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Franciscanum. Revista de las Ciencias del Espíritu

versão impressa ISSN 0120-1468

Franciscanum vol.63 no.176 Bogotá jul./dez. 2021  Epub 13-Nov-2021

https://doi.org/10.21500/01201468.4837 

Teología

Análisis retórico de Dt 30,11-14

Análise retórica de Dt 30,11-14

Rhetorical analysis of the Dt 30:11-14

Leonardo Agostini Fernandes1  *
http://orcid.org/0000-0003-2060-8307

1Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Rio de Janeiro; Brasil.


Resumen

Después de una breve introducción, se presenta la traducción del texto hebreo segmentado y algunas notas de crítica textual. La segmentación facilitó la percepción y la comprensión de la forma en que el texto está organizando: una estructura simétrica. Este estudio prosigue con el análisis retórico, pues en el texto se encuentran los principios de la lógica semítica y grecolatina. Así se comprende la intención de este discurso de Moisés. El pueblo, de acuerdo con la naturaleza narrativa del Deuteronomio y la posesión del libro de la Torá, experimentará dos eventos: la muerte de su gran líder y el ingreso en la tierra de Canaán bajo la guía de un sucesor Josué.

Palabras clave: Análisis Retórico; Libro del Deuteronomio; Moisés; «Nuevo Israel»; teología bíblica

Resumo

Após uma breve introdução, apresenta-se a tradução segmentada do texto hebraico com algumas notas de crítica textual. A segmentação facilitou a percepção e a compreensão da forma como o texto está organizado: uma estrutura simétrica. O estudo prossegue com a análise retórica, individuando, no texto, tanto os elementos da lógica semítica, como da greco-latina. Assim, compreende-se a intenção dessa incisiva fala de Moisés ao povo. Pela natureza narrativa do livro de Deuteronômio e pela posse do livro da torá, o povo experimentará dois acontecimentos: a morte de seu grande líder e a entrada na terra de Canaã sob o comando de um sucessor: Josué.

Palavras-chave: Análise Retórica; Livro de Deuteronômio; Moisés; «Novo Israel»; teologia bíblica

Abstract

After a brief introduction, the segmented translation of the Hebrew text is presented, with some remarks of the textual criticism. The segmentation has made easier the perception and the understanding of the text organization: a symmetrical structure. The study proceeds with the rhetorical analysis, pointing elements of both of Semitic and Greco-Latin logic. In this perspective, it is understandable the critical speech of Moses. By the nature of the book of Deuteronomy’s narrative, as by the possession of the torah book, the people will experience two outcomes: the death of its great leader and the entry into the land of Canaan, under the guidance of a successor: Joshua.

Keywords: Rhetorical Analysis; Book of Deuteronomy; Moses; «New Israel»; Biblical theology

Introdução

As posições acadêmicas sobre o longo processo de formação do livro de Deuteronômio são muitas, diversificadas e as questões se multiplicaram após a crise que se abateu sobre a hipótese dos documentos-fontes1.

O desenvolvimento do quinto livro da Torá é complexo. Em geral, admite-se que o processo por detrás desse livro é longo, passou não só por várias épocas, mas também por diferentes mãos em sucessivas etapas, que vão desde o século IX a.C., até os séculos V-IV a.C., quando, provavelmente, teria alcançado a sua forma final e canônica2.

Este parecer, porém, contrasta com a proposta narrativa presente no livro, que apresenta o testamento de Moisés em forma de ensinamentos orais (discursos), algo bem típico da profecia, e todo o seu conteúdo teria transcorrido no dia que chancelou e sigilou o inteiro percurso histórico-literário da Torá: o dia da morte de Moisés (Dt 34)3.

Sem adentrar nessa discussão acadêmica, mas seguindo a forma final e canônica, as partes do livro de Deuteronômio podem ser identificadas quer pela presença de um título (Dt 1,1; 4,44; 28,69; 33,1), quer pela dinâmica do conteúdo4. Com base nesses dois critérios, admite-se que o livro possa ser dividido em cinco partes:

  1. Primeiro discurso de Moisés, precedido de um prólogo (Dt 1,1-5), que recapitula elementos importantes do período do deserto (Dt 1,6-4,43);

  2. Segundo discurso de Moisés, introduzido por um gancho narrativo (Dt 4,44-49), que reflete sobre a aliança estabelecida no Horeb (Dt 5,1-28,68);

  3. Terceiro discurso de Moisés sobre a aliança renovada em Moab (Dt 28,69-30,20);

  4. Últimas disposições e ações de Moisés antes de sua morte (Dt 31,1-33,29);

  5. Relato da morte de Moisés (Dt 34,1-12).

Segundo essa possível subdivisão, que respeita a índole literária e contribui para a compreensão do conjunto do livro, Dt 30,11-14 pertence ao terceiro discurso de Moisés e, dentro desse contexto, deve-se procurar entender o seu sentido primário e literal. Contudo, essa posição contextual pode ser aprofundada quando são verificadas outras relações plausíveis, em nível sintático-gramatical ad intra, como se procederá ao longo da análise retórica proposta para esse estudo5.

A tradução e a subdivisão de Dt 30,11-14, dispostas em vinte e dois segmentos6, permite que se perceba a moldura (v. 11.14), que enquadra o desenvolvimento de uma argumentação sem precedentes no livro (vv. 12-13), tornando evidente a relação sinonímica entre os substantivos a ordem e a palavra. Nota-se, ainda, o uso de ideias equidistantes que funcionam como antônimos: inalcançável (רְחֹקָה) e próximo (קָרוֹב)7.

A análise retórica semítica dos textos do AT é uma demanda promissora e que pode ser devidamente valorizada, explorada e aplicada pelos estudiosos de ambos os Testamentos8. Graças à utilização da análise retórica evidencia, com mais facilidade, a lógica da composição do texto, a sua estrutura formal, e demarcação dos seus limites.

Nessa análise, o reconhecimento da presença e do uso dos três vetores relacionais: ethos, pathos e logos, permitem perceber que emissor (ethos = sensus/intentio auctoris) e destinatários (pathos = sensus/intentio lectoris) estão condicionados e envolvidos de forma reciproca e direta pelo conteúdo (logos = sensus/intentio textus). Assim, deve-se reconhecer que, como ponto de partida, sem a intenção do autor não se gera o sentido literal presente no texto e não se chama em causa o interesse pelo leitor.

O passo inicial consiste na análise dos períodos, buscando perceber e compreender a lógica da construção sintático-gramatical presente no texto. Tal foi a metodologia empregada e que validou a aplicação tanto da análise retórica semítica como da análise greco-latina a Dt 30,11-14.

Por meio desse procedimento, acredita-se que as distâncias interpretativas possam ser encurtadas e os resultados possam se tornar mais promissores para as duas vertentes exegético-teológicas. Além da retórica semítica, certos textos do AT também poderiam ser submetidos à análise retórica greco-latina.

