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Franciscanum. Revista de las Ciencias del Espíritu

versão impressa ISSN 0120-1468

Franciscanum vol.59 no.167 Bogotá jan./jun. 2017

 

Filosofía

Hospitalidade e Violência. Sobre um possível fundamento religioso anterior ao estado laico

Hospitalidad y violencia. Sobre un posible fundamento religioso anterior al estado laico

Hospitality and violence. About a possible religious foundation to the secular state

João Manuel Duque* 

* É doutorado em Teologia Fundamental (Phil.-Theologische Hochschule Sankt Georgen, Frankfurt, Alemanha), com uma tese sobre a recepção teológica da filosofia da arte de Gadamer. É Professor Catedrático da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (Braga, Porto e Lisboa), e docente convidado na Faculdade de Filosofia (Braga). Leccionou na Escola das Artes (Porto) da Universidade Católica Portuguesa, e no Instituto Teológico Compostelano, agregado da Universidade Pontifícia de Salamanca. Desde 2007 é Diretor do Núcleo de Braga da Faculdade de Teologia. Desde 2011 é Presidente do Centro Regional de Braga da Universidade Católica Portuguesa. Membro do Conselho de Redação da revista Theologica, de Braga, dos Conselhos Científicos das Revistas Teologia, de Milão, e Salmanticensis, de Salamanca, e do Conselho Editorial da coleção Perconoscenza, da Editora EDB de Bolonha. Contacto: jmduque@sapo.pt. Universidade Católica Portuguesa Braga-Portugal


Resumo

O artigo aborda a relação entre violência, política e religião. Indo além da tese de René Girard, propõe uma compreensão do religioso assente na categoria do dom excessivo, por inspiração em Paul Ricoeur. É nesse contexto que também a categoria da hospitalidade, tal como trabalhada sobretudo por Jacques Derrida e por Hans-Dieter Bahr, pode ser reconhecida como categoria religiosa, anterior às estruturas políticas dos estados laicos territoriais, baseados na distinção entre nacional e estrangeiro. A dimensão da hospitalidade é a dimensão da pessoa, prévia e mais fundamental do que a dimensão do estado.

Palavras-chave: Hospitalidade; Política; Religião; Derrida; Ricoeur

Resumen

El artículo trata de pensar la relación entre la violencia y el poder, aplicándola a ciertas formas de concebir la religión como relación entre las dimensiones política y teológica. A partir de la tesis de Girard, proponemos una lectura más amplia, inspirada por Ricoeur, que identifica a lo religioso con referencia a un exceso que pueda ser aceptado como don incondicional. En esta dimensión, la categoría de la hospitalidad puede revelar el lugar de una meta-ética, anterior y por encima de los derechos de los estados como fuente de las distinciones entre propio e extraño, nacional e extranjero. Inspirado por el carácter absoluto de la hospitalidad, se propone la idea de una religiosidad nómada, con el individuo como centro, como base de la organización política democrática, anterior y crítica del estricto confinamiento propuesto por los estados territoriales (nacionales). En este sentido, el estado (secular) se basaría en una ética (religiosa) de la hospitalidad, anterior a sí mismo, haciendo de esta la idea reguladora de su posible papel.

Palabras-clave: Hospitalidad; Política; Religión; Derrida; Ricoeur

Abstract

The following article tries to think the relationship between violence and power, applying it to certain ways of conceiving religion between political and theological dimensions. From Girard's thesis, we propose a broader reading, inspired by Ricoeur, which identifies religion with reference to an excess that can be accepted as an unconditional gift. In this dimension, the category of entertainment can reveal the place of an earlier meta-ethics and above the rights of states as a source of distinctions between self and foreign, domestic and foreign. Inspired by the absolute nature of hospitality, the idea of a nomadic religiosity is proposed, with the individual as the center, as the basis of democratic, anterior and criticism of too strict confinement proposed by the (national) territorial states political organization. In this sense, the (secular) state would be based on a (religious) ethics of hospitality, prior to itself, making this the regulative idea of its possible role

