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Forma y Función

Print version ISSN 0120-338X

Forma funcion, Santaf, de Bogot, D.C. vol.32 no.2 Bogotá July/Dec. 2019

https://doi.org/10.15446/fyf.v32n2.80818 

Artículos

GRADAÇÃO DA OMNIPREDICATIVIDADE NA FAMÍLIA TUPI-GUARANI*

GRADACIÓN DE LA OMNIPREDICATIVIDAD EN LA FAMILIA TUPÍ-GUARANÍ

DEGREES OF OMNIPREDICATIVITY IN THE TUPI-GUARANI LANGUAGE FAMILY

Marina Magalhães **  

Walkíria Praça ***  

Aline da Cruz ****  

** Professora Adjunta do curso de linguística da Universidade de Brasília, Brasil (unb). marinamsmag@gmail.com

*** Professora Adjunta do curso de linguística da Universidade de Brasília, Brasil (unb). walkiria.praca@gmail.com

**** Professora Adjunta do curso de linguística da Universidade Federal de Goiás (ufg) , Brasil. aline.da.cruz@live.com


Resumo

O tipo omnipredicativo de língua é definido pelo fenômeno de a maioria das entradas lexicais poderem funcionar por si só como predicados. O presente artigo investiga as características apresentadas por quatro línguas da família Tupi-Guarani (Tupinambá, Guajá, Apyãwa e Nheengatú) que, além da indistinção entre nomes e verbos que funcionam como predicado, apresentam outras características omnipredicativas. A manifestação diferenciada dessas características nas quatro línguas permite avaliar que há uma tendência à perda gradativa da omnipredicatividade quando se comparam as línguas mais conservadoras com as menos conservadoras e atesta que, sincronicamente, as línguas se encontram em diferentes fases de mudança de um padrão mais prototipicamente omnipredicativo para padrões menos prototipicamente omnipredicativos.

Palavras-chave: omnipredicatividade; família Tupi-Guarani; fenômenos tipológicos; características conservadoras; gradação

Resumen

El tipo omnipredicativo de lengua se define por el fenómeno de que la mayoría de las entradas léxicas pueden funcionar por sí mismas como predicados. Este artículo investiga las características presentadas por cuatro lenguas de la familia tupí-guaraní (tupinambá, guajá, apyãwa y nheengatú) que, además de la indistinción entre nombres y verbos que funcionan como predicado, presentan otros rasgos omnipredicativos. La manifestación diferenciada de estas características en las cuatro lenguas permite evaluar que hay una tendencia a la pérdida gradual de la omnipredicatividad cuando se comparan las lenguas más conservadoras con las menos conservadoras y testifica que, sincrónicamente, las lenguas se encuentran en diferentes fases de cambio desde un patrón más prototípicamente omnipredicativo hacia patrones menos prototípicamente omnipredicativos.

Palabras clave: omnipredicatividad; familia tupí-guaraní; fenómenos tipológicos; características conservadoras; gradación

Abstract

An omnipredicative language is characterized by the fact that most lexical entries can function on their own as predicates. The article examines the characteristics of four languages belonging to the Tupi-Guarani family (Tupinambá, Guajá, Apyãwa and Nheengatú) which, besides the lack of distinction between nouns and verbs that function as predicates, also feature other omnipredicative traits. The differentiated manifestation of these features in the four languages makes it possible to conclude that there is a tendency toward the gradual loss of omnipredicativity, when comparing more conservative and less conservative languages. It also proves that, synchronically speaking, the languages are situated in different phases of change, from more prototypically omnipredicative patterns to less prototypically omnipredicative patterns.

Keywords: omnipredicativity; Tupi-Guarani family; typological phenomena; conservative features; gradation

1. INTRODUÇÃO

Após uma série de investigações acuradas, o tipo de língua que aqui chamamos de omnipredicativo passou a ser conhecido por meio da Teoria Gerativa sob o nome de não-configuracional, conforme as análises de Hale (1983) sobre a língua Warlpiri e de Jelinek (1984) sobre as línguas da família Salish. Em investigações de cunho funcional-tipológico, o mesmo tipo de língua foi chamado de omnipredicativo por Launey (1986, 1994, 2004) a partir da análises do Nahuatl Clássico; ou simplesmente considerado como um tipo particular de língua em que há certa indistinção entre algumas classes lexicais, como observado por Kinkade (1983) em sua análise das línguas Salish e por Lemarechal (1989) em sua análise do Tagalog. As investigações gerativista e funcional-tipológica diferenciam-se pelo fato de a primeira enfocar a constituência e hierarquia das funções sintáticas, ao passo que a segunda enfoca a projeção das unidades lexicais nas posições sintáticas de argumento e predicado.

Apesar de tanto autores que trabalham com a teoria gerativa quanto autores que trabalham numa perspectiva funcional-tipológica reconhecerem a importância do estudo das línguas não-configuracionais ou omnipredicativas, essas línguas são ainda pouco conhecidas. Segundo Baker (2001), a única língua viva que mais protopicamente apresenta essas características seria o Warlpiri, língua da familia Pama-Nyungan, falada na Austrália. No entanto, ainda segundo o mesmo autor (Baker, 2001, p. 411, tradução nossa)

a classe das línguas que apresentam traços de não-configuracionalidade inclui a maioria das línguas australianas (cf., por exemplo, Dyirbal (Dixon, 1972), Nunggubuyu (Heath, 1986), Jiwarli (Austin, 1992), Jingulu (Pensalfini, 1997)); várias línguas indígenas norte-americanas, incluindo Salish (Jelinek e Demers, 1994), línguas da família Uto-Azteca (Jelinek, 1984), da família Muskogeana (Jelinek, 1988), Iroquiana (Baker, 1996), Algonquina (Reinholtz e Russell, 1994), além [...] de certas línguas sul-americanas, notadamente o Quechua (Lefebvre e Muysken, 1988), várias línguas neo-guineenses (ver, por exemplo, Yimas (Foley, 1991)); línguas sul-asiáticas como Malayo (Mohanan, 1982), Húngaro (E. Kiss, 1987), Japonês (Farmer, 1984); e talvez até Alemão (ver Webelhuth, 1984-5 para uma revisão da controvérsia sobre isso).

O aprofundamento da investigação desse fenômeno em outras famílias linguísticas é uma oportunidade de avançar o conhecimento sobre esse padrão sintático e, por conseguinte, aprofundar o conhecimento a respeito da diversidade de estruturas linguísticas possíveis de ocorrerem nas línguas naturais.

Nesse sentido, o estudo das línguas da família linguística Tupi-Guarani (TG) pode trazer contribuições significativas ao entendimento da omnipredicatividade, considerando a hipótese apresentada por Queixalós (2001, 2006) e Couchili, Maurel & Queixalós (2002) de que a protolíngua, da qual descendem as línguas da família Tupi-Guarani teria sido uma língua prototipicamente omnipredicativa. Entre as evidências apresentadas, o referidos autores cita a capacidade de nomes e verbos figurarem primariamente como núcleo de predicados, isto é, os nomes funcionam como predicado sem acréscimo de morfologia. A partir dessa proposta, o presente estudo investiga as características prototípicas das línguas omnipredicativas, tais como apresentadas por Launey (1994, 2004), comparando-as com as características observadas em quatro línguas da família Tupi-Guarani, a saber Tupinambá, Guajá, Apyãwa e Nheengatú. Por fim, propomos uma análise da situação atual das línguas aqui investigadas, a partir desse ponto de vista.

