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Cuestiones Teológicas

Print version ISSN 0120-131X

Cuest. teol. vol.48 no.109 Bogotá Jan./June 2021  Epub Dec 12, 2021

https://doi.org/10.18566/cueteo.v48n109.a07 

Artículos

A TRANSMISSÃO DA FÉ À LUZ DA ASSEMBLÉIA DE APARECIDA: A URGÊNCIA DA INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ NAS DIOCESES E PARÓQUIAS

Transmission of the Faith in the Light of the Aparecida Assembly: The Urgency of Initiation to Christian life in Dioceses and Parishes

La transmisión de la fe a la luz de la Conferencia de Aparecida: La urgencia de la iniciación a la vida cristiana en diócesis y parroquias

1 Especialista em Catequese - Iniciação à Vida Cristã pela Faculdade Católica de Santa Catarina, Brasil. Licenciado em Matemática, Bacharel em Filosofia e Bacharel em Teologia. Mestrado em andamento em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil. E-mail: ariel.philippi@hotmail.com.

2 Doutora em Teologia pela EST, Brasil. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil. Professora adjunta no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado e do Bacharelado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-doutora em Fenomenologia pelo Centro Italiano di Ricerche Fenomenologiche e Pontifícia Universidade Lateranense - Roma, Italia. Especialista em Gestão de Escolas pela PUCPR e em Educação a Distância pela UnB. Possui Licenciatura em Pedagogia, e em História; Bacharelado em Teologia. Líder do Grupo de Pesquisa Teologia, Gênero, Educação PUCPR. E-mail: clelia.peretti@pucpr.br.


Resumo

Os documentos de Aparecida e 107 da CNBB, são fontes indispensáveis para a orientação da educação da fé por meio de uma catequese permanente para todas as pessoas que exercem algum ministério de liderança e gestão na Igreja. As diretrizes propostas assinalam que a transmissão da fé cristã necessita ser repensada a partir das demandas das comunidades. Objetiva-se, assim, refletir sobre o planejamento e a execução das atividades de evangelização, pautadas nas abordagens teológico pastoral-catequéticas. A reflexão remete à necessidade de reformas internas, em caráter de emergência, relacionadas às novas formas de transmissão da fé nas comunidades eclesiais. Estas são desafiadas a uma mudança na forma de transmitir o conteúdo da fé propondo atividades de evangelização que atendam a urgência de aproximação das pessoas a fim de oferecer uma formação aprofundada do seguimento de Cristo e despertar o sentimento de pertença na comunidade. Urge, ainda, a proposição de uma formação mais relacional, vivencial, processual, celebrativa e duradoura na e para a vida, voltada para o aprofundamento do sentido da vida cristã. Enfatiza-se, também, a necessidade de renovação das estruturas das paróquias, movimentos, grupos pastorais e a diocese como um todo. Tais urgências remetem a formação continuada de leigos e leigas, chamados a ser discípulos de Jesus. A compreensão ampliada e ressignificada de que a catequese não é apenas uma preparação aos sacramentos leva a uma nova compreensão da vocação dos leigos e leigas. Somente uma postura de diálogo é capaz de contribuir para repensar a formação dos leigos e leigas, e a revitalização dos seus ministérios no seio da Igreja. Estas são as linhas principais que este artigo apresenta com o objetivo de refletir à luz do Documento de Aparecida, permeado de reflexões da Teologia Pastoral e Catequética.

Palavras-chave: Catequese; Transmissão da fé; Formação permanente; Aparecida; Teologia Pastoral; Teologia Catequética

Abstract

The Aparecida document and CNBB document 107 are indispensable sources for guiding the education of the faith through permanent catechesis for all those who exercise some leadership and management ministry in the Church. The proposed guidelines indicate that the transmission of the Christian faith needs to be rethought based on the demands of the communities. Thus, the objective is to reflect on the planning and execution of evangelization activities, based on pastoral-catechetical theological approaches. The reflection points to the need for internal reforms, on an emergency basis, related to new ways of transmitting the faith in ecclesial communities These are challenged to a change in the way of transmitting the content of the faith, proposing evangelization activities that meet the urgency of bringing people together in order to offer a deep formation of following Christ and awakening the feeling of belonging in the community. There is also an urgent need for a more relational, experiential, procedural, celebratory and lasting formation in and for life, aimed at deepening the meaning of the Christian life. The need to renew the structures of parishes, movements, pastoral groups and the diocese as a whole is also emphasized. Such urgencies refer to the continued formation of lay men and women, called to be disciples of Jesus. The broadened and reframed understanding that catechesis is not just preparation for the sacraments leads to a new understanding of the vocation of lay men and women. Only a posture of dialogue can contribute to rethinking the formation of lay men and women, and the revitalization of their ministries within the Church. These are the main lines that this article presents in order to reflect in the light of the Aparecida Document, permeated with reflections on Pastoral and Catechetical Theology.

Keywords: Catechesis; Transmission of the Faith; Permanent formation; Aparecida; Pastoral Theology; Catechetical Theology

Resumen

El Documento de Aparecida y el Documento CNBB 107 son fuentes indispensables para todos aquellos que ejercen algún tipo de liderazgo y dirección ministerial en la Iglesia sobre cómo guiar la educación de la fe a través de la catequesis permanente. Las guías allí propuestas indican que la transmisión de la fe cristiana requiere ser repensada con base en las necesidades de las comunidades. De esta manera, el objetivo es reflexionar sobre la planeación y ejecución de actividades de evangelización con base en perspectivas teológicas pastorales-catequéticas. Esta reflexión muestra la necesidad y urgencia de reformas internas como consecuencia de las nuevas formas de transmitir la fe en las comunidades eclesiales. Estas comunidades tienen el desafío de cambiar la forma en que transmiten el contenido de la fe, proponiendo actividades de evangelización que satisfagan la urgencia de unir a las personas para ofrecer una formación profunda sobre cómo seguir a Jesús y despertar un sentimiento de pertenencia. También, se requiere de una formación en la vida y para la vida que sea más relacional, experiencial, procedimental, festiva y duradera; la cual tenga como propósito profundizar en el significado de la vida cristiana. Asimismo, se enfatiza en la necesidad de renovar las estructuras de parroquias, movimientos, grupos pastorales y la diócesis como un todo. Tales urgencias hacen referencia a la formación continua de hombres y mujeres laicos llamados a ser discípulos de Jesús. La comprensión expandida de que la catequesis no es solo la preparación para los sacramentos lleva a una nueva comprensión de la vocación de los laicos. Únicamente una postura de diálogo puede contribuir a repensar la formación de los hombres y mujeres laicos, y la revitalización de sus ministerios dentro de la Iglesia. Las anteriores son las principales líneas sobre las que el artículo reflexiona a partir del Documento de Aparecida, permeadas por perspectivas de las teologías pastoral y catequética.

