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Ideas y Valores

Print version ISSN 0120-0062

Ideas y Valores vol.61 no.148 Bogotá Jan./June 2012

 

HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE: DA INTENÇÃO À INTELIGÊNCIA EMOTIVA PELAS IDEIAS

Humanización de la salud: de la intención a la inteligencia emocional por las ideas

Health Humanization: From Intention To Emotive Intelligence According To Ideas

 

RAMIRO D. BORGES DE MENESES*
JOSÉ H. SILVEIRA DE BRITO**
Universidade Católica Portuguesa Centro Regional do Porto e Centro Regional de Braga - Portugal
*borges272@gmail.com
**jhsilveirabrito@gmail.com

Artículo recibido: 27 de abril de 2011; aceptado: 28 de junio de 2011.


RESUMO

O chamado fenómeno emocional encontra-se presente no domínio da Humanização em Saúde, onde há uma relação entre os valores e a sua fenomenologia, que é fundamental para a humanização. Na humanização aparece a relação entre as ideais clínicas, e não só, com os seus e outros valores.

Palavras-chave: emoções, humanização, Saúde.


RESUMEN

El llamado fenómeno emocional se encuentra presente en el dominio de la humanización en salud, donde hay una relación entre los valores y su fenomenología, que es fundamental para la humanización. En la humanización aparece la relación entre las ideas clínicas y no solo con los suyos y otros valores.

Palabras clave: emociones, humanización, salud.


ABSTRACT

The so-called emotional phenomenon is to be found in the field of Humanization of Health care, where there is a relationship between values and their phenomenology, which is vital to humanization. Humanization entails a relationship that is not exclusive between clinical ideas and its own and other values.

Keywords: emotions, health, humanization.


Introdução

Fazendo apelo à fenomenologia axiológica de Max Scheler, a pessoa é o "lugar" onde os "valores" se manifestam, apresentando-se como centro substantivo de um juízo axiológico. De acordo com esta expressão fenomenológica, a pessoa implica um a priori emotivo (1966).

Segundo M. Scheler, a relação interpessoal apresenta-se pelo topós da experiência axiológica, visto que é na relação com o "outro", que cada um se torna consciente no seu valere. Assim, graças à "em-patia" pela dia-lógica, resulta a "sim-patia", rompendo a pessoa humana a sua incomunicabilidade (1973 107).

O autenticamente humano, tal como se revela na humanização hospitalar, não se traduz, segundo a axiologia scheleriana, tanto na realização da bonitas, quanto no "Liebe", segundo o qual o real será "amado" no homo dolens. Logo, a experiência do bem manifesta-se tão somente através do "auf dem Rűcken". Desta sorte, a ordo amoris é a categoria emocional a priori, que ordena a vida e dá corpo e forma à humanização em saúde, porque comporta a intensificação e o enriquecimento do mundo emocional (cf. Díaz 173-175). Aqui, a pessoa reduz-se à unidade de diversos actos, que são dados, não de forma ontológica, mas segundo uma forma empírica da experiência, implicando a pessoa como "unidade de experiências", resultando uma união fenomenológica, onde se manifesta o "valor ético". A pessoa experimenta-se como fonte dos valores éticos e um misto de inteligência e de emoção.

O "ethós" clínico, pelo pensamento de M. Scheler, reduz-se à disposição dos valores morais no conteúdo da vida emocional, que supõe um a posteriori. A pessoa, para a fenomenologia axiológica, limita-se a registar e secundar a emotio, sem a mediação do seu querer e sem um juízo axiológico sobre o velle, exercido com inteligência emotiva.

O agir ético dirige-se para o real sem que a persona-agens seja adequada à racionalidade paranética (cf. Díaz 45-60). Toda a humanização hospitalar é a revelação de hierarquias axiológicas que participam do in interiore boni hominis. Tal como na humanização in genere e, na pessoa, sub specie, esta não será uma substantia individua rationalis naturae, porque esta reflexão de Boécio só traduz os elementos ontológicos.

