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Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud

versão impressa ISSN 1692-715X

Rev.latinoam.cienc.soc.niñez juv vol.11 no.1 Manizales jan./jun. 2013

 

 

Segunda Sección: Estudios e Investigaciones

 

Arqueologia e educação-programa "Arquelogia e comunidades" para crianças e adolescentes no Vale do Jequitinhonha, Brasil*

 

Archaeology and education-"Archaeology and communities" project to children and teenagers at Jequitinhonha Valley, Minas Gerais State, Brazil

 

Arqueología y educación-programa "Arqueología y Comunidades" para niños y adolescentes en el Valle del Jequitinhonha, Brasil

 

 

Marcelo Fagundes

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil. Doutor em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Docente da Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (FIH/UFVJM). Coordenador do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem (Laep/Nugeo/UFVJM) e vice-coordenador do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas (Mpich/UFVJM). Correio eletrônico: marcelofagundes.arqueologia@gmail.com ou marcelo.fagundes@ufvjm.edu.br Endereço: Rua da Glória, n°. 187, sala 28, prédio da Biblioteca, Campus I. Centro, Diamantina, MG, Brasil. CEP: 39.100-000. Telefone: +55 (38) 3532-6047.

 

 

Artículo recibido en agosto 17 de 2012; artículo aceptado en octubre 31 de 2012 (Eds.)

 


Resumo:

O artigo aborda a temática Educação Patrimonial e Arqueologia, sobretudo como pode ser trabalhada em sala de aula com crianças e adolescentes da Educação Básica, tendo como meio atividades práticas e lúdicas. Parte-se do princípio que a Educação Patrimonial apresenta como uma de suas metas o fomento da autoestima em diferentes comunidades detentoras do patrimônio, suscitando questões acerca da memória, identidade e do próprio patrimônio (material e imaterial), com vista à preservação e gestão dos bens culturais. O Programa "Arqueologia e Comunidades" tem como objetivo suscitar o sentimento de pertencimento ao mesmo tempo em que possa estimular o conhecimento e valorização dos testemunhos arqueológicos, principalmente aqueles relacionados à história indígena brasileira.

Palavras-chave (Unesco Thesaurus): patrimônio cultural, educação patrimonial, arqueologia, história indígena, Vale do Jequitinhonha, Brasil.


Abstract:

The article talks about Heritage Education and Archeology, especially as this relationship can be worked into the classroom with children and teenagers in basic education, using plays and practical activities. The Heritage Education has as one of its goals the promotion of self-esteem in different communities that hold cultural heritage. It raises questions about memory, identity and patrimony (material and immaterial), for the preservation and management of this cultural property. The Education Program "Archaeology and Communities" aims to raise the feeling of the belonging, while at the same time it can stimulate the knowledge and appreciation of archaeological remains, especially those related to the Brazilian indigenous history.

Key words (Unesco Thesaurus): cultural heritage, heritage education, archaeology, indigenous history, Jequitinhonha Valley, Brazil.


Resumen:

El artículo aborda la temática de la Educación Patrimonial y la Arqueología con énfasis en el trabajo con niños y adolescentes de la educación básica por medio de actividades prácticas y lúdicas. Se parte del principio que la Educación Patrimonial tiene como una de sus metas el fomento de la autoestima en diferentes comunidades detentoras del patrimonio, suscitando cuestiones acerca de la memoria, la identidad y el propio patrimonio (material e inmaterial) con vista a la preservación y gestión de los bienes culturales. El Programa "Arqueología y Comunidades" tiene como objetivo suscitar el sentimiento de pertenencia y al mismo tiempo el conocimiento y la valorización de los vestigios arqueológicos, principalmente aquellos relacionados con la historia indígena brasileña.

Palabras clave (Thesaurus de la Unesco): Patrimonio cultural, educación patrimonial, arqueología, historia indígena, Valle del Jequitinhonha, Brasil.


 

1. Introdução

    Ensinar o respeito ao passado, mais do que sua simples valorização, é contribuir para a formação de uma sociedade mais sensível e apta a construir um futuro menos predatório e descartável, menos submetido à lógica econômica de um mercado cada vez mais voltado para os jovens, seus hábitos e seus gostos (ou a falta e a volatidade destes). É construir uma sociedade que respeite seus velhos como portadores de saberes e tradições que precisam e devem ser reinventados ou transmitidos, em sua integridade, às gerações futuras. Uma sociedade culta é uma sociedade cultivada, seja pelos meio formais da educação - a escola -a, seja pelos meios informais - a família, os mestres, as práticas sociais, etc. e será culta, no sentido mais amplo de portadora de uma cultura, na medida em que fora capaz de escolher, no passado e no presente, aqueles - objetos, signos, pessoas, tradições, etc. - com as quais quer construir sua linha do tempo no mundo. Ana Carmem Amorim J. Casco (Iphan, s/d)

O presente artigo traz parte das experiências obtidas pela equipe do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (Laep/ Nugeo/UFVJM), em programas de Educação Patrimonial (doravante EP), para crianças e adolescentes cursando a Educação Básica no município de Diamantina, estado de Minas Gerais, Brasil.

As atividades aqui apresentadas estão sendo desenvolvidas na chamada "Casa da Chica da Silva"1 (importante personagem na história colonial brasileira), atual escritório do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ministério da Cultura do Brasil (Iphan/ MinC), sendo que o quintal da residência está em processo escavação arqueológica desde setembro de 2011.