Palabras clave: Catequesis; Transmisión de la fe; Formación continua; Aparecida; Teología Pastoral; Teología Catequética

Introdução

Este artigo objetiva refletir sobre o planejamento e a execução das atividades de evangelização, pautadas nos documentos da Igreja e em abordagens teológicas pastoral-catequéticas. No tocante à nova evangelização, a reflexão remete à necessidade de reformas internas, em caráter de emergência, relacionadas à revisão do poder de governo das comunidades eclesiais, com consequências na tomada de decisões pelas paróquias e dioceses. O texto alude à necessidade de uma Igreja em saída, com um serviço de educação da fé, de lideranças e demais agentes de pastoral a serviço da missão e da vida. Trata-se de uma reflexão sobre o ser discípulos e missionários, inserido na comunidade, vinculado à Igreja, engajado na vida comunidade. Este discipulado requer, portanto, uma formação específica, um itinerário catequético adequado às necessidades e contextos atuais. A questão central é, portanto, a compreensão de que a catequese precisa estar à serviço da iniciação à vida cristã nas paróquias e dioceses, uma realidade urgente a ser implementada, mas que depende diretamente dos ministros ordenados responsáveis por elas. Enquanto isso, o tempo de mudança já chegou e está passando.

Nestes tempos de mudança de época, o documento final da Conferência de Aparecida (2007) apresenta a exigência e compromisso missionário de toda a comunidade. O documento fala de uma Igreja em estado permanente de missão (DAp 144), dá ênfase ao encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, a conversão pessoal e a opção pelos pobres e excluídos. A Conferência propôs, para a Igreja da América Latina e caribenha repensar, renovar e relançar a missão evangelizadora, com uma nova etapa (DAp 247) e um novo caminho (DAp 249): sendo Discipula, Missionária e a Serviço da Vida. O texto insiste na índole missionária do cristão.

Nesse sentido, propõe a Iniciação Cristã como caminho para o encantamento por Jesus Cristo, a conversão de vida, a vivência comunitária e o compromisso missionário. Afirma que todo o batizado deve "ser testemunhas e missionários" (DAp 548). No âmbito da missão evangelizadora valoriza o processo de formação dos discípulos missionários (DAp 278) com a retomada da catequese de inspiração catecumenal, uma catequese que deve conduzir para a experiência de Deus na vida cristã.

A partir disso, o documento visa sair ao encontro das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos para partilhar o dom do encontro com Cristo. Trata-se de superar a passividade, "proclamar que o mal e a morte não têm a última palavra" (DAp 548). Ser discípulo e missionário significa ir até os afastados, a começar pelos párocos e sacerdotes. "A primeira exigência é que o pároco seja um autêntico discípulo de Jesus Cristo [...] mas ao mesmo tempo, deve ser um ardoroso missionário que vive o constante desejo de buscar os afastados e não se contenta com a simples administração" (DAp 201). Assim, "através das pequenas comunidades, poder-se-ia também conseguir chegar aos afastados, aos indiferentes e aos que alimentam descontentamento ou ressentimento em relação à Igreja" (DAp 310). Não se propõe que a Paróquia chegue só a sujeitos afastados e não praticantes, mas à vida de todas as famílias, para fortalecer sua dimensão missionária. Deste modo, a renovação da paróquia exige nova atitude dos párocos, que devem viver num constante anseio de buscar "os afastados e não se contentar com a simples administração" (DAp 201).

Impõe-se, assim, o discurso da missão evangelizadora que mobilize a todos (DAp 550), procurando colocar a Igreja em estado de permanente missão Ad Gentes, (universal), ou seja, indo além da própria cultura e país e, também, para a missão Inter Gentes, (local), na própria cultura, procurando os que estão próximos, os afastados, reencontrando força como discípulos e missionários, atentos às necessidades de hoje. Nesse sentido, o documento mostra que o próprio Cristo é o caminho universal da salvação (DAp 151). A missão é inseparável do discipulado.

Urge, assim, para os Bispos da América Latina e do Caribe, um projeto de Iniciação Cristã fundamentado numa catequese catecumenal.

Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na vida cristã que comece pelo querigma e que, guiado pela Palavra de Deus, conduza a um encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem, experimentado como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao seguimento em uma comunidade eclesial e a um amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do serviço e da missão (DAp 289, 2007, p. 134).

Na esteira do Documento de Aparecida a exortação do Departamento de Missão e Espiritualidade, do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), estimula novas atitudes para que:

A Igreja passe de um modelo de cristandade a um modelo eminentemente missionário, isto é, que não se feche em si mesma em uma pastoral centrípeta, sacramental e devocional, mas que se abra à evangelização como um projeto orgânico, global e unitário, para manifestar e fazer presente o Reino de Deus (CELAM, 2015, p. 50).

