INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, as plantas medicinais foram utilizadas, de modo alternativo, para o tratamento de distintas afecções. Assim, devido aos seus respectivos históricos clínicos e subsequentes estudos etnofarmacológicos, representam uma importante fonte de descoberta a novos fármacos atualmente [1-3].
Os óleos essenciais compreendem ao conjunto de metabólitos secundários, caracterizados por apresentar odores intensos, serem lipofílicos, voláteis e possuírem um promissor potencial farmacológico, os quais são extraídos de diversas partes da planta, mediante a técnica de arraste a vapor. A constituição química destas substâncias aromáticas diversifica-se de acordo com as espécies vegetais, entretanto, os fenilpropanóides e terpenos são os mais encontrados [4-7].
Nesse sentido, os terpenos correspondem a uma classe de compostos naturais formadas através da agregação de moléculas de isopreno (C5H8), em que são classificadas em subgrupos, sendo estes os monoterpenos (C10), sequisterpenos (C15), diterpenos (C20), terpenos ésteres (C25), triterpenos (C30) e terpenos superiores (>C30), segundo o quantitativo de unidades de isoprenos. Os monoterpenos, por sua vez, são frequentemente encontrados nos óleos essenciais, compondo 90% de sua composição. Evidenciam-se nestes fitoconstituintes uma grande variedade estrutural, dessa forma, podendo ter cadeias carbônicas alifáticas, monocíclicas [8-13].
Carveol (C10H16O) é um monoterpeno monocíclico, o qual contém em sua fórmula molecular um álcool secundário [14]. Além disso, faz parte da constituição de diversos óleos voláteis, no entanto, como produto majoritário, destacam-se Etlingera sayapensis (13, 49%) [15] e Mentha spicata L. (24, 3%) [16].
Estudos presentes no acervo científico disponível comprovam a eficácia deste fitoconstituinte como antioxidante [17], vasorelaxante [18], antinicotínico [19], antimicrobiano [20], anti-inflamatório [21], nematicida [22], anticâncer [23] e antinociceptivo [24].
Na literatura, a atividade antimicrobiana deste monoterpeno, já é discutida, entretanto, pouco se tem sobre o assunto. À vista disso, o presente estudo tem como finalidade realizar uma revisão integrativa acerca do potencial antimicrobiano do carveol.
METODOLOGÍA
Delineamento do estudo
Trata-se de uma revisão do tipo integrativa, com o propósito de possibilitar a reunião de diversos estudos, os quais incluem a uma minuciosa investigação de importantes pesquisas que contribuem para tomada de decisões e aperfeiçoamento da prática clínica [25].
Para o direcionamento do estudo foi formulado a seguinte pergunta: O carveol apresenta uma atividade antimicrobiana promissora?
Critérios de elegibilidade
Foram incluídos artigos publicados entre os anos de 2010 a 2020, sobre a atividade antimicrobiana do carveol e que tivessem sido publicados nas línguas inglesa, portuguesa e/ ou espanhola. Pesquisas realizadas em tempo cronológico desconforme do delimitado, pela qual não apresentava a atividade antimicrobiana do carveol de modo isolado, evidenciava outras atividades farmacológicas, eram revisões da literatura, livros, capítulos de livros, ou que ainda, abordassem acerca de assuntos não pertinentes ao proposto, foram excluídos.
Fontes de informação
Os artigos foram recuperados a partir das bases de dados: BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), PubMed, SciELO (Scientific Eletronic Library Online), ScienceDirect e Web of Science. O levantamento dos dados ocorreu entre março de 2020 a dezembro de 2020.