Segundo a axiologia, a pessoa reduz-se à unidade de diversos actos que são dados, não de forma ontológica, mas segundo uma forma empírica da experiência, implicando a pessoa como "unidade de experiências", resultando numa união fenomenológica, na qual se manifesta o "valor ético". A pessoa experimenta-se como fonte de valores.

Mas, o locus in fieri, onde está presente esta fonte axiológica, radica na humanização em saúde, porque aqui o homo dolens está entre a morte e a sobrevivência onto-teleológica.

Segundo K. Wojtyla (João Paulo II), a experiência humana é a "experiência da acção", onde se manifesta a humanização (260).

A humanização em saúde, pelo "auf dem Rűcken" de M. Scheler, resulta de ser uma "Taetigkeit der Einheit", que se co-experimenta em todo o acto vivido. A humanização é resultante do agir ético por meio de uma intenção emotiva, que permite um ordenamento axiológico de pautas de conduta (externas e internas) para o bonum do Homo dolens. O fundamento axiológico da humanização está no "auf dem Rűcken" (cf. Díaz 176-177).

Humanizar constitui uma exigência ética, que provem do respeito pela dignidade humana, revestindo-se esta como o "leit-motiv" da axiologia iatrológica para o aegritudinis bonum, que está na salus, deusa do "bem-estar", segundo a mitologia romana.

Qualquer processo de humanização passará pelas relações interpessoais, na assistência sanitária, nos grupos que planificam programas e serviços nos colectivos clínicos, que tomam decisões, no meio dos dilemas éticos, quando se desenham políticas de gestão (empresarial ou não, para hospitais públicos ou privados) ou de protecção da vulnerabilidade e/ou da dependência ou da promoção da saúde, independentemente dos custos da saúde.

Dado que a humanização não pode escapar à relação interpessoal dada a nossa condição de homo socius, segundo A. Compte, e pelo complexo emaranhado de relações que se operam no mundo da saúde, convidam-nos a entrar no âmbito dos sentimentos da humanização (cf. 5-17).

A importância dos sentimentos, na humanização em saúde, não é desdenhável. Destes, em boa medida, depende a tomada de decisões, no meio de conflitos ou de dilemas éticos, caindo, com frequência, numa atitude emotivista. Estes impregnam o estilo relacional das equipas de saúde, interferem nas relações entre os agentes sanitários e nos processos terapêuticos, bem como nos juízos éticos.1

Nestes últimos anos, da "inteligência emocional" fala-se muito, desde a sua importância e aplicabilidade, até ao sentido que aporta à humanização em saúde. Há, mesmo nesta, uma distância entre a inteligência académica, que não oferece a menor preparação para a multiplicidade de problemas/dificuldades, que impliquem ou não uma resposta, e, ainda, oportunidades, que a vida clínica coloca aos seus profissionais.

Daniel Goleman (1997a 68) salienta que o grau de domínio que uma pessoa alcança pelas capacidades académicas torna-se decisivo para determinar o "motivo" pelo qual certos indivíduos prosperam na vida, enquanto que outros, com um nível intelectual similar, estão numa situação sem saída. Assim, a "competência emocional" constitui uma "meta-habilidade", que determina o grau de destreza, que alcançaremos no domínio de todas as outras faculdades, que possuímos.

Também poderemos falar, na humanização, em saúde, em organizações emocionalmente inteligentes, por se poder tratar de algo que poderá parecer o "lado brando" da organização, que terá as suas consequências "duras" sobre a produção e a segurança da mesma. Entretanto, no caso da saúde, poderão surgir consequências relevantes (cf. Goleman 1999 408).

A relação entre o utente do sistema de saúde e aquela que se produz, entre os mesmos membros das equipas, que planificam e prestam os serviços terão de ser portadores de uma boa dose de "inteligência emocional". Este elemento emocional é relevante no mundo da humanização.