1. Texto segmentado e notas de crítica

 

2. Organização do texto

Dt 30,11-14 contém repetições, ampliações e paralelismos em função da lógica do seu conteúdo, bem como apresenta cinco frases nominais (vv. 11cd.12a.13a.14a), que poderiam ser traduzidas quer pelo presente, quer pelo futuro15. Essa possibilidade permite que as palavras de Moisés sejam entendidas, de forma direta, em referência ao «hoje» dos que contraem a aliança em Moab, com base na lógica profética presente em Dt 30,1-10, mas também permite que sejam assumidas, em qualquer época, no «hoje» dos futuros destinatários16, em particular naquele que se fizer obediente por um amor incondicional ao Senhor. Uma estrutura simétrica permite visualizar a lógica interna17:

A: Portanto, esta ordem... (v. 11);

B: ela não está nos céus... para que perguntes (v. 12ab);

C: Quem subirá... aos céus e a buscará para nós (v. 12cd); D: a ela nos fará escutar e a praticaremos? (v. 12e);

B’: E ela não está ao extremo do mar... para que perguntes (v. 13ab); C’: Quem atravessará... mar e a buscará para nós (v. 13cd);

D’: a ela nos fará escutar e a praticaremos? (v. 13e); A’: Porque, muito próxima de ti está a palavra... (v.14).

Quanto à moldura (vv. 11.14), o primeiro elemento, que a sustenta, surge na dupla ocorrência da conjunção (כִּי), e na relação que se estabelece entre os substantivos que estão no singular e determinados por artigo: a ordem (הַמִּצְוָה) e a palavra (הַדָּבָר), nos vv. 11a.14a. Além disso, a determinação do substantivo ordem recebe uma qualificação a mais, graças ao pronome demonstrativo feminino, com valor de adjetivo atributivo devido ao artigo (הַזֹּאת). No v. 14a também se encontra uma qualificação para o substantivo palavra, ao se afirmar que ela está muito próxima (קָרוֹב ... מְאֹד).

O segundo elemento, que confirma a moldura, se encontra na dupla relação que se estabelece entre: e ela não é elevada para ti (נִפְלֵאת ... מִמְּךָ), no v. 11c, e na tua boca (בְּפִיךָ), no v. 14b; bem como entre: e ela não está distante (וְלֹא רְחֹקָה הִוא), no v. 11d, e no teu coração (וּבִלְבָבְךָ), no v. 14b. Essa dupla relação também evoca o contraste entre céus (שָׁמַיִם) e mar (יָם), como elementos geográficos equidistantes, e boca (פֶּה) e coração (לֵבָב), como elementos humanos e próximos, por serem, respectivamente o veículo que exterioriza o que se encontra no íntimo da pessoa.

Enfim, o terceiro elemento se encontra no destinatário, representado na segunda pessoa do masculino singular, presente nos sufixos pronominais: te ordeno (מְצַוְּךָ), para ti (מִמְּךָ), de ti (אֵלֶיךָ), tua boca (בְּפִיךָ), e no teu coração (בִלְבָבְךָ).

Quanto ao desenvolvimento (vv. 12-13), o substantivo feminino determinado e qualificado, esta ordem, continua sendo evocado de dois modos: 1º) pelo pronome de terceira pessoa do feminino singular, de acordo com o qere’-qetib, assinalado pela leitura massorética (הִוא), presente nos vv. 11cd.12a.13a; 2º) pelo sufixo pronominal feminino na terceira pessoa singular, presente nos verbos do v. 12de e do v. 13de, funcionando como o objeto dos verbos que, na mesma sequência, estão interligados pela conjunção waw e formam a consecução crescente das ações.

Outrossim, entre a forma masculina do qetib (הוא) e a forma feminina do qere’ (הִוא) se percebe que esta aponta para a ordem (הַמִּצְוָה), pois em hebraico é um substantivo feminino, e aquela aponta para a palavra (הַדָּבָר), que em hebraico é um substantivo masculino. Então, o conhecimento a ser assimilado, no presente da fala, se torna comportamento a ser praticado no futuro: e a buscaremos (וְיִקָּחֶהָ), a ela nos fará escutar (וְיַשְׁמִעֵנוּ), e a praticaremos (וְנַעֲשֶׂנָּה).

Na moldura, os substantivos precedidos de artigo: a ordem e a palavra, adquirem valor de sinônimo, pois esta ordem, que não é distante, corresponde à palavra, que é próxima18. No desenvolvimento da argumentação, as duas proposições, na negativa, reforçam a ideia veiculada (v.12ab e v. 13ab). Cada uma é seguida de uma pergunta (v. 12cde.13cde), na qual, em relação ao primeiro verbo, se retoma o substantivo da proposição: céus (v. 12a.c) e mar (v. 13a.c). Na sequência das perguntas, três verbos são repetidos e se indica o desejado: e a buscará para nós (v. 12d.13d), e a sua finalidade: a ela nos fará escutar e a praticaremos? (v. 12de.13de).

Desta forma, os vv. 12-13 ratificam o paralelismo criado entre o v. 11 e o v. 14. Curiosamente, porém, caso os vv. 12-13 fossem deixados na leitura, a fala do v. 11 seguiria sem problemas no v. 14, mas a «interrupção», por meio de duas perguntas fortemente retóricas, é funcional e valiosa para evidenciar a mudança de posição a ser assumida pelo v. 14 frente à ordem aludida no v. 11.

Com isso, se tem a confirmação do que se pretendeu alcançar entre a ordem e a palavra: uma síntese de toda a legislação presente no livro de Deuteronômio19, pois a ordem, que expressa a vontade de Deus, aponta para a «encarnação» da palavra. Pela índole interna e literária, Dt 30,11-14 pode ser classificado como uma exortação de natureza proverbial20.

3. A retórica presente no texto

A análise retórico-literária dos textos bíblicos tem sido cada vez mais aplicada como um procedimento que permite descobrir as riquezas que neles se encerram. Por ela, novos resultados podem ser alcançados, favorecendo a percepção, a interpretação e a compreensão para além dos resultados já obtidos através dos métodos histórico-críticos, ainda considerados e praticados como fundamentais para a exegese bíblica21. A confirmação disso advém através dos três passos que se seguem.

3.1 Análise dos períodos

a) Dt 30,11

 

O período é aberto por uma conjunção coordenada: portanto (כִּי), agindo como ponte entre o que precede e o que se segue. No tocante a Dt 30,1-10, por essa conjunção busca-se dar a razão para o que nesses versículos está dito. Quanto a Dt 30,11-14, a conjunção permite que se exponham as motivações que fundamentam o que foi dito. Pela lógica interna, porém, essa conjunção emoldura e fecha o raciocínio ao ser repetida em Dt 30,14aα.

