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Universitas Humanística

versão impressa ISSN 0120-4807

univ.humanist.  no.76 Bogotá jul./dez. 2013

 

A produção de conhecimento institucionalizado nos Think tanks brasileiros: ciência, tecnologia e inovação segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (1995-2010)1

La producción de conocimiento institucionalizado en los Think tanks brasileños: ciencia, tecnología e innovación según el Instituto de Investigaciones Económicas Aplicadas (1995-2010)

Institutionalized Knowledge Production in Brazilian Think Tanks: Science, Technology and Innovation According to the Institute of Applied Economic Research (1995-2010)

Camila Carneiro Dias Rigolin2
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil3
diasrigolin@ufscar.br

Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi4
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil5
dmch@ufscar.br

1Artigo de Investigação Científico-Tecnológica, visto que são apresentados resultados originais de projeto de investigação recentemente concluído (2010-2012). O título da investigação é "Expertise, planejamento e políticas públicas - um estudo da produção científica do Instituto de Pesquisas Económicas Aplicadas (IPEA)". Foi um projeto contemplado com recursos do Edital Universal do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Brasil.
2Doutora em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
3Professora adjunta do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (UFSCar).
4Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
5Professora associada do Departamento de Ciência da Informação da UFSCar e do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (UFSCar). Pesquisadora do CNPq.

Recibido: 30 de enero de 2013 Aceptado: 22 de abril de 2013


Resumen:

Investigar sobre la expertise como instrumento orientador de la planeación es explorar la dimensión de la autoridad epistemológica en la definición de políticas. En el campo de los Estudios Sociales de la Ciencia y Tecnología, son escasos los estudios sobre la expertise cuando esta proviene de las Ciencias Humanas o Sociales. Este trabajo explora esta relación a través del análisis de textos producidos por un Think tank gubernamental brasileño: el Instituto de Investigaciones Económicas Aplicadas (IPEA). El estudio se guió por la siguiente pregunta: ¿cuáles son los elementos que caracterizan el conocimiento institucionalizado del IPEA sobre ciencia, tecnología e innovación? El referencial teórico articula conceptos de la Sociología de la Ciencia y de la Teoría Política. La metodología combinó la investigación de campo y análisis bibliométrico. El examen de las publicaciones reveló: la continuidad y discontinuidad de temas; prioridades de investigación; referencias teóricas, enfoques disciplinarios hegemónicos y perfil de los autores.

Palabras clave: Think tanks, Expertise, Ciencia, Tecnología e Innovación (CT & I).

Palabras clave descriptores: Infometría, Estudios métricos de la información, Institutos de investigación, Literatura científica.


Abstract:

Researching on the expertise as a guiding tool for planning allows to explore the dimension of epistemological authority in defining policies. In the field of Social Studies of Science and Technology, there are few studies on the expertise when it comes to the Social Sciences and Humanities. This paper explores this relationship through the analysis of texts produced by a Brazilian government Think tank: the Institute for Applied Economic Research (IPEA). The study was guided by the following question: what are the elements that characterize the IPEA institutionalized knowledge of science, technology and innovation? The theoretical concepts articulate Sociology of Science and Political Theory. The research methodology combined field and bibliometric analysis. The literature review revealed: the continuity and discontinuity of topics, research priorities; theoretical referentials and hegemonic and disciplinary approaches, as well as the authors profile.

Keywords: Think tanks, Expertise, Science, Technology and Innovation (ST & I).

Key words plus: Infometria, Information metric studies, Research institutes, Scientific literature.


Resumo

Investigar a expertise como instrumento balizador do planejamento é explorar a dimensão da autoridade epistemológica na definição de políticas. No campo dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, são escassos os estudos sobre a expertise quando esta advém das Ciências Humanas ou Sociais. Este trabalho explora esta relação através da análise de textos produzidos por um Think tank governamental brasileiro, o Instituto de Pesquisas Económicas Aplicadas (IPEA). O estudo guiou-se pela seguinte questão: quais os elementos que caracterizam o conhecimento institucionalizado do IPEA sobre ciência, tecnologia e inovação? O referencial teórico articula conceitos da Sociologia da Ciência e da Teoria Política. A metodologia combinou pesquisa de campo e análise bibliométrica. O exame das publicações revelou: a continuidade e descontinuidade de temas; prioridades de pesquisa; referenciais teóricos e abordagens disciplinares hegemónicas e perfil dos autores.

Palavras chave: Think tanks, Expertise, Ciência, Tecnologia e Inovação (CT & I).

Palavras-chave descritores: Infometria, Informações sobre estudos de métricas, Institutos de pesquisa, Literatura científica.


Introdução

Este trabalho explora a relação entre expertise, planejamento e políticas públicas, através da análise de textos produzidos por um Think tank, brasileiro em atividade há 49 anos, o Instituto de Pesquisas Económicas Aplicadas (IPEA), fundação vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Foi explorada a relação entre pesquisa e planejamento ou entre expertise e desenho de políticas públicas, a partir da caracterização dos elementos do estado da arte de uma amostra da produção bibliográfica deste Instituto, relacionada à temática Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Como tal, guiou-se pelas seguintes questões: quais os elementos que caracterizam o conhecimento institucionalizado do IPEA no campo da política de ciência, tecnologia e inovação? O que a análise retrospectiva desta produção bibliográfica revela sobre a trajetória do pensamento económico e social do Instituto, neste domínio?

A escolha do IPEA relaciona-se a quatro razões. A primeira refere--se ã natureza desta organização, que confere ao Instituto uma posição singular em sua atuação tanto académica, quanto de Estado. A segunda razão deriva da primeira: como instituição que esteve organicamente vinculada ao poder desde seu nascimento, o IPEA revela em suas páginas grande parte da história das concepções de desenvolvimento que nortearam a formulação de políticas no Brasil. A terceira razão é o caráter contínuo e sistemático da sua geração de produtos de pesquisas. A quarta razão é que o referido instituto é um dos seis Think tanks brasileiros listados na categoria Top Think Tanks na América Central e do Sul, da última edição do The Global Go To Think Tanks Repot% publicado pelo Think Tanks and Civil Societies Program da Universidade da Pensilvânia (McGann, 2011)6.