Os profissionais de saúde estão acostumados a encontrar-se com "emoções intensas" no exercício clínico. Estes nem sempre as orientam e controlam da melhor maneira, porque tão pouco foram preparados na "inteligência emocional", para permitir um melhor relacionamento médico-doente.2

O sentimento está sempre presente na humanização. Esta depende em grande medida daquele. Mas, a visualização do sentimento na humanização depende de qualquer posição filosófica.

David Hume assume que os juízos éticos não poderão ser juízos da razão, porque esta sozinha não nos impulsiona ao agir, segundo a falácia naturalista, que, também, está presente na humanização em saúde.

A moralidade pertence mais à esfera do sentimento, do que à do "juízo prático" e os sentimentos são de aprovação ou desaprovação (cf. Marina e López 51). Mas, o mais destacado defensor da moral do sentimento foi A. A. Cooper, para quem existe uma faculdade moral, inata, que nos induz a julgar as nossas acções e seus motivos. O sentimento moral encontra-se na constituição natural do homem.

Também A. Smith pensava que a moral consistia num sentimento de compaixão e, assim, nos poderemos pôr no lugar do outro. Segundo a sua teoria dos sentimentos morais, por mais egoísta que se suponha ser o homem, há elementos da sua natureza, que o tornam interessado na sorte dos seus semelhantes.

Na verdade, a lástima ou a compaixão denotam a nossa condolência pelo sofrimento alheio, muito embora seja um sentimento pagão e, logo, não cristão.3

Cada momento do sentimento e da inteligência emocional, nas mais variadas perspectivas filosóficas, desde a utilitarista e pragmática, até à personalista e existencialista, acordam numa perspectiva para a humanização em saúde.

A inteligência emocional, para D. Goleman, é a capacidade de uma pessoa manejar, competentemente, uma série de capacidades e habilidades, estreitamente relacionadas com as atitudes.

Entre as habilidades emocionais incluem-se a consciência de si, a capacidade para identificar, expressar e controlar os sentimentos, a habilidade para controlar os impulsos e capacidade de manipular as sensações de tensão e de ansiedade, a capacidade para conhecer não só a diferença entre sentimentos e acções, bem como a adopção das melhores decisões emocionais, controlando o impulso para actuar, identificando as distintas alternativas de acção e suas possíveis consequências (cf. Goleman 1997a 400).

Algumas destas capacidades são pessoais e outras são marcadamente interpessoais, como: a capacidade de interpretar adequadamente os sinais emocionais e sociais de escutar, resistir a influências negativas, assumir a perspectiva de outros e compreender a conduta mais apropriada a uma situação determinada. Goleman elaborou um diaporama com os ingredientes da competência emocional (cf. 1999 50-51).

Segundo a parábola do Bom Samaritano, "aproxima-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho" (Bíblia Sagrada, versão dos textos originais, Luc. 10, 39). Dependendo de quem considere necessária a actuação "imediata" poderemos diferenciar entre a urgência objectiva, na qual é o médico que decide o que há-de fazer imediatamente e a urgência subjectiva, pela qual será o doente e seus familiares ou responsáveis legais, criando necessariamente a actuação imediata.

O imediato está no presente e este é o instante fundamental da temporalidade. Mas, o "imediato" nasce ontologicamente da necessidade. A humanização é uma necessidade ôntica de cuidado, onde se manifesta o urgere a bem da proximidade do doente. Costumase distinguir entre urgências e emergências ou urgências vitais. Considerando estas últimas, como situações com risco eminente de vida, obrigam-se a pôr em marcha recursos e meios especiais, tais como o ingresso numa Unidade de Cuidados Intensivos, etc.4

O termo e conceito de emergência procede de uma incorrecta tradução do anglicanismo emergency (urgência). Mas, o termo propagou-se e é amplamente usado pela classe médica, de forma especial na urgência extra-hospitalar. Assim, a desumanização afecta os serviços de urgência hospitalar em virtude da sobrecarga de doentes com patologias não urgentes, que se solucionariam com uma urgência fora do hospitalar: SAP (Serviço de Atendimento Permanente) e o melhoramento dos cuidados primários de saúde.

