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Revista Colombiana de Ciencias Químico - Farmacéuticas

versão impressa ISSN 0034-7418versão On-line ISSN 1909-6356

Rev. colomb. cienc. quim. farm. vol.51 no.2 Bogotá mayo/ago. 2022  Epub 20-Dez-2023

https://doi.org/10.15446/rcciquifa.v51n2.98897 

Artículos de Investigación Clínica

Determinação do risco potencial de interações medicamentosas prolongadoras do intervalo QT em idosos internados em unidade de terapia intensiva

Determination of the potential risk of QT-prolonging drug interactions in elderly patients admitted to an intensive care unit

Determinación del riesgo potencial de las interacciones farmacológicas que prolongan el intervalo QT en ancianos hospitalizados en una unidad de cuidado intensivo

Sandro Ritz Alves Bezerra1 
http://orcid.org/0000-0002-2202-4658

Danilo Donizetti Trevisan2  * 
http://orcid.org/0000-0002-6998-9166

Silvia Regina Secoli3 
http://orcid.org/0000-0003-4135-6241

1 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Correio eletrônico: sandroritz@usp.br

2 Universidade Federal de São João del Rei, Divinópolis, MG, Brasil. Correio eletrônico: ddtrevisan@ufsj.edu.br

3 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Correio eletrônico: secolisi@usp.br


RESUMO

Introdução:

Pacientes hospitalizados em unidade de terapia intensiva, em especial idosos, são particularmente expostos a interações medicamentosas prolongadoras do intervalo QT.

Objetivo:

Determinar a incidência de interações medicamentosas prolongadoras do intervalo QT potenciais (IMQT) e seus preditores clínicos e terapêuticos em idosos hospitalizados em unidade de terapia intensiva.

Metodologia:

Coorte retrospectiva conduzida em unidade de terapia intensiva adulto. Foram incluídos prontuários de pacientes com idade igual ou superior a 60 anos com tempo de internação mínimo de 24 h e que utilizaram dois ou mais medicamentos. O Credi-bleMeds foi utilizado para classificação dos medicamentos com risco de prolongar o intervalo QT; em seguida, o Micromedex foi acessado para identificar e classificar as interações medicamentosas. Preditores clínicos e terapêuticos das interações foram examinados a partir de um modelo de regressão logística múltiplo.

Resultados:

A incidência de IMQT potenciais foi de 43,9 %. Os medicamentos mais frequentemente combinados nas IMQT potenciais foram ondansetrona (25 %), quetiapina (22,5 %), amiodarona (18,6 %) e haloperidol (17,5 %). As IMQT potenciais mais frequentes foram haloperidol + ondansetrona (25,4 %) seguidas pela dupla ondansetrona + quetiapina (13,1 %). Os preditores de IMQT potenciais foram uso de polifar-mácia (p=0,002), antipsicóticos (p<0,001), antidepressivos (p< 0,001) e antiarrítmicos (p=0,002).

Conclusão:

A gestão das IMQT requer abordagem pautada em fatores de risco individuais e também, obrigatoriamente, em condutas genéricas relativas a exames bioquímicos, instalação de monitores cardíacos, eletrocardiogramas periódicos e uso de sistemas de alerta para IMQT.

Palavras-chave: Interações medicamentosas; síndrome do QT Longo; idoso; unidade de terapia intensiva

SUMMARY

Introduction:

Patients hospitalized in the intensive care unit, especially the elderly, are particularly exposed to drug interactions that prolong the QT interval.

AIM:

To determine the incidence of potential QT-prolonging drug interactions (IMQT) and their clinical and therapeutic predictors in elderly patients hospitalized in an intensive care unit.

Methodology:

Retrospective cohort conducted in an adult intensive care unit. Medical records of patients aged 60 years or older with a minimum hospital stay of 24 hours and who used two or more medications were included. CredibleMeds was used to classify drugs at risk of prolonging the QT interval; then, Micromedex was accessed to identify and classify drug interactions. Clinical and therapeutic predictors of interactions were examined using a multiple logistic regression model.