Os estudos sobre a natureza e impactos da pesquisa aplicada ao planejamento e à decisão governamental constituem uma temática associada a vários campos de conhecimento que procuram responder à seguinte questão: qual a natureza e impactos da pesquisa comissionada pelo Estado? A visão herdada da ciência justifica a lógica ofer-tista7 com base no argumento de que a produção do conhecimento contribui para o desenvolvimento, o bem-estar e melhoria da capacidade de governo. Há tempos que os Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia já desafiaram este argumento, demonstrando que, entre outros aspectos, policymakers8 também valorizam a expertise porque o conhecimento certificado proporciona um empréstimo de autoridade ás escolhas políticas.

Fazem parte deste espectro, pesquisadores como NeLkin (1975), Collins e Evans (2002) e Turner (2001) que se dedicaram à investigação da dimensão da autoridade epistemológica na esfera pública. Na França, Callón et aí. (2001), identificaram uma "crise da dupla delegação" - da competência técnico/científica nos especialistas e da competência política/administrativa nos representantes eleitos e nos funcionários do Estado. Na Grã-Bretanha, Boswell (2008) observou que a política baseada em evidências está especialmente em voga e identifica a ocorrência de uma função politica do conhecimento e da pesquisa, sobre a qual os policymakers se apoiam para estabelecer autoridade normativa em assuntos contenciosos.

Uma boa parte dos estudos anteriormente referidos analisa a atuação dos comités de assessoramento formados por especialistas oriundos de áreas identificadas como ciências duras. Entretanto, são escassos os estudos da relação entre pesquisa e policymaking quando a expertise que orienta e/ou legitima a decisão política pertence aos campos das Ciências Humanas, Sociais ou Sociais Aplicadas. Neste sentido, justifica-se a proposição de estudos que tenham por objetivo a investigação da natureza e impactos da atuação dos Think tanks, instituições que operam na fronteira entre o mundo académico e a esfera governamental.

Esta justificativa é reforçada pelo argumento de Mendizabal e Sample (2009), para quem o papel dos Think tanks na América Latina não foi suficientemente investigado em comparação a outras organizações da sociedade civil destes países, oferecendo uma oportunidade inequívoca para a investigação da relação entre expertise e política sob um perspectiva situada. O estudo dos Think tanks já esteve relacionado ao debate sobre a relação entre pesquisa e política em democracias industriais mais avançadas. Esta abordagem refletia a crença de que este tipo de organização só existia em países desenvolvidos. Hoje, é reconhecido que Think tanks se relecionam com os formuladores de políticas em países tão diversos como India, Líbano, Chile, Bulgaria, Alemanha, Senegal, Tailandia (McGann, 2011), México, Equador, Uruguai (Acuña, 2009).

Além desta introdução, este artigo é composto de mais quatro se-cões e está estruturado como se segue: a seção 2 expõe o quadro teórico-método lógico da pesquisa, problematizando o conceito de Think tanks e descrevendo o percurso da investigação; a seção 3 apresenta e discute os principais resultados da análise e a seção 4 traz as conclusões do trabalho, sugere novos desdobramentos e possíveis encaminhamentos de uma agenda de pesquisa sobre o tema.

Referencial teórico e metodológico

No jargão militar, Think tanks era como se chamavam as salas secretas onde se discutiam as estratégias militares durante a guerra. A génese dos modernos Think tanks localiza-se na primeira década do século XX, quando estas organizações surgem com o objetivo de profissionalizar a política norte-americana. Nesse período, conhecido como Progressivismo, estabeleceu-se uma demanda por reformas sociais e políticas que evitassem supostos desvios políticos atribuídos ã ausência de formação técnica, à corrupção e á influencia das grandes corporações. Propagou-se a visão de que para tornar a administração pública mais eficiente e neutra, o Estado deveria incorporar em seus quadros administrativos técnicos recrutados entre mais bem formados e capacitados9.

Os think tanks expandiram-se nos anos 1960 e, na década de L970, a expressão passou a incorporar um espectro mais elástico de instituições, públicas e privadas. Contemporaneamente, são centros de pesquisa, produção e articulação do conhecimento que tem por meta pautar o debate político por meio da publicação de estudos, artigos de opinião e/ou da participação de seus membros na mídia. Trata-se de um espaço em que a disputa pelo poder se dá no campo das ideias, funcionando como instrumentos de manutenção da ordem simbólica (Bourdieu, 2004) e legitimação através do exercício do poder soft, termo que se refere às formas de poder baseadas em instrumentos de persuasão, em oposição aos meios de pressão que caracterizam o poder hard10 (Nye, 2004).

Portanto, o estudo dos Think tanks remete ã discussão sobre as relações entre intelectuais e poder. Segundo Bobbio (1997), o intelectual se diferencia entre o ideólogo e expert. Enquanto o primeiro tem o papel de elaborar e propagar concepções de mundo, o segundo é um especialista que detém o conhecimento técnico e desempenha o papel de assessoria. Há controvérsias na literatura quanto ao perfil do intelectual recrutado para um Think tank, mas admite-se que ele vana em um contínuo que tem em seus extremos o ideólogo e o expert/especialista.

Inserido nessa perspectiva que busca as interfaces entre Think tanks, expertise e política, o estudo de Pautz (2012) situa os Think tanks em algum lugar nos espaços entre governo, empresas e academia, e oferece uma visão de como eles influenciam de ci si on-makers, mostrando como foram utilizados por políticos e outras elites para contornar o parlamento e manobrar os partidos políticos. O autor busca inspiração em conceitos gramscianos que permitem entender os Think tanks como organizações da sociedade civil - centros de formação, radiação e difusão de idéias — e que, por meio da expertise política estabelecem uma luta pela hegemonia, e complementa esse quadro teórico com o conceito de discurso de coalização, que permite focar o nexo do poder e do conhecimento para uma melhor compreensão da ampla gama de atores que desempenham um papel na produção e reprodução de discursos politicamente relevantes.