O Programa intitulado "Arqueologia e Comunidades" tem como principal meta norteadora: dar significado social e cultural para as atividades em Arqueologia desenvolvidas pelo Laep/Nugeo/UFVJM em todo o Alto Jequitinhonha, buscando inserir a comunidade nos processos de valorização e proteção do patrimônio arqueológico. Obviamente, esse objetivo (geral), se desmembrou em outros não menos importantes, a saber:

    1. Suscitar o sentimento de pertencimento entre as comunidades afetadas, seja direta ou indiretamente, pela pesquisa arqueológica, sobretudo no que diz respeito aos bens culturais relacionados às ocupações indígenas antes do contato com os europeus.
    2. Estimular o conhecimento e valorização dos testemunhos do uso e ocupação do espaço no vale do Jequitinhonha.
    3. Estimular o processo de valorização da cultura do "outro", inclusive trabalhando temáticas importantes à sociedade atual, tais como: diversidade, tolerância, diferenças étnicoculturais, pluralidade cultural, etc.

Portanto, todas as metas tiveram (e têm) com o foco o processo de sensibilização e valorização dos bens arqueológicos brasileiros (atuais, do passado colonial ou aqueles provenientes das ocupações antes do contato com europeus), mas principalmente os préhistóricos, uma vez que, diferente de outros países latino-americanos que apresentam vestígios culturais pré-colombianos monumentais, (sobretudo no que tange a arquitetura), no Brasil2 nossa herança cultural pré-histórica (indígena) está representada por fragmentos de material lítico (ferramentas de pedra), remanescentes cerâmicos (na maioria cacos), restos faunísticos, sepultamentos, bem como milhares de sítios de registros rupestres, dentre outros remanescentes.

Todos são de essencial importância para a produção de conhecimento arqueológico sulamericano, entretanto de difícil sensibilização entre as comunidades que são detentoras desse patrimônio, sobretudo porque dizem respeito às heranças indígenas, grupos culturais que, durante toda a formação nacional do Estado brasileiro, foram sobrepujados, perseguidos e renegados, em todos os aspectos de seus modos de vida e cultura3.

É notório que o Brasil é em um país plural, onde sua História foi moldada sob o olhar de uma elite (religiosa, política ou econômica) e, consequentemente, causando "a alienação das comunidades locais com sua herança cultural" (Robrahn-González, 2006, p. 171). Justamente por isso, os processos de EP devem, necessariamente, informar o que é patrimônio, em um processo de redefinição de Bem Cultural enquanto herança de uma nação. Para Funari e Carvalho (2011, p. 9):

    Como alternativa ao distanciamento entre a sociedade e seus diversos patrimônios e a consolidação das políticas da diversidade como um patrimônio, a Educação patrimonial apresenta-se como um excelente campo de ação. Não se almeja atribuir à sociedade um conhecimento enciclopédico sobre quais são seus patrimônios, datas de fundação, autores, características físicas, entre outros dados. Ao contrário, a Educação patrimonial deve agir no sentido de, democraticamente, construir diálogos entre a sociedade e seus patrimônios.

Ainda parafraseando os autores acima, é preciso construir com as diferentes comunidades o que é patrimônio e bem público, enquanto conceitos que devem adquirir significados para esses grupos, ou seja, "o indivíduo precisa compreender que esse patrimônio é importante para alguém" (Funari & Carvalho, 2011, p. 11).

Baseando-se nesses pressupostos que a equipe do Laep/Nugeo/UFVJM estabeleceu metas para o programa de EP para crianças e adolescentes, a saber:

    1. Construir com as comunidades significados culturais por meio dos vestígios arqueológicos, possibilitando a compreensão da importância da proteção, valorização e respeito (sobre) do patrimônio histórico/ arqueológico e cultural em Diamantina e região.

    2. Utilizar os métodos científicos da Arqueologia como meio de valorização da história e da memória, possibilitando e incentivando processos de inserção social, alteridade e cidadania.

    3. Permitir que o público-alvo não veja as atividades em Arqueologia como resgate do velho (de fragmentos, de lixo, etc.) que precisa ser preservado, mas como um processo de renovação da cultura, da memória e da alteridade das comunidades que compõem todo o Alto Vale do Jequitinhonha.

    4. Desenvolver uma "Arqueologia de Baixo para Cima" (Faulkner, 2000), não sendo: hierárquica, exclusivista ou elitista; mas que busque o desenvolvimento de processos de interação na garantia pela legitimidade social de todas as etapas do trabalho (campo, laboratório, gabinete e socialização).

    5. Fortalecer nas diferentes comunidades que constituem o Alto Jequitinhonha o tripé: identificação, proteção e valorização, mas indo além, isso equivale dizer, na busca pelo caminho da cidadania (pessoal, comunitária, e nacional, conforme Horta, 2003).

    6. Permitir a todos os cidadãos o acesso a sua história e cultura, não apenas aquela imposta pela elite dominante, mas do povo comum, de nossa herança indígena e africana, pois só por meio da suscitação do pertencimento é que iremos atingir a valorização, respeito e, principalmente, preservação dos nossos bens culturais (Funari e Carvalho, 2011; Cerqueira, 2008).

Buscou-se (por meio do desenvolvimento de estratégias, práticas e ações pedagógicas) a divulgação do patrimônio do Alto Jequitinhonha para alunos nos diferentes níveis escolares, dente outros membros das comunidades.