Keywords: Hospitality; Politics; Religion; Derrida; Ricoeur

As linhas que se seguem procuram pensar a relação entre violência e poder, aplicando-a a determinados modos de conceber a religião, na articulação entre as dimensões do político e do teológico. Partindo da conhecida tese de René Girard, propõe-se uma leitura mais abrangente, inspirada sobretudo em Paul Ricoeur, que identifica o religioso com a referência a um excesso que pode ser acolhido como dom incondicional. Nessa dimensão, a categoria da hospitalidade pode revelar o lugar de uma meta-ética anterior e superior ao direito dos estados, fonte das distinções entre próprio e estranho, nacional e estrangeiro. Com inspiração na incondicionalidade da hospitalidade, propõe-se a ideia de uma religiosidade nómada, com a pessoa singular como centro, como fundamento da organização política democrática, sendo anterior e instância crítica em relação ao confinamento demasiado estrito proposto pelos estados territoriais (normalmente nacionais). Nesse sentido, o estado (laico) assentaria numa ética (religiosa) da hospitalidade, anterior a si mesmo, constituindo esta a ideia reguladora da sua atuação possível1.

1. A violência e o poder

O termo alemão Gewalt significa, ao mesmo tempo, violência e poder (nomeadamente político). É sintomática essa relação, tal como aparece articulada na linguagem. Por um lado, é indiscutível a ligação entre a dimensão política da ação humana e o exercício do poder. Por outro lado, é menos evidente -mas de certo modo incontornável- a ligação entre esse exercício e a violência que permanentemente o envolve. Mesmo nas versões mais democráticas, a construção de consensos não está livre de relações de certo modo violentas, até à manipulação explícita. Mesmo a famosa comunidade de consenso, pretensamente livre de qualquer pressão, é sempre mero ideal regulador, sem realização prática plena2.

Ora, os mecanismos violentos que, de modo mais ou menos explícito, animam a dimensão política, podem ser considerados em duas perspetivas fundamentais: uma interna e outra externa à polis. No primeiro caso, estamos perante os próprios mecanismos internos de acesso ao poder e legitimação do seu exercício, a que corresponde a estrutura política de cada sociedade, considerada nos seus limites (normalmente determinados territorialmente). Esses mecanismos podem ser mais ou menos democráticos, mas em nenhum caso estão livres de relações de violência ou manipulação, para afirmação da ideologia que, em todos os casos, legitima o exercício do poder.

No segundo caso, estamos perante a fundamental distinção entre cidadão e estrangeiro, no confronto entre diferentes territórios políticos. Em estreita ligação com estas articulações encontram-se complexos elementos identitários, como essenciais mecanismos de diferenciação, seja esta considerada internamente (famílias, classes, funções, etc.) ou externamente (etnias, nacionalidades, marcas de pertença, etc.). Em todos os casos, a violência acompanha sempre de algum modo o próprio processo de diferenciação, assim como as suas consequências, até ao extremo nada raro do conflito aberto.

Ora, é precisamente no cruzamento da violência com esses processos de diferenciação, com consequências sociopolíticas inevitáveis, que vários pensadores têm situado a questão do religioso. Diríamos mesmo que parece haver uma espécie de conivência originária e incontornável das dimensões política e religiosa com o eterno problema da violência.

Como é sabido, René Girard pensou esta relação numa configuração muito própria, através de uma interpretação fundamental -diríamos que ontológica- da ligação entre religião e violência, sempre numa dimensão claramente política, isto é, atinente à organização primordial da polis, nomeadamente quanto ao exercício do poder no seu interior3.

O primeiro grande pressuposto da sua teoria é que a relação humana assenta primordialmente na violência, provocada pelo desejo mimético, isto é, pelo desejo de imitar outro ou de ocupar o seu lugar e de possuir aquilo que o outro possui. Se assim é, toda a relação humana estaria condenada ao fracasso, à partida. No caos instaurado por esse desejo mimético total e indiferenciado, não seria possível o surgimento de nenhuma comunidade humana nem, por isso, qualquer modo de organização política. Essa sobrevivência dependerá, portanto, de um mecanismo que controle esse caos primordial e sempre ameaçador, diferenciando assim a relação de violência generalizada.

Girard encontra esse mecanismo no esquema do sacrifício expiatório, em que um inocente carrega com a violência generalizada, sendo considerado dela culpado e possibilitando, desse modo, que em relação a si se unam os membros de uma comunidade inteira. Ou seja, através da violência sobre um bode expiatório constrói-se a paz entre o resto dos membros de uma sociedade, o que possibilita a convivência humana e por isso a relação política.