Os Think tanks atuam na linha divisória entre a pesquisa e a política e, por esta razão, o termo traz consigo algum crédito de autoridade intelectual que teoricamente demarcaria fronteiras e os diferenciariam de partidos políticos, advocacy groups, lobbies e outras frentes de representação de interesse. Esta visão é subjacente à concepção de Stone (2007) que os identifica como organizações engajadas na pesquisa e análise de tópicos contemporâneos, independentemente de governo, partidos políticos ou grupos de pressão.

No entanto, sobram críticas à premissa da independência como critério de identificação de Think tanks. Ao examinar como os Think tanks norte-americanos empacotam e apresentam os seus produtos de pesquisa a seus interlocutores, Rich (2011) observa que o caráter não-governamental (caso de boa parte dos mais recentes) não implica em indepedência intelectual. O autor argumenta que muito desta produção intelectual é deliberadamente organizada de forma a aderir às demandas do policymakers, constituindo um material de apoio e reforço ideológico.

Para Medvetz (2008), definições ortodoxas são limitadas, porque estão centradas nas características dos Think tanks norte-americanos. O autor adverte que, mesmo no contexto norte-americano, pressupor independência é ignorar o fato de que alguns dos Think tanks mais antigos dos EUA surgiram a partir de desdobramentos de agências governamentais, partidos políticos, empresas privadas e universidades. Desta forma, defende que o conceito de Think tank é dinâmico e historicamente situado.

Neste trabalho, compartilha-se desta visão e parte-se do princípio de que as definições ortodoxas e classificatórias são insuficientes para identificar um Think tank. Foram adotados conceitos que enfatizam o estudo das condições sociais que permeiam a produção de conhecimento nestas organizações: a) Think tanks são organizações que transitam em espaços sociais híbridos (Medvetz, 2008), b) são orientados por diferentes tipos de expertise (Smith, 1991); c) são atores coletivos formalmente institucionalizados (Acuña, 2009) cuja razão de ser é influenciar políticas. Alguns logram este objetivo, enquanto outros não o fazem. A composição de variáveis internas e externas pode aumentar ou diminuir sua ascendência sobre a formulação de políticas (Braun et al., 2006).

Medvetz (2008) faz uso do conceito de campo social de Bourdieu (1997) para situar os Think tanks, considerando-os como organizações híbridas posicionadas nas fronteiras de distintos campos: o político; o económico; o da mídia e o da produção de conhecimento. Os Think tanks criam suas próprias formas de produção intelectual, padrões e estratégias de legitimação a partir da influência de domínios mais estabelecidos da política, da academia, da economia e da mídia. Isso os obriga a responder a um conjunto de demandas concorrentes: a necessidade de inserção política, de audiência e de sobrevivência financeira, confrontadas com a necessidade de construir prestígio intelectual.

Para compreender porque alguns Think tanks logram influenciar as políticas públicas e outros não, Braun et al. (2006) propõem a investigação da relação entre suas variáveis endógenas e exógenas. São consideradas endógenas as características intrínsecas à organização que potencializam ou comprometem sua ascendência sobre a ação política, como: disponibilidade de financiamento e recursos humanos (que o autores chamam de governabilidade organizacional); liderança institucional; gestão da investigação (seleção de temas e processos de pesquisa) e estratégias de comunicação.

As variáveis exógenas correspondem a fatores ambientais sobre os quais um Think tank exercem pouco ou nenhum controle e que ampliam, reduzem ou impedem sua influência na esfera pública: o regime político (se democrático ou autoritário); a existência ou não de liberdade acadêmica e de imprensa; crescimento, estagnação ou depressão económica; demandas políticas de investigação; janelas de oportunidades; abertura para a participação cidadã e capacidade governamental.

Por sua vez, Smith (1991) problematiza as diferentes naturezas de especialistas que atuam nos Think tanks, propondo uma tipologia que os situam entre seis perfis: os scholar-statesman, que ocupam ou já ocuparam altos cargos no governo; os policy specialists, técnicos e/ ou acadêmicos especializados em um nicho particular de políticas públicas; os policy consultants, consultores de atuação ad hoc; os government experts, que fazem uso dos cargos que ocupam para participar no debate político; os policy interpreters, especialistas a quem a mídia recorre para fazer comentários e proporcionar explicações supostamente isentas e diversificadas em sua cobertura diária e; os policy entrepreneurs, que criam novas instituições e Think tanks.

Não é incomum que alguns destes papéis se superponham e que especilistas exerçam mais de um papel em diferentes etapas de sua vida. Assim, há vários policy specialists vinculados à academia que são eventualmente policy consultants para o governo e/ou atuam como policy interpreters na cobertura midiática, quando convidados. Da mesma forma que existem policy specialists que se tornaram govemment-expeits, scholar-statesman e, no limite, policy enterpre-neurs, fundando Think-tanks ancorados em seu prestígio.

Percurso metodológico

A estratégia empregada para análise da produção científica do IPEA contemplou a combinação métodos: pesquisa documental em fontes que disponibilizam dados sobre a trajetõria deste Instituto, análise bibliométrica e a pesquisa de campo mediante a realização de entrevistas semi-estruturadas11

O IPEA produz uma ampla variedade de trabalhos publicados na forma de relatórios de pesquisa, livros, trabalhos académicos, boletins de conjuntura, boletins de atividades setoriais e notas técnicas para assessoramento da direção geral do instituto e diferentes órgãos do poder executivo. Integra esta lista de publicações os Textos para Discussão (doravante identificados como TDs) cujo primeiro número foi publicado em 197912.

Os TDs são, segundo o próprio instituto "o mais genuíno meio de divulgação, circulação de ideias e de propostas de políticas públicas em curso na Instituição" (IPEA, 2004). Não seguem uma linha editorial específica, refletindo a diversidade e o caráter interdisciplinar da produção bibliográfica ali praticada. Em vista disso, a produção científica representada pelos TDs produzidos pelo IPEA constituiu-se no corpus documental analisado.