A conjunção está bem empregada no início do período, pois introduz um sintagma formado por um substantivo feminino singular absoluto, determinado por artigo: a ordem (הַמִּצְוָה), e um pronome demonstrativo feminino singular absoluto, com função de adjetivo atributivo devido à presença do artigo: [a] esta (הַזֹּאת). Esse sintagma, por sua vez, é o objeto direto do verbo da proposição relativa.

Na sequência, a partícula relativa: que (אֲשֶׁר), está no lugar do referido sintagma que, por sua vez, é o complemento direto do verbo na primeira pessoa do comum singular que aglutina o seu objeto indireto no pronome na segunda pessoa do masculino singular: te ordeno (מְצַוְּךָ), cujo sujeito está explicitado pelo pronome pessoal de primeira comum singular, na forma enfática: eu (אָנֹכִי). A ação verbal ainda é modificada por um substantivo masculino singular absoluto que funciona como advérbio temporal por estar determinado por artigo: hoje (הַיּוֹם).

Seguem duas orações que continuam especificando o sentido e o valor do sintagma, que reaparece no duplo emprego do pronome pessoal singular, caracterizado pela sinalização do massoreta no gênero feminino: ela (הִוא). Ambos estão colocados no final e, de forma enfática, são o sujeito das duas frases disjuntivas formadas pela partícula negativa: não (לֹא).

As duas frases estão unidas pela conjunção coordenada: e (וְ). Na primeira, o predicativo do sujeito está indicado por um particípio nifal no feminino singular absoluto: elevada (נִפְלֵאת), e a informação é completada por um sintagma formado por uma preposição e um sufixo pronominal na segunda pessoa do masculino singular: para ti (מִמְּךָ). Na segunda, o predicativo é indicado por um adjetivo isento de determinação: inalcançável (רְחֹקָה). Pode- se admitir que a informação dessa segunda frase também seja completada pelo mesmo sintagma: para ti que estaria subentendido.

b) Dt 30,12

 

O novo período possui a mesma estrutura do anterior, sem vínculo por conjunção, mas é disjuntiva pois também começa pela partícula de negação: não (לֹא). O sintagma: esta ordem, continua sendo evocado através do pronome pessoal feminino: ela (הִוא), justaposto na última posição e que é o sujeito da oração. O predicativo do sujeito é composto, pois é formado por uma preposição e um substantivo masculino plural absoluto, determinado por artigo: nos céus (בַשָּׁמַיִם).

Na sequência, uma locução verbal no infinito construto prepara para uma questão: para que perguntes (לֵאמֹר). O sujeito da voz verbal, que foi introduzido na segunda pessoa do masculino singular, condiz com o interlocutor do versículo precedente.

A pergunta contém quatro orações. O ponto de partida é um sujeito indefinido, indicado pelo pronome interrogativo de pessoa: quem (מִי). Por essa indefinição, três ações verbais estão na terceira pessoa do masculino singular. A primeira: subirá (יַעֲלֶה), possui um complemento indireto de lugar, formado por um substantivo masculino absoluto plural, determinado por artigo: aos céus (הַשָּׁמַיְמָה), evidenciado pela partícula de direção (ה). Além disso, a primeira ação rege a segunda: buscará (יִקָּחֶהָ), e a terceira: fará escutar (יַשְׁמִעֵּ), que estão ligadas por coordenação através da conjunção aditiva: e (וְ), onde a segunda pode ser substituída por uma vírgula (v. 12e).

Cada ação tem a ver com um interlocutor indicado nos v.12cd por um sintagma formado por uma preposição e um sufixo pronominal: por nós (לָּנוּ). No caso da terceira ação (v. 12e), este interlocutor aparece como objeto indireto na forma de um sufixo pronominal plural: nos (נוּ).

Na segunda (v. 12d), terceira (v. 12e) e quarta ação (v. 12f), percebe-se que o sintagma: esta ordem continua a ser o objeto direto. Na segunda e na quarta ação, esse objeto encontra- se indicado no sufixo pronominal feminino singular que aparece aglutinado ao verbo: a (הָ; ָה ).Já na terceira ação, o objeto vem introduzido pela partícula de objeto direto composta com o sufixo pronominal de terceira pessoa do feminino singular: a (אֹתָהּ). Enfim, na última ação ocorre uma mudança de sujeito, que se reconhece implícito na voz verbal na primeira pessoa do comum plural: praticaremos (נַעֲשֶׂנָּה).

c) Dt 30,13

 

O período possui, praticamente, as mesmas construções gramaticais do v. 12, com o qual, para o pensamento continuar, encontra-se vinculado pela conjunção coordenada sindética aditiva: e (וְ). De igual modo, começa de forma disjuntiva pela partícula de negação: não (לֹא), e o sintagma: esta ordem, retorna através da sua presença no pronome pessoal feminino: ela (הִוא), justaposto na última posição como sujeito da oração. O predicativo do sujeito é composto por uma preposição e um substantivo masculino singular construto: ao estremo de (מֵעֵבֶר), formado por uma preposição e um substantivo masculino singular absoluto, determinado por artigo, com função de adjunto adverbial de lugar devido ao uso da preposição preposta: para o mar (לַיָּם).

Na sequência, uma locução verbal no infinito construto prepara para uma questão: para que perguntes (לֵאמֹר). O sujeito da voz verbal, que foi introduzido na segunda pessoa do masculino singular, condiz com o interlocutor do versículo precedente.

A pergunta contém quatro orações. O ponto de partida é um sujeito indefinido, indicado pelo pronome interrogativo de pessoa: quem (מִי). Por essa indefinição, três ações verbais estão na terceira pessoa do masculino singular. A primeira: atravessará (יַעֲבָר), possui um complemento indireto, formado por uma preposição: até (אֶל), um substantivo masculino singular construto: extremo de (עֵבֶר) e um complemento de lugar pelo substantivo masculino singular absoluto, determinado por artigo: o mar (הַיָּם). Aqui, igualmente, a primeira ação rege a segunda: buscará (יִקָּחֶהָ), e a terceira: fará escutar (יַשְׁמִעֵּ), que estão ligadas por coordenação através da conjunção: e (וְ), onde a segunda pode ser substituída por uma vírgula (v. 13e).

Cada ação tem a ver com um interlocutor indicado nos v.13cd por um sintagma formado por uma preposição e um sufixo pronominal: por nós (לָּנוּ). No caso da terceira ação (v. 13e), este interlocutor aparece como objeto indireto na forma de um sufixo pronominal plural: nos (נוּ).

