que respiratório, tanto das medidas de capacidade de autocuidado em geral (p = 0,027) como as do Fator 3 (p = 0,034, observada na Tabela 2.
Discussão
Este estudo identificou que, entre os pacientes com condições crônicas hospitalizados, a capacidade de autocuidado não estava operacionalizada, uma vez que a média da escala de avaliação dessa variável foi em torno de 50 pontos, quando o escore indicativo de boa operacionalização de autocuidado deveria ser próximo de 75. No entanto, as análises individuais das respostas nos itens distribuídos nos distintos fatores da escola mostraram que os pacientes apresentavam condições para realizar o cuidado de si, mas alguns aspectos como energia e organização para realizar o autocuidado estavam comprometidos no momento.
Orem distinguiu três aspectos da capacidade de autocuidado: o desenvolvimento, a operacionalidade e a adequação. O desenvolvimento constitui as ações possíveis de autocuidado realizado pelas pessoas; a operacionalidade compreende as ações realizadas de maneira consciente e efetiva; e a adequação consiste na relação entre as ações que as pessoas podem desempenhar e as ações necessárias para atender a uma demanda de autocuidado 1. Esses aspectos são influenciados pela doença, pelo contexto e pela relação da pessoa com os cuidados de saúde 15. Na amostra deste estudo, a condição crônica pode exigir das pessoas ações de autocuidado. No entanto, a internação pode estar associada à instabilidade clínica e a novas demandas de assistência à saúde, diante das quais os pacientes podem sentir-se incapazes, impossibilitados e/ou sem recursos para agir, tornando necessária a atenção da enfermagem 1.
Nesta amostra, ainda foram identificados os fatores individuais e clínicos associados ao comprometimento da capacidade de autocuidado dos pacientes com condições crônicas hospitalizados, como sexo masculino, menor tempo de escolaridade, ausência de vínculo religioso, tempo de hospitalização, tipo de sistema comprometido e não utilização diária de medicações.
Diferenças em relação ao sexo foram evidenciadas em outros estudos, tanto em contextos de internação em setor clínico como em outros contextos, por exemplo, entre idosos japoneses moradores da área rural, entre pessoas com condições crônicas acompanhadas ambulatorialmente e entre pessoas hospitalizadas com doença pulmonar obstrutiva crônica 5,18,19. No entanto, resultados diferentes destes, com a melhor performance na capacidade do autocuidado entre os homens, são apresentados em estudos realizados entre pessoas com doença renal crônica e idosos hospitalizados com doenças crônicas diversas 20,21. Apoiando os resultados divergentes entre diferentes estudos, a literatura sugere a existência de diferenças nas necessidades de cuidado entre os gêneros em distintos estágios das doenças crônicas 7.
No Brasil, país onde o estudo foi desenvolvido, apesar da existência de políticas públicas direcionadas à saúde masculina, a ênfase Ü na valorização do autocuidado entre os homens geralmente recebe « menos destaque. Atribui-se à cultura um peso limitante nas manifestações de autocuidado entre os homens mundialmente, uma vez que o autocuidado é reconhecido como um atributo específico das mulheres. Além disso, o valor dos papéis familiares, laborais e sociais ocupados pelos homens contribui para a desvalorização do cuidado com a própria saúde 22,23.
A idade em diferentes estudos teve relação com a redução da capacidade de autocuidado das pessoas, embora no presente estudo não tenha sido encontrada relação dessa variável com a capacidade de autocuidado das pessoas hospitalizadas com condições crônicas 24,25. No entanto, a idade é um fator de atenção para as intervenções sobre autocuidado, pois, à medida que as pessoas envelhecem, elas experimentam inadequações no cumprimento das necessidades de autocuidado, dependendo das dificuldades físicas, emocionais e econômicas que surgem devido a diversas doenças que acompanham o envelhecimento 26.