Estratégia de busca
A estratégia de busca aplicada para pesquisa nas bases de dados se deu pela utilização dos seguintes descritores e palavras-chave: "(antimicrobialactivity) AND (carveol)", "(atividade antimicrobiana) AND (carveol)", "(antifungal activity) AND (carveol)", "(atividade antifúngica) AND (carveol)", "(antibacterialactivity) AND (carveol)", "(atividade antibacteriana) AND (carveol)", "((antimicrobial activity) AND (carveol)) AND association" "((atividade antimicrobiana) AND (carveol)) AND associação", "((antifungal activity) AND (carveol)) AND association" "((atividade antifúngica) AND (carveol)) AND associação", "((antibacterialactivity) AND (carveol)) AND association" "((atividade antibacteriana) AND (carveol)) AND associação", "((antimicrobialactivity) AND (carveol)) AND Checkborad method" "((atividade antimicrobiana) AND (carveol)) AND método de Checkboard', "((antifungal activity) AND (carveol)) AND Checkborad method" "((atividade antifúngica) AND (carveol)) AND método de Checkboard', "((antibacterialactivity) AND (carveol)) AND Checkborad method", "((atividade antibacteriana) AND (carveol)) AND método de Checkboard', "((time kill kinetic assay) AND (carveol)) AND antimicrobial activity', "((time kill kinetic assay) AND (carveol)) AND antifungal activity", "((time kill kinetic assay) AND carveol) AND antibacterial activity", "(antibiofilm) and (carveol)", "(antibiofilme) AND (carveol)", "(antibiofilm activity) AND (carveol)", "(atividade antibiofilme) AND (carveol)", "fingi) AND "(carveol)", "(fungo) AND (carveol)", "(bacteria) AND (carveol)", "(bactéria) AND (carveol)", carveol* "E" antimicrobial*activity*, carveol* "E" antifungal*activity*, carveol* "E" antibacterial* activity*, carveol* "E" bacteria*, carveol* "E""fungí*, antimicrobial* activity* "E" carveol* "E" association*, antifungal* activity* "E" carveol* "E" association*, antibacterial* activity* "E" carveol* "E" association*, antimicrobial* activity* "E" carveol* "E" Checkboard method*, antifungal* activity* "E" carveol* "E" Checkboard method*, antibacterial* activity* "E" carveol* "E" Checkboard method*, antibacterial* activity* "E" carveol* "E" time kill kinetic assay*, antimicrobial* activity* "E" carveol* "E" time kill kinetic assay*, antifungal* activity* "E" carveol* "E" time kill kinetic assay*, antibiofilm activity* "E" carveol* e antibiofilm* "E" carveol*. Deste modo, para realização do método proposto, os artigos foram recuperados por um pesquisador de forma independente.
Estudos selecionados e avaliação dos procedimentos
A princípio, os títulos e resumos dos artigos encontrados, foram examinados com o intuito de averiguar os critérios de elegibilidade estabelecidos. Em seguida, ocorreu a leitura completa dos estudos selecionados na primeira etapa, os quais aqueles não qualificados, devido não atenderem o propósito do estudo, foram excluídos. Evidencia-se na figura 1, um fluxograma representando os estágios do desenvolvimento do estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 2753 artigos recuperados nas bases de dados, apenas 5 foram selecionados para compor os resultados do estudo, sendo estes, evidenciados na tabela 1.
Spanish Type Culture Collection; **Caldo Muller Hinton; ***American Type Culture Collection; ****Yeast extract - Peptone - Dextrose; *****Coleção do Laboratório de Microbiologia Clínica, Faculdade de Medicina, Universidade de Valparaíso.
Fonte: dados da pesquisa, 2020.
A atividade antimicrobiana do carveol foi verificada contra 13 (N) microrganismos presentes em distintos gêneros de bactérias (N=8) e fungos (N=5) (figura 2).
Espécies pertencentes ao gênero Candida, destacaram-se, devido serem os organismos mais estudados, apresentando um percentual de 30, 70% (N=4), subsequentes às linhagens de Escherichia e Staphylococcus, ambas com as mesmas porcentagens, correspondentes a 23, 10% (N=3).
A resistência desses micróbios aos fármacos antimicrobianos, contribuem como uma justificativa ao interesse na obtenção de novas substâncias quimioterápicas, visto que representam um problema de saúde pública, em decorrência de propiciarem ao aumento da taxa de mortalidade e morbidade. Além disso, são considerados patógenos responsáveis por ocasionar a infecções nosocomiais e oportunistas, sendo assim de grande importância clínica [30-33].
Dessa forma, para avaliação da atividade antimicrobiana do carveol é fundamental a realização de testes in vitro, através do uso de diversas metodologias, que podem ser visualizadas na figura 3.
A microdiluição (93, 20% / N=12) em caldo (MDC) foi o aplicado na maior parte dos artigos inclusos. O teste de MDC permite investigar o potencial bioativo de várias substâncias, empregando pequenas quantidades do composto em diferentes concentrações e dispondo de uma elevada sensibilidade e precisão [34,35], vantagens estas, pelas quais podem ter colaborado com relação a escolha dos pesquisadores para a mencionada metodologia.
A técnica de disco-difusão foi utilizada em apenas um estudo (7, 7%), provavelmente por ser um método trabalhoso e que requer alto custo e maior espaço em laboratório para sua execução [36].