De acordo com Cerqueira (2008), essa prerrogativa vai de encontro do que se espera do desenvolvimento de práticas de EP em sala de aula, uma vez que se busca "(...) por meio de abordagem inclusiva, o fomento à autoestima das comunidades locais, estimulando o conhecimento e valorização de seu patrimônio, memória e identidade cultural. Paralelamente, busca sensibilizar as comunidades para a preservação de suas variadas formas de patrimônio material e imaterial, que constituem suportes de sua memória e identidade cultural" (Cerqueira, 2008, p. 13).

Ainda, de acordo com Horta (2003), "a metodologia da Educação Patrimonial pode ser um instrumento valioso para o trabalho pedagógico dentro e fora da escola".

O Programa de EP pretendeu, dessa forma, empreender ação educativa interdisciplinar com interfaces entre a Arqueologia e Ambiente, buscando informar diferentes grupos, em diferentes espaços sociais, o que é e qual a importância da Arqueologia regional, suscitando processos de valoração e preservação desse patrimônio enquanto práticas de educação e cidadania (Horta, 2003).

Ao resgatar a memória sócio-histórica dos diferentes grupos formadores de uma dada sociedade, garante-se às diferentes comunidades o direito a informação, bem como a possibilidade de produção e de aproveitamento dos bens culturais, condição que, certamente, irá promover a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas (Cehc, 2001). Nesse caminho, o trabalho de EP tem como foco a interação entre os atores sociais e seus patrimônios, buscando um processo ativo de troca de conhecimentos, apropriação e valorização de sua herança cultural, alinhandose, inclusive, com os paradigmas atuais relacionados à educação, tecnologia e modo de vida (Martins & Castro, 2010). Trata-se de um processo ativo pelo qual diferentes agentes que compõem uma dada sociedade interagem acerca do que e patrimônio (Bastos, 2006, p. 158, Fagundes & Piuzana, 2010).

Partiu-se do pressuposto que os alunos participantes do Programa de EP não eram "tábulas rasas" que necessitam exclusivamente do conhecimento da Universidade para delimitar e reconhecer seu patrimônio. Pelo contrário, desde o início acreditou-se na hipótese de que todos têm percepções sobre o que é o patrimônio e, assim, mantém relações intrínsecas como o mesmo.

O papel da Universidade é, portanto, o de sensibilização da necessidade de conservação do que denominamos bens patrimoniais e, em nosso caso em específico, vestígios de populações pré-coloniais que se espalham por um imenso território no interior da América do Sul. A intenção sempre foi à possibilidade de diálogo, de compreender as relações e percepções que as comunidades têm em relação ao patrimônio e, nesse sentido, capacitandoos para melhor usufruto destes bens, fato que iria a priori propiciar, a geração e produção de novos conhecimentos.

Há nessa interlocução um processo contínuo de percepção, criação e recriação num processo cultural. Busca-se a sensibilização das comunidades da importância do patrimônio arqueológico, esclarecendo as principais medidas de conservação (proteção e gestão) que podem ser assumidas.

Na verdade, fortalecer nas diferentes comunidades o tripé: identificação, proteção e valorização, mas indo além, isso equivale dizer, na busca pelo caminho da cidadania (pessoal, comunitária, e nacional. Horta, 2003), permitindo a todos os cidadãos acesso a sua história e cultura, não apenas aquela imposta pela elite dominante, mas do povo comum, de nossa herança indígena e africana, pois só por meio da suscitação do pertencimento é que iremos atingir a valorização, respeito e, principalmente, preservação dos bens culturais (Ferreira, 2011). Valorizar e preservar são atos de cidadania (Horta, 1999).

O Programa de EP aqui apresentado tem consciência da importância mais que fundamental do engajamento das comunidades não apenas em sua execução, mas em seu planejamento e gestão, em uma "Arqueologia de Baixo para Cima" (Faulkner, 2000). Nesse caso, a pesquisa busca, antes de tudo: não ser exclusivista; não ser hierárquica; valorizar a interação.

Isso equivale a dizer que se buscou o que Marshall (2002) denominou de Arqueologia Comunitária, formando entre membros das comunidades os gestores desse patrimônio, ao mesmo tempo em que permitindo que haja realmente a identificação do patrimônio arqueológico como herança, e não como algo tão distante da realidade social e cultural dessas comunidades. Buscaram-se, por meio dessa abordagem metodológica, pesquisas localmente orientadas (Faulkner, 2000), pelo qual se faz necessário o encorajamento da população; incitá-la à pesquisa, demonstrando que seus conhecimentos são necessários para o sucesso do programa. Assim, a comunidade deve estar integrada em todas as etapas: do planejamento à gestão patrimonial

 

2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO

O patrimônio arqueológico brasileiro apresenta um excelente corpo legislativo para sua proteção e valorização (Miranda, 2006), sendo o órgão federal responsável por sua fiscalização, proteção e valorização o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/MinC).

A proteção do patrimônio cultural, em especial o arqueológico, constitui-se de uma condição essencial para a conservação de dados fundamentais sobre os processos históricos e culturais de uma nação garantindo, inclusive, a consolidação de sua memória sócio-histórica, identidade e alteridade, bem como suscitando processos de valoração e preservação desse patrimônio enquanto práticas de educação e cidadania (Fagundes et al., 2011, Miranda, 2006, Magno et al., 2011).

    O patrimônio arqueológico compreende a porção do patrimônio material para o qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos primários. Engloba todos os vestígios da existência humana e interessa todos os lugares onde há indícios de atividades humanas não importando quais sejam elas, estruturais e vestígios abandonados de todo tipo, na superfície, no subsolo ou sob as águas, assim como o material a eles associados (Icomos, 1990).