Vários factores influenciam numa afluência desnecessária ao Serviço de Urgência Hospitalar; uma fundamental é que só 20% dos doentes vêm referidos por um médico, indo os restantes por iniciativa própria. Daqui resulta que a procura de cuidados hospitalares urgentes é enorme e crescente. Mas, muitas das vezes, participa da imediatez e da necessidade ônticas.

A humanização, no horizonte do "imediato", significa-se numa urgência pela temporalidade e pela necessidade.

Fazendo apelo à existência do ser humano como Da-Sein, M. Heidegger pretende decifrar, na extensão temporal deste, um possível ponto de partida, para aquilo que será adequado (saúde) e não adequado (doença) ao homem, proporcionando-lhe viver a 'Eigentlichkeit', como se define na humanização, ultrapassando uma possível inautenticidade (uneigentlichkeit). Passando em vista a humanização, em saúde, o "imediato" poderá arrastar-nos para a vivência do anonimato. O ser humano (doente), como Da-Sein, perde toda a possibilidade de experimentar o que lhe é mais próprio e torna-se uma mera armação Gestell, empobrecida e alienada, por qualquer caminhada, para o seu "si mesmo" desnudado da autenticidade. A humanização hospitalar oscila entre a autenticidade (tese) e inautenticidade (antítese), tendo como síntese o anonimato das doenças e dos doentes em virtude da "imediatez" (cf. Seybert 384-387).

Os componentes da inteligência emocional estão presentes numa pessoa (doente, médico, etc.) tornando-a "competente" no desenvolvimento dos sentimentos próprios e dos alheios e provocam influência nas atitudes, nos juízos ético-axiológicos e no discernimento no meio dos dilemas e dos conflitos. Vários autores consideram a "competência emocional" como habilidade ou capacidade para conhecer e tratar com o ambiente dos sentimentos, no caso concreto dos serviços de saúde (cf. Gilbert e Connolly 93).

Muitas vezes, é necessário entrecruzar os próprios sentimentos para ser capaz de acompanhar a integração dos sentimentos do ajudado.

A "competência social" é um dos elementos dominantes na Humanização em Saúde. Esta competência caracteriza-se por um factor psicológico, denominado "empatia", segundo Titchener, Leps e Rogers, e não no âmbito fenomenologico de E. Stein.

Compartilhar a dor do Outro, poderá ser o ponto de partida do que etimologicamente significa 'simpatia' (padecer com), como uma disposição que levaria a aprovar ou desaprovar o sentimento de impotência vivido por ambos.

Parece não ser possível a neutralidade afectiva em pessoas minimamente sensíveis. Onde está o equilíbrio? O equilíbrio está na atitude empática, da qual, muitas vezes, pouco se entende.

A empatia exige introduzir-se no mundo do paciente, mas não de forma que anule a distância, nem seja uma dissolução do Eu pessoal no Eu alheio (doente) ou vice-versa.

A empatia, na linha da psicologia, é uma capacidade para perceber correctamente o que experimenta outra pessoa (doente) e comunica esta percepção com uma linguagem acomodada aos sentimentos do ajudado. O profissional de saúde empático é capaz de comunicar, clara e explicitamente, os sentimentos que o paciente experimenta e, em alguns casos, de forma difusa e ambígua. Sempre que o profissional de saúde percebe os sentimentos e significados pessoais, que o doente experimenta, em cada momento, quando os percebe "por dentro", como os percebe o doente e é capaz de comunicar-lhe uma parte dessa compreensão surge, então, a empatia (cf. Bermejo 1993 35).

Assim, surge a capacidade de adoptar o ponto de vista do paciente e o seu marco de referência, de ver as coisas a partir do seu ponto de vista, para captar o impacto que possuem sobre ele, de o compreender e de lhe fazer experimentar que a nossa compreensão se ajusta à sua experiência (cf. Rogers 65).

