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Forma y Función

Print version ISSN 0120-338X

Forma funcion, Santaf, de Bogot, D.C. vol.33 no.1 Bogotá Jan./June 2020

https://doi.org/10.15446/fyf.v33n1.84183 

Artigos

LEITURA DE E-BOOK EM FORMATO LINEAR E EM FORMATO DE MAPA CONCEITUAL: COMPREENSÃO, PROCESSAMENTO E ESTRATÉGIAS*

LECTURA DE E-BOOK EN FORMATO LINEAL Y EN FORMATO DE MAPA CONCEPTUAL: COMPRENSIÓN, PROCESAMIENTO Y ESTRATEGIAS

READING E-BOOKS IN LINEAR AND CONCEPTUAL MAP FORMATS: UNDERSTANDING, PROCESSING, AND STRATEGIES

Vera Wannmacher Pereira **  

Danielle Baretta ***  

**Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, ORCID https://orcid.org/0000-0002-2511-6814. vpereira@pucrs.br

***Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, ORCID https://orcid.org/0000-0003-2679-7671. daniellebaretta@hotmail.com


Resumo

Este estudo tem como objetivo examinar a leitura de e-book sobre teoria e prática do ensino de Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental, em formato linear e em formato de mapa conceitual, no que se refere a compreensão, processamento e uso de estratégias. Está apoiado em estudos da Psicolinguística sobre leitura, em interface com a Educação, sobre mapas conceituais, e a Computação, sobre instrumentos e e-books. Tendo como sujeitos 20 professores; os dados foram coletados eletronicamente por meio de um Teste de Compreensão Leitora e um software de captura do processamento e das estratégias dos sujeitos durante a leitura em cada formato. Os dados indicaram escores de compreensão leitora próximos nos dois formatos; uso das mesmas estratégias nos dois formatos, com pequenas diferenças; e uso predominante, em ambos, da estratégia de leitura detalhada e do processamento bottom-up, o que evidencia as possibilidades de contribuição dos e-books examinados para seu objetivo.

Palavras-chave: compreensão leitora; e-book; estratégias de leitura; formato de mapa conceituai; formato linear

Resumen

El estudio tiene como propósito examinar la lectura de e-book sobre teoría y práctica de la enseñanza de lengua portuguesa en los años finales de la Educación Básica Secundaria, en formato lineal y en formato de mapa conceptual, respeto a la comprensión, procesamiento y uso de estrategias. Se sustenta en estudios de la psicolingüística acerca de lectura, en relación con la Educación, sobre mapas conceptuales, y la computación, sobre instrumentos y e-books. La muestra se conformó por 20 profesores; se recolectaron los datos de forma electrónica por medio de la Prueba de Comprensión Lectora y un software de captura del procesamiento y las estrategias de los sujetos durante la lectura en cada formato. Los datos señalan puntuaciones de comprensión lectora próximas en los dos formatos; uso de las mismas estrategias de lectura detallada y del procesamiento bottom-up, lo que evidencia las posibilidades de aporte de los e-books examinados para su objetivo.

Palabras clave: comprensión lectora; e-book; estrategias de lectura; formato de mapa conceptual; formato lineal

Abstract

The objective of the study is to examine the reading of e-books on the theory and practice of Portuguese language teaching, in both linear and conceptual map formats, during the final years of high school. The idea is to assess understanding, thinking, and use of strategies. The analysis is based on psycholinguistic studies on reading in relation to education, as well as on conceptual maps, computational skills, instruments and e-books. The sample was made up of 20 professors. Data was gathered electronically through the Reading Comprehension Test and a software that captures subjects' processing and strategies during reading in each one of the formats. Results show similar scores in the two formats, as well as use of the same strategies for detailed reading and bottom-up processing, thus demonstrating the potential of the e-books studied in terms of fulfilling their objective.

Keywords: reading comprehension; e-books; reading strategies; conceptual map format; linear format

INTRODUÇÃO

O presente artigo traz o relato de um estudo que teve como objetivo examinar comparativamente a leitura, por professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental, de dois livros eletrônicos sobre os mesmos conteúdos linguísticos teórico-práticos, mas gerados em dois formatos - formato linear (FL) e formato de mapa conceitual (FMC) - no que se refere a compreensão leitora, uso de estratégias de leitura e processamento cognitivo.

O trabalho esteve inserido em sucessivas iniciativas de investigação de livros eletrônicos, direcionados ao ensino da leitura nos diversos âmbitos de aprendizagem (Fundamental, Médio e Superior) e à construção de caminhos linguístico-pedagógicos para o desenvolvimento da leitura desses grupos de aprendizes.

Foi fundado teoricamente na Psicolinguística, em específico, no campo da leitura (compreensão, processamento e estratégias), estabelecendo interfaces com a Educação, quanto aos mapas conceituais, e com a Computação, em relação aos meios de geração do e-book e dos instrumentos de pesquisa.