    Para Miranda (2006, p.73), no Brasil:

    (...) a proteção específica para os bens de valor arqueológico surgiu com a edição da Lei n. 3924, de 26 de julho de 1961, que dispõe sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos. Até então, a proteção de tais bens ficava na dependência do tombamento (regido pelo Decreto Lei 25 /37), instituto pouco adequado à tutela do patrimônio arqueológico tendo em vista que em muitos casos a pesquisa científica necessária para o estudo dos sítios acaba por desmontá-lo integralmente, o que a rigor contraria a norma de proteção integral inserta no art.17 da Lei de Tombamento.

A Lei Federal n° 3924 de 26 de julho de 1961 é o texto mais importante, por assim dizer, dessa proteção do patrimônio arqueológico Quadro 01. Inovadora para a época e, quiçá, até os nossos dias; a Lei institui a proteção dos bens arqueológicos brasileiros, sendo estes, a partir de então, considerados bens da União e, como tais, qualquer destruição ou mutilação são consideradas crimes federais.

 

 

3. Patrimônio arqueológico no Alto Jequitinhonha

O Alto Jequitinhonha está localizado no nordeste do estado de Minas Gerais, interior do Brasil. A ocupação europeia iniciou-se em meados do século XVIII com a descoberta das minas auríferas e do diamante, atividade que perdurou até meados do XIX com o esgotamento das minas. As ocupações antes do contato, por sua vez, datam de 10 mil anos A.P., sendo que os sítios arqueológicos remanescentes destas ocupações somam algumas centenas, sobretudo aqueles com presença de arte rupestre.(Figura 1)

 

 

A região apresenta um patrimônio histórico-cultural de suma importância, representado por algumas centenas de sítios arqueológicos pré-históricos, (Linke, 2008; Isnardis & Linke, 2010; Fagundes, 2012; Fagundes et al., 2012a, 2012b); o conjunto arquitetônico significativo datado dos séculos XVIII, XIX e XX; arquitetura vernacular; sítios arqueológicos provenientes dos processos de mineração; isso sem contar com toda a expressão imaterial da cultura regional, uma das mais ricas do Brasil.

Além do patrimônio histórico-cultural, devemos ainda citar a relevância da região em termos ambientais: geológicos, de cobertura vegetal e fauna; ou seja, um riquíssimo ecossistema com vasta possibilidade de trabalhos de ensino, pesquisa e aproveitamento turístico. (Figura 2)

 

 

4. Programa de educação na casa da Chica da Silva, Diamantina, MG

Faz algum tempo que a equipe do Laep/ Nugeo/UFVJM tem desenvolvendo o programa "Arqueologia e Comunidades" (Fagundes e Piuzana, 2010a, 2010b; Fagundes et al, 2011). Com o advento da escavação do quintal da Casa da Chica4 e a iminente necessidade de esclarecer as ações desenvolvidas para a comunidade (bem como socializar o conhecimento produzido), a equipe utilizou a oportunidade para cumprir as metas da pesquisa arqueológica em todo vale do Jequitinhonha, ou seja, (01) a pesquisa acadêmica, que evidencia os remanescentes culturais e produz conhecimento por meio dele; (02) socialização do conhecimento produzido entre as comunidades afetadas pela pesquisa, esta obtida por meio dos programas de EP; (03) gestão do patrimônio cultural.

A escavação do quintal da Casa da Chica tem sido uma ação que suscita interesse e ao mesmo tempo desconfiança. Em Diamantina são comuns as histórias de tesouros enterrados (potes de ouro e diamantes) e, na residência mais famosa da cidade, esse tipo de "ocorrência" seria uma certeza entre a população. Além disso, há outras questões em jogo, a saber: (01) Sentimentos de pertencimento: o que está sendo desenterrado é da comunidade, detentora do patrimônio, portanto as pessoas devem ser convidadas a participarem do processo (Faulkner, 2000; Ferreira, 2011). (02) Indagações: Por que escavar o quintal? O que vai ser feito os remanescentes arqueológicos? Para onde ele vai? Essas questões são esperadas na pesquisa arqueológica, como bem citado por Ferreira (2011, p. 23):

    Dificilmente, portanto, nos esquivaremos dos conflitos ao fazermos pesquisas arqueológicas. Se nada está quieto, é preciso efetivamente confrontar o passado e interferir criticamente, junto com as comunidades, nos processos de constituição de identidades culturais que a Arqueologia inevitavelmente promove. Para tanto, é necessário que defrontemos, inicialmente, as ambivalências das políticas de representação do patrimônio cultural.

O planejamento da escavação do quintal da Casa da Chica foi desde o início um processo reflexivo de como levar a cabo a pesquisa com responsabilidade que se espera da Arqueologia, o respeito para a comunidade e, principalmente, efetuar ações que incorporassem conhecimentos, anseios e opiniões, enquanto direitos dos detentores do patrimônio legitimamente bens culturais da União (Brasil, 1988; Miranda, 2006).

Fato importante é demostrar para a sociedade que patrimônio vai além dos tesouros coloniais e está representado por esses bens, mas também: pela arquitetura dos grandes casarões do XVIII; pelos muros históricos; pelos pavimentos em pedras das ruas; por cachimbos em barros associados aos escravos; fragmentos de faianças inglesas ou de panelas de barros; por ferramentas de pedra associadas às ocupações pré-históricas (comuns em Diamantina e região); pelos restos de alimentos, comuns na escavação do quintal da Casa da Chica.