Results:

The incidence of potential IMQT was 43.9 %. The drugs most frequently combined in potential MTMI were ondansetron (25 %), quetiapine (22.5 %), amiodarone (18.6 %) and haloperidol (17.5 %). The most frequent potential MTMI were haloperidol + ondansetron (25.4 %) followed by the dual ondansetron + quetiapine (13.1 %). Potential IMQT predictors were use of polypharmacy (p=0.002), antipsychotics (p<0.001), antidepressants (p<0.001) and antiarrhythmics (p=0.002).

Conclusion:

The management of IMQT requires an approach based on individual risk factors and also, necessarily, on generic conducts related to biochemical tests, installation of cardiac monitors, periodic electrocardiograms and use of warning systems for IMQT.

Keywords: Drug Interactions; Long QT Syndrome; Aged; Intensive Care Units

RESUMEN

Introducción:

Los pacientes hospitalizados en la unidad de cuidados intensivos, especialmente los ancianos, están particularmente expuestos a interacciones medicamentosas que prolongan el intervalo QT.

Objetivo:

Determinar la incidencia de posibles interacciones medicamentosas prolongadoras del intervalo QT (IMQT) y sus predictores clínicos y terapéuticos en pacientes ancianos hospitalizados en una unidad de cuidados intensivos.

Metodología:

Cohorte retrospectiva realizada en una unidad de cuidados intensivos para adultos. Se incluyeron historias clínicas de pacientes de 60 años o más con una estancia hospitalaria mínima de 24 horas y que utilizaban dos o más medicamentos. Se utilizó CredibleMeds para clasificar los fármacos con riesgo de prolongar el intervalo QT; luego, se accedió a Micromedex para identificar y clasificar las interacciones medicamentosas. Los predictores clínicos y terapéuticos de interacciones se examinaron mediante un modelo de regresión logística múltiple.

Resultados:

La incidencia de IMQT potencial fue del 43,9 %. Los fármacos combinados con mayor frecuencia en posibles MTMI fueron ondansetrón (25 %), quetiapina (22,5 %), amiodarona (18,6 %) y haloperidol (17,5 %). Los MTMI potenciales más frecuentes fueron haloperidol + ondansetrón (25,4 %) seguido de ondansetrón dual + quetiapina (13,1 %). Los posibles predictores del IMQT fueron el uso de polifarmacia (p=0,002), antipsicóticos (p<0,001), antidepresivos (p<0,001) y antiarrítmicos (p=0,002).

Conclusión:

El manejo del IMQT requiere un abordaje basado en factores de riesgo individuales y también, obligatoriamente, en conductas genéricas relacionadas con pruebas bioquímicas, instalación de monitores cardíacos, electrocardiogramas periódicos y uso de sistemas de alerta para IMQT.

Palabras clave: Interacciones farmacológicas; síndrome de QT prolongado; anciano; unidades de cuidados intensivos

INTRODUÇÃO

No atendimento aos pacientes de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), a precocidade no diagnóstico do quadro clínico e, sobretudo o início rápido da terapêutica medicamentosa adequada encontram-se diretamente relacionados ao prognóstico favorável. Neste contexto, a existência de polifarmácia complexa representa um pilar esencial para manutenção da vida, contudo, ainda que seja uma necessidade premente, encontra-se associada a ocorrência de interações medicamentosas (IM). Esta prática representa um paradoxo em UTI, pois os medicamentos utilizados, muitas vezes, de modo simultâneo para tratar quadros clínicos coexistentes ou promover efeitos sinérgicos, podem acarretar IM as quais também têm relevância na precipitação de eventos adversos, inclusive no desenvolvimento de anormalidades da condução cardíaca e mortalidade de pacientes, especialmente idosos [1-4].

Estudos prévios que avaliaram o risco de prolongamento do intervalo QT associado ao uso de medicamentos em UTI identificaram prevalência de 15,9 a 38,8 % [4-6] de interações medicamentosas prolongadoras do intervalo QT (IMQT); antiarrítmicos, antimicrobianos, antipsicóticos, antieméticos e vasopressores foram as classes terapêuticas mais envolvidas neste peculiar tipo de IM. Deste modo, a coadministração destes e de outros medicamentos, combinada com determinados atributos de natureza individual e clínica, como doenças cardíacas pré-existentes, disfunções orgânicas, distúrbios metabólicos e choques, eleva a predisposição de IMQT e desfechos associados como taquicardia ventricular, especialmente Torsades de Points (TdP) [7, 8].