Toda e qualquer comunidade humana, enquanto superadora da violência caótica, assentaria nesse ato violento primordial, que é por isso considerado da ordem do sagrado ou fundacional. Segundo Girard, todas as religiões se baseiam nessa violência contra a violência e só a permanência e repetição ritual do esquema sacrificial originário é que permite a permanente superação da violência destruidora, provocada pelo desejo mimético.

Seja como for, mantém-se uma permanente e necessária relação entre violência (mesmo se apenas representada ritualmente) e constituição da polis, em correspondência a um ato religioso primordial que permanece no tempo. Essa violência organiza a violência interna à polis, por recurso a uma violência que, sendo embora exercida sobre alguém de certo modo externo (o bode expiatório), não deixa de ser o pilar interno da própria organização política. O exercício do poder, como manifestação da diferenciação assim introduzida, está permanentemente referido a esse ato violento, sendo pois sempre e fundamentalmente da ordem da violência. Violência que, nesta perspetiva sacrificial, não se limita às relações internas à polis -como diferenciação das relações, superando o efeito caótico do desejo mimético- mas extravasa para as relações externas, atribuindo ao estrangeiro preferentemente o lugar do bode expiatório -ou definindo-se o estrangeiro precisamente por esse seu estatuto-. E é muito difícil que os mecanismos políticos, assentes na relação entre um estado e um território, se possam libertar dessa matriz primordialmente violenta em relação ao estranho. A diferença parece assim inseparável da violência que origina, ou da violência que a origina.

Mas a dimensão religiosa pode ser lida noutro registo. Paul Ricoeur4, por exemplo, partindo embora de Girard mas seguindo um caminho algo diverso, situa a relação entre religião e violência a um nível que considero mais adequado a uma correta hermenêutica do religioso. Para ele, o elemento fundamental da religião é precisamente a desproporção entre o «excesso do fundamento... e a minha capacidade finita de acolhimento, de recepção, de apropriação, de aculturação»5; ou seja, o núcleo do fenómeno religioso localiza-se numa relação dialética ou tensional entre estes dois elementos, tal como têm sido pensados precisamente pela transformação moderna e contemporânea da filosofia da religião.

Ora, o excesso manifesto nessa tensão pode surgir como uma ameaça para aquilo que eu sou, no meu grupo ou na minha cultura limitada no espaço e no tempo. Ou seja, a identidade pessoal e coletiva, sendo sempre particular e por isso finita, sente-se ameaçada por uma referência infinita, que a excede e que a impede de dominar o real, antes de tudo enquanto domínio do seu fundamento. «É pois em mim mesmo que experimento essa desproporção que existe entre a minha capacidade finita de adesão e o reconhecimento de algo fundamental que sempre me excede e, pelo seu excesso, me ameaça, o que me faz sofrer. A violência torna-se, então, uma tentativa de proteção contra o perigo de desenraizamento, de cuja ameaça iminente surdamente me apercebo»6.

A violência aparece então como proteção contra esse excesso, em todas as suas manifestações possíveis, sobretudo naquelas manifestações concretas em que nos sentimos ameaçados pela diferença de outras identidades pessoais ou coletivas. «Todas as outras comunidades históricas que se reclamam de um mesmo transcendente, mas nos termos de uma outra confissão, aparecem como rivais na luta pela apropriação do Ser, do Outro absoluto, tratado como um mesmo, a possuir com exclusão dos outros»7. Lendo este mecanismo à luz da sua origem primeira, poder-se-ia então dizer: «O excesso de ser converte-se em ter, objeto do desejo de apropriação, projetando nas outras comunidades o mesmo gesto de apropriação-expropriação por rivalidade que se prolonga até mesmo no processo de acolhimento»8.

A transformação do sentimento de excesso em relação ao fundamento transcendente da nossa finitude humana em motivo de violência contra esse excesso, tal como surge nas suas manifestações concretas, sobretudo através das diferenças dos outros em relação a mim ou ao meu contexto cultural -isto é, na transformação da relação entre culturas em choque de culturas- dá-se, segundo Ricoeur, através de um mecanismo semelhante ao descrito por Girard.