Na segunda (v. 13d), terceira (v. 13e) e quarta ações (v. 13f), percebe-se que o sintagma: esta ordem, indicada no pronome do v. 13a, é o objeto direto desses verbos. Na segunda e na quarta ação, esse objeto encontra-se no sufixo pronominal feminino singular que aparece aglutinado ao verbo: a a (הָ; ָה ). Já na terceira ação, está indicado explicito pela partícula de objeto direto composta com o sufixo pronominal de terceira pessoa do feminino singular: a (אֹתָהּ). Enfim, na última ação ocorre uma mudança de sujeito, que se reconhece implícito na voz verbal na primeira pessoa do comum plural: praticaremos (נַעֲשֶׂנָּה).

d) Dt 30,14

 

O último versículo é formado por duas orações. O primeiro está ligado ao pensamento que vem evoluindo desde os vv. 11-13, através da conjunção coordenada: porque (כִּי), que, igualmente, poderia oferecer um sentido conclusivo: portanto, como reconhecido no v. 11a. Já o segundo é uma oração subordinada, com função de finalidade, devido ao uso de preposição: para (לְ).

De acordo com a estrutura do primeiro segmento, o sujeito da frase é formado, em hebraico, por um substantivo masculino singular absoluto, determinado por artigo: a palavra (הַדָּבָר). O verbo de ligação encontra-se implícito: está, e vem intensificado por um adjunto adverbial: muito (מְאֹד), e um adjetivo no masculino singular absoluto: próxima (קָרוֹב) que qualifica a palavra. Este é complementado com uma indicação adverbial de pessoa, formado por uma preposição e um sufixo pronominal de segunda masculino singular: de ti (אֵלֶיךָ).

A essa indicação, uma nova complementação é oferecida por duas locuções: na tua boca e no teu coração, unidas por uma conjunção aditiva: e (ו). As duas estão formadas por uma preposição, um substantivo masculino singular construto e um sufixo pronominal de segunda pessoa do masculino singular: na tua boca (בְּפִיךָ); no teu coração (בִלְבָבְךָ), funcionam como adjunto adverbial de lugar ou de instrumento.

A última proposição do versículo está elaborada de forma complexa e aglutinada: uma preposição, um verbo no infinito construto e um sufixo pronominal masculino singular que funciona como objeto direto e evoca o substantivo determinado: a palavra, que, em hebraico, é masculino: para que a pratiques (לַעֲשׂתוֹ).

3.2 Dt 30,11-14 segundo a retórica semítica

Dt 30,11-14 segue uma estrutura lógico-comunicativa própria da retórica semítica: o ponto de partida é o enunciado de uma tese, pela qual se levanta a argumentação (v. 11), segue-se o seu desenvolvimento (vv. 12-13), e enfim a síntese da argumentação (v. 14). Cada versículo, como aludido na organização do texto, é formado de segmentos, ou membros, em relação sinonímica e antitética dispostos em forma paralela22.

[11a] Portanto, esta ordem<>[11b] que eu, hoje, te ordeno;

[11c] ela (ordem) não é elevada para ti<>[11d] e ela (ordem) não é inalcançável.

Nota-se que o v. 11 parte do sintagma: esta ordem e de duas proposições nominais (v. 11cd), e uma proposição verbal (v. 11b), que continuam a tratar do sintagma.

O discurso central gira entorno ao substantivo definido: esta ordem, que é reevocado outras três vezes. Na primeira (v. 11b), pelo recurso linguístico da partícula relativa, que; nas outras duas (v. 11cd), pela repetição do pronome pessoal de terceira pessoa do feminino singular: ela.

Nos dois primeiros segmentos (v. 11ab), manteve-se a assonância entre o substantivo: ordem, e o verbo: ordeno. Já no terceiro e quarto segmentos, duas proposições na negativa querem, porém, evidenciar um dado positivo, permitindo que se diga, claramente, que esta ordem ordenada é acessível aos destinatários da mensagem. Estes são indicados na segunda pessoa do masculino singular, devidamente assinalados pelo sufixo pronominal de segunda pessoa do singular: te, que funciona como objeto indireto do verbo ordeno e na preposição, com sufixo pronominal: para ti, que, embora só ocorra no v. 11c, está subentendida igualmente no final do v. 11d.

O sujeito de toda a fala está assinalado pelo pronome enfático de primeira pessoa do comum singular: eu (v. 11b) que trata de um único assunto: esta ordem.

Os segmentos 11cd poderiam funcionar como uma prolepse do desenvolvimento que se segue. Assim, ao dizer: não é elevada para ti (v. 11c), prepara-se a referência da primeira proposição negativa do v. 12a: ela não está nos céus; onde elevada está em referência aos céus. E, na sequência, ao dizer: ela não é inalcançável (v. 11d), prepara-se a referência à segunda proposição na negativa do v. 13a: Ela não está no extremo do mar; onde inalcançável está em referência ao estremo do mar.

[12a] ela não está nos céus<>[12b] para que perguntes:

[12c] «Quem subirá, por nós, aos céus<>[12d] e a buscará para nós,

[12e] a ela nos fará escutar<>[12f] e a praticaremos

[13a] E ela não está ao extremo do mar,<>[13b] para que perguntes:

[13c] «Quem atravessará, por nós, até o extremo do mar<>[13d] e a buscará para nós,

[13e] a ela nos fará escutar<>[12f] e a praticaremos

A centralidade, nos vv. 12-13, continua sendo do objeto direto da fala: esta ordem, reevocada por duas vezes pelo pronome pessoal feminino singular: ela (v. 12a.13a), e mais seis vezes pelo sufixo pronominal de terceira feminina singular, das quais, em quatro ocorrências, está como objeto dos verbos nos vv. 12df.13df, e duas vezes aparece unido à partícula de objeto direto nos vv. 12e.13e. Por necessidade da língua de destino da tradução, nos vv. 12e.13e foi assumido o pronome pessoal de terceira feminino singular.

Apesar de, em hebraico, o sujeito se encontrar na última posição, nota-se que duas proposições nominais, na negativa, iniciam, respectivamente, os vv. 12a.13a e aviam as duas perguntas que seguem o mesmo esquema formal e de conteúdo (vv. 12b.13b). As duas, no caso, servem para confirmar o sentido positivo dos vv. 11cd: esta ordem é alcançável, porque: ela não está nos céus e ela não está no extremo do mar.

O duplo uso do pronome interrogativo: quem (vv. 12c.13c), introduz um suposto novo sujeito na fala para além de quem fala: eu, e para além do destinatário da fala: tu. Ambos, agora, aparecem associados pelo sufixo pronominal de primeira pessoa do comum plural: nós, presente quatro vezes unido à preposição: para (vv. 12cd.13cd), e quatro vezes implícito nas formas verbais idênticas dos vv. 12ef.13ef: nos fará escutar e praticaremos. No pronome: nós, o sujeito e os destinatários se encontram unidos e interpelados pelo mesmo objeto: esta ordem.

Dois extremos, que poderiam ser classificados como «geográficos» equidistantes, são usados como limites: os céus e o mar. O primeiro representa a distância sobre o que existe de elevado na vertical, e o segundo sobre o que existe de extremo na horizontal, para os destinatários da fala. Nessa lógica, fica compreensível a sequência verbal entorno do objeto: subir aos céus, ou atravessar o mar, para buscar esta ordem, a fim de ser escutada e praticada.