Entretanto, ambos os procedimentos são relevantes e necessários para determinação da concentração inibitória mínima (CIM), em que é definida como a menor concentração do composto-teste capaz de inibir o crescimento visível do patógeno [37]. Os resultados a respeito dos valores da CIM estão expressos em percentagem na figura 4.
A maioria das cepas observadas nos estudos apresentaram sensibilidade ao carveol, com uma CIM correlata a valores ≤600 /µg/mL (83, 30% / N=10), seguida das concentrações ≥1500 f/g/mL (16, 70% / N=2). Portanto, o carveol apresenta atividade antimicrobiana satisfatória, tendo em vista os valores das CIM serem iguais ou inferiores a 600 /µg/mL [38,39].
Dentre os métodos pelos quais podem ser utilizados para determinação da capacidade microbicida de um produto natural ou sintético, apenas o da concentração bactericida mínima foi realizado nos trabalhos selecionados, sendo assim seus dados demostrados na tabela 2.
*American Type Culture Collection; **Concentração Bactericida Mínima; ***Ágar Muller Hinton; ****Spanish Type Culture Collection.
Fonte: dados da pesquisa, 2020.
O carveol foi efetivo a bactéria, Escherichia coli (ATCC-8739), com uma concentração referente a 250 fig/mL. O oposto se verificou nas cepas de Escherichia coli (CECT-434) e Staphylococcus aureus (CECT- 976), em que demostraram concentrações de 1500 e 2500 fig/mL, respectivamente.
A CBM compreende a menor concentração do bioativo responsável por promover a morte bacteriana. Posto isto, em tratamentos destinados a enfermos imunodeficientes, é bastante proveitoso os valores desse método [40-42]. No entanto, é necessário a realização de outros experimentos utilizando modelos animais para uma elucidação melhor da atividade antimicrobiana em organismos vivos, a fim de assegurar a qualidade e segurança da terapia nesses casos.
Outros ensaios válidos são os métodos de checkboard e o time-kill. O método de checkboard proporciona a análise do efeito antimicrobiano originado a partir da associação entre a substância testada e um fármaco antibacteriano ou antifúngico padrão [43]. Entretanto, no acervo científico disponível não foi encontrado nenhum estudo acerca da aplicação dessa metodologia com o carveol.
A técnica de time-kill, por sua vez, demostra a ação microbicida do composto testado por um período, o qual contém uma maior sensibilidade e custo [44]. Na tabela 3, pode ser verificada a cinética do carveol referente à atividade bactericida, quanto a fungicida, nenhum trabalho na literatura foi encontrado.
*American Type Culture Collection; **Ágar Muller Hinton; ***Concentração Inibitória Mínima.
Fonte: dados da pesquisa, 2020.
O carveol não ocasionou a morte de Escherichia coli (ATCC-8739) na CIM, entretanto foi bastante eficaz na concentração de 4 x CIM, o qual diminuiu o número de unidades formadoras de colônias (UFC) em 6 log10 em 2 horas, apresentando uma atividade bactericida satisfatória. É notório enfatizar também que houve a presença de uma atividade do fitoconstituinte na 2 x CIM, reduzindo a quantidade de UFC em 6 log10 em 12 horas.
Óleos voláteis e seus constituintes se classificam em dois grupos: substâncias de ação lenta e substâncias de ação rápida [45]. Deste modo, mediante a avaliação dos dados constatados na tabela 3, nota-se que o carveol é categorizado como um composto de ação rápida, podendo ser vantajoso seu emprego em terapias que se almejem uma morte imediata do patógeno.
Uma alternativa aplicada, atualmente, para avaliar o potencial antimicrobiano, é o ensaio equivalente à atividade antibiofilme, o qual pode ser visualizada na tabela 4.
Carveol expressou uma ação antibiofilme moderada frente ao bacilo, Escherichia coli (CECT-434), inibindo 52%, 54% e 56% do biofilme bacteriano nas concentrações de 2 x CIM, 5 x CIM e 10 x CIM, respectivamente. Quanto à atividade do terpeno frente à cepa de Staphylococcus aureus (CECT- 976), foi melhor, dado que apresentou percentuais de inibição maiores, sendo estes, de 52%, 60% e 67%, simultaneamente, as concentrações 2 x CIM, 5 x CIM e 10 x CIM.
Tal efeito é importante, pois o biofilme caracteriza-se como um mecanismo de autodefesa da bactéria, consequentemente, contribuindo para o desenvolvimento de sua resistência as drogas antibacterianas, o que contribui para uma piora no quadro clínico do indivíduo acometido [46].