Pacientes críticos são particularmente propensos a apresentar prolongamento do intervalo QT e desfechos associados decorrentes de IMQT, especialmente idosos. Neste grupo etário, os desfechos cardíacos são mais pronunciados, sobretudo em pessoas debilitadas, sendo fundamental a identificação de fatores de risco a fim de minimizar a probabilidade de ocorrência de TdP induzida por medicamentos e implementar medidas de monitoramento do paciente [9, 10]. Deste modo, o objetivo deste estudo foi determinar a incidência de interações medicamentosas prolongadoras do intervalo QT potenciais e os preditores clínicos e terapêuticos destas interações em idosos hospitalizados em unidade de terapia intensiva.

METODOLOGIA

Desenho e local do estudo

Coorte retrospectiva conduzida em UTI clinicas e cirurgicas de um complexo hospitalar de nivel quaternario da capital de Sao Paulo, Brasil. Neste servico, os atendimentos sao integralmente executados pelo Sistema Unico de Saude (SUS). A elaboracao deste estudo foi norteada pelas diretrizes do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) [11]. O estudo foi aprovado pelo Comité de Etica em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de Sao Paulo (parecer 222-565). Todos os procedimentos deste estudo atenderam a resolucao do Conselho Nacional de Saude e os principios contidos na Declaracao de Helsinque de 1975.

Participantes

Foram incluídos prontuários de pessoas com 60 anos ou mais de idade (definição de acordo com o Estatuto do Idoso brasileiro) [12], que permaneceram hospitalizados por, pelo menos, 24 h em UTI e que utilizaram dois os mais medicamentos. Escolheu-se incluir prontuários após 24 h de internação pelo fato da prescrição já se encontrar ajustada quanto aos medicamentos e doses para o tratamento do paciente. Excluíram-se os prontuários com dados incompletos ou ilegíveis. A coorte foi censurada na vigência de alta da UTI ou óbito.

Coleta de dados

Os dados foram obtidos do banco de dados do estudo "Segurança do paciente em unidades de terapia intensiva: influência dos fatores humanos de enfermagem na ocorrência de eventos adversos" [13]. Foram coletados dados demográficos (gênero e idade), clínicos (tipo e tempo de internação, número de comorbidades, níveis séricos de potássio, alta ou óbito) e de perfil medicamentoso (número e nome de medicamentos prescritos). A variável dependente foi a ocorrência de IMQT potencial, ou seja, que representou a possibilidade teórica de uma interação medicamentosa ocasionar prolongamento do intervalo QT.

Os medicamentos identificados nas 1950 prescrições coletadas durante a coorte foram inicialmente classificados segundo o risco de TdP. Para isso, utilizou-se o Credible-Meds® do Centro de Educação e Pesquisa em Terapêutica (AZCERT) da Universidade do Arizona[14]. Este sistema on-line analisa evidências clínicas disponíveis e classifica os medicamentos com base no risco de prolongar o intervalo QT e TdP a saber: medicamentos com risco "conhecido", risco "possível" e risco "condicional" de TdP. Além disso, há a categoria de medicamentos que devem ser evitados por pacientes com QT longo congênito, denominada de risco especial [14].

Posteriormente, os medicamentos foram inseridos no drug-reax®, ferramenta da base de dados eletrônica Micromedex Healthcare Series, para identificar IMQT potenciais. O drug-reax® classifica as IM segundo gravidade ("contraindicada", "maior", "moderada" e "menor"), evidência científica (excelente, boa, razoável, desconhecida), tempo de início (rápido, tardio ou não especificado) e impacto clinico (prolongamento do intervalo QT) [15].