Nessa concepção, inicialmente são expostos os fundamentos do estudo, com foco nos seus tópicos básicos (compreensão, estratégias de leitura, mapa conceitual). A seguir, são apresentados os elementos que caracterizam o estudo realizado (os objetivos, as questões e hipóteses de pesquisa, o e-book em duplo formato e os instrumentos e procedimentos metodológicos utilizados). Posteriormente, são disponibilizados os dados e suas análises. Ao final, são apresentadas as conclusões, respondendo às questões de pesquisa e avaliando o objetivo, e são indicadas as referências de apoio. Essa organização é adotada de modo a orientar o leitor no acompanhamento do processo de trabalho desenvolvido, o qual contou com o apoio do Edital BPA-PUCRS.

FUNDAMENTOS DO ESTUDO

Ler significa, psicolinguisticamente, decifrar o código utilizado pelo autor e compreender seu conteúdo, o que decorre de movimentos cognitivos do leitor, explicitado por meio de processos e estratégias utilizados.

Na compreensão da leitura, primeiro fundamento, são determinantes os conhecimentos prévios do leitor e as pistas linguísticas deixadas pelo autor no texto que construiu (Smith, 2003), estabelecendo-se uma associação em torno de um mesmo material de leitura, conduzida por dois diferentes protagonistas (o que o gerou, codificando-o e atribuindo-lhe um conteúdo, e o que sobre ele se debruça, a fim de decifrá-lo e compreendê-lo). Assim, nesse jogo de associações, o entendimento do texto é marcado por um conjunto de variáveis dele decorrente (Kato, 1985; Leffa, 1996): o próprio texto, com suas marcas linguísticas que definem o gênero textual (Bazerman, 2009) e o tipo textual (Adam, 2008); os conhecimentos prévios do leitor, no que se refere a informações e linguagem específica do texto (Pereira, 2014); e o objetivo de leitura, estabelecido pelo próprio leitor em suas circunstâncias de leitura (Giasson, 2000; Solé, 1998).

Dadas as condições, a leitura se realiza por meio de dois processamentos cognitivos, segundo fundamento do estudo aqui relatado. Como comenta Pereira (2010), o processamento bottom-up caracteriza-se como ascendente, fazendo o movimento das partes para o todo. Constitui-se numa leitura linear, minuciosa, vagarosa, em que todas as pistas visuais são utilizadas. É um processo de composição, uma vez que as partes gradativamente vão formando o todo (Gough, 1985). O processamento top-down, defendido especialmente por Goodman (1976, 1991) e por Smith (2003), caracteriza-se como um movimento não linear que faz uso de informações não visuais. Desse modo, dirige-se da macroestrutura para a microestrutura, da função para a forma. O processamento interativo considera que esse duplo processo é realizado pelo leitor conforme a situação de leitura (Rumelhart, 1985).

O processamento cognitivo da leitura ocorre através de dois grupos básicos de estratégias de leitura - cognitivas (ECL) e metacognitivas (EMCL) -, terceiro fundamento basilar deste estudo (Leffa, 1996). Como explicam Pereira e Andrade (2009), as ECL caracterizam-se pelos traços intuitivo e inconsciente, enquanto as EMCL caracterizam-se pela consciência, pela intenção de monitoramento do próprio processo. Constituem-se em exemplos de ECL pressuposições intuitivas do leitor, tais como a de que o texto é, a priori, coerente, a de que determinadas ordenações são impossíveis e a de que a escrita, em nossa cultura, ocorre da esquerda para a direita. São exemplos de EMCL situações de monitoramento do processo com o objetivo de garantir a compreensão, tais como a definição e o controle do objetivo da leitura, a identificação de segmentos importantes, a distribuição da atenção, a avaliação da qualidade da compreensão, a tomada de medidas corretivas.

O exame dessas EL expõe os elementos que internamente as constituem e que estão distribuídos nos planos constitutivos da língua (fônico, mórfico, sintático, semântico, pragmático e textual) fundamentais para a compreensão (Viana, Sucena, Ribeiro, & Cadime, 2014). A bibliografia do assunto apresenta diferentes categorizações, tendo sido escolhidas, entre as mais recorrentes, para o presente estudo: a leitura detalhada (o leitor percorre o texto, realizando uma leitura linear que perpassa toda a extensão deste e que se destina à busca de informações completas e detalhadas sobre um dado assunto); o skimming (o leitor percorre o texto para tomar conhecimento da forma e do conteúdo dele de forma geral e abrangente); o scanning (o leitor percorre o texto de modo direcionado, buscando alguma pista, alguma informação específica); a seleção (o leitor escolhe o segmento a focalizar); o automonitoramento (o leitor observa seus próprios movimentos de leitura); a autoavaliação (o leitor verifica se os processos que está realizando estão sendo produtivos para sua compreensão); a autocorreção (o leitor corrige suas rotas de leitura, com base na avaliação da produtividade das rotas percorridas) (Pereira, 2002; Pereira & Piccini, 2006).