Neste artigo, em especial, trata-se das ações realizadas com crianças e adolescentes que cursam a Educação Básica em escolas públicas e privadas do município de Diamantina, entretanto, cabe frisar, que outras ações estão direcionadas para diferentes públicos, de forma a abranger um número cada vez maior de pessoas, seja da comunidade ou mesmo turistas que frequentam a cidade.

O planejamento das ações foi pautado nas questões acima abordadas (indagações, sensibilização, pertencimento e cidadania), onde se buscou uma compreensão pelo público-alvo das atividades de escavação arqueológica que estavam ocorrendo e a importância do resgate e salvaguarda dos remanescentes culturais.

Neste sentido, os temas da primeira etapa de EP foram: (01) o que é Arqueologia e o trabalho do arqueólogo; (02) identificação dos remanescentes culturais, seus diferentes tipos e suas importâncias.

Assim, elaboraram-se diferentes oficinas temáticas, em uma programação de aproximadamente duas horas de duração, além de visitas a exposição de bens arqueológicos regionais, intitulada "Paisagens Arqueológicas em Minas Gerais: um olhar sobre a pré-história brasileira"; e da área que está em escavação.

As crianças e adolescentes são divididas em grupos (entre 05 e 06 alunos), e acompanhadas pelos estagiários nas diferentes atividades de maneira rotativa, de modo que todos possam participar ativamente de todas as oficinas propostas.

 

5. As oficinas temáticas

Primeira atividade-visita monitorada a área de escavação

A escavação do quintal da Casa da Chica tem gerado muita expectativa entre os cidadãos da região, inclusive entre as crianças e adolescentes. Motivados pela "caça ao tesouro", muitos têm certeza que a equipe de Arqueologia está em busca de potes repletos de ouro ou diamantes.

Tem-se tratado a situação como uma oportunidade positiva, ou seja, realmente é realizada esta "caça ao tesouro", porém o tesouro pretendido está representado por fragmentos da vida em Diamantina ao longo do tempo (a partir do século XVIII), uma vez que se tem compreendido que todo e qualquer remanescente cultural é reflexo direto do comportamento humano, trazendo informações valiosas acerca do modo de vida e cultura do grupo que o produziu e o utilizou. Portanto, estes fragmentos são vestígios materiais d a História de Vida das pessoas que viveram na residência durante quase três séculos.

As oficinas programadas têm como objetivo levar a sensibilização de que cultura e a história são tesouros regionais, fundamentais para a constituição de uma sociedade realmente justa e democrática. As expectativas do público-alvo são fundamentais para que haja real interação com as atividades propostas de modo que os objetivos aqui apresentados sejam alcançados.

A visita à área em escavação é um momento que, de certo modo, causa ansiedade entre os alunos, que são motivados pela curiosidade quase que exclusivamente. Deve-se lembrar de que a Arqueologia é retratada no cinema, em livros, na mídia em geral, como uma atividade exótica. Justamente por isso, a visitação, em si, pode ser frustrante caso não haja monitoramento apropriado, levando em conta alguns itens, tais como: faixa etária, expectativas dos alunos, explicações apropriadas, etc. (Figura 3)

 

 

Para alunos dos ensinos Fundamental II e Médio (no Brasil, adolescentes entre 11 e 17 anos), a visita é precedida de uma pequena palestra (com duração máxima de 15 minutos), momento em que são feitos esclarecimentos básicos sobre qual o papel social da Arqueologia e o que é uma escavação arqueológica. (Figura 4)

 

 

Para as crianças menores é realizado um "teatro de fantoches" com explicações mais lúdicas. Busca-se uma interação maior com as crianças, de forma que possam compreender as atividades que são desenvolvidas na Casa da Chica. Deste modo, já na área de escavação, as crianças podem realizar questionamentos de acordo com suas ideias sobre a Arqueologia, ou seja, não há um roteiro, visto que se pretende corresponder às expectativas dos alunos. Tal iniciativa incita muito mais a participação.

Assim sendo, nessa atividade os estudantes são acompanhados até a área de escavação, onde é explicado todo o processo de evidenciação e coleta dos remanescentes arqueológicos. Como explicitado, o mais importante é a interação entre equipe e estudantes. O objetivo é fazer que não sejam apenas expectadores, mas que possam opinar, ter esclarecimentos, oferecer ideias, etc.

Como detentores deste patrimônio e com base no objetivo do Programa "Arqueologia e Comunidade' de construir significados culturais por meio dos vestígios arqueológicos, bem como possibilitar que as crianças e adolescentes compreendam a importância da proteção, valorização e respeito (sobre) do patrimônio histórico/arqueológico e cultural em Diamantina; o mais importante, tendo como aporte os conceitos aqui colocados, é que haja a manifestação dos participantes de modo que possam colocar suas impressões, opinar sobre e interpretar as atividades desenvolvidas pela equipe de Arqueologia e, mais importante, que possam perceber efetivamente a importância da história regional.

Como aqui fora exposto, é necessário ‘construir com' as diferentes comunidades o que é patrimônio e bem público. Estes conceitos devem ter significados êmicos e precisam ter importância para quem os detém (Funari & Carvalho, 2011).

Escavação simulada

Obviamente a atividade mais querida de todos os alunos é a possibilidade participação na escavação. Por vários motivos, principalmente segurança, não se permite a participação (há muito cacos de vidro e materiais cortantes que são evidenciados durante o processo de escavação).