A análise bibliométrica13 foi dividida em etapas. Inicialmente, foram coletados todos os TDs publicados pelo IPEA no período 1995-2010, integralmente disponíveis em seu portal. A delimitação temporal justifica-se pela singularidade política do período, marcado pela ocorrência de duplo mandato de dois governantes pertencentes a grupos políticos rivais: Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O exame das publicações compreendidas neste intervalo oferece a oportunidade de estabelecer comparações relativas à continuidade/ descontinuidade de temas, perfil dos autores e referenciais teóricos privilegiados e preteridos, em cada período.

No período compreendido entre 1995 a 2010 foram identificados 1.211 TDs, de temáticas variadas, aos quais foi aplicado o recorte investigativo que selecionou os TDs relativos à CT&I mediante a análise dos seguintes campos: título, resumo ou abstract, referências bibliográficas. Em casos de dúvida foi realizada a leitura integral do documento. Após a leitura dos textos, foi identificado um corpus documental de 132 TDs (11% do total de 1.211) relativos à CT&I, dos quais 61 (46,2%) foram publicados no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e 71 (53,8%) durante o Governo Lula (2003-2010), e que se constituiu na amostra analisada (Gráfico 1).

A análise qualitativa dos 132 textos foi feita com objetivo de categorizá-los quanto a: a) origem institucional dos autores; b) género, se masculino ou feminino; c) temática; d) referencial teórico predominante. A escolha destas categorias de análise teve por objetivo mapear quadros teóricos hegemónicos, trajetórias ascendentes ou descendentes em relação às temáticas, parcerias e colaborações institucionais mais frequentes, além de discutir questões relativas à dimensão género na produção do conhecimento técnico-especializado.

Apresentação e discussão dos resultados

O IPEA é uma organização produtora de conhecimento vinculada ao Estado, cuja função é assessorar a elaboração, execução e avaliação de políticas públicas. Esta configuração o torna um objeto empírico privilegiado para a investigação da "produção de ideias e perspectivas legitimadas pelo saber técnico" (Cunha, 2012, p. 6). A declaração de missão do Instituto enfatiza o papel arquetípico14 de um Think tank: "produzir, coordenar e divulgar conhecimento para melhorar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro" (IPEA, 2004).

A institucionalização do IPEA corresponde à institucionalização do próprio sistema de planejamento económico no Brasil e suas origens remontam ao processo de tecnocratizaçào da formulação de políticas. Fundado em 1964, no início do Regime Militar, como "Escritório de Pesquisa Económica Aplicada" (EPEA), sua concepção como uma agência de planejamento enquadrava-se no pensamento económico e social dominante na época. Modelos racionais de análise económica conduziriam à elaboração de instrumentos eficazes de política económica e á alocação ótima de recursos.

O planejamento proporcionaria funcionalidade à administração pública, prestando apoio técnico e institucional para a formulação de políticas e programas de desenvolvimento. Naquele momento histórico, a incorporação da noção de planejamento à formulação da política económica cumpriu um duplo propósito: de um lado institucionalizava formas tecnocráticas de administração, de outro legitimava o autoritarismo-burocrático, "anulando assim os elementos políticos considerados perniciosos" (Nicolai Filho, 2001, p. 16).

A criação do EPEA é um dos marcos da consolidação do campo dos economistas no Brasil. Loureiro (1992, p. 47) localiza sua origem nas "raízes históricas do processo que deu a este segmento social posição de destaque no seio das elites politic o-administrât ivas do país, fa-zendo-os ascender da condição de assessores técnicos à de dirigentes políticos". Se as grandes escolas constituiam os espaços de formação da tecnocracia, os órgãos de planejamento e pesquisa económica aplicada foram o locus em que estes especialistas ganharam visibilidade, influenciando as decisões de política a partir das orientações teõrico--metodológicas subjacentes a seus estudos e diagnósticos: "puderam levar a cabo de forma mais completa, as antigas pretensões de poder da intelectualidade brasileira, assumindo postos importantes de direção nos organismos governamentais, enquanto portadores de uma competência específica" (Loureiro,1992, p. 48).

Em 1967, o EPEA é alçado ã condição de fundação pública federal, ocasião em que passou a se chamar Instituto de Pesquisas Económicas Aplicadas. No início dos anos 1970, ocorre a divisão das instalações entre o Rio de Janeiro e Brasília, cabendo ao primeiro um escritório de representação e ã nova capital federal, a sede do instituto. Esta segmentação foi gradual e só se formalizou completamente em 1976.

Foi também nos anos 1970 que as estratégias de recrutamento de técnicos se diversificaram. Os especialistas eram recrutados não apenas em instituições académicas (como nos primeiros anos), mas em órgãos do próprio governo que compunham o Sistema Nacional de Plajenamento. O quadro de pesquisadores era formado tanto por servidores públicos quanto por técnicos contratados sob o regime CLT15 o que proprocionava ao instituto condições salariais mais atraentes que as praticadas em outras agências governamentais.

A década de 1980, e parte da década de 1990, corresponderam a um período de crise e fragilidade institucional. Uma conjunção de fa-tores —redução do orçamento; estagnação salarial; evasão de quadros ou cessão de técnicos, somados à formação de equipes de planejamento em outros órgãos federais— reduzem a ascendência do IPEA sobre os órgãos executores de políticas e quase conduzem ã sua extinção. A recomposição veio no final da década de 1990, a partir da recuperação do orçamento e dos níveis salariais, a abertura de novos concursos e a ampliação do espectro de temáticas voltadas para a pesquisa aplicada.

Desde 2007, o IPEA é uma fundação subordinada diretamente à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Há planos de expansão e internacionalização de sua atuação para além das fronteiras brasileiras, através da criação de gabinetes para América do Sul e países africanos de língua portuguesa. Sua atual estrutura organiza-se em torno de sete diretorias, responsáveis por desenvolver estudos e projetos sobre áreas consideradas estratégicas para o Instituto. São elas: inclusão internacional soberana; macroeconomia para o desenvolvimento; Estado, instituições e democracia; estrutura produtiva e tecnológica; infraestrutura económica, social e urbana; proteção social; e sustentabilidade ambiental.