A aceitação daquilo que o ajudado vive, segundo refere Rogers, não significa nada senão implicar uma compreensão. Assim, a empatia é, pois, uma penetração no mundo dos sentimentos alheios, permanecendo cada doente, ele mesmo. Esta, segundo Casera, deverá apresentar-se como um processo, cuja análise das fases nos permitirá compreender melhor o equilíbrio entre a implicação e a distância afectiva (cf. 49-51).

Numa primeira fase, que se salienta como sendo de identificação, o profissional de saúde coloca-se na melhor atitude para "escutar" e contemplar a sua experiência, deixando-se levar pelo que o doente comunica, esquecendo-se de si próprio, penetrando no seu campo e identificando-se com o doente. Será uma identificação passageira, na qual, por instantes, o ajudante, sem deixar de ser ele mesmo, fazendo uma epoché, deixa-se levar pelo turbilhão de experiências do doente.

Numa segunda fase, faz-se referência à incorporação ou repercussão, procurando saber qual o efeito da primeira sobre o ajudante. O doente descreve-se superficialmente, mas o profissional percebe ideias e sentimentos, mais ocultos. Pela repercussão e incorporação, a observação do ajudado converte-se em observação de si mesmo, aplicando-se aqui o vetusto ditado: "se queres compreender os outros, observa primeiro o teu coração". A justaposição entre o meu Eu pessoal e o Eu identificado com o Eu do Outro é fonte de intuições libertadoras. A auto-observação é um caminho de compreensão da experiência do outro (Casera 52-53).

Finalmente, aparece a fase da "separação". Assim, a identificação não se confunde com a fusão, dado que a distância ou separação vive-se desde o princípio, desde o momento em que o agente de saúde decide fazer uma epoché para se adentrar no mundo do outro.

O doente vibra diante das suas experiências, mas mantém a distância que agora se restabelece, de tal forma que interrompe o processo de intro-suspecção na experiência do sofrimento alheio. Daqui se aufere a distância social e psíquica. Então será possível a objetividade e a reflexão sobre a experiência vivida.

A empatia requer um passo mais do que a compreensão. É necessário que o doente seja compreendido. Assim, surge a importância não só da disposição ou atitude empática, senão das habilidades necessárias para fazer chegar à compreensão.

Naturalmente que a empatia será muito mais do que um modo de responder ao diálogo com o doente, mas no modo de responder se concretiza a disposição interior e mediante as respostas pode-se verificar o grau de compreensão alcançado pelo paciente (cf. Bermejo 1997 22-23).

A resposta empática está centrada na pessoa, de tal modo que, quando o médico faz uso do poder, que tem sobre o doente, não é de carácter directivo, mas será facilitador. A disposição de se centrar na pessoa do doente, própria da empatia, traduz-se, também, na habilidade de personalizar. Mediante esta habilidade, no diálogo de cuidados, pretende-se que o doente não veja a sua situação como algo alheia, a si mesma, ou devido a circunstâncias externas. A destreza de personalizar, que se constitui, como humanização, será o significado, o problema e o sentimento.

Mas, no exercício das profissões de ajuda, particularmente as da saúde, estamos conscientes de que muitas vezes será a energia dos sentimentos, a que impulsiona a conduta, em vez de serem os valores.

Numerosas são as situações em que os doentes ou familiares planeiam questões que suscitam, nos agentes de saúde, emoções que, não bem orientados, levam a manter um diálogo, que se faz generalizações, evasivas ou frases feitas ou "slogans" (Bermejo e Carabias 1998 104).

Entretanto, é necessário que os profissionais de saúde façam, consigo mesmos, um processo de integração dos próprios sentimentos, que passa por reconhecê-los, aprender a dar-lhes nomes, aceitá-los sem moralizar sobre eles, aproveitar a sua energia, colocando-a ao servício dos valores e ser donos de sua expressão de forma asseverativa.

A competência emocional não nos levará a não sentir, sem ser donos do mundo emotivo, para não cair na tentação de querer conduzir irracionalmente o doente ou familiar, a um desejado estado de neutralidade emotiva, para que as relações clínicas se tornem mais fáceis, porque a maturidade de uma pessoa, não depende da acumulação de energia positiva (alegria, excitação) nem da eliminação da que se considera negativa (frustração, ansiedade e tristeza), senão de uma sã integração de ambos (cf. Pangrazzi 122).