Os achados deste estudo sobre a influência do tempo de estudo na capacidade do autocuidado corroboram os resultados apresentados na literatura 24,26,27. Um aspecto positivo da relação entre os elevados níveis de educação e a capacidade de autocuidado é o fortalecimento de intervenções educativas voltadas a esse fim. Pessoas com maior nível de instrução tendem compreender melhor as complexidades de suas condições de saúde, a aplicar mais facilmente informações recebidas sobre doenças e, portanto, a apresentar maior engajamento no auto-cuidado 21,24. Embora essa vantagem possa contribuir para melhores resultados em intervenções para o autocuidado, isso não invalida a necessidade de desenvolver ações educativas e intervenções direcionadas à ampliação do conhecimento e/ou do desempenho do autocuidado. Estudos que avaliaram intervenções educativas sobre autocuidado demostraram a efetividade dessas abordagens na melhoria da capacidade de autocuidado de pessoas com condições crônicas, como doença pulmonar obstrutiva crônica e doença da artéria coronária 8,18,28.
É relevante destacar que o autocuidado possui íntima relação com o letramento em saúde, isto é, o conhecimento sobre a própria saúde. Ações voltadas à aquisição do letramento em saúde são necessárias para promover habilidades e competências nos domínios da escrita, da oralidade e da comunicação para o alcance da autonomia no processo de autocuidado 29. Um estudo realizado com quase 250 pacientes cardiopatas internados destacou o efeito do letramento em saúde desses pacientes nas habilidades de autocuidado e indicou a importância de que profissionais da saúde empreguem medidas de educação em saúde com os pacientes hospitalizados por condições crônicas 30.
Neste estudo, a maior parte das internações foi promovida pelas condições crônicas respiratórias (28 % dos casos). No entanto, a capacidade de autocuidado foi menor entre as pessoas hospitalizadas por doenças do sistema gastrointestinal. É possível que a maioria das pessoas hospitalizadas por esse motivo apresente características que afetavam o autocuidado, como o comprometimento gastrointestinal estar relacionado ao sexo masculino ou ao maior tempo de hospitalização, uma vez que o local onde a pesquisa foi conduzida agrupava elevados casos de internações prolongadas, de pessoas com comprometimento hepático e idosos.
Além disso, as pessoas religiosas demostraram melhor operacio-nalização do autocuidado e capacidade em realizar ações de autocuidado. No mesmo sentido, um estudo realizado na Turquia, país tão religioso quanto o Brasil, a operacionalização da capacidade de autocuidado, avaliada em 200 pacientes com doença pulmonar crônica, foi influenciada pelo bem-estar espiritual 6.
Os aspectos que cercam a religiosidade demonstraram capacidade de influenciar os resultados de saúde entre as pessoas com doenças crônicas, uma vez que estão associados à melhor qualidade de vida, à maior longevidade, à saúde mental aprimorada, à maior atenção à própria saúde e à menor incidência de doenças em geral, além de auxiliar as pessoas no enfrentamento de adversidades de saúde 31.
A religiosidade faz com que as pessoas atribuam significado às suas vidas e mobilizem recursos internos para conduzir os eventos da vida, o que contribui para o autocuidado 24. Esses achados de algum modo são convergentes com os resultados deste estudo. É válido enfatizar a originalidade destes, pois as investigações sobre os aspectos da dimensão espiritual e do autocuidado são escassas 6.
Diversos estudos descreveram a influência da capacidade de autocuidado na adesão ao tratamento de condições crônicas 12,27,32. De maneira complementar a esse aspecto, no presente estudo, os participantes que faziam uso de um ou mais medicamentos diariamente demonstraram melhores níveis de capacidade de autocuidado. Embora essas informações sejam diferentes, levanta-se a hipótese de que há relação entre a operacionalização da capacidade de autocuidado das pessoas com condições crônicas hospitalizadas e a adesão ao tratamento, pois a utilização de medicações diariamente pode fornecer às pessoas um senso de melhor envolvimento com o seu autocuidado, compromisso em fazer uso das medicações diariamente e busca por informações sobre as medicações utilizadas. Em um estudo que contou com 151 pacientes com doença cardiovascular crônica, a adesão ao tratamento foi relacionada com a operacionalização da capacidade de autocuidado. Os autores acreditaram que a doença e suas demandas estimularam uma consciência de importância do autocuidado 27.