Análise estatística

A análise dos dados foi realizada pelo Software R (https://www.r-project.org). A distribuição das variáveis contínua foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk e os dados apresentaram distribuição normal. O teste t de Student foi utilizado para comparar a média de medicamentos entre os grupos. As comparações entre grupos de variáveis categóricas foram realizadas por meio do teste Qui-quadrado de Pearson. Os preditores clínicos e terapêuticos das IMQT foram examinados a partir de um modelo de regressão logística múltiplo. O teste de Hosmer-Lemeshow foi usado para avaliar o ajuste do modelo. As variáveis independentes com p≤0,20 na análise bivariada foram incluídas no modelo de regressão logística múltiplo utilizando o procedimento stepwise backward. O critério para inclusão das variáveis foi p-valor inferior a 0,20 nas análises univariadas. Para obtenção do modelo final, os coeficientes ajustados foram apresentados com seus intervalos de confiança de 95 %. Considerou-se nível de significância de 5 %.

RESULTADOS

Características da amostra

A figura 1 ilustra o fluxograma do estudo. Dentre os idosos expostos à totalidade de IM, verificou-se uma incidência de 43,9 % de pacientes com IMQT potenciais.

Figura 1 Fluxograma de idosos hospitalizados em UTI expostos às Interações medicamentosas prolongadoras do intervalo QT. 

Na tabela 1 são apresentadas as características demográfico-clínicas e de regime terapêutico dos idosos. A proporção de pacientes com potencial de apresentar IMQT foi maior entre aqueles que apresentaram níveis de potássio sérico ≤3.5 mEq/l, faziam uso de polifarmácia, utilizaram um ou mais medicamentos com potencial de prolongar o intervalo QT, com destaque para antipsicóticos, antidepressivos, antibióticos, antiarrítmicos e antieméticos.

Tabela 1 Características demográfico-clínicas e perfil do regime terapêutico dos idosos segundo potencial de apresentar interações medicamentosas prolongadoras do intervalo QT. 

Dados expressos como frequência (f) e porcentagem (%). IMQT: Interações medicamentosas prolongadoras do intervalo

QT; † Teste qui-quadrado; * p valor para diferença estatística significativa.

Por meio do teste t de Student, identificou-se que a média de medicamentos (12,31 ±7,06) no grupo de idosos com potencial de apresentar IMQT foi maior em comparação ao grupo exposto a apenas outros tipos de IM (6,10 ±4,18; p<0,001).

Perfil do regime terapêutico

Foram identificados 185 medicamentos distintos, cuja maioria (79,5 %; n=147) apresentou características que predispõe a ocorrência de IM. Dentre estes, 54,4 % (n=80) eram substratos para as enzimas do Citocromo P450 (inibidores ou indutores enzimáticos) e 42,9 % (n=63) eram medicamentos com alta ligação a proteínas plasmáticas. Aproximadamente um quinto dos medicamentos prescritos (21,1 %; n=39) eram prolongadores de intervalo QT. Destes, 41,1 % (n=16) apresentou risco "condicional" e 33,3 % (n=13) risco "conhecido" de causar TdP. Os medicamentos de risco "conhecido" de causar TdP mais frequentemente prescritos foram os antipsicóticos haloperidol (19,8 %) e quetiapina (13,1 %).

Interações medicamentosas potenciais prolongadoras do intervalo QT

Foram identificadas 86 IMQT, das quais 93,0 % (n=80) apresentou gravidade "maior" e 7,0 % (n=6) "contraindicada". A totalidade das IMQT "contraindicada" apresentou início de efeito "não especificado" e, em 50 % delas a qualidade da documentação foi "razoável". Entre as IMQT de gravidade "maior", a quase totalidade (95 %) apresentou início de efeito "não especificado" e qualidade da documentação "razoável" (95 %).

Os medicamentos mais frequentemente combinados nas IMQT potenciais de gravidade "maior" e "contraindicada" foram ondansetrona (25 %), quetiapina (22,5%), amiodarona (18,6 %) e haloperidol (17,5 %). Dentre as duplas de IMQT que incluíram amiodarona, a maioria das combinações (87,5 %) ocorreu com medicamentos precipitadores de prolongamento de intervalo QT de risco "conhecido" e "condicional". Dentre as duplas que incluíram antipsicóticos, em mais da metade (58,3 %) das IMQT verificou-se coadministração com medicamentos prolongadores do intervalo QT de risco "conhecido" e "condicional" As IMQT mais frequentes na amostra foram haloperidol + ondansetrona (25,4 %) seguidas pela dupla ondansetrona + quetiapina (13,1 %) (tabela 2).