Para essa atitude, é necessário atender às orientações do Documento 107 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), intitulado Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários, aprovado em 2017. Neste, a contemplação da realidade apresenta-se como fundamento do agir:

Em um momento de crise, como este do mundo em mudança, somos profundamente questionados. O próprio Senhor nos retira de nossa acomodação e nos chama a responder a esse novo desafio. O Evangelho não mudou, mas mudaram os interlocutores. [...] O processo é de escuta e atenção aos clamores do povo. Voltando-nos assim para a "Samaria" dos nossos dias, como fez Jesus, abrem-se novos espaços, livres, críticos, comunitários e fraterno, onde a fé cristã pode emergir, com uma renovada pertinência, na busca de mais humanidade e de melhor qualidade de vida, com um profetismo especial, que responda às necessidades de nossa realidade (Doc 107, 2017, p. 34).

A unidade destas atitudes consiste na proposta da metodologia de Iniciação à Vida Cristã com inspiração catecumenal. Este é o eixo, ou então, a pista de ação deixada pelos bispos em nível continental e nacional. Sabe-se, portanto, que após a conclusão da Conferência de Aparecida, convoca-se dioceses, paróquias e comunidades a estudar novas maneiras de anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo.

1. A transmissão da fé à serviço da formação de discípulos missionários de Jesus Cristo

A catequese, com o sentido original de ser a responsável pelo aprofundamento dos mistérios da fé, precisa de novo significado diante das mudanças atuais. Isto é, a catequese está sempre à serviço de um processo de inserção e redescoberta sobre o sentido da vida cristã, com fundamento na vida nova em Cristo, que inclui comportamentos novos e atitudes concretas orientadas pela Boa-Nova de Jesus Cristo.

Neste sentido, em tempos de mudança de época, é necessário ressignificar o pertencimento de cada pessoa a uma comunidade eclesial, reconstituir os valores básicos como a convivência em família, as relações entre grupos comunitários e a transmissão da fé no contexto das mídias digitais.

Tendo passado mais de uma década da realização da Conferência de Aparecida, é preciso revisitar com cuidado as páginas de seu documento conclusivo para compreender o quão revolucionário foi na maneira de pensar a evangelização e de envolver as pessoas responsáveis por ela. De fato, o documento com seu lema: Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que neles nossos povos tenham vida: "Eu sou o caminho a verdade e a vida" (Jo 14,6), traz uma esperança e um propósito de inovação dentro da nova realidade que as comunidades eclesiais vivem. O lema, posteriormente resumido em "Discípulos missionários de Jesus Cristo", reacende novas luzes e reaviva o ardor e o compromisso missionário no continente latino-americano.

O mesmo Documento, além de propor linhas mestras como a promoção humana e a conversão pastoral, enfatiza alguns dos desafios para a evangelização atual, como a renovação das comunidades eclesiais, estruturas pastorais e os modelos empregados pela Igreja na educação da fé dos batizados e no seguimento de Jesus.

Isso constitui grande desafio que questiona a fundo a maneira como estamos educando na fé e como estamos alimentando a experiência cristã; desafio que devemos encarar com decisão, coragem e criatividade, visto que em muitas partes a iniciação cristã tem sido pobre ou fragmentada. Ou educamos na fé, colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para segui-lo, ou não cumpriremos nossa missão evangelizadora. Impõe-se a tarefa irrenunciável de oferecer modalidade de iniciação cristã, que além de marcar o quê, também dê elementos para o quem, o como e o onde se realiza. Dessa forma, assumiremos o desafio de uma nova evangelização, à qual temos sido reiteradamente convocados (DAp 287, 2007, p. 134-135).

As ações apostólicas e planejamentos pastorais estão convocados a rever estratégias para que toda a comunidade e cada pessoa acolha o critério de recomeçar a partir de Cristo (cf. DAp 12), assumindo com afinco o compromisso da fé cristã.

1.1. O encontro com Jesus Cristo: razão de ser da Igreja

A transmissão da fé se concretiza em colocar as pessoas em contato real com a pessoa de Jesus Cristo. Esta é a proposta central da metodologia catecumenal, defendida com todo vigor pelos bispos presentes na Conferência de Aparecida, e que agora, aos poucos, vai ganhando espaço nas conferências episcopais e em nossas Igrejas particulares.

A inspiração catecumenal se caracteriza por um itinerário de revelação do projeto divino à humanidade, iluminado pela encarnação do Verbo divino. De acordo com Benincá e Balbinot (2012):

Ao se revelar, Deus se expôs à pedagogia e assumiu uma pedagogia própria. Ele quis tornar-se humano. Do ponto de vista pedagógico, esse fato não se deve a um Deus com segundas intenções, mas a um Deus que decide encarnar-se. A intenção divina é, simplesmente, "tornar-se humano". A partir daí, enfrenta a liberdade como qualquer outro ser humano. Talvez esteja aqui uma das possibilidades de perceber a dimensão pedagógica da Palavra (p. 23).

Trata-se, portanto, não de uma mudança no conteúdo do anúncio, porque a Palavra de Deus é o centro do conteúdo da fé, mas de uma mudança na atuação da Igreja, para converter aquele anúncio institucional e autorreferencial em processos de educação da fé e aprofundamento do querigma, o núcleo da fé. O critério para esta conversão, "não é uma escola ou um pensamento, mas uma pessoa: Jesus Cristo, o Filho eterno do Pai, que por obra do Espírito Santo se encarnou e tornou possível a todos os seres humanos a comunhão com Deus" (Benincá, Balbinot, 2012, p. 125).

Consideramos, então, que os processos de transmissão da fé são iluminados iluminados pela Encarnação do Verbo e têm como tarefa a condução de homens e mulheres à comunhão Deus. Neste princípio de interação entre vida e fé está a Igreja, cooperadora e canal da graça de Deus, para promover a salvação e regeneração da criação inteira.

A história da salvação é construída por Patriarcas e Matriarcas, Profetas e Profetisas, Sacerdotes e Sacerdotisas, homens e mulheres de todos os tempos que descobriram a face de Deus criador, providente, misericordioso, revelado em Jesus Cristo. A comunidade cristã da primeira hora constituiu a ecclesia, Comunidade-Igreja, sinal visível para o mundo do mandamento novo deixado pelo Messias, o Cristo Jesus.