Este artigo está organizado da seguinte forma: na seção 2, realizamos um levantamento das características definidoras do tipo omnipredicativo e observamos o seu grau de preservação nas línguas TG aqui analisadas; na seção 3, apresentamos propriedades secundárias do tipo omnipredicativo, que ao serem comparadas, permitem estabelecer um diagnóstico mais preciso do seu grau de preservação e, por fim, na seção 4, apresentamos um sumário da investigação proposta e indicamos uma tendência à degradação da omnipredicatividade nas línguas aqui analisadas.

2. CARACTERÍSTICAS DEFINIDORAS DO TIPO OMNIPREDICATIVO EM RELAÇÃO ÀS LÍNGUAS DA FAMÍLIA TUPI-GUARANI

De acordo com Launey (2004), a característica mais importante do tipo omnipredicativo é (a) a de que todos os itens lexicais podem ser usados como predicados, exceto as designações (nomes próprios e pronomes), que não predicam porque já referem por si mesmas. Essa característica é compreendida pelo autor como necessária, mas não suficiente para definir o tipo omnipredicativo. Assim para que esse tipo de língua seja identificado, outras características devem estar associadas: (b) os argumentos são predicados subordinados (Launey, 1986, 1994; Thompson & Thompson, 1980; Jelinek, 1993); (C) essa subordinação é possível se, e somente se, há uma coindexação entre um argumento no predicado principal e no predicado subordinado (Launey, 2004); (d) a predicabilidade nos nomes comuns é condição para designação, isto é, pode-se utilizar um referente1 como [o peixe] 1 se, e somente se, for previamente admitido que [isto] t é um peixe; (e) em outras palavras, micin, em Nahuatl, não significa 'peixe', mas 'ser peixe', e um sintagma como «in micin» (demonstrativo peixe), deve ser traduzido como 'aquele que é peixe' (Launey, 2004, p. 54, tradução nossa)2.

Comparando-se as características apontadas para as línguas omnipredicativas com as encontradas nas línguas Tupinambá, Apyãwa, Guajá e Nheengatú, é possível estabelecer uma gradação de nível de omnipredicatividade entre elas, de acordo com a conservação da capacidade de nomes e verbos funcionarem como predicados (característica definidora (a)). O Apyãwa (exemplos 1, 3, 5 e 7) e o Tupinambá (exemplos 2, 4, 6 e 8) têm nomes e verbos que funcionam indistintamente como argumento ou predicado, o que caracteriza essas línguas como conservadoras nesse aspecto da om-nipredicatividade3:

Nome como predicado

Verbo como predicado

Nome como argumento

Verbo como argumento

A presença produtiva no Apyãwa e no Tupinambá de um sufixo «-a» (com alomorfe «-Ø» nas raízes terminadas em vogal) nos exemplos 5, 6, 7 e 84, cuja função seria a de «construir a referência em cima de uma raiz que, sozinha, é incapaz de referir devido à sua natureza de predicado» (Queixalós, 2001, 2006), pode estar intrinsecamente relacionada à forte omnipredicatividade que existe nessas línguas, uma vez que, como nomes e verbos são gerados no léxico como predicado, tais itens lexicais requerem a presença do morfema mencionado para serem capazes de referir, e, consequentemente, poderem exercer a função de argumento. A ausência do morfema «-a» em sentenças com as mesmas raízes verbais ou nominais, como ilustrado nos exemplos 1, 2, 3 e 4, indica a capacidade predicativa primária das raízes lexicais nessas línguas5. Essa capacidade predicativa primária seria indício de um estágio anterior, pré-Tupi-Guarani, em que haveria uma indiferenciação funcional entre as classes lexicais dentro de uma superclasse de predicados (Queixalós, 2006).

No Guajá e no Nheengatú, por sua vez, nomes e verbos podem funcionar como predicado sem precisar de elemento copulativo, como ilustrado nos exemplos de 9 a 12, porém a classe dos verbos deve ser nominalizada para poder funcionar como argumento, como nos exemplos 13 e 14. Isso significa que nessas línguas é necessária a utilização de nominalizador para que verbos possam funcionar como argumentos, o que revela um avanço na distinção funcional entre as duas classes de palavras e a consequente perda mais avançada das características omnipredicativas nas duas línguas.

Verbo como predicado

Nomes como predicado

Verbos nominalizados como argumento

Assim como nas línguas Tupinambá e Apyãwa, no Guajá, a função do morfema «-a» também pode ser considerada como referenciante, como ilustrado em 9 com o sufixo «-a» associado à raiz do nome «jawaruhu» ('onça') e, de forma similar, nos exemplos 11 e 13. No entanto, diferentemente do que ocorre em Tupinambá e Apyãwa, em Guajá esse sufixo ocorre exclusivamente com nomes, nunca com raízes verbais desprovidas de morfemas nominalizadores. Em Nheengatú, por sua vez, o morfema «-a» foi cristalizado à raiz de muitos itens lexicais, como ilustrado no exemplo 15, em que a vogal /a/ ocorre como parte da raiz do nome «ta-raira» 'filho', e no exemplo 16, como parte da raiz verbal estativa «sasiara» 'ser triste'. Pelo menos até o século XVIII, há indícios de que a forma ainda possuía função referenciante6.

Para além da característica de nomes e verbos funcionarem como predicado, Launey (2004) aponta também a necessidade de que (b) os argumentos sejam predicados subordinados e de que (c) a subordinação é possível se, e apenas se, houver uma coindexação entre um argumento no predicado principal e um argumento no predicado subordinado. No caso do Tupinambá, do Apyãwa e do Guajá, o núcleo do predicado expressa seus argumentos por meio de índices de pessoa, de modo que os sintagmas nominais, sempre opcionais7, são interpretados por nós como adjuntos correferenciais8, isto é, elementos periféricos cuja função é apenas esclarecer a referência dos índices pessoais, que são os verdadeiros argumentos9. (Nos exemplos de 1 a 14 acima sinalizamos a coindexação entre os SNS e os índices pessoais marcados no núcleo do predicado nas quatro línguas, sendo que tais índices pessoais têm função argumental nas línguas Tupinambá, Apyãwa e Guajá, mas no Nheengatú essa função das marcas de pessoa é residual e restrita a uma pequena subclasse de verbos não ativos flexionáveis, e nos demais casos os índices pessoais são apenas marcas de concordância com o SN, que é o verdadeiro argumento da oração. Assim, o que Launey (2004) trata como «predicado subordinado coindexado ao argumento do predicado principal», é interpretado por nós como adjunto correferencial coindexado ao argumento expresso pelas marcas de pessoa no núcleo do predicado. Essa característica - que é plenamente atestada nas línguas Tupinambá e Apyãwa, tem sido gradativamente perdida na língua Guajá e é apenas residual no Nheengatú - será melhor explicada na seção 3b por estar diretamente relacionada com aquela que determina que os índices pessoais são compartilhados por nomes e verbos.

Como visto anteriormente, Launey (1994) indica que, nesse tipo de língua, (d) a predicabilidade dos nomes comuns é condição para designação, o que equivaleria à ideia de que (e) qualquer nome comum deva ser traduzido como 'ser ENTIDADE'. Essa caraterística preserva-se em Tupinambá, Apyãwa e Guajá. Nessas línguas, qualquer nome associado ao morfema «-a» 'referenciante'10 pode constituir, por si só, um predicado, como ilustrado nos exemplos 17, 18 e 19. No Nheengatú, ocorre o mesmo, mas nessa língua não há sufixo «-a», uma vez que a forma foi cristalizada como parte das raízes lexicais. Abaixo, apresentamos exemplos de nomes funcionando como predicado nas quatro línguas analisadas aqui.