Tabela 2 Interações medicamentosas prolongadoras de Intervalo QT mais frequentes, segundo gravidade e número de idosos expostos. 

Dados expressos como frequência (f) e porcentagem (%). M: maior; CI: contraindicada.

Quanto a exposição dos idosos às IMQT, verificou-se que maioria deles (77,7 %) foi exposta a uma IMQT de gravidade "maior" e 3,1 % a uma única IMQT "contraindicada". Observou-se que 20,8 % da amostra foi exposta a IMQT de gravidade "maior" e "contraindicada" de modo simultâneo. Os preditores de IMQT foram uso de polifarmácia (0,002), antipsicóticos (p<0.001), antidepressivos (p<0.001) e antiarrítmicos (p=0,002) (tabela 3).

Tabela 3 Modelo de regressão logística múltipla para prever os preditores de interações medicamentosas prolongadoras de intervalo QT em idosos hospitalizados em terapia intensiva. 

IC: Intervalo de confiança; * p valor para diferença estatística significativa.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Este estudo possibilitou a identificação de duplas de medicamentos potencialmente prolongadoras de intervalo QT e seus respectivos preditores; achado que representa uma etapa primordial na prevenção de arritmias e TdP induzidas por medicamentos em UTI. Todavia, algumas limitações restringem a generalização dos achados. Os dados foram oriundos de um hospital de ensino de nível quaternário, que apesar do uso dos medicamentos ser baseado em guidelines internacionais podem não representar UTIs de hospitais de níveis distintos de atenção. Dada a natureza retrospectiva dos dados, não foi possível capturar eletrocardiogramas, aspecto que inviabilizou verificar a causalidade das IM e determinar a associação entre exposição às IMQT com Torsades de Points. A variável nível sérico de potássio encontrava-se categorizada (níveis séricos < 3,5 >) no banco de dados, fato que interferiu na análise desta, limitando a exploração da influência potencial do potássio na ocorrência das IMQT.

Neste estudo a incidência de IMQT potencial foi de 43,9%, superior em relação a investigações prévias [5, 6, 16, 17]. As IMQT podem ocasionar arritmias potencialmente fatais, especialmente na vigência da sobreposição de fatores de risco adicionais como idade avançada, instabilidade hemodinâmica e uso de polifarmácia complexa, atributos observados nesta coorte [1, 3].

Idade avançada é um preditor para IM, independente da gravidade, especialmente quando sobrepostas a instabilidade hemodinâmica, aspecto que pode agravar a alteração de volume de distribuição, o déficit de perfusão de órgãos e a redução do clearance de medicamentos, expondo os idosos a maior toxicidade dos medicamentos [18]. Associado a esse preditor, autores são unânimes em afirmar que o risco de IM também aumenta de acordo com o número de medicamentos [19, 20]. A média de medicamentos prescritos nesta coorte foi superior no grupo que apresentou IMQT potencial sendo que a maioria destes idosos recebeu dois ou mais medicamentos prolongadores de intervalo QT e substratos do sistema enzimático do citocromo P450, características que tendem a aumentar a gravidade da IMQT. Evidências mostram que estas variáveis contribuem de modo importante para a ocorrência deste tipo particular de IM e desfechos negativos como arritmias e morte súbita [21, 22].

Em consonância com estudos prévios, as IMQT potenciais mais frequentes, independente da gravidade, incluíram medicamentos com capacidade intrínseca de causar prolongamento do intervalo QT, como amiodarona, ondansetrona e antipsicóticos, agentes que integram regimes terapêuticos comumente usados em pacientes críticos [4-6, 23-25]. Deste modo, não foi ao acaso que antiarrítmicos, antidepressivos e antipsicóticos foram preditores de IMQT. O paradoxo é que estas classes terapêuticas que parecem ser fundamentais para determinados quadros clínicos em UTI também foram as que mais envolveramse em IM precipitadoras de TdP e foram associadas ao prolongamento do intervalo QT em diferentes contextos assistenciais [1-4, 21, 26-28].