Como ensinou o papa Bento XVI (2011), ao instituir o Ano da Fé, disse:

Pela fé, os discípulos formaram a primeira comunidade reunida à volta do ensino dos Apóstolos, na oração na celebração da Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam para acudir às necessidades dos irmãos (cf. At 2,42-47). [...] Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma ação em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um ano de graça para todos (cf. Lc 4,18-19). Pela fé, no decurso dos séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujo nome está escrito no Livro da vida, confessaram a beleza de seguir o Senhor nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos carismas e ministérios a que foram chamados. Pela fé, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e história (p. 20).

Os Apóstolos e seus sucessores nos transmitiram a fé em Jesus de Nazaré, a fé n'Aquele que passou fazendo o bem a todas as pessoas. "Só a partir do querigma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira. Por isso, a Igreja precisa tê-lo presente em todas as suas ações" (DAp 278a, 2007, p. 129). Portanto, o conteúdo de fé que chegou até nós é o mesmo que os Apóstolos vivenciarem, testemunharam e proclamaram.

Aparecida destaca a necessidade de uma experiência cristã profunda, à qual não basta uma formação doutrinal ou moral se ela não for precedida de um encontro pessoal com o Senhor, com Jesus Cristo vivo e ressuscitado. Sobre isso, afirmam Carvalho e Gil (2019):

Todos os que são iniciados na vida de Cristo, no modo de viver de Cristo, seguem seus passos e contemplam a alegria de nascer de novo, nascer do alto (cf. Jo 3,1-8). Trata-se de um novo viver, um novo modo de vida que desperta a pessoa apara a plenitude, para a plena maturidade da fé (pp. 59-60).

Com isso, enfatiza-se a importância de dar sentido à fé que trazemos no coração. E, com significado sempre novo, aproximar as pessoas daquele que é o centro da fé, Jesus Cristo, porque a fé brota do sentir e do viver de cada pessoa humana, ao longo da concretude da história. É o que afirma o papa Bento XVI (2005) na Carta Encíclica Deus Caritas Est: "Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo".

A fé não é uma forma ou um padrão que imprime um modo de vida único, mas além disso, a fé é encontro. Enquanto somos agraciados com o dom da vida temos a possibilidade de responder ao chamado que o Criador nos faz constantemente. Esse chamado é dinâmico, diferente para cada pessoa, e só pode ser respondido no amor e na liberdade. A resposta que damos com nossa vida é um ato de fé.

E no cotidiano da vida, se confessamos que Deus nos ama e queremos transmitir esse amor às demais pessoas, é possível fazê-lo com pequenos gestos e decisões, dando a conhecer em nossas relações de família, escola, universidade, lazer ou trabalho, qual a fé que professamos. Transmitimos o Evangelho de Jesus Cristo com nossos gestos, palavras e atitudes o significado do nosso ato de crer, de maneira que a fé apareça por meio do nosso agir.

1.2. Revisando os modelos de transmitir a fé cristã

A fé é o grande tesouro que a comunidade eclesial tem guardado em suas orações, rituais e celebrações. E esta mesma fé carece de novas linguagens, novos métodos, iniciativas novas para ser transmitida aos homens e mulheres de nossos tempos, que vivem rodeados de inúmeras possibilidades de escolhas, entre elas, a fé em Jesus Cristo, vivo e presente entre nós.

Diante da realidade de uma mudança de época, Aparecida convoca a Igreja inteira, ministros ordenados, leigos e leigas, para pensarem novas formas de encarnarem a mensagem evangélica no contexto latino-americano e caribenho. "Por essa razão, os cristãos precisam recomeçar a partir de Cristo, a partir da contemplação de quem nos revelou em seu mistério a plenitude do cumprimento da vocação humana" (DAp 287, 2007, pp. 134-135). Aqui reaparece o pedido do Documento de Aparecida para que as diversas comunidades cristãs (de base, pequenas comunidades, paróquias etc.) promovam uma profunda formação para a perseverança na fé dos fiéis.

A frase "recomeçar a partir de Cristo" expressa o desejo de levar a cabo uma evangelização (e nela uma catequese de caráter iniciático) que não repita o modelo histórico de cristandade, mas que retorne à fonte, ao ponto de partida inicial que é Jesus Cristo e as primeiras comunidades de onde se origina a experiência cristã genuína e autêntica. A mudança de paradigma catequético exigirá, portanto, buscar e discernir novas formas de acompanhar o caminho de fé, não só daqueles que aderem a Cristo pela primeira vez, como daqueles que, tendo recebido este dom na infância, não o desenvolveram em sua vida (CELAM, 2015, p. 23).

Surge como primeira urgência a necessidade de aproximar as pessoas que já estão em nossos grupos, exercendo atividades de evangelização, para oferecer a elas uma formação profunda sobre o seguimento na fé em Jesus Cristo. A caminhada da Igreja depende de um sentimento de pertença que também está em crise em nossos dias. A pertença de um grupo eclesial precisa estar centrada na fé em Cristo, na escuta de sua palavra e na oração comum.

Urge, ainda, à luz de Aparecida, descobrir meios que mudem nossas práticas eclesiais de cursinhos em vista da recepção dos sacramentos (o quê?), com aspecto conteudista, intelectual, sazonal, estacionário, instantâneo, imediato; para um estilo de fé progressiva, em vista do percurso, fé que seja relacional, vivencial, processual, celebrativa e duradoura na e para a vida (quem?). E assim, progredir na busca de um sentido para a vida cristã (para quê?).

Em outras palavras, a transmissão da fé não se faz apenas para alcançar um sacramento específico, mas para trilhar uma vida com significado novo todos os dias. E, na prática, isso será entendido e viabilizado quando as lideranças e demais agentes de evangelização não ficarem presos na ideia de que precisam aumentar os catequistas para este ou aquele sacramento (Eucaristia ou Crisma, geralmente). Mas serão capazes de oferecer momentos de formação para aprofundamento da fé da comunidade toda, em caráter permanente, entendendo que precisamos de catequistas para a vida inteira.