Se, na época em que o texto foi escrito, os céus eram uma realidade inatingível, e o mar, apesar dos perigos que guardava, já era um espaço explorado há séculos pelo ser humano, salvo as suas profundezas abissais (Jn 1; Sl 107,23-30), o uso do merismo, céus (v. 12) e mar (v. 13), não indica uma oposição entre esses espaços geográficos, mas evoca a totalidade, ou um destino que pudesse ser concebido pelo ser humano23.

Céus e mar indicam as estremidades do mundo vísivel, mas desconhecido. Enquanto os céus representam o lugar divino, inacessível ao olhos do ser humano, o mar testemunha o que de mais profundo o Senhor criou e colocou à disposição do ser humano como uma «estrada» que permite explorar outros lugares na terra. Os céus e o mar, pela distância, contrastam com a proximidade presente nas locuções: tua boca e teu coração.

[14a] Porque muito próxima de ti está a palavra,

[14b] na tua boca e no teu coração,

[14c] para que a pratiques.

A proposição nominal é iniciada por uma conjunção que evoca uma conclusão ou uma explicação. O sujeito na última posição adquire status de ênfase (no hebraico o advérbio é o último sintagma da frase). Tomados como sequência, percebe-se que os segmentos do v. 14ac não sofrem algum tipo de interrupção. Assim, o v. 14b é um aposto que confirma a relação espacial com o destinatário: muito próxima. O conteúdo: a palavra, e o destinatário da fala: tu, praticamente se fundem em uma só realidade.

No lugar, dos céus e do mar, pensados como adequados para guardar a palavra, afirma- se, no aposto, que dois órgãos humanos são os locais onde ela se encontra e, por isso, pode ser devidamente acessada. Ocorrem, assim, dois movimentos. O primeiro é centrípeto: a palavra (vista como alimento: Dt 8,3) entra pela boca e passa ao coração. O segundo é centrífugo: do coração, pela boca, a palavra ecoa para ser praticada.

Nessa dupla relação, a partir da afirmação: muito próxima, se vencem as distâncias, pois a palavra, pela boca de quem a transmite chega aos céus em forma de oração e atravessa o mar em forma de ensinamento pela missão e pela presença dos destinatários. Dessa forma, se alcança a prática da palavra na vertical, pela oração, e na horizontal, pela transmissão do seu conteúdo.

No tocante ao conjunto da seção, o v. 14 serve de confirmação e resposta para as duas perguntas, mas, igualmente, serve para reforçar a ordem que foi dada no v. 11a. Ao mesmo tempo em que a locução: muito próxima, se contrapõe aos sintagmas: elevada e inalcançável, do v. 11cd, também se contrapõe aos elementos equidistantes: céus e mar, dos vv. 12ac.13ac.

A geografia, céus e mar, que poderia ser usada como elemento externo, ou um obstáculo intransponível, cedeu lugar ao veículo da comunicação, na tua boca, e à sede da formulação dos sentimentos, das intenções e dos pensamentos, segundo a concepção semita: no teu coração. Assim, a ordem-palavra, com a boca, supõe a audição: esta ordem que eu, hoje, te ordeno (v. 11ab), e, ligada ao coração, supõe a autenticidade e exige a honestidade, pois o que aconteceu no íntimo do coração passa ser declarado com a boca: para que a pratiques.

Chega-se à conclusão de que, de fato, esta ordem (v. 11a) e a palavra (v. 14a) são colocadas em relação sinonímica. Se, no início, esta ordem foi ordenada, a palavra precisa ser divulgada e interiorizada para ser praticada. É a passagem que unifica o eu de Moisés com o tu do «novo Israel» e os acomuna no uso do pronome «nós», presente nas duas perguntas (vv. 12-13), pois já não existe mais distância entre os dois sujeitos da comunicação: Moisés, como emissor e o «novo Israel», como receptor, porque ambos estão determinados pela mesma realidade e mensagem: a ordem-palavra.

3.3 Dt 30,11-14 segundo a retórica greco-latina24

Seria equivocado pensar Dt 30,11-14 a partir da retórica greco-latina? Talvez, sim, do ponto de vista cronológico; mas, do ponto de vista literário, talvez, não. Por certo, as regras que regem essa retórica não se aplicarão ao texto como um todo, mas, nem por isso, deixaria de ter relevância a observação no tocante a esse procedimento. A submissão, nesse caso, é meramente especulativa, a fim de se verificar a presença, os elementos e os pontos de contato que poderiam ser encontrados entre a retórica semítica e a greco-latina, visto que o objetivo é comum: argumentar e convencer.

Cinco elementos sobressaem e evidenciam uma aproximação à retórica greco-latina, mas que também estão presentes e são constitutivos da retórica semítica: quem fala: Moisés, sujeito moral digno de crédito25; em nome de quem se fala: o Senhor, fonte e origem da lei e da justiça; para quem se fala: o «novo Israel», sujeito moral escolhido para dar à terra de Canaã o seu real valor e sentido; o que se fala: a ordem-palavra (vv. 11a.14a), qual conteúdo ético-moral; a finalidade da fala: para ser praticada (vv. 12f.13f.14c), evidenciando, pelas obras, que a aliança é o vínculo de amor estabelecido entre o Senhor e o seu povo que recebe a terra como dom26.

Tendo em vista que a intenção dos discursos de Moisés, no «hoje» do dia da sua morte, é a de convencer o «novo Israel», de que diante dele está um futuro que pode ser de bênçãos ou de maldições, Dt 30,11-14 poderia ser considerado um apelo persuasivo, sustentado por um tríplice caminho retórico e vetorial: ethos, pathos e logos27.

Para demonstrar a força e a coerência dos seus critérios e argumentos, Moisés (ethos), lança um olhar para o passado, pelo qual se pode constatar, sem hesitação, que a geração do êxodo do Egito e que fez a aliança no Horeb, prometeu fidelidade, mas acabou morta no deserto por causa da desobediência e, por isso, não entrou na terra de Canaã (Nm 13,1-14,45). Essa é a grande lição do passado fundamenta o presente e predispõe as ações que poderão, ou não, garantir, em Canaã, o êxito futuro do «novo Israel» (pathos), interlocutor de Moisés e da mensagem que os acomuna (logos).

Ante essa realidade constatada, Moisés coloca, para o «novo Israel», o critério decisivo da liberdade pela escolha dos dois caminhos, a fim de que esse manifeste por qual deles deseja andar: se no caminho da vida e das bênçãos, ou no caminho da morte e das maldições (Dt 30,15-20 evoca Dt 28,1-68; Sl 1). A escolha não é feita de forma mecânica, ou irrefletida, e muito menos é imposta. A escolha é opção consciente e livre. É consciente, porque a história dos quarenta anos vividos no deserto é um testemunho formativo. É livre, porque o «novo Israel», que nasceu no deserto, já nasceu livre da escravidão e do jugo do Egito, bem como sob a tutela da aliança estabelecida no Horeb.