A análise das temáticas e, sobretudo, da autoria dos textos que compuseram a amostra de investigação deste trabalho, indicam que os espaços sociais de produção e circulação de conhecimento neste Instituto são híbridos, confirmando o argumento anteriormente exposto de Medvetz (2008). A rede de relações sociais mantida pelo IPEA envolve, além do próprio governo, a academia, instituições internacionais e, secundariamente, a mídia e o setor produtivo. Dentre os espaços em que são concebidos e nos quais circulam os produtos gerados pelo IPEA, destacam-se os campos da Política e da Produção de Conhecimento. Constitui o principal público-alvo das publicações: os gestores públicos, nas três esferas (municipal, estadual e federal) e a comunidade acadêmica, esta também presente como colaboradora nas publicações.

Em relação à autoria dos textos foi possível observar que os técnicos do IPEA foram responsáveis pela maior parte dos textos produzidos no período 1995-2010 (61 TDs), embora tenha sido identificada a coautoria do IPEA com outras instituições em outros 44 textos, seguida de 27 textos de autoria exclusiva de pesquisadores externos, conforme indicado no Gráfico 2.

Os resultados obtidos também permitiram identificar as 33 instituições, além do IPEA, às quais os autores dos TDs se vinculam, nos dois governos FHC e Lula, no período entre 1995 a 2010, conforme mostra o Gráfico 3, a seguir.

No Gráfico 3 é possível observar que as instituições mais presentes são brasileiras (25) enquanto que as estrangeiras totalizaram 8. Entre as instituições brasileiras destacam-se universidades, das quais 10 são instituições públicas, sendo 2 particulares e 3 confessionais, com destaque para a UFRJ, com um total de 17 textos (10 no governo FHC e 7 no governo Lula). Também foram identificados autores vinculados a ministérios (Ciência, Tecnologia e Inovação; Planejamento, Orçamento e Gestão; Agricultura, Pecuária e Abastecimento); empresa (Furnas); órgãos governamentais (IBGE; INPI, CNPq), além de consultoria privada (presentes apenas em TDs publicados no governo FHC). Chamou a atenção de 2 TDs publicados - um em cada governo FHC e Lula — cuja vinculação institucional é um Think tank - Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais - ICONE16.

Dentre as instituições internacionais, figuram como colaboradores do IPEA autores vinculados ã academia (Universidades Católica de Louvain e da Califórnia, no governo FHC e Universidades de Toulouse e Oxford, no governo Lula); agências internacionais (Banco Interamericano de Desenvolvimento -BID- 5 textos no governo FHC; Banco Mundial -3 textos no governo FHC e 2 no governo Lula; Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico -OCDE- 1 texto no governo Lula) em proporções equilibradas, embora a parceria com a Comissão Económica para a América Latina -CEPAL tenha resultado em 8 textos no governo Lula17.

Além da publicação, a parceria do IPEA com a comunidade académica inclui o patrocínio das conferências da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR), e da Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec). Estes dados evidenciam que a relação tecnocracia-academia é fundamental para a legitimação do conhecimento produzido nos Think tanks governamentais e corroboram o argumento de Cunha (2012, pp. 15-16) para quem "a certificação de excelência do instituto, seus profissionais e produção, passa impreterivelmente pelas marcas da ciência e pelas recompensas da academia". Essa relação é uma via de mão dupla: se a certificação académica legitima a produção de conhecimento das tecnocracias, para a academia, a colaboração com as burocracrias técnicas constitui a oportunidade de estabelecer canais de interlocução e influência com os órgãos executores de políticas.

No plano económico, o impacto da circulação dos produtos de pesquisa do Instituto não é direto, mas mediado pelas publicações e ocasionalmente pela incorporação de seus resultados e sugestões na formulação de políticas públicas. Não foi verificada a presença expressiva de entidades do setor produtivo (associações de classe ou federações industriais) na autoria ou coautoria destas publicações. No que diz respeito ã circulação das ideias do IPEA na mídia, considera-se que esta é secundaria e mais constante nas publicações especializadas em política e economia. A menção ao IPEA e a seus produtos de pesquisa é mais frequente na mídia impressa que em veículos de comunicação de massa. E possível que seu prestígio e sua natureza estatal minimizem a necessidade de estratégias de aparição pública e ampliação da audiência. Neste sentido, o IPEA sofre menos os efeitos da competição no "mercado de ideias" que os Think tanks não-governamentáis.

Quanto aos quadros teóricos que embasaram a discussão dos temas tratados nos TDs relativos à CT&I foram identificados 32 aportes teóricos e/ou metodológicos, presentes nos 132 textos publicados nos dois governos FHC e Lula entre 1995 e 2010.18. Verificou-se a predominância de aportes advindos da Economia, em especial das seguintes correntes: Economia Industrial, presente em 49 textos; Economia da Tecnologia (que dialoga fortemente com a corrente anterior), em 33 textos e Econometria, com 18 textos. Secundariamente, foram identificadas publicações cujo aporte teórico é da ãrea de Políticas Públicas, com destaque para a Política Industrial (19 textos) e a Política Científica e Tecnológica (14 textos). A Política Educacional, presente em 8 textos, ocupa o sexto lugar entre os aportes teóricos, após "Economia Rural" e "Economia da Regulação". As Políticas Públicas e as Politicas Educacionais estão presentes em 12 textos, enquanto que as Politicas Públicas de Saúde estão presentes em apenas 1 texto, conforme sintetizado no Gráfico 4.

Tais resultados apontam para um enquadramento da CT&I como uma problemática de caráter predominantemente económico, privilegiando o tratamento de questões relativas à competividade industrial e inovação tecnológica e/ou projeções econométricas. Cunha identifica a emergência de uma abordagem dos problemas sociais de natureza essencialmente económica, que teria se consolidado no Brasil entre as décadas e 1990 e 2000 e encontrado no IPEA um de seus principais propagadores: "cálculos do tipo custo-beneficio tornam-se, a partir do predomínio desta abordagem, os principais parâmetros para o debate sobre as formas legítimas, desejáveis ou possíveis de intervenção pública sobre o problema" (Cunha, 2012, p. 6).