E, Aparecida, também nos desinstala quando provoca para a uma terceira urgência, despertando para a renovação das estruturas da paróquia. E tal renovação amplia-se para as comunidades, movimentos, grupos pastorais, e a diocese inteira.

A renovação das paróquias no início do terceiro milênio exige a reformulação de suas estruturas, para que seja uma rede de comunidades e grupos, capazes de se articular conseguindo que seus membros se sintam realmente discípulos e missionários de Jesus Cristo em comunhão (DAp 172, 2007, p. 87).

A comunhão eclesial é um sinal da adesão sincera ao chamado do Pai, para que seguindo os passos do Filho, homens e mulheres sejam protagonistas da vida nova e da unidade consagradas pelo Espírito Santo. Se ter fé é confiar, a vida de discípulos missionários de Jesus Cristo passa pelo crivo de um antigo adágio popular: "Por quem colocamos a mão no fogo?" A mesma comunhão que existe na Trindade precisa existir nos bastidores das atividades eclesiais, ou seja, nas sacristias, nas reuniões de coordenações, nas atividades apostólicas.

Aparecida coloca todas as pessoas de fé em reflexão, de modo que esse processo de mudança ajude a Igreja peregrina a mudar suas atividades de transmissão da fé, evidenciando uma passagem do curso sobre a fé (conteúdo) para o percurso de fé (vivência).

2. Os agentes da transmissão da fé nas paróquias e dioceses

Em tempos de mudanças, na efervescência de crises em diversos setores da sociedade, é preciso identificar as pessoas com quem se pode contar. E surgem perguntas como: Quem está ao meu lado, crendo comigo? Com quem professo a fé? A que comunidade pertenço? Nesse contexto de indagações, questionam-se as formas de transmissão da fé em Cristo e, até mesmo, a necessidade da fé para a vida na contemporaneidade. Destarte, as palavras do papa Bento XVI, por ocasião da abertura da Conferência de Aparecida, surgem como base para o diálogo entre pessoas que desejam responder de maneira criativa às crises de transmissão da fé.

Ainda podemos fazer outra pergunta: O que nos dá a fé nesse Deus? A primeira resposta é: dá-nos uma família, a família universal de Deus na Igreja Católica. A fé nos liberta do isolamento do eu, porque nos leva à comunhão: o encontro com Deus é, em si mesmo e como tal, encontro com os irmãos, um ato de convocação, de unificação, de responsabilidade para com o outro e para com os demais. Neste sentido, a opção preferencialmente pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza (cf. 2Cor 8,9) (DAp, 2007, p. 273).

Bento XVI indica a necessidade de, recomeçando a partir de Cristo, ressignificar a caminhada conjunta da Igreja, perguntando sobre a qualidade do acompanhamento que fazemos de nós mesmos, refletindo sobre a sinceridade de zelar pela fé uns dos outros, culminando no cuidado e na promoção do dom da vida de todas as pessoas. Afinal, "quando o discípulo está enamorado de Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele nos salva" (DAp, 2007, pp. 274-275). Em vista de um novo significado para a fé em Cristo, que permanece o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13,8), há que se considerar a atuação de alguns agentes na base de nossas comunidades, paróquias, dioceses.

2.1. A formação permanente de leigas e leigos

Aparecida chama atenção ao espaço dedicado à formação dos discípulos missionários de Cristo, indicando que "a formação é permanente e dinâmica, de acordo com o desenvolvimento das pessoas e como serviço que são chamadas a prestar, em meio às exigências da história" (DAp 279, 2007, p. 131). O Documento de Aparecida também reforça que a formação permanente preze pela integralidade, atenta às diversas dimensões (humana, comunitária, espiritual, intelectual, pastoral e missionária), com base no anúncio querigmáticos (pp. 131-132), uma formação que respeite os processos, contemple o acompanhamento das pessoas e se articule principalmente em dois aspectos: na iniciação cristã e na catequese permanente. Esta formação deve estar estritamente ligada às comunidades.

A mensagem de fé depende de um chão concreto para poder fixar-se e crescer em obras visíveis. A comunidade eclesial, encarnada no cotidiano da vida de fiéis leigas e leigos, é esse chão, lugar onde a salvação se realiza, na história da fé professada, testemunhada e transmitida em vasos de barros (2 Cor 4,7).

De fato, existe uma unidade profunda entre o ato com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. [... ] O coração indica que o primeiro ato, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e ação da graça que age e transforma a pessoa até o mais íntimo dela mesma. [...]. Por sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um fato privado. [...] A fé, precisamente porque é um ato da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita. De fato, o primeiro sujeito da fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Batismo, sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para obter a salvação (Bento XVI, 2011, pp. 13-15).

A fé, que é dom e graça, depende de argumentos e explicações que ajudem na compreensão do mistério divino que nos envolve. E para revisar os modelos de formação e transmissão da fé nas paróquias, é necessário parar diante de um questionamento: Como está a formação do povo cristão, preferencialmente, das leigas e dos leigos que atuam nas bases das comunidades? Pessoas que atuam nas comunidades recebem uma formação para a gestão responsável, com possibilidade de tomar decisão? Ou a formação é um cursinho e/ou palestra para o nível de execução de serviços?

Para implantar propostas inovadoras de formação de leigas e leigos, pode-se partir da orientação do Departamento de Missão e Evangelização do CELAM:

A catequese de inspiração catecumenal é uma experiência de vida cristã que parte do testemunho da comunidade e se explica pela revelação de Deus na história da salvação. É uma formação para a vida cristã e, portanto, é mais do que um ensinamento. Está chamada a estabelecer as bases da vida cristã e, portanto, centra-se sobre o núcleo comum da fé. Sua finalidade última é a comunidade eclesial que vive, celebra e testemunha a fé. Dirige-se em primeiro lugar aos adultos e é modelo do qual se derivam os itinerários dos adolescentes e das crianças (CELAM, 2015, p. 50).