Segundo A. Pangrazzi, o sentimento é algo que se sente e experimenta perante acontecimentos e pessoas que aparecem na vida, como algo que pertence ao mundo afectivo e se diferencia da esfera da razão ou da ética.5

Todos os profissionais de saúde, que possuem segurança sobre as emoções, são os que melhor sabem dirigir a sua vida e os que melhor sabem integrar a emotividade e racionalidade na busca do bem do paciente, a quem prestam cuidados (cf. Martineaud e Engelhardt 11).

As pessoas dotadas desta competência, da consciência emocional, sabem que emoções é que estão sentindo e porque compreendem os vínculos existentes entre os seus sentimentos, seus pensamentos, suas palavras e suas acções. Também, conhecem o modo como os seus sentimentos influenciam sobre a sua conduta, tendo um conhecimento básico de seus valores e dos objectivos que pretendem alcançar. Estas posicionam-se com critérios perante os complexos problemas éticos, discernindo e deliberando de maneira controlada, ou seja, de forma humanizada (cf. Goleman 1997a 291-292).

Graças aos estudos neurofisiológicos, a medicina apercebeu-se da relação entre a saúde e as emoções. Parafraseando a expressão "medicina baseada na evidência", A. J. Jovell começou a falar de "medicina baseada na afectividade" e não duvidou em afirmar que a melhor tecnologia disponível é a comunicação médico-doente (anamnésesemiologia clínica). Para superar a lógica cientifico-técnica (meios de diagnóstico e terapêuticas) e reconhecer o verdadeiro impacto das emoções na saúde, é necessário realizar um processo de humanização em medicina.

Poderemos afirmar com D. Goleman que, na medicina actual, o cuidado emocional do paciente não é mais do que um flatus vocis. Mas, começou a psiconeuroimunologia, bem recentemente, aqui no Ocidente, que ajudará a compreender cada vez melhor a conexão, entre mente e corpo, através das emoções e dos sentimentos (cf. Goleman 1997b 62; Bakal 21).

Conclusão

Para a humanização em saúde, o vínculo entre as emoções e saúde/doença é particularmente forte no caso de sentimentos negativos (ira, ansiedade, depressão). Os estadios prolongados aumentam a vulnerabilidade à doença, piorando sintomas ou dificultando os mesmos e o optimismo parecem ter efeitos benéficos sobre a saúde (cf. Goleman 1997b 42).

Mas, as emoções influenciam na saúde, através das propriedades motivacionais, pela sua capacidade para modificar condutas saudáveis ou não saudáveis (cf. Fernandez-Abascal e Palmero 69).

Se as emoções são importantes, na prática sanitária, são-no não só pelo impacto que estas podem ter sobre a evolução do doente, mas também no respeitante à prática clínica, à satisfação dos profissionais, à prevenção do sindromo de "burnout" e à tomada de decisões no meio dos conflitos éticos.

Assim, não é frequente a desumanização dos profissionais de saúde para poder fazer frente ao sofrimento produzido pelo encontro com o sofrimento alheio. Tal como afirma D. Goleman, a alternativa consiste em permanecer em aberto aos sentimentos e o modo como nos adestramos na arte do autocontrolo emocional (cf. 1999 229).

Daqui inferimos que, na humanização, a qualidade da interacção com os intentos depende, em grande parte, da capacidade para orientar as próprias emoções. A incompetência emocional gera mal-estar no profissional de saúde, acumulando tensões e originando frustrações. Estamos perante situações de alta frequência e baixa intensidade, nas quais humanizar passa pela ética do quotidiano e do cuidado com excelência profissional (cf. Barrero).