Por esse breve enquadramento narrativo, é possível notar que os apelos retóricos, acima mencionados, aparecem em Dt 30,11-14 e estão devidamente articulados, a fim de propiciar o que, de fato, Moisés espera do «novo Israel» ao adentrar na terra de Canaã: o comportamento (para que a pratiques) condizente com o conhecimento (ordem-palavra), que está recebendo e selando, pela aliança, nas estepes de Moab.

Em primeiro lugar, verifica-se que o apelo ético recai sobre a pessoa de Moisés: um líder digno de crédito pela autoridade que lhe foi confiada e confirmada pelo próprio Senhor, através dos numerosos sinais e prodígios que se operaram por suas mãos desde a saída do Egito e ao longo dos quarenta anos de estadia no deserto. Esse apelo aparece sintetizado na primeira proposição: Portanto, esta ordem que eu te ordeno... (v. 11).

Em segundo lugar, Moisés faz uso de um apelo lógico-retórico através das duas analogias que foram usadas nos vv. 12-13 e faz isso, partindo do que se poderia chamar de premissas falsas, pois as duas perguntas estão elaboradas em forma negativa, a fim de que os destinatários vejam o positivo e sejam convencidos de que a verdade é o dado oposto a elas, elemento que é confirmado pelo v. 14.

Em terceiro lugar, verifica-se o apelo razoável que tem, como ponto de partida, a equiparação do substantivo adjetivado, esta ordem, pelo substantivo determinado por artigo, a palavra no v. 14a. Esta relação é a base do lógos que dá coesão à argumentação e que fundamenta esta ordem do v. 11a; é a razão capaz de desfazer toda e qualquer dúvida quanto à possibilidade de se refutar tanto a ordem, quanto a argumentação dos vv. 12-13.

Dentro desse terceiro apelo cabe, perfeitamente, o aceno ao aspecto emocional, pelo qual o coração, ainda que na cultura semítica represente, principalmente, a sede dos pensamentos, e seja o núcleo da vida, atesta e demonstra que o «novo Israel» não tem motivos para ser insensível à vontade do Senhor.

Considerações finais

Segundo a lógica narrativa do livro de Deuteronômio, tudo o que Moisés recebeu do Senhor, ele transmitiu, por sua vez, ao povo. É como um pai (ethos) que, antes de morrer, deixa a sua herança (logos) para o filho (pathos). Como o pai continua vivo no filho, Moisés, apesar de não entrar na terra, estará vivo na herança deixada ao «novo Israel».

De acordo com o narrador, a boca e o coração de Moisés, que serviram ao Senhor, em todo o processo de libertação e condução pelo deserto até às portas de Canaã, passam, pela ordem-palavra do Senhor, à boca e ao coração do «novo Israel».

Embora já se esteja de posse do livro da torá (Dt 30,10; 31,24.26), reside, em Dt 30,11- 14, a força de uma palavra oral convincente. Esse detalhe faz toda a diferença, pois a força de persuasão, que perpassa todo o livro de Deuteronômio, é a força da oralidade inigualável de Moisés, orador, interprete e exegeta da Torá; figura humana central nos discursos que concedem genialidade ao inteiro livro.

Por certo, a formulação das perguntas presume a validade da informação nas respostas que veiculam, mas, nem por isso, deixa de se fazer uso da persuasão retórica, visto que a certeza da proximidade não exclui que seu caminho seja, exatamente, o da conversão. O domínio do conhecimento da Torá não é uma questão que envolve apenas privilegiados, pois todos devem ler, estudar e praticar essas leis que garantem a vida.

Ao se transmitir o conhecimento, previsto na aliança, atesta-se que homens, mulheres, crianças e estrangeiros, todos são capazes de ouvir, entender e, pela firme decisão, de praticar a ordem-palavra (Ne 9), tornando-se protagonistas, ao lado do Senhor, da instauração do seu reinado no mundo, a partir da posse e do progresso a ser instaurado na terra de Canaã. Moisés, assim, pode aceitar a experiência da sua morte, com a consciência de ter cumprido a sua missão de acordo com a vontade do Senhor.

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1Para uma síntese das perspectivas sincrônica e diacrônica do Pentateuco, veja-se: Albert de Pury, org., O Pentateuco em Questão. As origens e a composição dos cinco primeiros livros da Bíblia à luz das pesquisas recentes (Petrópolis/RJ: Vozes, 2002); Félix García López, Il Pentateuco. Introduzione alla lettura dei primi cinque libri della Bibbia (Brescia: Paideia, 2004), 266-286. Para uma ampla discussão metodológica, veja-se: Thomas Dozeman; Thomas Römer; Konrad Schmid, Pentateuch, Hexateuch, or Enneateuch: identifying literary works in Genesis through Kings (Atlanta: Society of Biblical Literature, 2011).

2Cf. Félix García López, «Deut 34, Dtr History and the Pentateuc», en Studies in Deuteronomy in honour of C. J. Labuschagne on the occasion of his 65th birthday, ed. F. García Martínez; A. Hilhorst; J. T. A. G. M. Van Ruiten; A. S. Van Der Woude (Leiden: E. J. Brill, 1994), 47-61; Samuel Amsler, «Loi rale et loi écrite dans le Deutèronome», en Das Deuteronomium - Entstejung, Gestal und Botschaft, ed. Norbert Lohfink (Leuven: Leuven University Press, 1995), 51-54; Jean-Pierre Sonnet, «La construction narrative de la figure de Moïse comme profete dans le Deutéronome», Revue de Théologie et de Philosophie Vol. 142 (2010): 1-20. Um excelente resumo dedicado à história da pesquisa sobre a formação do livro de Deuteronômio encontra-se em Simone Paganini, Deuteronomio (Milano: Paoline, 2011), 497-510.

3A base ad intra, para a questão sobre «o dia da morte de Moisés», encontra-se na locução temporal «hoje mesmo» (הַיּוֹם הַזֶּה), que ocorre onze vezes ao longo do livro (Dt 2,22.25; 3,14; 5,24; 10,8; 11,4; 26,16; 27,9; 29,3; 32,48; 34,6)

4Cf. Grazia Papola, Deuteronomio - introduzione, traduzione e commento (Milano: San Paolo, 2011), 17. Há quem subdivida o livro em três partes e considere apenas dois discursos de Moisés, motivado, principalmente, pela forma final do livro de Deuteronômio e da Torá. Cf. Simone Paganini, Deuteronomio, 24-32: abertura (Dt 1,1-5); primeiro discurso (Dt 1,6-4,43); segundo discurso (Dt 4,44-26,19); conclusão (Dt 27,1-34,12). Ao invés de quatro partes, como comumente se apresenta a divisão do livro de Deuteronômio, prefiro considerar Dt 34 um capítulo à parte devido à importância tanto para finalização do livro como para a Torá, pois, certa forma, Dt 34 faz moldura com Dt 1,1-5 e são notórias várias conexões semânticas entre a abertura e o fechamento do livro.