Porquanto, a formação de leigas e leigos passa pela ampliação do conceito de "catequese" que as lideranças possuem. A formação permanente é a catequese que todas pessoas crentes precisam, para aprofundarem, ao longo de suas vidas, o que significa ter fé em Jesus Cristo, crucificado-ressuscitado.

Essa compreensão ampliada, e ressignificada, de que catequese não existe apenas para a preparação aos sacramentos, faz surgir novas compreensões sobre a vocação de catequista. Com as inspirações do Documento de Aparecida é dado novo impulso à compreensão de que comunidade toda é catequista, isto é, está para servir e formar a fé se seus membros para que sejam verdadeiros discípulos e missionários do mestre Jesus Cristo.

Todo processo de inspiração catecumenal deve ser entendido, a partir de Aparecida e de Evangelii Gaudium, a partir de uma Igreja profundamente missionária que tem como primordial tarefa a formação inicial e permanente de seus discípulos missionários. A Igreja passe do modelo da cristandade a um modelo eminentemente missionário, isto é, que não se feche em si mesma em uma pastoral centrípeta, sacramental e devocional, mas que se abra à evangelização como um projeto orgânico, global e unitário, para manifestar, construir e fazer presente o Reino de Deus entre todos os homens. As comunidades cresçam na consciência de sua função profética. Deste modo, a catequese não ficará reduzida a um âmbito fechado e reservado a certos "especialistas" o anúncio (CELAM, 2015, p. 50).

Assimilar a consciência que alcance uma prática de formação permanente de leigas e leigos, exige que as comunidades assumam o paradigma da missão. Ou seja, ultrapassar a consciência de que a celebração de um sacramento seja o ponto de chegada do itinerário de fé de uma pessoa. E então, perceber que os sacramentos são momentos de parada onde a comunidade reunida, oferece e saboreia, os frutos colhidos pela meditação da Palavra e oração comum. Frutos que possuem sabor tão forte e específicos que ficam na memória, determinando as escolhas e decisões da vida.

2.2. Dignidade e responsabilidade do ministério dos leigos

Em continuidade ao diálogo entre os desafios do contexto de mudanças e a revisão de modelos pastorais para a transmissão da fé nesse período, levando-se em conta a capacitação técnica e instrumental de fiéis leigas e leigos, desponta a reflexão sobre a dimensão ministerial da comunidade de fé. Sobre a capacitação na fé dos batizados, o papa Francisco exorta com paternidade e profecia:

Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflete na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e econômico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral (Francisco, 2013, p. 72).

A formação do povo de Deus precisa estar pautada na responsabilidade ministerial herdada no Batismo, de sacerdotes e sacerdotisas para alimentar a memória da fé pelo culto comum; de profetas e profetisas, identificando os sinais dos tempos, à luz da Palavra; de pastores e pastoras, para guiar o povo de Deus em meio às intempéries deste mundo rumo a terra prometida.

Tamanha é a responsabilidade de cada fiel. A conversão pastoral das comunidades exige, antes, a conversão individual dos crentes, percebendo a dignidade conferida pelo Batismo. Para Brighenti (2019), "há uma 'radical igualdade em dignidade de todos os ministérios' na Igreja. Todos os batizados estão no mesmo nível e condição; a diferença é de dons e carismas, que devem concorrer para o serviço de todos (LG, Cap. II)" (p. 27). Dignidade batismal e respeito à dignidade humana, por meio do respeito mútuo são maneiras para que a Igreja testemunhe o mandamento do amor por meio de seus ministérios. "Tais ministérios virão a ter um verdadeiro valor pastoral na medida em que se estabelecerem com um respeito absoluto da unidade e aproveitando-se da orientação dos Pastores, que são precisamente os responsáveis e os artífices da mesma unidade da Igreja" (Paulo VI, 1976, p. 58).

Sendo a Igreja uma instituição, a conversão pastoral precisa penetrar, igualmente, as instâncias de governo e decisão. O Documento de Aparecida ensina que "uma comunidade que assume a iniciação cristã renova sua vida comunitária e desperta seu caráter missionário. Isso requer novas atitudes pastorais por parte dos bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e agentes de pastoral" (p. 136). E ainda, a criatividade pastoral, à luz do Espírito Santo que suscita na Igreja dons e carismas, será capaz de perguntar-se pela vocação à qual a paróquia é chamada a responder. E continua o Documento de Aparecida:

Uma paróquia renovada multiplica as pessoas que realizam serviços e acrescenta os ministérios. Igualmente, nesse campo, se requer imaginação para encontrar resposta aos muitos e sempre mutáveis desafios que a realidade coloca, exigindo novos serviços e ministérios. A integração de todos eles na unidade de um único projeto evangelizador é essencial para assegurar uma comunhão missionária (p. 99).

A revitalização da ação evangelizadora, com foco na dimensão bíblico-catequética a serviço da iniciação à vida cristã, passa pela revisão e valorização dos ministérios eclesiais, conduzindo as comunidades, paróquias e dioceses à conversão pastoral por meio de práticas criativas, mas sempre assumidas em comunhão, no seio da comunidade. Essas iniciativas não podem seguir critérios de autopromoção ou busca por elogios particulares. Pelo contrário, exercer um ministério é fazer-se caminho, via de encontro do Senhor com o rosto dos homens e mulheres de todos os lugares.

Nesse sentido, torna-se urgente um testemunho de amor fraterno muito eloquente, que ajude a superar o escândalo da divisão entre os seguidores de Jesus através do respeito, do diálogo e da profunda conversão a Cristo, para realizar a oração de Jesus: "Pai, que todos sejam um, para que o mundo creia!" (Jo 17,22) (Conferência, 2019, pp. 23-24).

A superação, portanto, da pedra de tropeço da competição, vaidade e outras divisões entre os cristãos, dar-se-á ao passo que se recupere a dignidade batismal dos fiéis. E recuperar a harmonia entre as pessoas, por meio da unidade na fé, torna-se premente no contexto de crises que a humanidade enfrenta.