O que podemos concluir a partir da análise dos dados das quatro línguas é que o caráter omnipredicativo dessas línguas se deve em grande parte ao fato de elas conservarem a característica de permitir que nomes e verbos funcionem primariamente como predicado. Ou seja, em comparação às características apontadas por Launey (2004) como necessárias para o estabelecimento da omnipredicatividade, observamos que, com exceção da característica (b) no Nheengatú, as quatro línguas preservam as características (a), (b), (c), (d) e (e). Porém, no Guajá e no Nheengatú, apesar de nomes e verbos também funcionarem primariamente como predicado (ou seja, mesmo havendo manutenção dessas características), os verbos só exercem a função de argumento quando recebem nominalizadores, o que atesta uma maior diferenciação funcional entre as classes de palavras e torna essas línguas menos conservadoras no que concerne às características definidoras do tipo omnipredicativo.

3. CARACTERÍSTICAS SECUNDÁRIAS DO TIPO OMNIPREDICATIVO EM RELAÇÃO ÀS LÍNGUAS DA FAMÍLIA TUPI- GUARANI

As características apontadas na seção anterior têm caráter definitório, ou seja, para que uma língua seja considerada omnipredicativa, todas elas (a)-(e) precisam estar presentes. Para além dessas propriedades definitórias, Launey (1994) apresenta uma série de outras que estariam diretamente relacionadas ao padrão omnipredicativo, quais sejam: (a) ausência de cópula; (b) índices de pessoas compartilhados por nomes e verbos; (c) genitivo marcado no núcleo; (d) evidência de coindexação; (e) ausência de marcação de caso; (f) o mesmo comportamento em funções derivadas, isto é, nomes e verbos devem se comportar da mesma maneira em funções derivadas e subordinadas; (g) vocativo (os nomes podem ter uma forma específica para o «vocativo»); (h) existência de verbos espaciais; (i) morfema zero para marcar terceira pessoa. Posteriormente, Launey (2004) acrescenta as seguintes características: (j) cópula especial para indicação de tempo e (k) restrição de indefinitude e designação residual, isto é, poucos itens lexicais com função puramente de designação. No decorrer desta seção, cada uma dessas características será discutida em relação ao Tupinambá, Apyãwa, Guajá e Nheengatú. Dessa forma, pretende-se verificar com maior acuidade sua relevância para as línguas aqui analisadas, além do grau de preservação de omnipredicatividade das quatro línguas TG.

(a) Ausência de cópula

Como demonstrado na seção anterior, nas línguas TG aqui analisadas, nomes têm a capacidade de funcionar como predicado sem a necessidade de cópula. Em Tupinambá, Apyãwa e Guajá, há dois tipos de predicados nominais sem cópula: os existenciais, que predicam a existência de uma entidade, conforme se pode ver nos exemplos 21, 22 e 23 (os exemplos 1 e 2 foram renumerados aqui como 21, 22), e os equativos/inclusivos (exemplos 24, 25 e 26), que associam um argumento a um predicado nominal com o qual ele é correferencial ou em cuja classe está incluído.

Em Nheengatú, por sua vez, os predicados nominais podem funcionar apenas como predicados do tipo equativo/inclusivo, conforme ilustrado no exemplo 12 acima e em 27 abaixo. No entanto, para a função existencial, o Nheengatú dispõe de uma partícula especializada, conforme exemplificado em 28, a seguir.

(b) Índices de pessoas compartilhados por nomes e verbos

Segundo Launey (2004), «o paralelismo morfológico entre predicados nominais e verbais [...] é um traço típico do padrão omnipredicativo». Essa propriedade formal da omnipredicatividade é compartilhada pelas línguas da família Tupi-Guarani, de tal modo que pôde ser reconstruída para o Proto-Tupi-Guarani (Jensen, 1989). Assim, uma análise comparativa das quatro línguas permite constatar a perda gradual da morfologia transcategorial de pessoa, fato este, ao nosso ver, diretamente relacionado com a perda das propriedades omnipredicativas.

Estudos já consagrados sobre as línguas dessa família defendem que elas são de tipologia ativa, caracterizada por uma cisão na classe dos verbos intransitivos em que uma das subclasses é formada por verbos ativos, e a outra, por verbos não ativos (Seki, 1990; Mithun, 1991, entre outros). Em termos morfológicos, o sistema é caracterizado por, pelo menos, duas séries de prefixos pessoais: a série ativa (i), que expressa os argumentos prototipicamente AGENTES, e a série não ativa (II), que expressa os argumentos prototipicamente PACIENTES. Exemplos desse sistema podem ser ilustrados pelo Tupinambá. O exemplo 29 mostra um verbo transitivo com seus dois argumentos expressos por meio das marcas de pessoa das séries i e ii, respectivamente, e os exemplos seguintes mostram um verbo intransitivo ativo cujo argumento único é expresso por meio da série i, no exemplo 30, e um verbo intransitivo não ativo cujo argumento único é expresso por meio da série II, no exemplo 31.

Além de indicar o argumento interno11 de verbos transitivos, como no exemplo 29, e o argumento único em verbos intransitivos não ativos, como no exemplo 31, o paradigma de índices de pessoa da série II também marca o argumento único de predicados nominais que têm como núcleo nomes divalentes (ou inalienáveis), como no exemplo 32. Observe também que os prefixos da série II ocorrem com nomes divalentes mesmo quando não estão em função de predicado, expressando seu argumento interno obrigatório, como ilustrado no exemplo 33:

O Guajá e o Apyãwa, por sua vez, têm uma restrição no uso da série ii. Nessas línguas, os verbos transitivos perderam a habilidade de se combinar com as duas séries de prefixos pessoais e passaram a expressar apenas um argumento associado ao núcleo do sintagma verbal transitivo. A escolha do prefixo (se da série i ou II) é baseada em uma hierarquia referencial que varia de língua para língua. O outro argumento pode ser fonologicamente omitido porque a hierarquia de pessoa, que define a série que ocupará a posição do argumento no núcleo do predicado, informa sobre a pessoa e a função sintática do argumento omitido. No Guajá, por exemplo, verbos transitivos são associados à serie II de marcadores pessoais quando o objeto é maior que o sujeito, considerando a hierarquia pessoal (1 = 2 > 3), como ilustrado nos exemplos 34 e 35. O Apyãwa, da mesma forma, tem a marcação de pessoa determinada por uma hierarquia referencial em que (1 > 2 > 3), como ilustram os exemplos 36 e 37. Porém, essa hierarquia natural (1 > 2 > 3) é quebrada quando acontece o enfrentamento das pessoas intralocutivas com a seguinte configuração: a primeira pessoa agente age sobre a segunda paciente (2 > 1), como ocorre no exemplo 38.12

Ainda que tenha havido essa restrição no número de prefixos de pessoa admitidos pelos verbos transitivos, observa-se que a característica de nomes e verbos compartilharem morfologia, isto é, ocorrerem associados à série II de marcadores pessoais, mantém-se nas duas línguas, como ilustrado pelos exemplos 39 e 40 do Guajá, e 41 e 42 do Apyãwa, em que nomes e verbos intransitivos não ativos são também marcados para pessoa pela referida série.