Pensando em possibilitar a experiência como parte dos objetivos da EP, foi elaborada a escavação simulada, que tem como objetivo principal discutir o trabalho do arqueólogo e as técnicas de controle de dados, demostrando que o trabalho é sistemático, que há metodologia científica envolvida, ao mesmo tempo em que permite o reconhecimento e valorização do patrimônio arqueológico.

A equipe, para tanto, utilizou materiais simples para construção das quadrículas de escavação, a saber: caixas plásticas (organizadoras - com tampa); areia esterilizada; luvas e máscaras cirúrgicas; pazinhas e pincéis em plástico; pinças em metal; peneiras pequenas; baldes; cacos de cerâmica e louça; réplicas de ferramentas líticas (preparadas em laboratório); ossos; carvão, etc.(Figura 5)

 

 

Algumas providências devem ser tomadas para evitar qualquer tipo de constrangimento: (01) Todo o material é previamente esterilizado e higienizado em todos os momentos de uso. (02) A areia é esterilizada e, no final das atividades, a caixa é lacrada evitando contato com animais que possam transmitir doenças. (03) No início e término das atividades os alunos deverão lavar as mãos e utilizar álcool em gel. (04) Todas as etapas da atividade são acompanhadas por estagiários do Laep/Nugeo/UFVJM.

Assim, os alunos são colocados em dupla em cada "quadrícula", recebendo materiais que simulam os utilizados em uma escavação real. Previamente os materiais são enterrados para que os alunos possam evidenciar durante a atividade. A cada vestígio evidenciado, eles tomam nota da profundidade, características desse vestígio, se há associações, etc.

A atividade é um estímulo para os objetivos propostos para EP, uma vez que coopera sensivelmente para a motivação dos participantes, estimula os questionamentos e introduz ludicamente os princípios básicos da atividade arqueológica. Os alunos acabam por compreender que o trabalho é sistemático, com um planejamento que se inicia na escavação (que não é um fim em si mesmo), mas que a continuidade diz respeito ao papel social da Arqueologia enquanto ciência.

Oficina de arte rupestre

Um dos vestígios pré-coloniais mais comuns em Diamantina e região são os sítios de arte rupestre. São painéis geralmente pintados em vermelho localizados em abrigos sob rocha, representados por grafismos de animais, principalmente, os denominados zoomorfos, sendo as mais comuns às representações de cervídeos e peixes. Geralmente, são painéis monocromáticos (pintados em vermelho), mas há figuras em amarelo, preto e branco. Além dos cervídeos e peixes, outros animais são representados, sobretudo aves, répteis e outros mamíferos. Os antropomorfos (representações humanas) ocorrem em número muito limitado.

As comunidades regionais conhecem esse tipo de sítio e difícil àqueles que não tenham visto as "pinturas de bugre" (como são conhecidas). Pensando na conservação desse rico patrimônio regional, a atividade elaborada objetivou a compreensão do que são esses sítios e a importância para as gerações futuras.

Com uso de plástico transparente uma parede do quintal foi totalmente coberta, sendo o espaço selecionado, representando um abrigo - locais onde os grafismos foram executados. É pedido aos participantes que representem o seu dia-a-dia (cotidiano), sem utilizar signos conhecidos, como letras e números. A atividade busca esclarecer que há outras formas de linguagem além da escrita e que os grafismos rupestres são formas de expressão do modo de vida e cultura de antigas populações que ocuparam a região, bem antes da chegada dos primeiros europeus.(Figura 6)

 

 

Os resultados obtidos ficaram além das expectativas esperadas pela equipe. Há uma participação efetiva dos alunos das diferentes faixas etárias e, após a confecção do painel, diferentes interpretações são dadas, suscitando discussões atuais para nossa sociedade (respeito ao próximo, cidadania, drogas, diversidade, etc. - temas que são abordados direta e indiretamente nos desenhos efetuados), bem como a curiosidade, seguida de compreensão, de como viviam os grupos indígenas, o que queriam representar nos painéis e, principalmente, a importância de preservar esses sítios arqueológicos.

Oficina: Laboratório arqueológico

Entre os questionamentos realizados entre as crianças e adolescentes que participam das atividades, está o trabalho do arqueólogo em si. Portanto, uma das perguntas recorrentes é: como se estuda a cultura material que os arqueólogos encontram? A própria divulgação da atividade do arqueólogo na mídia, principalmente no cinema, desperta a curiosidade, uma vez que a imagem aventureira do arqueólogo é o que permanece. O contato com "cacos" e "pedras", ou seja, dos vestígios fragmentados da cultura material resgatada nas escavações pode, como já dito, ser frustrante em muitos casos.

Pensando em estimular o interesse pelos vestígios materiais, uma das oficinas planejadas foi a participação de um mini laboratório. É permitido que os participantes manuseiem em alguns vestígios arqueológicos e, com auxílio dos estagiários, realizem algumas análises (como é costumeiro em laboratório), de modo que se possam inferir algumas hipóteses, como, por exemplo: (01) Como foi feito tal objeto? (02) Para que serviu determinada ferramenta? (03) Quais informações se podem obter acerca do modo de vida do grupo que produziu determinado artefato?