De facto, a reação violenta ao excesso do fundamento acontece, na medida em que se cria uma comunidade de acolhimento que se apodera -ou pretende apoderar-se- de modo finito, desse infinito fundamental. Ao constituir-se essa comunidade, os seus membros reconciliam-se entre si, superando o potencial conflitivo do seu desejo mimético (como básico potencial de violência inter-humana) através da defesa contra um terceiro (transcendente, ou seja, diferente), de que pretendem tomar posse, ou que pretendem de algum modo controlar.

Mas, ao pretender tomar posse do fundamento transcendente, uma comunidade insere-se no leque de todas as comunidades que também pretendem apropriar-se do mesmo, as quais surgem assim como rivais nesse processo de apropriação finita do fundamento infinito. Daí resulta, sem dúvida, uma atitude de violência entre formas diferentes de pretensa apropriação do infinito, enquanto manifestações da tensão primordial entre finitude humana e infinitude do fundamento. É o que podemos verificar através do conflito entre convicções ou dogmáticas religiosas.

Também aqui verificamos uma estreita ligação entre a violência, eventualmente fundada religiosamente, e a organização da polis. Por um lado, porque a violência do poder pretensamente exercido sobre o fundamento transcendente da comunidade se prolonga, inevitavelmente, na violência do exercício concreto do poder na comunidade. Aliás, a própria legitimação desse exercício assenta num processo de apropriação do fundamento -até à sua manifestação mais extrema no estado teocrático-, em que o exercício do poder se fundamenta na (pretensa) apropriação direta do seu fundamento divino, por parte de quem o exerce. Do ponto de vista das relações externas da polis, instaura-se inevitavelmente o conflito entre as diferentes comunidades humanas, na luta pela apropriação do mesmo transcendente. O estrangeiro passa a ser qualificado radicalmente como rival -não apenas como diferente- o que resulta da sua diferente (mas ao mesmo tempo semelhante) relação com o fundamento excessivo9.

Ora, esta questão da violência sobre o estrangeiro, como consequência de uma violência de apropriação primordial, conduz-nos a uma reflexão sobre a categoria do político, sobretudo na sua configuração estatal e territorial, e sobre a possibilidade de superação da sua configuração violenta. Essa reflexão beneficiará muito com o recurso à categoria filosófica da hospitalidade, que tem sido alvo de notáveis reflexões, nos últimos tempos.

2. Para além do político

Dois dos filósofos que mais explicitamente dedicaram textos à elaboração de uma filosofia da hospitalidade, nomeadamente Jacques Derrida e Hans-Dieter Bahr, acabam por reconduzir todas as suas reflexões ao que denominam uma meta-ética fundada na categoria da hospitalidade. Em realidade, trata-se de uma espécie de ontologia fundamental que vai além de qualquer ontologia, fazendo da ética não apenas uma filosofia primeira (de pertinência ontológica, portanto), mas considerando-a na sua dimensão anterior e excessiva em relação a qualquer normatividade concreta, tal como dada por exemplo numa legislação.

Jacques Derrida, enquadrando-a no seu conhecido programa de desconstrução -que entende precisamente como uma espécie de redução fenomenológica que nos pretende conduzir ao um «lugar» primordial- considera que a ética da hospitalidade constitui o mais originário nível da compreensão do humano e da relação inter-humana. «A desconstrução, esta atitude de vigília insone, esta sentinela de uma certa desordem, confunde-se com a meta- ou ultra-ética -uma ética da hospitalidade. Uma ética como hospitalidade. A ética da/como hospitalidade e/ou da responsabilidade, a própria justiça, que é precisamente esta abertura imediata e incondicional à iminência da vinda do outro absoluto (tout autre)-também designada por Derrida messiânico ou messianicidade sem messianismo»10.

A característica mais funda desta ética é precisamente o carácter incondicional da sua interpelação. E a revelação mais própria deste caráter incondicional da hospitalidade dá-se sobretudo quando comparamos o hóspede com o estrangeiro e com o parasita. O estrangeiro é, de facto, outro, estranho. Mas a sua alteridade e estranheza são medidas pela sua relação a um lugar, a uma cultura, a uma nação, até a um estado -um horizonte que condiciona a própria relação-. Essa condição é determinada por esquemas, por leis, por reduções do outro à mesmidade dessas identificações.