No entanto, há uma pequena quantidade de verbos intransitivos não ativos do Guajá que passaram a não utilizar mais a marca de pessoa da série II e expressam seu único argumento por meio de um SN, como ilustrado no exemplo 43:

Em Nheengatú, a possibilidade de expressar o argumento único de verbos intransitivos ativos por meio da série i não se mantém, como nas línguas mais conservadoras, e o índice de pessoa associado ao verbo (exemplo 44) é apenas uma marca morfológica de concordância com o SN, verdadeiro argumento da oração. Porém, entre os verbos intransitivos não ativos, podem-se distinguir duas subclasses: a dos verbos flexionáveis e a dos não flexionáveis. A primeira indica seu argumento único por meio da série II de marcadores pessoais, como no exemplo 45. Já a subclasse dos verbos intransitivos não ativos e não flexionáveis prescinde da utilização de prefixos para predicar e, assim, seu único argumento é expresso por meio de um SN, tal como ocorre com o verbo «puranga» 'ser bonito' no exemplo 46. Diferentemente do Guajá, a subclasse dos verbos intransitivos não ativos e não flexionáveis é mais produtiva do que a dos flexionáveis, que é bastante pequena13, sendo, portanto, considerada apenas residual.

Dessa forma, conforme observado nesta seção, a marcação de argumento interno, por meio da série II, compartilhada por nomes e verbos é uma característica importante para interpretarmos uma língua como mais conservadora ou menos conservadora em relação ao padrão omnipredicativo. No que concerne a essa propriedade, o Tupinambá é a língua mais conservadora por apresentar uso da série II para expressar o argumento interno dos verbos transitivos, intransitivos não ativos e nomes14. Já o Guajá e o Apyãwa são línguas que demonstram ter perdido características omnipredicativas por deixarem de expressar ambos os argumentos nos verbos transitivos, sendo que o Guajá avançou ainda mais na perda dessa propriedade por ter atualmente uma subclasse de verbos intransitivos não ativos que já não expressam seu argumento único por meio dos marcadores da série II, e exigem, dessa maneira, a presença de um argumento expresso por um SN. O Nheengatú, por sua vez, é a língua que mais avançou com relação à perda dessa propriedade e restringiu os marcadores de pessoa da série II apenas aos nomes, restando apenas uma pequena subclasse de verbos intransitivos não ativos que ainda aceita essa marcação de forma residual.

(c) Genitivo marcado no núcleo

Como visto no item anterior, nomes e verbos compartilham o paradigma de índices da série II que marca o argumento interno de qualquer tipo de predicado. Essa característica tem como consequência que a marcação do genitivo é idêntica à do objeto de verbos transitivos, com o dependente marcado no núcleo.

Launey (2004), ao indicar essa característica, chama a atenção para o fato de que nesse tipo de língua os índices argumentais são índices de predicados, e não índices específicos de nomes ou de verbos. Além disso, essa característica aponta para o fato de que a morfologia dos verbos nessas línguas reflete seu precursor diacrônico: uma nominalização de verbo que, em um determinado momento, tornou-se novamente finito.

No caso do Tupinambá, Apyãwa e Guajá, essa característica é tão forte que se utiliza não apenas o mesmo tipo de estrutura para indicar argumento de nomes e de verbos manifestados por sintagmas nominais plenos, mas também o mesmo paradigma de marcas de pessoa: a série II (cf. exemplos 39 e 40 do Guajá e 41 e 42 do Apyãwa acima). Em nossa análise, interpretamos a transcategorialidade dessa série de prefixos pessoais como uma evidência de que sua função é a de marcar os argumentos internos de qualquer tipo de sintagma, seja ele verbal ou não verbal.

No caso do Nheengatú, essa propriedade foi perdida. O paradigma de prefixos da série II tem se especializado para marcar complemento de nomes e de posposições, conforme ilustrado nos exemplos 47 e 48, respectivamente15. Para indicar o argumento PACIENTE de verbos transitivos, utilizam-se SNS pospostos ao verbo, como ilustrado no exemplo 49. Esses exemplos mostram que os argumentos que nas outras línguas da família se realizam por meio da série II de marcadores pessoais, no Nheengatú se realizam como um SN fora do sintagma verbal. Como vimos na seção anterior, há ainda um pequeno grupo de verbos intransitivos que indica o seu argumento interno por meio do paradigma de prefixos da série II, como ilustrado no exemplo 45 acima e no exemplo 50 abaixo. Vale observar que, em termos semânticos, esses verbos parecem estar associados a disposições humanas (estar cansado, ser bom, estar assustado, ser alegre etc.), o que evidencia uma grande restrição sincrónica de ocorrência dessa marca pessoal em verbos no Nheengatú16.

Como resultado da comparação entre as quatro línguas, e associando o que foi apresentado com relação às características (b) e (c), observamos que a capacidade de prefixos pessoais da série II ocorrerem com verbos, nomes e posposições é gradualmente perdida através das línguas da família. Na língua mais conservadora, o Tupinambá, verbos transitivos combinam-se com prefixos pessoais para indicar argumento externo (série i) e argumento interno (série II), como no exemplo 29 acima. No Apyãwa e no Guajá, os verbos transitivos perderam sua capacidade de ocorrer com dois prefixos pessoais e, assim, ocorrem com apenas um prefixo, cuja escolha entre as séries i e II é determinada por uma hierarquia referencial que opera de maneira distinta em cada língua. Na língua menos conservadora, o Nheengatú, o uso de marcas pessoais da série II tem gradativamente ficado restrito para indicar apenas complementos de nomes e de posposições. A maioria dos verbos intransitivos não ativos não pode mais se combinar com prefixos pessoais, como no exemplo 46, apesar de haver um subconjunto bastante pequeno de verbos intransitivos não ativos que ainda ocorre com prefixos da série II, como nos exemplos 45 e 50.

Assim, nas línguas TG, os índices de pessoas são compartilhados não apenas por nomes e verbos, mas também por posposições, o que interpretamos como evidência de marcação transcategorial de argumento interno nos diferentes tipos de sintagma. Essa característica está diretamente associada à característica Marcação nuclear do genitivo descrita por Launey (2004). Ao comparar as quatro línguas aqui analisadas, fica evidente o maior grau de conservação dessa característica omnipredicativa nas línguas Tupinambá e Apyãwa, o início da perda da marcação em uma pequena subclasse de verbos intransitivos no Guajá, que, em relação às outras duas, não se mostra tão conservador, e um avanço significativo da perda da marcação de argumento interno na classe dos verbos intransitivos estativos do Nheengatú, língua que menos preserva características omnipredicativas.

(d) Evidência de coindexação

Launey (2004) explica que, em línguas de tipologia omnipredicativa, os sintagmas que exercem a função de argumentos são, na verdade, predicados subordinados e coindexados à marca de pessoa do predicado principal. Como visto anteriormente, na seção 2, essa característica é associada à propriedade das línguas TG de terem os sintagmas nominais funcionando como adjuntos que expressam a referência dos argumentos indicados por meio de índices de pessoa.

Para além dessa interpretação do predicado subordinado coindexado ao argumento do predicado principal (Launey, 2004) como adjunto correferencial coindexado ao argumento expresso no núcleo do predicado, observa-se que, em Tupinambá e em Apyãwa, nas orações subordinadas adverbiais de finalidade e/ou simultaneidade17, ocorre coindexação entre o participante da oração principal e o da subordinada, por meio de uma série específica de prefixos correferenciais que estabelecem a relação entre esses participantes, como ilustrado no exemplo 51.

De acordo com Rodrigues (comunicação pessoal), no Tupinambá, os prefixos correferenciais só ocorrem em verbos intransitivos nesse tipo de estrutura subordinada. No caso dos nomes só ocorrem com participantes de terceira pessoa. No Apyãwa, por sua vez, a série de prefixos correferenciais combina-se com verbos, nomes e posposições, e assinala a correferência de seus complementos, ou seja, indica que estes são idênticos ao sujeito da oração principal. Em orações subordinadas adverbiais, esses prefixos ocorrem somente como argumentos únicos de verbos intransitivos ativos (exemplo 52) e não ativos (exemplo 53).