Percebeu-se que o manuseio do material arqueológico foi fundamental para o entendimento do que se trata e, principalmente, o porquê da importância dos remanescentes culturais. Educar para o patrimônio é, antes de tudo, possibilitar a compreensão da importância do mesmo com bem público, como parte da história dos indivíduos que compõem uma sociedade (Funari & Carvalho, 2011; Horta, 2003). (Figura 7)

 

 

Estratigrafia arqueológica-o tempo

Há uma dificuldade muito grande para crianças e adolescentes compreenderem o conceito de tempo, principalmente quando falamos em ocupações humanas que seguem entre 10 mil anos A.P até o presente. Outros conceitos utilizados rotineiramente em Arqueologia (relacionados ao tempo), também são de difícil compreensão: passado x presente; recente x antigo; pré-história x história; etc.

Para os alunos do Ensino Fundamental II e Médio (faixa etária entre 11 e 17 anos), foi elaborado o jogo da estratigrafia arqueológica, onde imagens de vestígios materiais são dadas aos alunos, sendo solicitado que relacionem em um painel, este com divisões entre ocupações de grupos caçadores coletores; ocupações de grupos humanos horticultores ceramistas; ocupações histórias, após o contato com os europeus; e ocupações atuais.

O objetivo da atividade é trabalhar conceitos caros para Arqueologia e, até certo modo, de difícil compreensão, a saber: tempo, diversidade cultural, modo de vida, produção artefatual, aquisição e apropriação dos recursos naturais, transformação da natureza, entre outros.(Figura 8)

 

 

Jogo da cerâmica

Enquanto uma metodologia educativa para o patrimônio, a EP também busca desenvolver atos de cidadania, respeito ao outro e compreensão da pluralidade da cultura humana (Horta, 2003). A oficina cerâmica envolve uma atividade rotineira do arqueólogo que é a reconstituição de vasilhames, na busca de informações sobre técnicas de produção, uso social, etc., contudo incitando a necessidade do trabalho em equipe.

Assim, a atividade elaborada, além de buscar a facilitação da compreensão de como é o trabalho do arqueólogo, também tem como objetivo o trabalho em equipe e a cidadania.

Como material, é utilizado um vasilhame cerâmico recente que é quebrado pela equipe (obtendo-se cacos grandes), e elásticos. É solicitado para as crianças e adolescentes a remontagem do vasilhame, atividade que envolve de "várias mãos", ou seja, sem o auxílio de outros colegas, a remontagem fica quase impossível. Os alunos têm de se organizar de tal forma que só conseguem concluir a tarefa com o auxílio de todos. (Figura 9)

 

 

Jogos e atividades recreativas

Para as crianças menores, principalmente Educação Infantil e Ensino Fundamental I (Faixa etária entre 03 e 10 anos), foi elaborada uma série de jogos e atividades recreativas com foco no patrimônio.

Com uso de tintas, canetas, lápis, papel reciclado e fragmentos de rocha, várias atividades foram desenvolvidas como: pintura (papel e rocha), quebra-cabeças, caça-palavras, cruzadinhas, jogo de dados, etc. O objetivo é o reconhecimento da diversidade do patrimônio regional (dos vestígios culturais), associando-o às diferentes ocupações humanas que ocorreram na região.

Esta faixa etária exige a elaboração de atividades que promovam de modo mais didático possível os princípios básicos de EP apresentados na parte teórico deste artigo. A intenção é fomentar o interesse não apenas pelo patrimônio arqueológico, mas para todos os bens culturais que, no caso de Diamantina, faz parte do cotidiano da comunidade. O complexo paisagístico, a cidade como um todo, é um grande sítio arqueológico que remonta a História de Vida de um povo.

Logo, a valorização dos bens culturais é uma necessidade para crianças que convivem em uma cidade patrimônio da humanidade, a compreensão de que a preservação dos bens materiais (e imateriais) do passado faz parte do presente e do futuro dos cidadãos diamantinenses, constitui seus modos de vida e definem sua alteridade.

Todos os jogos elaborados focam os bens patrimoniais, mas, sobretudo, o patrimônio arquitetônico. Por exemplo, a atividade de quebra-cabeças foi elaborada focando as igrejas coloniais. Ao terminarem de montá-lo, os alunos identificam qual o nome da igreja, sua localização, o que tem mais de interessante em sua construção e lugar que se encontra no município. Do mesmo modo, cruzadinhas e caça-lavras, por exemplo, trazem informações sobre ruas ou lugares de valor histórico e cultural da cidade.

Busca-se, assim, que todos possam se apossar deste patrimônio, visto como parte da história diamantinense.(Figura 10)

 

 

Exposição arqueológica

Após a participação das diferentes oficinas, os alunos são levados em pequenos grupos para visitação a Exposição Arqueológica que ocorre em uma das salas da Casa da Chica5. A exposição apresenta vestígios culturais de diferentes grupos humanos que ocuparam a região, de caçadores coletores até as ocupações históricas mais recentes.

O roteiro planejado, iniciando da pequena palestra e passando por diferentes atividades pedagógicas (é válido frisar que nem todas as atividades foram apresentadas nesse artigo), facilitou a compreensão da exposição, havendo maior interação entre o material arqueológico exposto nas vitrines e seus expectadores (alunos). Esses vestígios deixam de ser vistos como cacos de panelas ou pedaços de pedra, mas como integrantes de uma cultura, capazes de fornecer informações valiosas de como as pessoas viviam no passado.

Nesse sentido, foi possível observar, ainda durantes as atividades, a concretização de uma de nossas metas, isto é, a sensibilização para a importância do patrimônio e, consequentemente, a busca pela valorização dos bens culturais em sua totalidade (material e imaterial), enquanto componentes fundamentais da memória, da identidade e alteridade de um povo.