A diferença entre o acolhimento do estrangeiro e o acolhimento do outro absoluto é a diferença entre a hospitalidade jurídico-político-moral e a hospitalidade incondicional a que alude Derrida11. Enquanto que a hospitalidade cosmopolita é regulada pelo cálculo que se impõe à tradução da língua estrangeira, a hospitalidade incondicional é sempre uma relação aneconómica e dissimétrica com a alteridade absoluta: é a impossibilidade da tradução do idioma singular do outro. Assim sendo, a hospitalidade incondicional é impossível12.

Mas essa «impossibilidade» radica, precisamente, no seu caráter incondicional. O que significa precisamente que a hospitalidade, em sentido estrito, é anterior e posterior -porque é exterior e diferente-ao condicionamento do outro pela estrutura político-jurídico-cultural que o pretende determinar como outro. Porque a alteridade passaria, nesse caso, a ser definida a partir da mesmidade, pela diferença/ identidade de estruturas constituintes de identidades diferentes. Mas a (meta)ética da hospitalidade -o apelo que nela ressoa- é anterior às definições da identidade a partir de horizontes, sejam eles quais forem. Ela situa-se «antes e para além das normas e das leis - das leis da hospitalidade, do dever e do direito de hospitalidade inerentes ao espaço da polis. Antes portanto, e diferentemente, da sua assimilação numa determinada comunidade»13.

O outro como hóspede é infinitamente mais do que o outro como estrangeiro ou como estranho. De facto, «diferentemente do estrangeiro que o é portanto sempre a partir de um lugar delimitado -a partir de uma ipseidade ou de um eu próprio, de uma família, uma cidade, um Estado, um direito, uma nação, uma língua e, portanto, de uma cultura-, e que é também acolhido pelo direito de um determinado lugar, pelo direito que faz esse lugar, o recém-chegado "é" e é acolhido a partir de si próprio enquanto alteridade absoluta ou secreta. Infinita. Irredutível. Incalculável. Indecidível. E o acolhimento da sua estranheza, a abertura ao inesperado da sua vinda é, para Derrida, a ética da/como hospitalidade»14.

Muito à semelhança da categoria do «rosto», proposta por Emmanuel Levinas para incarnar o caráter incondicional da interpelação ética originária, Derrida fala da obrigação da hospitalidade como uma resposta perante outro, mesmo antes das suas definições identitárias, que já o enquadrariam em categorias discriminatórias: «na hospitalidade sem condição, o hospedeiro que recebe deveria, em princípio, receber antes mesmo de saber o que quer que seja do hóspede que acolhe. O acolhimento puro consiste não apenas em não saber ou em fazer como se não soubéssemos, mas em evitar toda a questão a respeito da identidade do outro, o seu desejo, as suas regras, a sua língua, as suas capacidades de trabalho, de inserção, de adaptação...»15. O acolhimento é, aqui e enquanto resposta ética primordial, uma ação imediata e incondicional, antes do pensamento que deduz e calcula, antes da análise das condições de identidade, muito antes sobretudo de qualquer intencionalidade subjetiva ou contextual (político-cultural).

A ética da hospitalidade surge então como uma dimensão para além do político, porque lhe é anterior e mais fundamental. A pessoa, enquanto tal e apenas pelo facto de ser pessoa humana, na sua unicidade irrecondutível a qualquer redução generalizante ou determinante, é anterior à polis; cada ser humano, na sua particularidade, é anterior ao cidadão, porque lhe é mais fundamental.

Uma primeira e importante consequência desta precedência refere-se à relativização do enquadramento nacional e estatal da identidade, com a correspondente determinação de direitos e deveres.

O estado-nação, atual referência principal para a identificação jurídico-político-cultural -e também individual- do cidadão, é assim suplantado por uma dimensão primeira, que o coloca mesmo em questão.

Essa dimensão terá encontrado, segundo Derrida, uma realização muito própria na tradição das denominadas «cidades-refúgio» que, segundo o texto do capítulo 35 do livro dos Números, Deus tinha mandado instituir a Moisés. «Uma tradição na qual a polis não era, de uma certa maneira, o horizonte último das cidades que, quanto à hospitalidade, podiam elevar-se acima do estado, constituindo-se assim como uma espécie de santuários ou de asilos. Independentemente das nações e do estado, independentemente da legislação estatal, tais cidades podiam acolher quem desejassem»16.