Os benefícios do autocuidado para as pessoas com condições crônicas de saúde incluem a redução do tempo de hospitalização, favorecida pela melhor adesão ao tratamento e pela recuperação mais s eficiente 24,27. Ainda, os elevados níveis de capacidade de autocuidado estão associados a um melhor automanejo das condições crônicas, à melhoria da qualidade de vida, à proteção de sintomas ¿ depressivos, à redução de custos com o tratamento das doenças e ao aumento da autoeficácia relacionada à saúde 20,21,26.
Além disso, como um recurso no manejo das condições crônicas, a capacidade de autocuidado pode integrar os cuidados de saúde, promovendo a autorresponsabilidade e permitindo que os indivíduos cuidem de si mesmos em diferentes condições de saúde 30. Desse modo, é essencial que os enfermeiros compreendam o grau de comprometimento da capacidade de autocuidado dos pacientes, bem como os fatores que a influenciam, a fim de planejar cuidados mais apropriados e eficazes para apoiá-los nesse processo 21.
Em um estudo colombiano realizado com pacientes com condições cardiovasculares, os elevados níveis da capacidade de autocuidado apresentados pelos pacientes estudados mostraram ser resultantes da consciência adquirida quanto à importância do autocuidado 27. Isso reforça o papel da capacidade de autocuidado no cuidado das pessoas com condições crônicas.
As limitações deste estudo se concentram no desenho transversal, que impede a realização de análises capazes de estabelecer relações causais entre as variáveis investigadas. Além disso, a adoção de amostragem por conveniência, em vez de aleatória, pode comprometer a representatividade da população estuda da e limitar a generalização dos resultados. Para estudos futuros, seria importante considerar a adoção de amostragem aleatória, bem como o desenvolvimento de estudos longitudinais que permitam acompanhar o impacto do tempo de internação na capacidade de autocuidado. Adicionalmente, recomenda-se explorar o influência das condições de saúde nesse processo.
Este estudo traz como contribuições para a enfermagem perspectivas a respeito da avaliação da capacidade de autocuidado entre as pessoas com condições crônicas hospitalizadas, com vistas a fundamentar o processo de enfermagem nesse contextoe organizar o conhecimento profissional a partir de uma estrutura conceitual. Além disso, amplia o conhecimento da equipe de enfermagem sobre fatores que interferem na capacidade de autocuidado desses pacientes durante a hospitalização, que devem ser monitorados e considerados no momento do planejamento de cuidados a fim de auxiliá-los a desenvolver as habilidades de autocuidado.
Conclusão
O objetivo de identificar fatores associados à capacidade de autocuidado de pessoas com condições crônicas hospitalizadas em um setor clínico foi alcançado. Fatores individuais que tiveram associação com menores níveis de operacionalização da capacidade de autocuidado foram o sexo, a escolaridade, religião, o tipo de sistema comprometido, o tempo de hospitalização e a não utilização diária de medicações.
Este estudo demonstrou que os pacientes com condições crônicas hospitalizados apresentam comprometimento na capacidade de autocuidado, embora possuam certo poder para realizar e desenvolver ações nesse sentido. Esses achados ressaltam a importância de os enfermeiros implementarem medidas que supram os recursos deficientes e minimizem as limitações que impedem os pacientes de exercer o autocuidado.
As contribuições deste estudo reforçam a avaliação dos pacientes, considerando os fatores mencionados, que podem favorecer uma prática de enfermagem mais direcionada e resolutiva no que diz respeito ao autocuidado das pessoas com condições crônicas de saúde.