Nas orações subordinadas adverbiais temporais/condicionais, os correferenciais estabelecem um outro tipo de correferência, desta vez entre o argumento único da principal e o argumento interno da subordinada, como ilustrado no exemplo 54.

É preciso ressaltar que a coindexação entre sintagmas nominais e os índices de pessoa afixados ao predicado que ocorre nas línguas TG é bastante comum nas línguas do mundo. No entanto, aqui ressaltamos a ocorrência de uma série específica de prefixos correferenciais que ocorre não apenas em verbos, mas também em sintagmas nominais em Apyãwa, como ilustrado no exemplo 55, o que é interpretado por nós como vestígio de um sistema de coindexação relevante para o padrão omnipredicativo de língua.

Enquanto no Tupinambá e no Apyãwa há prefixos pessoais correferenciais, o que atesta que essas duas línguas são mais conservadoras no que se refere a essa característica omnipredicativa, em Guajá, apesar de haver uma oração subordinada que expressa as mesmas noções de finalidade e simultaneidade, não há uma marca de pessoa correferencial específica. Nessa língua, a indexação do argumento da oração subordinada ocorre por meio de prefixos da série II quando o verbo da oração subordinada é transitivo, como ilustrado no exemplo 56. Quando o verbo da oração subordinada é intransitivo, não ocorre nenhuma marca de pessoa, como no exemplo 57 (fato que evidencia a perda das marcas de correferencialidade e a perda gradativa de marcas de pessoas da série II).

O Nheengatú, também neste quesito, mostra-se menos conservador ainda. Nessa língua, as noções de simultaneidade e finalidade são expressas por meio de orações subordinadas introduzidas pelas conjunções «pukusa» e «arã», respectivamente.

Essas conjunções formaram-se em Nheengatú a partir da gramaticalização de formas nominais da língua: «pukusa» é formado pela forma nominalizada do verbo intransitivo estativo «puku» 'ser comprido', ao passo que «arã» desenvolveu-se como subordinador de finalidade a partir da gramaticalização da forma «arama», registrada por Anchieta (1990 [1595]) como uma marca de 'futuro dos nomes'18. Em termos morfossintáticos, observa-se que os predicados não apresentam nenhuma alteração morfológica, assim tanto o verbo da oração principal quanto o verbo da oração subordinada flexionam-se com o paradigma da série i, no caso de verbos ativos, como ilustrado nos exemplos 58 e 59. Nos exemplos 60 e 61, apresentam-se orações subordinadas com núcleo verbal intransitivo não ativo e não flexionável, e com núcleo nominal, respectivamente.

(e) Ausência de marcação de caso

Com exceção dos casos locativos (que são casos semânticos) associados aos nomes, não há, em nossa análise, marcadores gramaticais de caso nas línguas TG. Rodrigues (2001), ao descrever a língua Tupinambá, referiu-se ao morfema «-a» como «caso argumentativo» (antes chamado também de «caso argumental», 1996), interpretando-o como parte de um paradigma casual junto com os casos locativo pontual, locativo difuso, locativo situacional e translativo. Sua função, segundo o autor, seria a de reunir numa só expressão os papéis de nominativo e acusativo, ergativo e absolutivo, assim como genitivo, e habilitar um nome ou um verbo como argumento ou actante em oposição aos circunstantes locativos. Seki (2000), em sua Gramática do Kamaiurá, referiu-se ao mesmo sufixo «-a» como «caso nuclear» e também descreveu-o como parte de um sistema de flexão casual em que figuram, além deste, os sufixos de caso locativo, atributivo e não marcado, mutuamente exclusivos, e descreveu sua função como a de relacionar um nome a outro elemento na locução, ou ao predicado na oração, além de indexar, isto é, de identificar o radical como nome.

No entanto, nos opomos à justificativa de considerar o referido morfema como marca de caso porque não encontramos em qualquer outra análise linguística um caso nominal tão abrangente que, ao invés de distinguir, reúna numa só expressão os papéis de nominativo e acusativo, ergativo, absolutivo e genitivo.

De outro modo, optamos por considerar mais adequada a análise de Queixalós (2001, 2006), que descreve o sufixo «-a» com a função de estabelecer uma expressão que pode constituir referência em raízes que não podem referir por si mesmas, uma vez que são primariamente predicados. Portanto, o sufixo «-a», denominado de 'referenciante' pelo autor, constrói designações a partir de raízes lexicais predicativas, dado que elas não referem a nenhuma entidade por si mesmas. Essa análise vai justamente ao encontro da origem omnipredicativa das línguas TG e encontra respaldo no fato de que as línguas que mais conservam características omnipredicativas são aquelas que têm o sufixo «-a» mais produtivo. Nesse sentido, o Tupinambá e o Apyãwa mantêm a função do sufixo «-a» como referenciante intacta, ao passo que o Guajá perdeu a associação do referido sufixo em alguns contextos, mais especificamente, ele nunca ocorre com verbos e também não ocorre com nomes em função de argumento interno de sintagmas nominais e posposicionais. Já o Nheengatú, assim como outras línguas da família Tupi-Guarani, como o Guarani, só tem registros cristalizados desse sufixo em algumas raízes nominais e verbais.

Dessa forma, apesar de confirmar-se nas línguas TG a característica descrita por Launey (2004) sobre a ausência de marcação de caso nas línguas omnipredicativas, entendemos que ela é simplesmente uma consequência lógica da propriedade que essas línguas têm de os sintagmas nominais não serem argumentos, mas adjuntos correferenciais.

(f) Mesmo comportamento em funções derivadas

Launey (2004) afirma que o tipo omnipredicativo de língua é reforçado se nomes e verbos se comportam da mesma maneira como modificadores dentro de um SN. Este é o caso das línguas TG. Nessas línguas, os SNS complexos podem ser formados por (N + N) e também por (N + V), sendo que o primeiro elemento funciona como um modificador e o segundo elemento, independentemente de ser nominal ou verbal, funciona como núcleo. Assim, o modificador seria sempre um nome. Note que é preciso levar em consideração um fator de ordem formal, qual seja, a presença do marcador de adjacência19, prefixado ao núcleo do sintagma em todas as línguas da família. Dessa forma, justamente porque nomes e verbos têm comportamento similar nas línguas omnipredicativas, seria possível analisarmos que um verbo pode ser o núcleo de um SN nessas línguas e que a interpretação equivocada de que nesses casos o núcleo seria o nome à esquerda está diretamente relacionada à interpretação da tradução desses elementos verbais e nominais da direita como particípio, adjetivo ou oração relativa.

Assim, em Apyãwa encontramos SNS complexos que têm como núcleo um verbo, como nos exemplos 62 e 63. Observe que o verbo estativo «'yyg» 'estar frio' ocorre como núcleo do SN e o nome «ywyto» 'vento', por sua vez, funciona como modificador desse SN. Similarmente, no exemplo 63, o verbo ativo «xe'eg» 'falar' ocorre como núcleo do SN, e «mair-a» 'não-indígena' como seu modificador.

O SN «[mair-a Ø-xe'eg]-a» 'fala do branco', em Apyãwa, como qualquer outro sintagma nominal que refere, recebe o sufixo referenciante «-a». Nesse exemplo, o SN complexo funciona como adjunto correferencial esclarecendo a referência do argumento sujeito marcado no verbo pelo prefixo «a-» de terceira pessoa.