A metodologia mais utilizada foi a de quantificação de biomassa usando cristal de violeta e UFC. Esta técnica é um método químico colorimétrico, pelo qual apresenta diversas vantagens, correspondentes à versatilidade, elevado rendimento e a não necessidade de serem destacados em um suporte, prevenindo uma contagem tendenciosa das colônias microbiológicas. Todavia, há limitações referentes à ausência da reprodutibilidade, falta de um protocolo padrão, além do procedimento poder estar relacionado a qualquer biomassa bacteriana aderida [47].
Ademais, o mecanismo de ação antimicrobiano do carveol, ainda é desconhecido. Contudo, estudos presentes na literatura tentam elucidá-los, permitindo-os descrever possíveis atuações, os quais podem ser analisados na tabela 5.
*American Type Culture Collection; **Microscopia Eletrônica de Varredura; ***Spanish Type Culture Collection.
Fonte: dados da pesquisa, 2020.
Após a obtenção e avaliação dos dados apresentados pelos estudos, foi evidenciado um consenso das hipóteses elaboradas pelos pesquisadores. Portanto, possivelmente o modo de ação antimicrobiano do carveol, dá-se mediante a sua capacidade de provocar danos à membrana celular do microrganismo (figura 5).
Provavelmente, o carveol, devido ao seu caráter lipofílico, atravessa a parede celular e interage com os lipídios encontrados na membrana plasmática do micróbio, tornando-as mais permeáveis (figura 5). A permeabilização da membrana citoplasmática bacteriana dá-se em razão da falta do triosfato de adenosina (ATP), diminuição do potencial de ação, perca de íons e colapso de ATPases, como a bomba de sódio e potássio. Além disso, coagulam o citoplasma e provocam danos à parede e membrana celular, proporcionando a vazão de macromoléculas, assim como ao rompimento da célula [48,49].
As bactérias Gram-positivas, quando comparadas as Gram-negativas, são mais vulneráveis as substâncias voláteis (como o carveol), pois são constituídas de uma camada de peptídeoglicano, embora espessa, não impossibilita a passagem desses compostos naturais; e favorecem a entrada de substâncias, através das partes hidrofóbicas dos ácidos lipoteicóicos, encontrados na membrana celular. As Gram-negativas, por sua vez, colaboram para uma limitada difusão destes produtos naturais, devido à presença de uma membrana celular externa mais complexa e resistente, sendo abundantemente formadas de lipopolissacarídeos [50].
Além dos mecanismos mencionados, nos fungos, os terpenos ainda podem promover a inibição da síntese do ergosterol. O ergosterol é um lipídeo presente na membrana plasmática destes microrganismos, sendo assim responsável pelo controle de sua fluidez e permeabilização, consequentemente, a perda desta estrutura lipídica contribuirá para o aumento da permeabilidade da membrana [51,52].
Geralmente, a citotoxicidade dos óleos essenciais ocorre, sobretudo, na existência de álcoois, fenóis e aldeídos em sua composição. Logo, a radical hidroxila pertinente ao monoterpeno estudado é fundamental a sua atividade antimicrobiana, uma vez que eleva sua lipofilicidade e é necessário para formação de ligações de hidrogênio e liberação de prótons, os quais são relevantes para acarretar a morte do patógeno [49,53].
CONCLUSÃO
Diante do exposto, foi verificado uma promissora atividade antimicrobiana do carveol, em que 13 cepas de diferentes espécies foram sensíveis ao mesmo. Além disso, Staphylococcus, Escherichia e Candida correspondem aos gêneros mais estudados.
A técnica de microdiluição em caldo compreendeu a metodologia mais utilizada para a determinação de sua ação. Em relação à CIM, para a maioria das espécies, foram excelentes. Sobre o ensaio de Time-kill, o carveol possuiu ótima performance na concentração de 4 x CIM, o qual evidenciou-se a redução das UFC em 6 log10 em 2 horas.
Nenhum estudo foi encontrado na literatura acerca da utilização do método de Checkboard. No mais, este composto teve uma boa atividade antibiofilme à bactéria, Staphylococcus aureus.
Quanto ao possível mecanismo de ação da atividade antimicrobiana do carveol, dá-se mediante aos graves danos causados nas membranas citoplasmáticas, o que promoverá a lise celular. Dessa forma, poucos estudos no acervo científico disponível abordam sobre o assunto, sendo assim necessário a realização de mais estudos in vitro e in vivo para uma melhor elucidação de sua ação.