Ou seja, a Bíblia hebraica -na qual se enraíza uma antropologia ética assente no valor absoluto da pessoa do outro, frente a qualquer enquadramento imanente, seja ele de que ordem for- é que terá introduzido, na história da humanidade, a perspetiva fundamental da ética da hospitalidade. Mesmo que muitas outras culturas e outros textos tenham articulado práticas de hospitalidade, essas estavam, contudo, condicionadas pelas leis da respetiva polis, não se reportando à dimensão da «meta-ética» e da antropologia que determina o horizonte dos escritos bíblicos -o que evoca, ao mesmo tempo, a sua dimensão religiosa ou mesmo teológica-.

De facto, neste horizonte, a «lei» ética supera -e por vezes contradiz- a lei positiva elaborada no contexto da polis, colocando em questão, desse modo, a sua validade última ou absoluta. «A lei rompe, ao mesmo tempo, com as leis, ou seja, com o pacto da hospitalidade como direito ou obrigação, assim como tenta superar a vertente institucionalizada da hospitalidade. Esta forma da hospitalidade incondicional deve ser entendida, portanto, como a "lei na sua singularidade universal", que tenta superar (ou subverter?), de modo hiperbólico, as codificadas leis do hóspede. Ela não tem que condenar a hospitalidade condicionada, mas é-lhe tão heterogénea como o é a justiça em relação ao direito, e contudo do mesmo modo lhe está inseparavelmente ligada»17.

Esta paradoxal ligação à lei, mesmo à lei sobre o acolhimento do estranho -normalmente do estrangeiro, já determinado enquanto tal pela própria lei- transforma a ética da hospitalidade e a sua incondicionalidade numa utopia sociopolítica. Como todas as utopias, está habitada por uma impossibilidade radical, que não deixa contudo de ter enorme efeito sobre as possibilidades reais. O hóspede representa um caso de «impossibilidade lógica e simultaneamente de manifesta presença. O hóspede é a figura paradoxal do terceiro: em realidade não deveria existir, mas existe. Desta situação aporética resultam simultaneamente a sua incomodidade e a sua indisponibilidade»18.

Se o hóspede se distingue, deste modo, claramente do estrangeiro -como estranho marginalizado por uma predeterminação-também se distingue do parasita -como estranho pervertido por um interesse19- precisamente por um novo processo de excesso ou incondicionalidade. Se a incondicionalidade em relação ao estrangeiro se mede pela transgressão do espaço da polis e da respetiva lei, a incondicionalidade em relação ao parasita irá medir-se pela transgressão do interesse, na superação da permuta meramente económica, através da dádiva incondicional e absoluta. E se o excesso em relação ao primeiro nos conduz a uma espécie de impossibilidade utópica, o mesmo se pode dizer deste segundo excesso, também ele considerado realmente impossível20.

É precisamente no âmbito do excesso da dádiva sem condição que podemos regressar à questão do lugar da religião, se interpretada no sentido que lhe dá Ricoeur. Segundo ele, o cerne do religioso poderá ser concebido de forma diferente daquele que foi apresentado acima, e que a relacionava inevitavelmente com a violência, em conjugação com o político. Esse outro modo de ver pode ser inclusivamente compreendido como anterior à manifestação humana de reação violenta ao excesso, mesmo que esta se encontre muito expandida. Basta conceber o excesso do fundamento não como ameaça, mas como precisamente o seu contrário, o que corresponderá talvez até mais à sua verdade. Nas palavras explícitas de Ricoeur: «Ora, porquê perceber aquilo que funda como uma ameaça e não como gratuidade e generosidade? É isso que ele é, fundamentalmente. Não é a projeção do nosso desejo de apropriação sobre a própria origem da nossa convocação ao ser que transforma em ameaça aquilo que não é senão doação, alargamento da minha capacidade de acolhimento?»21.

Assim, a referência ao transcendente indisponível resultaria em acolhimento de um dom gratuito e não em defesa contra uma ameaça, que se prolongaria em violência contra todo o diferente, enquanto outro. Ou seja, mesmo a este nível profundo e primordial -ontológico, poderíamos dizer- da relação entre religião e violência, é possível pensar a atitude religiosa como superação, na sua raiz originária, de todo o tipo de violência, mesmo que em muitas manifestações concretas do fenómeno religioso se tenha seguido o caminho precisamente inverso22.