O Guajá é uma língua que permite entender bem essa característica porque, apesar de ter perdido ao longo do tempo características omnipredicativas importantes, mantém uma estrutura de SN lexicalizado que atesta uma fase fortemente omnipredicativa anterior20. Os exemplos de 64 a 65 ilustram SNS genitivos na língua, estruturas em que o núcleo nominal (constituído por nome ou verbo nominalizado) se relaciona com seu argumento interno por meio da marca de adjacência «r-». Assim, é possível constatar que, na fase atual da língua, verbos só podem ocorrer como núcleo de SNS genitivos quando os verbos estão nominalizados, sendo este o caso do verbo ativo «maka» 'rir', no exemplo 64, e do verbo estativo «aku» 'estar quente', no exemplo 65:

Diferentemente do que ocorre em Apyãwa, essa estrutura do Guajá atesta a perda de uma propriedade omnipredicativa importante, que é a capacidade de nomes e verbos funcionarem indistintamente como núcleo de sintagma nominal sem que o verbo precise ser nominalizado. Todavia, observa-se em Guajá um vestígio da antiga construção encontrada em línguas mais conservadoras. Trata-se de um processo de criação de novos itens lexicais em que verbos ativos (exemplo 66) e não ativos (exemplo 67) ocorrem indistintamente como núcleo de sintagma nominal, sem serem nominalizados, sendo modificados por nomes. A construção é similar em termos morfológicos ao que ocorre no exemplo 68, com um nome em função de núcleo do sintagma nominal, isto é, associado a um morfema referenciante e tendo uma marca de adjacência que relaciona o núcleo desse sintagma com seu argumento interno. Vale ressaltar que, ao contrário das construções com SN genitivo nos exemplos 64 a 65, essa estrutura não é uma construção produtiva (isto é, é mais limitada), e configura um tipo de SN em que a sintaxe interna já foi desativada, o que constitui, portanto, um SN lexicalizado.

Considerando que o Guajá e as demais línguas da família são línguas de núcleo à direita, uma explicação sincrónica possível seria interpretar que houve uma mudança na ordem dependente-núcleo nos exemplos que vão de 66 a 68. No entanto, esta não nos parece uma explicação muito prudente, se levarmos em conta que ela decorre apenas da interpretação semântica dos dados, (em que «taky» 'faca' seria naturalmente o núcleo do SN «takyramèa» 'tesoura (faca afiada)'). A presença do marcador de adjacência prefixado ao núcleo do sintagma é evidência formal importante para atestar a manutenção da ordem canónica.

Ao levarmos em consideração, então, a presença desse marcador e a ordem canónica dependente + núcleo da língua Guajá, teríamos no SN lexicalizado a mesma ordem que ocorre no SN genitivo. Assim, para justificar que um verbo seja o núcleo de um sintagma nominal, propomos a hipótese de que a estrutura do SN lexicalizado reflita uma estrutura mais antiga na língua, isto é, que seja o resquício de uma época mais fortemente omnipredicativa da língua.

Também em Nheengatú, observam-se características da fase mais fortemente omnipredicativa. Nessa língua, o SN mantém a estrutura n1 + n2, em que n2 ocorre como núcleo e n1 como dependente, como ilustrado no exemplo 69. Se n2 for um nome divalente, como no exemplo 70, ocorre a marca de adjacência, que estabelece a relação entre o nome divalente21 que ocorre como núcleo «akanga» 'galho' e seu argumento interno «mira» 'árvore'. Observe que a marca de adjacência estabelece a diferença entre um nome em função de argumento, como «mira» no exemplo 70, e um nome em função de modificador, como «yararaka», no exemplo 69.

Assim como em Guajá, em Nheengatú, verbos só podem ocorrer como núcleo de qualquer tipo de SN se forem nominalizados, como ilustrado no exemplo 71.

(g) Forma específica para o vocativo

Como vimos anteriormente, em línguas omnipredicativas, os nomes funcionam primariamente como predicados. Assim, nessas línguas, um nome precisa adquirir a capacidade de referir para ocupar uma função sintática não predicativa, o que nas línguas TG ocorre por meio da sufixação do referenciante «-a». Uma consequência lógica dessa característica é a de que os nomes que exercem a função de vocativo não ocorrem com o referido sufixo referenciante, uma vez que um vocativo, por natureza, não pode referir, já que se trata de um ato de comunicação que, por estar fora da estrutura gramatical da sentença, não exerce a função de argumento, visto que não ocupa posição sintática alguma.

Assim, em Guajá, como nas demais línguas da família, o nome próprio «Itaxï» ocorre sem o sufixo referenciante na função de vocativo, como no exemplo 72.

Launey (2004) argumenta que, para o Nahuatl, o vocativo constitui o único uso não predicativo de um nome e, justamente por isso, deve ser marcado de alguma maneira, o que ocorre por meio de sufixo específico para a função vocativa.

A diferença essencial em relação ao Nahuatl é que, nas línguas da família tg, assim como os nomes comuns e próprios em função vocativa são expressos pela ausência do «-a», também os predicados existenciais o são, não havendo uma diferença morfológica entre as duas funções.

No entanto, as línguas TG de maneira geral caracterizam-se por ter muitas formas vocativas de termos de parentesco e afinidade, diferentes dos nomes designativos que expressam essas mesmas relações de parentesco ou afinidade. Ao nosso ver, a abundante existência de itens lexicais usados exclusivamente como vocativos permite distinguir a função vocativa de nomes da função predicativa, como ilustram os exemplos do Guajá em 73:

O Apyãwa tem o mesmo comportamento que o Guajá no que se refere a essa característica, isto é, nas duas línguas há uma diferença marcante entre nomes de parentesco usados em função vocativa e em função predicativa, como indicam os exemplos listados em 74. No caso do Tupinambá, encontramos apenas um nome em que a função vocativa e a forma predicativa diferem, indicado no exemplo 75. A ausência de dados, no entanto, pode ser apenas consequência do tipo de documentação analisada para o Tupinambá, qual seja, uma gramática e catecismos. Mais investigação em textos teatrais será necessária em futuras pesquisas.

Já no Nheengatú, língua que inequivocamente perdeu a maioria das características omnipredicativas, não há itens lexicais com uma forma específica para o vocativo, mas apenas termos descritivos de parentesco, como os listados no exemplo 76. Não há, portanto, a necessária diferenciação apontada por Launey (2004) entre nome em função vocativa e nome em função predicativa:

(h) Existência de verbos espaciais

Conforme Praça, Magalhães e Cruz(2017), em Apyãwa, em Guajá e em Nheengatú, expressões adverbias locativas podem funcionar como predicado sem a necessidade de ocorrerem associadas a verbos com noção espacial. Possivelmente, essa estrutura também ocorria em Tupinambá, no entanto, não encontramos na literatura disponível sobre a língua dados que a atestem. O exemplo 77 abaixo ilustra uma expressão adverbial locativa em função de predicado em Guajá. Observe que no exemplo 77 o nome «tapi'ir-a», associado ao sufixo «-a», funciona como argumento único do predicado adverbial «ka'a-pe». Similarmente, no exemplo 78 do Apyãwa, a expressão adverbial também funciona como predicado e exige um argumento «tãpi'ir-a», associado ao sufixo referenciante «-a». Da mesma maneira como nas outras línguas, também em Nheengatú, as expressões adverbiais podem ocorrer como predicado, como no exemplo 79.

Diferentemente, no Nahuatl Clássico, língua prototipicamente omnipredicativa, um advérbio locativo como «nikãn» 'ser aqui' precisa ser acompanhado de um verbo espacial como «ka» 'estar em algum lugar', de modo que a combinação dos dois predicados permite a interpretação como 'estar aqui'. Nessa língua, o advérbio locativo «nikãn» 'ser aqui' por si só não permite a interpretação espacial.