A novidade cristã é o fundamento e o título da igualdade de todos os baptizados em Cristo, de todos os membros do Povo de Deus: Comum é a dignidade dos membros, pela regeneração em Cristo, comum a graça dos filhos, comum a vocação à perfeição; uma só salvação, uma só esperança e indivisa caridade. Em virtude da comum dignidade baptismal, o fiel leigo é corresponsável, juntamente com os ministros ordenados e com os religiosos e as religiosas, da missão da Igreja (João Paulo II, 1988).

Desta maneira, a novidade da fé cristã, centrada na certeza de que a vida venceu a morte, precisa dar novas respostas às dificuldades hodiernas. A Igreja, sacramento da salvação, por meio de seus pastores e fiéis leigas e leigos, é chamada a promover renovadas e corajosas maneiras de organizar suas comunidades para transmitir a fé em Cristo Jesus.

2.3. Renovação do ministério sacerdotal

Para conduzir a revisão de estruturas e dos métodos de evangelização, a Igreja precisa contar com a disposição sincera e conversão de mentalidades de seus ministros ordenados. O diálogo com a sociedade em mudança já se faz por meio de fiéis leigas e leigos, contudo, em âmbito interno, tais agentes precisam do apoio e acompanhamento de seus pastores. Assim, o apostolado dos leigos e a participação efetiva dos párocos, vigários e diáconos permanentes em iniciativas capazes de tornar a fé cristã compreensível ao novo momento que o mundo vive, transformará o modo de agir em relação à transmissão da fé nas paróquias e comunidades.

A renovação da paróquia exige atitudes novas dos párocos e dos sacerdotes que estão a serviço dela. A primeira exigência é que o pároco seja autêntico discípulos de Jesus Cristo, porque só um sacerdote apaixonado pelo Senhor pode renovar uma paróquia. Mas, ao mesmo tempo, deve ser ardoroso missionário que vive o constante desejo de buscar os afastados e não se contenta com a simples administração (DAp 201, 2007, p. 99).

Quando aprovou o Plano de Emergência para a Igreja no Brasil, a CNBB organizou um programa para a renovação paroquial:

A paróquia, ponto de inserção dos homens na vida da Igreja e no mistério da salvação, constitui a base primeira e indispensável de nossa ação pastoral. Urge, pois, vitalizar e dinamizar nossas paróquias, tornando-as instrumentos aptos a responder à premência das circunstâncias e da realidade em que nos encontramos (Conferência, 2004, p. 31).

Contudo, a paróquia se organiza em torno do pároco e seus auxiliares no ministério ordenado, aos quais é incumbida a maioria das decisões finais dos projetos de evangelização. Enquanto instância decisória e deliberativa, o ministério ordenado também se inclui entre os perfis que precisam de renovação e ressignificação ante os desafios da mudança de época. Também a renovação do ministério ordenado foi contemplada no Plano de Emergência da CNBB:

Quando falamos, pois, em renovação pastoral, entendemos, em primeiro lugar e acima de tudo, um mergulho da Igreja em si mesma, para haurir de suas fontes divinas e perenes as águas vivas capazes de animar o mundo de hoje e inseri-lo no plano eterno da salvação. Uma dessas fontes, das mais importantes e decisivas, é o ministério sacerdotal. Ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus (1Cor 4,1), os sacerdotes constituem, por disposição divina, os canais indispensáveis na comunicação das graças e dos dons que efetuam a passagem dos homens para Deus (Conferência, 2004, pp. 53-54).

Estas orientações, embora existam há mais de cinquenta anos, permanecem com atualidade inquestionável. A revisão dos modelos de transmissão da fé que estão na base dos planejamentos das dioceses e paróquias depende da consciência dos ministros ordenados para a efetiva resposta ao contexto de mudança de época. Uma resposta que passa pelo critério do testemunho de unidade com todos os agentes da evangelização.

Neste contexto, o ministro ordenado há de ser o cuidador e o animador das comunidades eclesiais missionárias, promovendo a unidade entre todos em vista de uma salutar descentralização. Seu ministério deve garantir a comunhão na comunidade entre os diversos grupos, associações, movimentos e serviços. Para isso, haverá de se compreender missionariamente como um ministro em movimento, visitando as pequenas comunidades, animando-as na vivência do Evangelho, na ação missionária e na prática da solidariedade. Deverá também valorizar os diversos ministérios, trabalhando sempre em comunhão com o Conselho Pastoral e Conselho de Assuntos Econômicos (CIC, cân. 536-537) (Conferência, 2019, pp. 51-52).

E, como orientação mais recente sobre a educação da fé por meio de uma catequese permanente para todas as pessoas que exercem algum ministério de liderança e gestão, o Documento 107 da CNBB afirma:

Especialmente aos párocos, compete cuidar para que os processos formativos de suas comunidades passem do estilo da instrução para o da iniciação que leva ao encontro pessoal com Jesus Cristo, à inserção na comunidade e ao zelo apostólico. Essa postura será tanto mais eficaz quanto mais tiverem conhecido e experimentado o processo a Iniciação à Vida Cristã. Para bem transmitir a fé, não basta a experiência de anos, é preciso estar atento aos atuais desafios de contextos que exigem humildemente a leitura dos sinais dos tempos, conversão, busca de novos processos e novas metodologias (Conferência, 2017, pp. 94-95).

Entre as pequenas iniciativas e os projetos maiores para que o estilo catecumenal penetre no modo de raciocinar de ministros ordenados e lideranças eclesiais, percebe-se nas bases das comunidades que muitos catequistas buscam atualizar suas leituras, pedem por momentos de formação presencial e nas mídias digitais. E, por outro lado, ainda existe uma quantidade significativa de ministros ordenados que desconhecem as linhas básicas da metodologia de inspiração catecumenal e o que ela pode oferecer para a renovação das estruturas de evangelização.