Aplicando esta visão fundamental à dimensão política da relação com o estranho, a atitude religiosa de fundo acaba por coincidir com a meta-ética da hospitalidade. Tornar-se-á, portanto, numa espécie de religiosidade nómada23, não confinada a territórios organizados politicamente, nem aos modelos de poder que os sustentam. Na religião nómada da inter-humanidade hospitaleira, Deus é acolhido como hóspede primordial, não como propriedade a defender. Por seu turno, o próprio sujeito do religioso assume-se como permanente hóspede em qualquer lugar, não como proprietário, nem de Deus, nem do lugar em que o adora. Como consequência deste outro modo de ser e de ver as coisas, o outro -qualquer outro, sem acepção- é acolhido como hóspede, não como inimigo, porque todos somos hóspedes de todos; e na hospitalidade que nos une revela-se o hóspede primordial -ou a própria hospitalidade-, como modo primordial de ser.

É claro que, como já muito bem viram os filósofos da hospitalidade -de modo mais evidente o próprio Derrida- há uma espécie de aporia inerente a esta visão do mundo. Porque a hospitalidade, como superação (porque anterior) de toda a regra hospitaleira, não passará de utopia; e a hospitalidade realmente existente, determinada por leis ou preceitos de hospitalidade, já não é incondicional e por isso já não é hospitalidade em sentido puro. Lida-se, aqui, com o mesmo modo de impossibilidade que é habitualmente aplicável à categoria do dom.

Por outro lado, se identificarmos a meta-ética da hospitalidade com a fundamentação religiosa da existência -e da constituição do social e do político- parece que ambas estão marcadas por uma impossibilidade sócio-política. Essa impossibilidade poderia permanecer na sua negatividade radical; ou então, na esteira de Ricoeur, podemos tornar fértil precisamente essa tensão utópica. Nesse sentido, o político -enquanto espaço da ideologia, no sentido positivo que lhe atribui Ricoeur- constitui a possibilidade de articulação humana da utopia, seja ela referida à meta-ética fundamental ou ao religioso24.

Ora, a dimensão política realiza-se através do estado -nas nossas sociedades ocidentais, - através do denominado estado laico. Este é, segundo Ricoeur (partindo de Éric Weil), a «organização de uma comunidade histórica»25. A questão do sentido da ação e das decisões -e da sua fundamentação originária- enraíza-se no mundo simbólico de uma comunidade social concreta, com as suas tradições, os seus costumes, os seus valores, as suas convicções, também as suas regras -e por isso sempre marcada por um limite-, que a distingue de outras comunidades, originando o sentido do estrangeiro ou estranho. Então, o estado será uma espécie de «síntese do racional e do histórico, da eficácia e do justo»26, mas também do utópico e do historicamente realizável, seguindo a regra da mais justa aplicabilidade do incondicional, tendo em conta as circunstâncias pragmáticas e históricas e, ao mesmo tempo, a salvaguarda da igualdade de todos perante a lei. É nessa aplicação pragmática, segundo a virtude da prudência (da phronêsis grega), que o estado é a realização do especificamente político.

Ora, se a meta-ética ou a religiosidade nómada da hospitalidade necessitam de uma realização política para ganharem corpo realmente histórico -e por isso realmente eficaz no contexto das relações inter-humanas- não é menos importante que essas realizações sejam sempre relativizadas, precisamente por relação ao seu fundamento incondicional e, nesse sentido, nunca realizável. É na tensão destes elementos que um estado se mantém humano e não se transforma em articulação divina ou absoluta do puro poder; e é também aí que a utopia da hospitalidade pode ganhar corpo, sem se limitar a ser uma ideia negativa do impossível. Para terminar com Ricoeur, quando aplica esta tensão à relação entre amor e justiça, poderíamos dizer: «A incorporação tenaz, passo a passo, de um grau suplementar de compaixão e de generosidade nos nossos códigos -código penal e código de justiça social- constitui uma tarefa perfeitamente razoável, se bem que difícil e interminável»27.

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Para citar este artículo: Duque, João Manuel. «Hospitalidade e Violência. Sobre um possível fundamento religioso anterior ao estado laico». Franciscanum 167, Vol. LIX (2017): 195-213.