É interessante observar a segmentação das publicações em duas correntes teóricas e metodológicas que disputam espaço e influência no campo científico da Economia: a tradicional Econometria, de cará-ter quantitativo e orientação mais ortodoxa e a Economia da Inovação ou Economia da Tecnologia, de orientação neoschumpeteriana, e de natureza mais qualitativa. A primeira utiliza ferramentas estatísticas e modelos matemáticos para analisar a relação entre variáveis económicas e testar hipóteses, enquanto a segunda, inspirada na Teoria dos Ciclos Económicos de Joseph Schumpeter e em analogias com a Biologia Evolucionária, refuta os postulados da Economia Neoclássica e defende que a inovação tecnológica influencia os padrões de competitividade e determina as mudanças estruturais da dinâmica capitalista.

A presença de diferentes matrizes teóricas reflete formações heterogéneas e possíveis disputas de identidade no interior do Instituto, mas não é de todo surpreendente. Contemporaneamente, o espectro de especialistas nos quadros do IPEA é complexo e plural. Essa configuração reflete movimentos que ocorreram tanto no interior de campos científicos fundamentais para a pesquisa económica aplicada, quanto nas transformações institucionais em que incorreu o próprio IPEA, em termos de nucleaçào de equipes e formação de agendas, de forma a sintonizar-se com as demandas renovadas dos órgãos executores de políticas.

Foram identificadas 55 temáticas referentes à CT&I nos 132 Textos para Discussão (TDs] analisados e publicados entre 1995 e 201019. Em consonância com os aportes teóricos anteriormente identificados, as temáticas mais frequentes estão relacionadas à concepção da inovação tecnológica na firma, de recorte neoschumpeteriano.

Quando comparados o total de temáticas no período 1995-2010, o Gráfico 5 permite verificar que no Governo FHC (1995-2002) os TDs abordaram 33 temáticas enquanto que no Governo Lula (2003-201) foram 40 as temáticas focalizadas nos TDs20. No entanto, em ambos os governos 19 temáticas foram semelhantes.

No Gráfico 5 figuram no primeiro e no segundo lugar os temas da Inovação Tecnológica (32 TDs publicados, sendo 20 no governo Lula) e Competitividade industrial (25 TDs publicados, dos quais 13 no governo Lula), seguidos da temática referente à Política industrial (14 TDs publicados no governo FHC). Estes temas não apenas continuaram em evidência, como experimentaram uma trajetória ascendente.

A temática das Empresas Transnacionais, geralmente associada à atraçào do investimento externo direto (IED), a Pesquisa Agrícola e o Comércio e Exterior também são temáticas que experimentaram alguma ascendência, entre um período e outro. Aqui, observa-se um paradoxo: o segundo conjunto de textos tem como um de seus argumentos a importância da pesquisa para a expansão da produção agrícola e sua participação na balança comercial brasileira, enquanto o terceiro discute a fragilidade de uma matriz de exportações fundamentalmente baseada em commodities agrícolas, produtos de menor valor agregado no mercado internacional.

Nos dois períodos, manteve-se estável a publicação de textos sobre a Regulação, em voga desde o período de privatizações do governo FHC. Desenvolvimento Sustentável e Desenvolvimento Regional são temáticas que experimentaram alguma queda, enquanto Política Externa, que não figurava nos textos sobre CT&I publicados entre 1995 e 2002, surge como assunto ascendente no segundo mandato do governo Lula, tendência que merece ser verificada nos anos subsequentes. De forma geral, estes textos tratam da importância estratégica da CT&I na inserção internacional soberana do Brasil, da transferência de tecnologia entre países e do papel da inovação na competitividade internacional.

Cumpre ressaltar a trajetória descendente da discussão referente à política industrial: de temática líder no período 1995-2002 (Governo FHC), desaparece do ranking das temáticas mais frequentes noperíodo 2003-2010 (Governo Lula). É preciso esclarecer que o declínio do tópico Política Industrial não implica o desaparecimento deste assunto em caráter transversal, visto que este é inerente à discussão da inovação tecnológica nas firmas e à competitividade industrial. O que decresceu é o seu caráter de discussão estruturante, antecedendo e contextualizando o debate sobre as condições de geração da inovação tecnológica e a competitividade das firmas, já que a política industrial compreende um conjunto amplo de medidas coordenadas, relativas tanto ao setor público, como ao privado.

É digno de nota que na perspectiva do desenvolvimento científico e tecnológico do país a temática Produção Científica tenha suscitado a produção de 3 apenas TDs (1 no governo FHC e 2 no governo Lula) obtendo quase o mesmo escore da temática Propriedade Intelectual que comparece em 2 TDs apenas no governo Lula.

Por sua vez, Ensino Superior é a quarta temática mais publicada, ao lado de Desenvolvimento Regional, ambas com 12 TDs publicados (cada um com 8 e 4 textos nos governos FHC e Lula). Na série temporal analisada, a discussão da função da educação superior, da pesquisa e da produção de conhecimento aparece de forma pontual, raramente como aspecto central no debate referente à Ciência, Tecnologia e Inovação. Também foi observado um decréscimo de publicações que relacionam a temática do ensino superior à discussão sobre CT&I. Este fato pode ser confirmado ao comparar os dados referentes às temáticas dos textos publicados sobre CT&I no governo FHC (19952002) e governo Lula (2003-2010).

Em relação ao gênero dos autores dos TDs publicados pelo IPEA entre 1995 e 2010, foi possível observar que em 67% dos textos (89 TDs) os autores são exclusivamente do sexo masculino; em 20% dos textos (27 TDs) os autores são do sexo masculino e feminino e em 13% dos casos (17 TDs) os autores são exclusivamente do sexo feminino, conforme apontam os dados do Gráfico 6.