Humanizar um hospital não é alguma coisa a mais a fazer, aacrescentar. É uma acção que altera as relações, as comunicações, o poder, e a vida afectiva no hospital, na medida em que relações, poder, comunicações e sentimentos se dirigem para o doente, no seu bemestar. O doente está no centro do hospital humanizado e, finalmente, pode receber respostas, não apenas científicas, técnicas, mas também humanas.6 Finalmente, deveremos referir que a humanização em saúde exige ideias e valores pelos caminhos da emoção criativa.


1 Assim, surge o inevitável influxo dos sentimentos na limitação do esforço terapêutico, ou na necessária persuasão (predicado da inteligência emocional), perante uma pessoa, que tem irmãos e o perigo da descendência em sérias malformações ou ante um portador de HIV, que não "deseja" comunicar o seu diagnóstico, ao seu parceiro, com quem tem comportamentos de risco ou no caso de transplante de órgãos, para já não falar nas deliberações do trabalho interdisciplinar pelas comissões de ética e em muitos outros dilemas éticos desde a biotecnologia à biomedicina.

2 A medicina de hoje, devido ao seu admirável progresso diagnóstico-terapêutico, nem sempre se deu conta do papel da "inteligência emocional" e do sentido e valor dos "sentimentos" (quer dos médicos, quer dos doentes). Daqui que no momento de realizarmos juízos éticos e axiológicos, sobre os conflitos e dilemas impostos pela hodierna medicina, o mundo do sentimento e a inteligência emocional poderão intervir decisivamente. Assim, pensaremos nos sentimentos experimentados no discernimento ético sobre o aborto, a eutanásia, a clonagem e em qualquer outra questão de bioética.

Numerosas são, pois, as situações, no mundo da saúde e da doença, em que os sentimentos influenciam no desenvolvimento da tomada de decisões ou de posicionamentos éticos. D. Gracia afirma a importância da culpa e outros sentimentos para compreender o agir humano, perante os seus semelhantes, ao tratar da ética da fragilidade (cf. Gracia 35).

3 Há um abismo, nas leituras filosóficas, entre os actos da intelecção (simples apreensão, juízo e raciocínio, etc.) e o âmbito dos sentimentos aos quais Luís Vives chamava "alborotas anímicas". X. Zubiri diz que no sentimento há uma "ingente vaguidade", uma vez que inteligir consiste formalmente em apreender o real como real e "sentir" será apreender o "real" na "impressão". A essência do homem, segundo B. Spinoza, é o desiderium. Mas, muito antes, Aristóteles refere o - "oréxis diamoetiké" - como um desejo inteligente ou, no fundo, vendo o "homem" como "sentimentalidade inteligente". Bastaria dizer que o homem é a razão e desejo e consegue sentimentalizar os seus desejos. Schleiermacher situou o sentimento na tensão do homem face ao infinito religioso, mas A. Schopenhauer constitui, no "fundamento da moral", o sentimento na base dos valores éticos. Já M. Scheler atribui ao sentimento a capacidade criadora dos valores. E. M. Heidegger diz que é como uma situação cognoscitiva da totalidade, que precede o conhecer (cf. Carmona et al. 499-501). A humanização em saúde cria-se e recria-se, como um jogo de ritos e de decisões, entre o "sentimento" e a "razão".

4 Para os tempos de hoje, a situação clínica narrada pela parábola do Bom Samaritano colocar-nos-ia o "semi-morto" na noção de emergência ou urgência vital. O caminho da humanização surge, interpretado pela narrativa do Samaritano misericordioso, como uma necessidade imediata de ajuda. O conceito de humanização pela emergência encontra aqui o seu significado último, porque o semi-morto impele à emergência.

5 Assim, explicita A. Pangrazzi: "[e]s verdad que los sentimientos están relacionados con las necesidades y los valores de la persona, pero no deben identificarse o confundirse con ellos. En el fondo, la verdad de una persona tiene más que ver con los sentimientos que experimenta o con las emociones que siente que con las ideas que tiene o los valores que profesa" (120-121).

6 Um hospital que não seja capaz de dar todas as "respostas", no respeito da liberdade, da verdade, do amor, não tem nenhum direito e não pode definir-se ut sic (cf. Marchesi et al. 66).


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