 

6. Considerações finais

A EP é uma prática educativa voltada para a necessidade de sensibilizar acerca do patrimônio (material e imaterial), com isso buscando processos de valorização da cultura e História regionais, bem como meio de valorar a memória regional, reafirmando a autoestima e identidade de uma dada sociedade.

Como salientado, a EP permite práticas de educação e cidadania (Horta, 2003), indo além dos bens culturais, mas buscando a valorização do indivíduo, de sua sociedade, cultura e história. Trata-se do falado "espírito de pertencimento", que diz respeito ao sentimento de fazer parte, estar integrado à sociedade como cidadão realmente consciente de seu valor e de suas obrigações como cidadão. Sentir-se parte da complexa rede de significações que constituem a sociedade é fundamental para que realmente se alcance uma sociedade justa e democrática, com inserção social, alteridade e cidadania.

Levando em conta que a EP é uma prática que não deve ser teórica, ou enciclopedista, como tratado nesse artigo, a equipe do Laep/ Nugeo/UFVJM durante o processo de escavação do quintal da Casa da Chica, em Diamantina, estado de Minas Gerais, Brasil; buscou aliar as atividades científicas às de natureza socioeducativa, informando e sensibilizando crianças e adolescentes entre 03 e 17 anos da importância do patrimônio cultural regional, principalmente os referente às populações antes do contato com os europeus, que habitaram a região durante milênios a partir de 10 mil anos antes do presente.

A meta principal foi (e é) corroborar para a compreensão da importância do patrimônio cultural e histórico entre crianças e jovens, de forma que este público reconheça a necessidade de sua conservação para as sociedades futuras, vistos como meio de preservação da memória e valorização da cultura, sobretudo em uma sociedade onde a mudança e os novos aparatos tecnológicos fazem parte do dia-a-dia destes jovens (Martins & Castro, 2011).

Para tanto, uma programação - envolvendo várias oficinas práticas -, foi elaborada pela equipe, buscando por meio de atividades lúdicas, suscitar a compreensão da importância da pesquisa arqueológica regional e de seus resultados, não apenas para o conhecimento do modo de vida e cultura do passado, mas também como meio de valoração dos processos sócio-históricos, da ocupação e uso do espaço regional e das relações de diferentes grupos humanos com seu ambiente.

Deste modo, o planejamento das ações foi pautado nos anseios de nosso público-alvo, com vista a propiciar discussões acerca de questões voltadas ao trabalho do arqueólogo, do patrimônio e mesmo questionamentos atuais como, por exemplo, cidadania, diversidade e pluralidade cultural.

A metodologia de dividir as crianças e adolescentes em pequenos grupos por atividade (entre 04 e 05 alunos), foi eficaz, uma vez que praticamente individualizou-se o atendimento aos alunos, com a presença de dois estagiários por atividade e dois professores por grupo de 40 alunos. Os pequenos grupos formavam fóruns de discussões, onde os alunos se sentiam mais aptos para realizar questionamentos, desenvolver suas ideias e propor modificações.

Os educadores que acompanham os alunos têm aprovado as ações, deliberando a importância dessas atividades como complemento para vários conteúdos tratados em sala de aula. Trata-se de um fato importante, uma vez que como prática educativa a EP deve ser contemporânea e percorrer todas as áreas do conhecimento, seja a História, a Biologia, as Linguagens ou a Matemática.

O Programa "Arqueologia e Comunidade" continua em andamento, sendo que até o momento foi apresentado para cerca de mil crianças. Nossa meta é chegar a duas mil. Novas atividades têm sido elaboradas de forma que todas as metas sejam positivamente alcançadas.

7. Agradecimentos

A Superintendência do Iphan/MinC em Minas Gerais, em especial a equipe do Escritório em Diamantina. As escolas de Diamantina e região, que tem acreditado em nosso trabalho. Aos alunos e estagiários do Laep/Nugeo/ UFVJM.

 


Notas:

* Este artigo curto é resultado do Programa de Educação Patrimonial em Arqueologia para crianças e adolescentes, desenvolvido pela equipe do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (Laep/UFVJM), contando com apoio da Pró-Reitoria de Extensão (Proexc/UFVJM), iniciado em junho de 2010 e ainda em andamento. Área do conhecimento: Arqueologia, subárea: Educação Patrimonial.

1 Chica da Silva, ex-escrava, casou-se com o Contratador da Coroa portuguesa no distrito Diamantino (meados do século XVIII). Acabou por se tornar uma personagem, até mesmo mitológica, da história colonial brasileira.

2 Sobretudo na região central do país.

3 Em nossas pesquisas é comum ouvirmos em várias comunidades que certos remanescentes culturais não foram feitos por índios, mas por "gente". Quando reconhecem que são indígenas, há um total desprezo e estranhamento do porquê da valorização desses bens culturais.

4 Por meio de convênio assinado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que pretende evidenciar, proteger e socializar os remanescentes culturais existentes do quintal da casa, que passará em futuro próximo por reformas, estando de acordo com a Lei Federal 3924/1961.

5 Trata-se de uma exposição trilíngue (português, espanhol e inglês), que, apesar de complementar as atividades de Educação Patrimonial para crianças e adolescentes, tem servido como atrativo turístico.


 

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    Referencia para citar este artículo: Fagundes, M. (2013). Arqueologia e educação-programa "Arquelogia e comunidades" para crianças e adolescentes no Vale do Jequitinhonha, Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 11 (1), pp. 199-216.