O Gráfico 7 detalha a distribuição desses autores dos TDs em relação ao gênero, no período entre 1995 e 2010 referente aos dois governos de FHC e Lula.

O Gráfico 7 permite observar que a autoria masculina é preponderante no governo FHC (44 TDs de autoria exclusivamente masculina) frente à autoria feminina (4TDs de autoria exclusivamente feminina). No governo Lula há um crescimento significativo da participação exclusivamente feminina (12 TDs de autoria exclusivamente feminina), embora os escores masculinos permaneçam praticamente iguais nos dois governos (45 TDs exclusivamente masculinos no governo Lula). Em ambos os governos a coautoria mista (masculina e feminina) é semelhante (13 TDs no governo FHC e 14TDs no governo Lula).

Estes dados induzem ao questionamento da relação entres os géneros nos campos científicos e nas próprias tecnocracias. Embora não se possa afirmar que a presença minoritária de autoras nestas publicações seja um indicador da subrepresentacão das mulheres na pesquisa económica aplicada e nas burocracias técnicas21, admite-se que estas são hipóteses merecedoras de investigação futura.

Em consonância com a tipologia de Smith (1991), foi verificado que o tipo de expertise predominante entre o corpo técnico do instituto corresponde aos policy specialists, especialistas em função de sua formação académica, engajados na pesquisa de médio e/ou longo prazo relativa a um nicho de políticas públicas. Os colaboradores externos exercem o papel de policy consultants, sendo a maioria deles proveniente da academia brasileira, com destaque para a UFRJ e, em segundo lugar, para a UNICAMP. Quanto aos ocupantes da presidência do Instituto no período investigado (1995-2010), via de regra, são especialistas de origem académica que exerceram a posição de scholar-statesman (o académico reconhecido entre seus pares que ocupa altos cargos no governo), sendo que alguns destes experts capitalizaram sua permanência no cargo para se tornarem policy consultants, government experts ou policy enterpreneurs.

Finalmente, quanto ã ascendência das variáveis endógenas e exógenas na capacidade do IPEA em influenciar a ação política, consi-dera-se que variáveis exógenas como o regime político, a liberdade académica, a demanda por pesquisa aplicada e janelas de oportunidade política são mais fortes e condicionam, de alguma forma, suas próprias condições endógenas. Este fato deriva da natureza institucional do IPEA, uma fundação pública federal cuja capacidade de governa-bilidade organizacional (disponibilidade de recursos e contratação de recursos humanos) depende de orçamento federal.

O IPEA é um órgão de produção de conhecimento e não exerce controle sobre os centros de decisão e execução política. A aplicação total ou parcial de sua produção, ou mesmo sua completa desconsideração, dependem de sua relação com seus interlocutores públicos. Em diversos momentos de sua trajetória, estas variáveis impactaram a estrutura organizacional e a orientação estratégica do Instituto, que se adaptou forma a legitimar sua produção de conhecimento e garantir sua permanéncia.

Considerações finais

Neste artigo, foi explorada a mediação entre a produção de conhecimento e a formulação de políticas através da análise de textos produzidos no período 1995-2010 por um Think tank governamental brasileiro: o Instituto de Pesquisas Económicas Aplicadas. O exame das publicações revelou que os temas predominantes nos textos relativos à CT&I privilegiam a abordagem da inovação tecnológica no setor industrial.

A educação superior e a pesquisa científica são temáticas presentes de forma pontual e em freqûência inferior às anteriores, na amostra analisada. Os referenciais teóricos mais frequentes pertencem ao campo da Economia, em especial da Economia Industrial e da Economia da Tecnologia de recorte neoschumpeteriano, além de abordagens econométricas.

Ao caracterizar o IPEA como um Think tank e supor que sua produção exerce alguma ascendência sobre as formas governamentais de intervenção, a conclusão é de que, no período 1995-2010, as iniciativas no campo da CT&I privilegiaram as duas últimas dimensões deste acrónimo (tecnologia e inovação), em detrimento da pesquisa científica, privilegiando uma abordagem económica da ciência, tecnologia e inovação.

A análise dos textos permitiu verificar algum pluralismo teórico na produção deste Instituto, mesmo sendo o IPEA um Think tank governamental. Na verdade, o pluralismo teórico e a diversificação da agenda são condições necessárias para a legitimação da pesquisa aplicada e garantia do timing ajustado à renovação das demandas dos órgãos executores de políticas. A análise do perfil dos autores demonstrou que estes são, em sua maioria, técnicos do próprio Instituto, seguidos por acadêmicos vinculados a instituições de ensino superior. O perfil dos autores é predominantemente do gênero masculino, o que instiga questionamentos a respeito da subrepresentação de investigadoras na pesquisa aplicada e nas altas burocracias técnicas.

À guisa de conclusão, sugere-se a investigação aprofundada dos seguintes tópicos: a) o significado da dimensão gênero na produção de conhecimento nas tecnocracias; b) a natureza da produção e circulação de conhecimento em outros Think tanks brasileiros e latino-americanos; c) a replicação desta abordagem para investigação de publicações relativas a outros temas, além da CT&I, no próprio IPEA.