Para Launey (1994), a interpretação espacial dos predicados adverbiais enfraqueceria, mas não eliminaria, o padrão omnipredicativo, porque isso significaria que uma expressão como *«nikãn ni» significaria 'eu sou aqui', já que nessa língua todos os predicados são interpretados como expressando uma noção inerente (ser). No entanto, observamos que, em muitas línguas do mundo, não há diferença entre predicados inerentes (ser) e espaciais (estar). Essa diferença é marcada no Nahuatl Clássico, o que torna necessária a existência de um verbo espacial como «ka» 'estar em algum lugar', mas não nas línguas da família TG. Em nossa interpretação, o que parece ser essencial nas línguas omnipredicativas é que diferentes itens lexicais funcionem primariamente como predicado, e não propriamente se a relação estabelecida entre um predicado e seu argumento expressa a noção espacial, ou não. Consideramos que a propriedade de expressões adverbiais locativas ocorrerem como predicado sem a necessidade de serem associadas a verbos com noção espacial é uma característica extremamente conservadora das línguas TG.

(i) Morfema zero para marcar terceira pessoa

Launey (2004) discute a importância dessa característica explicando que, por mais que seja plausível encontrar uma língua omnipredicativa com marca expressa de argumento externo de terceira pessoa, seria muito mais «elegante», para usar o termo do autor, que essa marca seja zero. Isso permite, por exemplo, que sejam analisadas com um status sentencial as respostas de uma só palavra (one-word answers), além de permitir que locativos (advérbios e topónimos) sejam analisados com status predicativo, uma vez que, em nenhum desses casos, pode ser aplicada a marca de primeira ou segunda pessoa. Consideramos que a elegância de se propor a existência de uma marca zero para o argumento externo de terceira pessoa não está embasada exatamente em um critério sintático, mas está relacionada à economia da comunicação, uma vez que seria difícil imaginar uma língua em que qualquer sintagma nominal viesse marcado com um morfema explícito de pessoa.

O critério de haver necessariamente um morfema de terceira pessoa zero em todos os itens lexicais que ocorrem como predicado primariamente é relevante para Nahuatl Clássico, porque nessa língua todos os sintagmas nominais ocorrem como predicados subordinados a um predicado principal, de modo que precisam ser expressos por uma marca de terceira pessoa, como ilustrado no exemplo 81. Nas línguas Tupi-Guarani mais conservadoras, por sua vez, os sintagmas nominais funcionam como adjuntos correferenciais e não como predicados subordinados, uma vez que os argumentos são os próprios índices de pessoa no verbo, como discutido na seção 2 e 3b acima. Assim, essa característica das línguas TG torna esse critério irrelevante para as línguas dessa família.

(j) Cópula especial para indicação de tempo

Launey (2004) argumenta que, para o Nahuatl, os predicados nominais podem expressar a noção gramatical de tempo por meio de uma cópula à qual é associado um sufixo temporal. Segundo o autor, uma vez que falta aos nomes a noção de tempo, e mesmo assim eles predicam, o nome mantém, como predicado, suas marcas de pessoa, e uma estrutura com cópula é acrescentada para expressar tempo. Nas línguas TG, por sua vez, cópulas especiais para indicar a categoria tempo não são necessárias, já que essas línguas marcam TAM por meio de partículas (ou clíticos, a depender da língua) que se combinam com qualquer tipo de predicado. No Guajá (Magalhães, 2007), por exemplo, o tempo futuro é expresso por uma partícula, que ocorre tanto com predicados verbais quanto nominais, como ilustrado nos exemplos 82 e 83, respectivamente:

No Nheengatú, marcas de aspecto, expressas por meio de clíticos, ocorrem com predicados verbais e nominais, como ilustrado nos exemplos 84 e 85, respectivamente:

Sendo assim, analisamos que esse também não é um critério relevante para as línguas dessa família, já que seu comportamento diferente em relação ao Nahuatl não compromete a hipótese sobre sua descendência omnipredicativa. Ao contrário, entendemos que a característica existente nessas línguas de que a morfossintaxe indicadora de TAM é compartilhada pelos diferentes tipos de predicados reforça seu caráter omnipredicativo.

(k) A designação residual

Launey (2004) explica que há no Nahuatl algumas poucas palavras que nunca funcionam como predicados primariamente. Trata-se de dois demonstrativos - «in» 'esse' e «on» 'aquele'22 -, que nunca podem ser usados como predicados em sentenças, mas exercem apenas a função de argumentos. Assim, o autor afirma que, mesmo em uma língua omnipredicativa, existem palavras que são exclusivamente designativas, mas sua classe é extremamente limitada. Elas seriam usadas nos casos que o autor considera como de «pura designação», quando não se pode associar ao argumento qualquer conteúdo conceitual. Ou seja, por sua própria natureza, demonstrativos não possuem sentido, mas apenas referência, na terminologia proposta por Frege (1948 [1892]).

Na maioria das línguas TG, além dos nomes comuns, inclusive termos que se espera sejam designativos por sua natureza dêitica, como os demonstrativos, necessitam do sufixo referenciante, que os potencializa para referir e, só então, após a modificação morfológica, podem ocorrer como argumento. Em Tupinambá, como exemplificado em 86, os demonstrativos, quando funcionam como modificadores dentro de um SN, não recebem o sufixo referenciante - «ko kunhã» 'esta mulher' -, mas, quando exercem a função de núcleo do SN, passam a requerer tal sufixo-«akuei-a» 'aquela'. Similarmente, em Guajá, como ilustrado no exemplo 87, o demonstrativo «ko» 'este aqui', ao receber o sufixo «-a», passa a designar um referente e torna-se «ku-a» 'este'. A mesma intepretação é possível para o Apyãwa. No entanto, nessa língua todos os demonstrativos são fonologicamente expressos por palavras que terminam com vogal e, nesse caso, o alomorfe do referenciante é zero, como no exemplo 88, porém pode ser fonologicamente atestado em construções em que o constituinte é negado, como no exemplo 89:

Já, no caso do Nheengatú, como vimos na seção 2, o referenciante perdeu suas funções na morfologia e foi lexicalizado em número significativo de raízes lexicais, inclusive a dos demonstrativos «aitekua» 'este' e «aitenhaã» 'aquele', o que deixa claro o percurso diacrônico da perda da omnipredicatividade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As características elencadas neste trabalho, além de corroborarem a hipótese de Queixalós (2006) de que as línguas TG são hoje o resultado da evolução de uma fase anterior omnipredicativa, permitem avaliar com mais profundidade a perda gradativa da omnipredicatividade quando se comparam as línguas mais conservadoras com as menos conservadoras.

A análise do Tupinambá é de fundamental importância, pelo fato de essa língua apresentar, segundo Queixalós (2006), um forte grau de omnipredicatividade e de preservar inúmeros morfemas que foram reconstruídos para o Proto-Tupi-Guarani (Jensen, 1989; Schleicher, 1998), os quais a maioria das línguas da família TG já perdeu.

Pretendemos mostrar que, no atual estágio da pesquisa, tem sido possível atestar a hipótese de Queixalós (2006) de que as línguas TG representam, sincronicamente, diferentes fases de mudança de um padrão mais prototipicamente omnipredicativo para padrões menos prototipicamete omnipredicativos. Ao considerarmos as características relevantes para as línguas Tupi-Guarani, como observado no Quadro 1 abaixo, o Tupinambá e o Apyãwa mantêm a maioria das características definidoras e secundárias do tipo omnipredicativo, ao passo que o Guajá perdeu muitas delas. O Nheengatú, por sua vez, perdeu a maioria das propriedades do tipo omnipredicativo e manteve apenas algumas como vestígios do estágio omnipredicativo encontrado na língua da qual descende diretamente, ou seja, o Tupinambá.