5Dt 26,16-19 é relevante para o final do segundo discurso, pois funciona, em tom exortativo, como conclusão de todo o «Código Deuteronômico». Cf. Leonardo Agostini Fernandes, «A atualidade do “hoje” em Dt 26,16- 19», Pistis & Praxis 2, Vol. 11 (2019): 378-398.

6A segmentação e a análise, que se apresentam nesse artigo, não derivam de alguma versão bíblica já publicada. A tradução é pessoal e foi feita a partir do texto hebraico massorético, segundo o Códex Leningrandense (TML), presente na Carmel McCarthy, C. ed. Biblia Hebraica quinta editione (Deuteronomy) cum apparatu critico novis curis elaborato (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2007).

7O processo que identifica esta ordem com a palavra prosseguiu com os targumistas, de modo que a palavra se torna a síntese da pregação sobre a legislação contida em todo o livro de Deuteronômio, cf. Rafael Vicent, «Derash Homiletico em Romanos 9-11», Salesianum Vol. 42 (1980): 777.

8Cf. Takaaki Haraguchi, «A Rhetorical Analysis of Deuteronomy 29-30», Asia Journal of Theology 1, Vol. 15 (2001): 24-25.

15Nas traduções prevalece a opção pelo presente, talvez pela dependência da Septuaginta, mas, ao se considerar uma possível ligação de Dt 30,11-14 com a seção precedente (vv. 1-10), que segue a lógica profética, e admitindo-se que a conjunção כִּי, que abre o primeiro segmento do v. 11a, não seja só causal, então a tradução pelo futuro se fundamenta, pois as frases nominais estariam concordando com o uso dos verbos no weqatal dos vv. 12-13. Cf. Steven R. Coxhead, «Deuteronomy 30:11-14 as a prophecy of the new covenant in Christ», Westminster Theological Journal 2. Vol. 68 (2006): 305-311.

16Para Thomas Römer, The So-Called Deuteronomistic History. A sociological, historical and literary introduction (New York: T&T Clark, 2007), 174: «Deuteronômio 30,11-14 se dirige à elite que regressou de Babilônia, sublinhando como ela é e deva ser distinta dos outros povos, pois tem “acesso direto” à palavra e à vontade divina». Ao lado disso, pode-se admitir que os repatriados já possuíam, nas mãos um livro legislativo. Cf. Nehama Leibowitz, Studies in Devarim - Deuteronomy (Jerusalem: Alva Press, 1980), 321-326; Patrick D. Miller, Deuteronomio (Torino: Claudiana, 2008), 225.

17Em geral, admite-se uma estrutura simétrica simples: A (v. 11) - B (v. 12) - B’ (v. 13) - A’ (v. 14), sem evidenciar os possíveis desdobramentos. Cf. Timothy A. Lenchak, «Choose Life!». A Rhetorical-Critical Investigation of Deuteronomy 28,69-30,20 (Roma: PIB, 1993), 178-179; Grazia Papola, L’Alleanza di Moab Studio exegético teológico di Dt 28,69-30,20 (Roma: PIB, 2008), 226-227; Gabriele Corini, Dt 28,69-30,20: la nuova alleanza in Moab. Israele tra memoria e identità (Milano: Glossa, 2010), 21.

18Cf. Thimoty. A. Lenchak. «Choose Life!», A Rhetorical-Critical Investigation of Deuteronomy 28,69-30,20, 178.200.

19Cf. Erik Aurelius, «Heilsgegenwart im Wort: Dtn 30,11-14», en Liebe un Gebot. Studien zum Deuteronomium, ed. L. Perlitt; R. G. Kratz; H. Spieckermann (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2000), 15.

20A natureza proverbial de Dt 30,12-13 possui semelhanças com a forma proverbial encontrada na Mesopotâmia. Cf. Frederick E. Greenspahn, «A Mesopotamian Proverb and Its Biblical Reverberations», Journal of American Oriental Society 1, Vol. 114 (1994): 33-38. A arqueologia mostrou, por exemplo, que a expressão «subir aos céus» já constava nas cartas de Amarna, escritas no século XIV a.C., por vassalos, que viviam em Canaã, ao faraó do Egito. Cf. J. A. Knudtzon, Die El-Amarna Tafeln (Leipzig: Hinrichs, 1915), n. 264, II. 14-19; «A Pessimistic Dialogue between Master and Servant», ANET, XII, 438; expressões análogas encontram-se nas orações feitas à deusa Ishtar (ANET V, p. 383-384). A proximidade da ordem-palavra do Senhor reverte a épica imagem de que o conhecimento era inacessível ao ser humano, como no caso do rei- pastor Etana, que aparece na antiga lista dos reis sumerianos, e que pergunta: «Quem subiu aos céus», ANET 265. Quanto ao atravessar o mar, poderia ser uma alusão a épico sobre Gilgamesh, ANET, p. 72-99. Cf. Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1976), 365, notas: 6 e 7.

21Convênios bíblicos sobre a análise retórica e teses são os principais responsáveis por esse avanço. Três obras corroboram o crescente interesse dos estudiosos nesse campo. A primeira apresenta uma ampla bibliografia subdividida pelos livros bíblicos do AT e do NT: Duane F. Watson and Alan J. Hauser, Rhetorical Criticism of the Bible. A Comprehensive Bibliography with Notes on History and Method (Leiden-New York-Köln: E. J. Brill, 1994). As demais reúnem diversos estudos sobre a aplicação da retórica aos textos bíblicos de ambos os Testamentos: Roland Meynet y Jacek Oniszczuk (a cura di), Retorica Biblica e Semitica 1. Atti del primo convegno RBS (Bologna: EDB, 2009); Retorica Biblica e Semitica 2. Atti del secondo convegno RBS (Bologna: EDB, 2011).

22A binariedade, em nível da língua, do discurso e do conjunto da Sagrada Escritura, e a parataxe são consideradas elementos essenciais da retórica bíblica. Cf. Roland Meynet, Studi di Retorica Biblica (Torino: Claudiana, 2008), 23-35.

23Cf. Jože Krašovec, Der Merismus im Biblisch-Hebräischen un Nordwestsemitischen (Roma: PIB, 1977), 38

24Não se aplicam, aqui, os gêneros da retórica greco-latina (deliberativo, forense e epidítico), segundo a organização proposta por Aristóteles, Retorica e Poetica. A cura di Marcelo Zanata (Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 2004), por Marco Tullioo Cícero, La invención retórica. Introdución, tradución y notas de Salvador Nuñez (Madrid: Editorial Gredos, 1997) e Marco Fabio Quintiliano, L’Istituzione Oratoria. Volume primo e secondo a cura di Rino Faranda e Piero Pecchiura (Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 2003). A razão é simples e clara: seria um anacronismo submeter Dt 30,11-14 a essa lógica. Contudo, é possível aplicar ao texto os vetores ou recursos da retórica greco-latina (ethos, pathos e logos), pois são fundamentais na análise retórica literária.