Conclusão

Em ritmo de continuidade na reflexão, as ideias a seguir soam como pistas para a renovação das paróquias, sintetizando os desejos de que a evangelização alcance respostas maduras e dialógicas com a realidade hodierna. Para inspirar os comentários finais, é necessário dedicar atenção a estas breves linhas de orientação do papa Francisco (2013):

Através de todas as suas atividades, a paróquia incentiva e forma os seus membros para serem agentes da evangelização. É comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para continuarem a caminhar, e centro de constante envio missionário. Temos, porém, de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando-as ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-as completamente para a missão (p. 24).

Daquilo que o papa Francisco espera para a nova evangelização no contexto atual, e com base nas inspirações do Documento de Aparecida, pode-se acenar pistas para o horizonte pastoral, a serem refletidos nas paróquias, por meio de seus ministros ordenados e lideranças. O primeiro elemento a ser considerado na revisão de metodologias para a transmissão da fé é a proximidade e a pertença entres os membros da comunidade eclesial. A transmissão da fé precisa dedicar tempo à criação de laços afetivos entre lideranças, ministros ordenados, famílias e demais pessoas. Brighenti (2019) explica o caráter de pertencimento na comunidade pela novidade da filiação na fé.

Ainda que nem todos exerçam o mesmo papel no seio da comunidade, todos os batizados são eleitos para dar continuidade à mesma obra de Jesus, que é o Reino de Deus. Há diferentes ministérios, mas no seio de uma 'comunidade de irmãos'; há diferentes funções desempenhadas por seus membros, mas a serviço da mesma comunidade na qual todos são irmãos (p. 48).

Ter um lugar, um grupo, uma causa a que pertencer, isto é, incluir as pessoas na tarefa de edificação do Reino dos Céus. "O encontro com Deus é também intermediado pelo encontro com o irmão que tem nome, história, dores, alegrias, sonhos, conquistas e deseja ser acolhido, tornando-se presença significativa na vida da comunidade" (Conferência, 2019, p. 71).

Da proximidade e do afeto, surge o segundo elemento para a ser contemplado: a celebração da fé. A herança que foi recebida das primeiras comunidades é a dinâmica festiva da fé que se dava no interior das casas, em clima de intimidade e conhecimento mútuo. Recuperar o sentido da Igreja doméstica é uma urgência para a evangelização no mundo atual. "A comunidade eclesial missionária pode, de fato, acontecer nos lares e grupos de famílias que se tornem núcleos comunitários onde a Igreja se reúna para meditar a Palavra, rezar, partilhar o pão e a vida" (Conferência, 2019, p. 74). A comunidade de famílias terá condições de acompanhar a fé comum, auxiliar na tomada de decisões e identificar as pessoas de referência para os momentos de dúvida e necessidades.

Assim, destaca-se como terceiro elemento sugerido para a revisão dos métodos de evangelização diz respeito ao chão da comunidade, isto é, à comunhão e unidade de lideranças junto aos seus pastores, para que pedindo juntos o discernimento do Espírito, sejam capazes de converter-se de seus projetos pessoais e abrirem-se à comunidade que vive em constante processo de formação de sua fé e dá testemunho do Ressuscitado. A nova evangelização a ser oferecida ao mundo precisa passar pelo crivo de identificar líderes à luz da sabedoria bíblica, e não apenas com conhecimento racional. "Quem coordena é alguém com senso de pertença eclesial e amor à Igreja. Trata-se de um serviço eclesial, indispensável para a vida das pequenas comunidades, um verdadeiro ministério" (Conferência, 2019, p. 51).

Um quarto elemento de revisão metodológica é a consciência de que a fé não depende de um curso, mas ela mesma é um percurso, que tem origem em Deus, porque é dom, e tende para o próprio Deus, a quem destina-se a pessoa de fé. Enquanto progride entre as realidades da vida, sempre marcada por alegrias e tristezas, esperanças e decepções, a pessoa de fé precisa aprender a dialogar com o transcendente e este auxílio que lhe vem do infinito. E a fé passa a ser educada e tende a tornar-se mais sólida dia após dia. "A pedagogia do processo mais do que um recurso metodológico, é uma mística profundamente enraizada na espiritualidade cristã. Portanto, em todas as propostas, como pano de fundo, deve estar presente a ideia do processo como método e como mística" (Conferência, 2019, p. 91).

E um quinto elemento urgente para a nova evangelização é a espiritualidade bíblica, capaz de penetrar as estruturas, revitalizar a religiosidade popular com centralidade da Palavra que revela Jesus Cristo presente e guiando o povo à Terra da promessa divina. "Essa centralidade da Palavra na vida das comunidades cristãs é fundamental para a identificação e configuração com a "Palavra que se se fez carne" (Jo 1,14). Por isso, a Sagrada Escritura precisa estar sempre presente nos encontros, nas celebrações e nas mais variadas reuniões" (Conferência, 2019, p. 76).

Ademais, os elementos acima sugeridos não equivalem a um grau de importância entre eles, mas ficam como sugestão para as pessoas que se dedicam ao planejamento e a condução de atividades nas comunidades, paróquias e dioceses. As propostas de renovação missionária da Igreja da América Latina e Caribenha apresentadas no Documento de Aparecida convocam a uma conversão pastoral e necessitam de maior impulso para colocar a Igreja em estado permanente de missão. Urge, de fato, a retomada da Iniciação Cristã, um projeto que "encante e apaixone por Jesus Cristo", leve a conversão de vida, a vivência comunitária e ao compromisso missionário. Jesus precisa ser encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado (DAp 14). A maior fascinação da humanidade é Jesus. O discípulo é alguém fascinado por Jesus.

Referências

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Cómo citar en APA: Philippi Machado, Ariél & Peretti, Clelia (2021). A transmissão da fé à luz da Assembléia de Aparecida: a urgência da iniciação à vida cristã nas dioceses e paróquias. Cuestiones Teológicas, 48 (109), 94-109. DOI: http://doi.org/10.18566/cueteo.v48n109.a07

Recebido: 04 de Março de 2021; Aceito: 24 de Abril de 2021

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