1 Esta proposta inspira-se, embora recorrendo a outras categorias, na apresentada por Johann B. Metz, «Religion und Politik auf dem Boden der Moderne», in Hans-Joachim Hõhn, Ed., Krise der Immanenz. Religion an den Grenzen der Moderne (Frankfurt a. M.: Fischer, 1996) 265-279.

2 Cf. Jürgen Habermas, Theorie des kommunikativen Handelns (Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981); A. Beckermann, «Die realistischen Voraussetzungen der Konsensustheorie von J. Habermas», Zeitschrift für allgemeine Wissenschaftstheorie 3 (1972): 63-80.

3 Para o que se segue, ver sobretudo a interessante síntese da sua vasta obra em René Girard, «Violence et religion», Revista Portuguesa de Filosofia 56 (2000): 3-10.

4 Ver, como síntese: Paul Ricoeur, «A religião e a violência», Revista Portuguesa de Filosofia 56 (2000): 25-35.

5 Paul Ricoeur, «A religião e a violência», 28.

6 Paul Ricoeur, «A religião e a violência», 29.

7 Paul Ricoeur, «A religião e a violência», 33.

8 Paul Ricoeur, «A religião e a violência»,34. É essa uma das leituras interessantes que Ricoeur faz da tese de René Girard sobre o carácter violento do sagrado.

9 Em que medida esta violência entre diferentes semelhantes se aproxima da relação fratricida, é o que se pode deduzir de uma hermenêutica fundamental da narrativa de Caim e Abel, em Gn 4. Ver J. Duque, «Fraternidade originária. Da violência mimética à responsabilidade pelo outro», Forma Breve 12 (2015): 71-78.

10 Fernanda Bernardo, «A ética da hospitalidade ou o porvir do cosmopolitismo por vir i», Revista Filosófica de Coimbra 20 (2001): 366, com referência a Jacques Derrida, Foi et savoir (Paris: Seuil, 2001) 27: «Le messianique, ou la messianicité sans messianisme. Ce serait l'ouverture à l'avenir ou à la venue de l'autre comme avènement de la justice, mais sans horizon d'attente et sans préfiguration prophétique».

11 O autor refere-se a Jacques Derrida, De l'hospitalité (Paris: Calmann-Lévy, 1997).

12 Gonçalo Zagalo, «Hospitalidade e soberania. Uma leitura de Jacques Derrida», Revista Filosófica de Coimbra 30 (2006): 318.

13 Fernanda Bernardo, «A ética da hospitalidade ou o porvir do cosmopolitismo por vir i», 370.

14 Fernanda Bernardo, «A ética da hospitalidade ou o porvir do cosmopolitismo por vir i», 372.

15 Jacques Derrida, De Vhospitalité, 98.

16 Fernanda Bernardo, «A ética da hospitalidade ou o porvir do cosmopolitismo por vir ii», Revista Filosófica de Coimbra 22 (2002): 431.

17 Evin Fountoulakis e Boris Previsic, orgs., Der Gast als Fremder. Narrative Alteritat in der Literatur (Bielefeld: Transcript Verlag, 2011) 16.

18 Evin Fountoulakis e Boris Previsic, orgs., Der Gast als Fremder. Narrative Alteritat in der Literatur, 13.

19 Mesmo que, também aqui, os papéis possam inverter-se, pois o interesseiro tanto pode ser o hóspede como o hospedeiro.

20 Sobre esta pretensa impossibilidade do dom, ver Jacques Derrida, Donner le temps (Paris: Galilée, 1991).

21 Paul Ricoeur, «A religião e a violência», 34.

22 Não poderíamos identificar aqui uma espécie de critério transcendental, para avaliar as manifes tações religiosas concretas quanto à sua autenticidade?

23 E não pertencem as religiões abraâmicas à tradição do «arameu errante»?

24 Para uma compreensão aprofundada da relação entre ideologia e utopia, ver Paul Ricoeur, «L'ideó-logie et l'utopie: deux expressions de l'imaginaire social», Autres Temps 2 (1984): 53-64.

25 Paul Ricoeur, «Ethique et Politique», in Du text à Faction (Paris: Seuil, 1986) 393-406, 402.

26 Paul Ricoeur, «Ethique et Politique», 400.

27 Paul Ricoeur, Amour et justice. Liebe und Gerechtigkeit (Tübingen: J. C. B. Mohr, 1990), 66.

Recebido: 17 de Maio de 2016; Aceito: 25 de Julho de 2016

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