Rodapé

6Os outros cinco são: a) Fundação Getúlio Vargas (FGV); b) Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI): c) Instituto Fernando Henrique Cardoso (IFHC); d) Centro Brasileiro de Análise Planejamento (CEBRAP); e) Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de Sào Paulo (NEV-USP).
7Termo utilizado em alusão ao modelo institucional ofertista linear e consolidado no Relatório Science, the endless frontier (Bush,1945). Esse modelo, além de alicerçar a política cientifica norte-americana influenciou as demais políticas científicas e tecnológicas ao postular uma visão de desenvolvimento em que a ciência básica está relacionada com a inovação tecnológica, também acentua o papel do Estado na promoção do avanço da ciência. Nessa concepção de cadeia linear de inovação se espera que o investimento em pesquisa básica resulte em tecnologia, que vai resultar em desenvolvimento económico e. consequentemente, em desenvolvimento social. O modelo é ofertista porque o Estado oferta recursos aos cientistas para implementarem as pesquisas que desejam e por não dirigir o fomento em uma direção determinada. (Stokes, 2005: Bush, 1945).
8Neste artigo utilizamos expressões na língua inglesa conforme empregadas na literatura consultada. Optamos por não traduzi-las, por não haver expressões correlatas em português, e pelo fato do texto deixar claro o significado de cada uma.
9Nesse tópico limitamo-nos aos estudos clássicos sobre os Thinks tanks realizados por Smith (1991). Stone (2007), Rich (2011), Braun et al (2006), Medvetz (2008), Acuña (2009). Foge ao escopo desse artigo revisar a extensa literatura, principalmente a norte-americana e inglesa, a maioria publicada entre as décadas de 1990 e 2010, e que é objeto de pesquisa complementar conduzida pelas autoras. Contudo, dessa literatura é válido citar dois textos em que os autores relacionam os Think tanks a institutos de politicas públicas. O primeiro é o estudo de Abelson (2006), que ao identificar a influência e relevância de institutos de politicas públicas na arena política, principalmente nos EUA e Canadá, argumenta que os Think tanks, por vezes, desempenharam um papel importante na formação do diálogo político e nas preferências políticas e escolhas dos decision-makers, mas muitas vezes de diferentes formas e fases do ciclo político. O outro é um estudo comparativo de Ladi (2005) sobre o papel dos Think tanks na transferência de políticas e o subsequente impacto destas sobre os processos de globalização. Nesse texto, a autora desenvolve uma tipologia dos institutos de pesquisa que relaciona as características estruturais desses institutos organizacionais, como por exemplo, especializados ou genéricos, e por sua inserção no espectro académico-ideológico e argumenta que tais organizações "diferenciam-se do governo, e têm como objetivo prestar aconselhamento sobre uma variada gama de questões políticas através do uso de elite cognitiva e mobilização" (Ladi; 200&. p. 51).
10Poderio militar, sanções comerciais etc.
11A pesquisa de campo foi realizada em Brasilia, na sede do IPEA. em novembro de 2011 e compreendeu duas visitas ao referido Instituto, quando foram realizadas entrevistas com técnicos da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Enfraestrutura (DISET). Essas entrevistas esclareceram aspectos relativos à escolha das temáticas publicadas, ás parcerias estabelecidas com outras instituições e ao público a quem estas publicações se destinam. No entanto, tais entrevistas estão sendo analisadas em profundidade e os resultados obtidos serão objeto de artigo que se encontra em elaboração.
12Em março de 2013 já haviam sido publicados 1829 TDs, todos disponíveis online no site do IPEA.
13Por análise bibliométrica compreende-se o conjunto de métodos e técnicas baseadas no emprego de técnicas estatísticas, que tem por objeto auxiliar na comparação e compreensão de um conjunto de elementos bibliográficos. As principais unidades de análise bibliométrica são as publicações (artigos e revistas), citações e autores (pesquisadores individuais, departamentos, instituições, países), que são contadas, relacionadas e mapeadas de distintas maneiras com a finalidade de dar uma representação estrutural e gráfica aos distintos níveis e dominios da ciência. A publicação cientifica, portanto, é um resultado importante e tangível da pesquisa e nesse contexto os indicadores bibliométricos adquirem validade como uma medida indireta da atividade da comunidade cientifica. No entanto, a confiabilidade dos resultados dos estudos bibliométricos depende fortemente da sua correta aplicação, feita com conhecimento de suas vantagens, limitações e condições ideais de aplicação, conforme amplamente relatado na literatura (Rostaing, 1997; Gallon et al. 1993; Glànzel, 2003).
14Expressão aqui utilizada no sentido filosófico da palavra arquétipo para significar a ideia originária que serve como um modelo ou padrão de algo.
15Consolidação das Leis do Trabalho - principal norma legislativa brasileira referente ao Direito do Trabalho.
16O ICONE se deñne como '"Think-tank do agronegócio. e os estudos e projetos conduzidos pelo Instituto servem de base para a definição de políticas públicas e de posições de negociação no âmbito do comércio internacional e de outros temas que afetam a produção agrícola e o comércio dela derivado'' (ICONE, 2013).
17O IPEA a CEPAL mantêm atividades conjuntas desde 1971, abrangendo vários aspectos do estudo do desenvolvimento económico e social do Brasil, da América Latina e do Caribe. A partir de 2010, os Textos para Discussão Cepal-Epea passaram a constituir instrumento de divulgação dos trabalhos realizados entre as duas instituições, e foram produzidos por técnicos das instituições, autores convidados e consultores externos, cujas recomendações de política não refietem necessariamente as posições institucionais da Cepal ou do Ipea. (IPEA, 2013).
18Vale ressaltar que não há correspondência entre a frequência identificada e o total de TDs analisados (132) na categorização dos TDs em relação aos aportes teóricos e/ou metodológicos. Isso porque no mesmo TD pode existir mais de um aporte teórico e/ou metodológico.
19Conforme já mencionado, náo há correspondência entre a frequência identificada e o total de TDs analisados (132) na categorização dos TDs em relação ás temáticas. Isso porque no mesmo TD foi identificada mais de uma temática.
20Emmbora as políticas de diversidade já tivessem se manifestado no Governo FHC. as temáticas género e raça estào presentes apenas em TDs publicados no período do governo Lula. Isso porque no campo das políticas públicas a diversidade orientou a agenda do governo e alcançarou um maior grau de institucionalização a partir de um conjunto de ações que se traduziram em políticas públicas de inclusão social, açôes afirmativas e políticas de diferença, e que estào articuladas a questões como género, raça e etnia. (Moehlecke, 2009: Silva. 2011).
21Isso será objeto de outro texto em elaboração, quando se aprofundarão levantamento em relação ao género, levando em conta o total de autores de sexo feminino e do sexo masculino do total de artigos a proporção com respeito ao total de artigos. Isso porque há diferenças em relação ao fato de um artigo ter, por exemplo, quatro autores do sexo masculino e um do feminino (80% de homens), ou o mesmo número de autores de cada sexo.


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