Apesar do reconhecido efeito da amiodarona de prolongar o intervalo QT e da poten-cialização deste pelo uso concomitante de outros medicamentos com risco para TdP, autores são coesos acerca da ampla utilização deste medicamento como eixo fundamental da terapia antiarrítmica em pacientes críticos [23, 29, 30]. Nestes pacientes, a ocorrência de arritmias supraventriculares encontra-se associada a prognóstico desfavorável no choque séptico, por isso a importância do uso deste antiarrítmico.

Antipsicóticos foram os medicamentos de "risco conhecido" de ocasionar prolongamento do intervalo QT mais prescritos na amostra, em consonância com estudos prévios [21, 25]. Possíveis explicações para este achado é o fato de agitação e delirium serem quadros clínicos frequentes em UTI, sobretudo em idosos [30]. Nestes pacientes, o manejo farmacológico, especialmente com haloperidol e quetiapina, representa uma estratégia para garantir a segurança uma vez que este fenômeno se encontra associado a diversas complicações como extubação acidental, remoção de cateteres, dependência prolongada de ventilação mecânica e aumento do tempo de internação [31-33].

O uso de antidepressivo da classe dos tricíclicos e inibidores seletivos de recaptação de serotonina também elevou o risco de potencial IMQT. Antidepressivos tricíclicos são capazes de bloquear canais de sódio, propriedade similar aos antiarrítmicos da classe 1 e cujo efeito resulta no alargamento do complexo QRS, com consequente prolongamento do intervalo QT [34]. Estudos reportaram que antidepressivos tricíclicos e inibidores seletivos de recaptação de serotonina foram associadas ao prolongamento do intervalo QT, independente de co-administração com outros agentes [35, 36].

Estes preditores de IMQT pertencentes a diferentes classes terapêuticos apresentam em comum o fato de bloquear, por diferentes mecanismos, os canais de potássio e afetar repolarização cardíaca [37]. Deste modo, pode não ter sido acaso a identificação do potássio sérico com valor estatisticamente limítrofe no modelo regressão. Esta variável, apesar de quantitativa continua, foi analisada de modo categórico, limitando a exploração do achado e das possíveis associações entre os níveis de potássio e IMQT.

As IMQT potenciais, apesar de integrar o rol de desfechos adversos, especialmente de natureza cardíaca, parecem ocorrer, muitas vezes, como efeito colateral do regime terapêutico de base, e cujos medicamentos não podem ser simplesmente substituídos pelo potencial de ocasionar prolongamento do intervalo QT. Deste modo, no âmbito das UTI, o julgamento crítico da equipe de saúde, em conjunto com o uso de escore de risco individual para TdP, o monitoramento dos níveis séricos de eletrólitos e a realização de eletrocardiograma, durante toda a internação, são fundamentais para promoção da segurança no uso destes medicamentos.

CONCLUSÕES

Os achados evidenciam que a atividade prescritora de classes terapêuticas preditoras de IMQT parece ser interdependente em UTI. A coexistência de condições clínicas, na maioria das vezes críticas, requer a coadministração de determinados medicamentos, seja pela coadjuvação recíproca, seja para tratar quadros simultâneos ou controlar eventos adversos causados pela terapia medicamentosa que o paciente recebe. Deste modo, ainda que haja a necessidade de ponderar o benefício, que deve ser pautado nos fatores de risco individuais, condutas genéricas relativas a exames bioquímicos e eletrocardiograma expressam condutas obrigatórias.

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COMO CITAR ESTE ARTIGO S.R. Alves-Bezerra, D. Donizetti-Trevisan, S.R. Secoli, Determinação do risco potencial de interações medicamentosas prolongadoras do intervalo QT em idosos internados em unidade de terapia intensiva, Rev. Colomb. Cienc. Quím. Farm., 51 (2), 881-898 (2022). Artigo de pesquisa clínica / http://dx.doi.org/10.15446/rcciquifa.v51n2.98897

Recebido: 09 de Outubro de 2021; Revisado: 28 de Dezembro de 2021; Aceito: 04 de Janeiro de 2022

*Autor para correspondência

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores não relatam nenhum conflito de interesse.

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