25O livro de Deuteronômio apresenta um particular: a citação nominal de Moisés ocorre nos extremos: em Dt 1-4 (oito vezes), e em Dt 27-34 (trinta vezes). A única exceção é Dt 5,1. Além disso, na primeira parte, Moisés somente é citado nas seções introdutórias (Dt 1,1-5; 4,41-49), e, na segunda parte, após o «código deuteronômico» (Dt 12-26*). Tal disposição permite afirmar que Moisés, no livro, assume a cátedra de memória e de interprete-exegeta da Torá. Ele é, por assim dizer, o primeiro rabino da história de Israel. A sua voz, no livro de Deuteronômio, atesta uma fase importante no percurso da revelação: a passagem da oralidade à escrita. Cf. Bill T. Arnold, «Deuteronomy as the Ipsissima Vox of Moses», Journal of Theological Interpretation 1, Vol. 4 (2010): 56-61; Jean-Louis Ska, «Il decalogo o la legge negoziata», Esodo (Diritti e libertà nella solidarietà) Vol. 3 (2019): 47-52.

26É possível que existam pontos de contato entre a pregação do profeta Oseias e a declaração de amor ao Senhor, Deus de Israel, no livro de Deuteronômio. Contudo, o amor em Dt está associado a uma ordem-resposta (Dt 6,4), típica da aliança; por isso, se desdobra em lealdade ao Senhor e atenção obediencial à sua voz (Dt 10,2; 11,1.13.22; 19,9; 30,16.20), inclusive como se verifica no discurso de despedida de Jesus em Jo 14,15-23. Cf. William L. Moran, «The Ancient Near Easter Background of the Love of God in Deuteronomy», Catholical Biblical Quarterly 1, Vol. 25 (1963), 77-8 e 87.

27Cf. Luis Vega Reñón y Paula Olmos Gómez, Compendio de Lógica, Argumentación y Retórica (Madrid: Editorial Trotta, 2011), 63.321.524.

9A partícula כִּי introduz uma proposição asseverativa e sem fórmula de juramento, podendo ser traduzida pela conjunção «portanto». Cf. Luis Alonso Schökel, Diccionario bíblico hebreo-español (Madrid: Editorial Trotta, 1994), 355-356; Paul Joüon y Takamitsu Muraoka, A Grammar of Biblica Hebrew (Roma: PIB, 2006), §164, 580-582; Carl Martin Follingstad, Deicti Viewpoint in Biblical Hebrew Text: A Syntagmatic and Paradigmatic Analysis of the Particle כי (Dallas: SIL, 2001), 11-13.52.

10A Septuaginta, talvez por razão estilística, finaliza o versículo com «de ti» (ἀπὸ σοῦ), harmonizando a leitura com o primeiro uso do pronome no dativo singular: «eu te ordeno» (ἐγὼ ἐντέλλομαί σοι). A relação, então, foi deslocada da ordem para o sujeito que deve cumpri-la. Além disso, essa lição oferece suporte para a variante encontrada em Qumran na 4QDeutb. Cf. Félix García Martínez, «Les manuscrits du Désert de Juda et le Deutéronome», en Studies in Deuteronomy in honour of C. J. Labuschagne on the occasion of his 65th birthday, ed. F. García Martínez; A. Hilhorst; J. T. A. G. M. Van Ruiten; A. S. Van Der Woude (Leiden: E. J. Brill, 1994), 63-82. Um número de manuscritos da Septuaginta, porém, deslocou ἀπὸ σοῦ para manter a ordem das palavras do Texto Massorético. Cf. Cécile Dogniez et Marguerite Harl, La Bible d’Alexandrie - Le Deutéronome (Paris: Les Éditions du Cerf, 1992), 308-309; Carmel McCarthy, Deuteronomy - Biblia Hebraica quinta editione cum apparatu critico novis curis elaborato, 87.133.

11Outra tradução, para esse caso e do v. 13e, poderia ser: nos fará escutá-la.

12Os verbos em hebraico não assumem sufixos duplos como objeto. Cf. Paul Joüon y Takamitsu Muraoka, A Grammar of Biblica Hebrew, § 61j, 181.

13A lição do Texto Massorético - «no teu coração» (וּבִלְבָבְךָ) - é sustentada pelo Pentateuco Samaritano, pela Vulgata, pela Peshita, pelo Targum Onqelos e Targum Neofiti. A Septuaginta, por sua vez, possui uma lição maior, pois acrescenta: «e na tua mão» (καὶ ἐν ταῖς χερσίν σου). Nesse acréscimo, subjaz a noção de que já era possível ter o livro em mãos. A presença da mesma lição: «e na tua mão», também em 4QDeutb confirma essa noção. Cf. Carmel McCarthy, Deuteronomy-Biblia Hebraica quinta editione cum apparatu critico novis curis elaborato, 87.133. Esse dado é relevante, pois no período macabaico, que coincide com o surgimento da Septuaginta e da comunidade de Qumran, houve um decreto de morte de Antíoco IV Epifanes para quem fosse encontrado com uma cópia da Torá (1Mc 1,56-57).

14Nem sempre é possível traduzir os verbos em hebraico de um modo totalmente condizente com a forma usada. A tradução literal para לַעֲשׂתוֹ seria: para praticá-lo. A opção assumida permite evidenciar o sujeito da ação, tu, e seu objeto que, nesse caso, é a palavra. Com isso, se estabelece, igualmente, a relação com a tradução de לֵאמֹר, assumida nos vv. 12b.13b (GHG, § 58).

*Sacerdote da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro desde 2000. Doutor em Teologia com Especialização Bíblica (Pontifícia Universidade Gregoriana: 2008), Mestre em Teologia Bíblica (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: 2002), Teólogo (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: 1999), Bacharel em Catequese Missionária (Pontifícia Universidade Urbaniana: 1993). Docente de Sagrada Escritura no Departamento de Teologia da PUC-Rio. É membro da Associação Bíblica Brasileira (ABIB), da Associazione Biblica Italiana (ABI), da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER), da Society of Biblical Literature (SBL), e integra o grupo de pesquisa Tradução e Interpretação do Antigo Testamento (TIAT) junto ao CNPq: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9532244382229230. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2060-8307. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6431968963433274. Contato: laf2007@puc-rio.br.

Para citar este artículo: Fernandes, Leonardo Agostini. «Análise retórica de Dt 30,11-14». Franciscanum 176, Vol. 63 (2021): 1-19.

Recibido: 16 de Julio de 2020; Aprobado: 07 de Septiembre de 2020

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