Como observado por Dixon (1994, p. 182), no que se refere à mudança linguística, é sabido que uma língua pode mudar de um perfil tipológico para outro por meio de uma combinação de mudanças específicas, sem que haja unidirecionalidade. Por exemplo, uma língua ergativa pode gradativamente tornar-se acusativa e vice-versa. Assim também, supomos que uma língua omnipredicativa pode tornar-se não-omnipredicativa (como teria ocorrido na família TG) e, por hipótese, uma língua não-omnipredicativa poderia tornar-se omnipredicativa. A mudança de um padrão omnipredicativo para um menos omnipredicativo envolve, como foi visto, uma série de características gramaticais que ora se mantêm na maioria das línguas analisadas, ora somente são encontradas naquelas mais conservadoras. Isto é, a mudança de um padrão para outro, seja de uma tipologia omnipredicativa para uma não omnipredicativa, ou de uma língua ergativa para acusativa, ocorre gradativamente e permite, inclusive, que estruturas mais conservadoras reapareçam ou se mantenham por mais tempo enquanto outras passam por processos mais rápidos de mudança.

Além disso, vale ressaltar que, como argumenta Launey (1994), uma língua omnipredicativa desafia muitas noções habituais sobre gramática. Sem contestar a universalidade das categorias nomes e verbos, a tipologia omnipredicativa, proposta pelo autor, ajuda a compreender que as funções do verbo exclusivamente como predicado e do nome exclusivamente como argumento não representam um padrão universal. A análise comparativa das línguas TG constitui evidência importante para atestar tal afirmação.

Pretendemos, em estudos futuros, investigar as línguas da Família Tupi-Guarani com base nas características não-configuracionais elencadas por autores gerativistas, como Hale (1983), quais sejam: ordem livre de palavras, possível omissão de todas as funções gramaticais e possibilidade de ter sns descontínuos.

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* Agradecemos a Francisco Queixalós, aos participantes do XVIII Congresso Internacional da Associação de Linguística e Filologia da América Latina (alfal) e aos editores pelas observações que permitiram que aprimorássemos este artigo. Marina Magalhães também agradece o apoio da fapdf, instituição financiadora do seu pós-doutorado durante o período de elaboração deste artigo.

1É importante ressaltar aqui a diferença entre entidade e referente. Uma entidade é um nome que expressa um conceito abstrato, genérico e sem referência. Ao integrar um sintagma nominal (SN), a entidade adquire referência, isto é, o falante a concebe como tendo uma existência concreta no mundo, tornando-a um referente.

2No original, "(b) Argument phrases are subordinate predicates, which designate an entity, in other words, describe the referential value of a term; (c) This subordination is possible if and only if there is a coindexation between an argument place in the main predicate and in the subordinate predicate; (d) It appears thus that predicability is a condition for designation: you can refer to an entity as the fish if and only if it is previously admitted that it is a fish; (e) In other words, the correct translation of a noun like micin is not fish, but be fish, and a phrase like in micin should be glossed like the one who is fish".

3Nos exemplos deste artigo, utilizaremos, quando necessário, fontes subscritas (i, ii) para indicar correferencialidade.

4Neste exemplo, «ne=r-úr-a» ('a sua vinda') é argumento interno do sintagma posposicional.

5E preciso observar que o sufixo «-a» referenciante não é um nominalizador. Nas três línguas em que ocorre produtivamente (Tupinambá, Apyãwa e Guajá), «-a» ocorre associado a nomes, além de ocorrer concomitantemente com nominalizadores (Cruz & Praça (no prelo)).

6Cruz (2007) observa que empréstimos do Português, como pano transformado em pan-a, recebiam o sufixo -α.

7Como explica Mithun (1987), nas línguas de ordem livre de constituintes em que os argumentos são expressos por índices de pessoa no verbo, e não por sintagmas nominais, como é o caso das línguas omnipredicativas, é a pragmática que determina a ordem dos constituintes e não a sintaxe. Nessas línguas, os sintagmas nominais exercem função de adjunto e, por isso, são sintaticamente opcionais. Esses sintagmas nominais podem ser expressos em operações de topicalização, focalização, entre outras necessidades pragmáticas.

8O termo adjuntos correferenciais é proposto por Queixalos (2016) em análise da língua Sikuani.

9Confira Jelinek (1984) para análise semelhante em relação ao Warlpiri, Baker (1996) para o Mohawk, e Leite (2003) para análise do Tupinambá.

10 O morfema referenciante não atribui necessariamente referência à entidade, mas torna-a capaz de referir.

11Entendemos como argumento interno, prototipicamente PACIENTE, aquele que é expresso dentro do sintagma verbal.

12O paradigma da série iv é composto apenas pelos prefixos {ara-} (‘2pl’) e {ãpa-} (‘2sg’), que fazem referência à segunda pessoa do plural e à segunda pessoa do singular, respectivamente.

13No estágio atual do conhecimento acerca do Nheengatú, foram encontrados apenas cinco verbos intransitivos flexionáveis, ou seja, verbos que se combinam com prefixos da série II.

14Nessas quatro línguas, os índices de pessoa da série II também expressam o argumento interno das posposições.

15A série II de marcadores pessoais também ocorre com posposições em todas as línguas da família possivelmente porque, com muita frequência, as adposições têm sua origem em nomes.

16Para uma descrição dos verbos intransitivos flexionáveis em Nheengatú, conferir Cruz (2011, pp. 188-191).

17Desde as primeiras gramáticas sobre as línguas Tupi-Guarani, esse tipo de oração adverbial que tem seu sujeito correferente ao sujeito da oração principal é conhecido como oração de gerúndio (Anchieta, 1990 [1595]; Figueira, 1921 [1687], Ruiz de Montoya, 1640). Neste trabalho, interpretamos o sufixo «-po» como um subordinador adverbial de simultaneidade/finalidade.

18Confira Cruz (2016) para uma discussão acerca do desenvolvimento histórico das supostas marcas de passado e futuro nominal.

19Nesta análise adotamos a hipótese de Queixalós (2015) de que, nas línguas da família TG, a marca de adjacência, tradicionalmente conhecida como «relacional», seria um antigo sufixo de caso «argumento interno» que se proclitizou ao núcleo e tornou-se uma marca de adjacência entre o núcleo e o seu dependente, seja esse núcleo um verbo, um nome ou uma posposição.

20Para mais detalhes sobre esse tema, ver Magalhães (2016).

21Adotamos aqui a proposta de Queixalós (2005) para explicar a valência nominal em Katukina, em que os nomes divalentes são aqueles que expressam obrigatoriamente seu argumento interno, que é assim denominado por ser interno ao sintagma nominal. Tal noção pode ser interpretada como uma tradução morfossintática das expressões de base semântica «posse alienável» e «posse inalienável».

22Launey (2004) também menciona a existência de cerca de trinta partículas modais no Nahuatl, que, por sua própria natureza, nunca podem ocorrer sozinhas na sentença.

Cómo citar este artículo: Magalhães, M., Praça, W., & Cruz, A. da. (2019). Gradação da omnipredicatividade na família Tupi-Guarani. Forma y Función, 32(2), 151-189. doi: http://dx.doi.org/10.15446/fyf.v32n2.80818

6. ABREVIATURAS

Recebido: 03 de Agosto de 2018; Aceito: 13 de Março de 2019

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