Considerando esses três fundamentos, que compõem especificamente o tópico da leitura, as escolhas do leitor estão apoiadas na interação entre eles, na medida em que compõem uma totalidade, marcadas pelas variáveis mencionadas. Assim, se os conhecimentos prévios do leitor forem frágeis, ele terá de se apoiar predominantemente nas pistas linguísticas do texto, desenvolvendo um processamento bottom-up e utilizando preferencialmente a estratégia de leitura detalhada. Ocorrendo o contrário, o leitor poderá se apoiar menos nas pistas linguísticas do texto, recorrendo aos conhecimentos armazenados em sua memória e aceitando mais os riscos do processamento top-down e do uso de estratégias preditivas. Do mesmo modo, as escolhas do leitor estarão vinculadas ao material de leitura (gênero e sequências dominantes). A leitura de um texto científico, de conteúdos e linguagem com propriedades específicas, exige do leitor o processamento bottom-up e a leitura detalhada, pois se caracterizam pela linearidade com atenção cuidadosa. Por outro lado, a leitura de um outdoor, dadas suas características estruturais e suas condições de uso, favorece o uso, pelo leitor, do processamento top-down e de estratégias de leitura globais, preditivas e de seleção de alguns elementos. Ainda, as escolhas do leitor recebem a influência do objetivo da leitura. No caso de a leitura ter como objetivo localizar uma informação no texto, a estratégia será o scanning e o processamento top-down, diferentemente de ter como objetivo elaborar um resumo (estratégia de leitura detalhada e processamento bottom-up).

Na continuidade da exposição dos fundamentos, o quarto se refere a um formato de organização compreensiva da linguagem, em que os demais fundamentos anteriores estão presentes: o mapa conceitual. É uma representação gráfica, semelhante a diagrama, que indica relações entre conceitos ligados por palavras chamadas "palavras de enlace". Representa uma estrutura que vai desde os conceitos mais abrangentes até os menos inclusivos, sendo utilizado para auxiliar a ordenação e a sequenciação hierarquizada dos conteúdos do texto.

Para Cañas, Hill e Lott (2003), o mapa conceitual é uma representação do conhecimento, formada de conceitos e das relações entre eles. É uma regularidade percebida em eventos ou objetos, ou um registro de eventos ou objetos, marcados com um rótulo. Segundo Moreira (1980, 1999), o mapeamento conceitual é uma técnica de análise que pode ser usada para ilustrar a estrutura conceitual de uma fonte de conhecimentos.

Não há regras gerais fixas para o traçado de mapas conceituais. É importante que o mapa seja um instrumento capaz de evidenciar significados atribuídos a conceitos e relações entre conceitos no contexto de um corpo de conhecimentos, de uma disciplina, de uma matéria de ensino. Por exemplo, se o indivíduo que faz um mapa une dois conceitos, através de uma linha, ele deve ser capaz de explicar o significado da relação que vê entre eles. Os dois conceitos mais as palavras-chave formam uma proposição, a qual evidencia o significado da relação conceitual. Por essa razão, o uso de palavras-chave sobre as linhas, conectando conceitos, é importante e deve ser incentivado na confecção de mapas conceituais (Skuratowski & Andrade, 2009).

Com essas características, o FMC se opõe ao formato dominante na escrita de textos de diversas extensões, estruturas e objetivos, que seguem de forma continuada a linha vertical, a linha horizontal e a linha sequencial de paginação, isto é, o FL.

Os quatro fundamentos expostos neste tópico conferem sustentação teórica e metodológica ao estudo realizado e exposto no presente artigo.

O ESTUDO DESENVOLVIDO

Neste tópico, é apresentado o estudo aqui relatado - seu delineamento, o e-book gerado, a coleta dos dados e a análise com vistas às conclusões.

Teve como objeto de estudo um mesmo livro eletrônico gerado em dois formatos: FL e FMC, destinado a professores de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamental.

Esse e-book1, em duplo formato, abrange tópicos teóricos e práticos considerados relevantes para o trabalho de ensino da leitura na sala de aula dos anos finais do Ensino Fundamental. Desse modo, o fl e o fmc desenvolvem os mesmos conteúdos, têm os mesmos destinatários e diferenciam-se no formato.

Ambos têm a mesma distribuição dos tópicos: abertura de apresentação do livro; orientações para navegação pelo leitor; funcionamento da leitura no cérebro; teorias linguísticas que investigam a leitura; gêneros e tipos textuais como materiais de leitura; leitura e planos constitutivos da linguagem; compreensão, processamento e estratégias de leitura; leitura em relação à cognição; leitura e argumentação; e leitura e mapas conceituais.

As Figuras de 1 a 4, a seguir, apresentam a página do sumário e um dos capítulos do e-book nos dois formatos, evidenciando as características de cada um.

Figura 1 Sumário do e-book em FL (Fonte: as autoras) 

Figura 2 Sumário do e-book em FMC (Fonte: as autoras) 

Figura 3 Trecho do capítulo 7 FL 

Figura 4 Trecho do capítulo 7 - FMC 

O objetivo do estudo foi examinar esse e-book em formatos diferentes, comparativamente, no que se refere à compreensão, ao processamento cognitivo e ao uso de estratégias de leitura, evidenciados pelos sujeitos professores. Diante desse objetivo, as questões de pesquisa focalizaram as seguintes variáveis:

  • formatos do e-book: formato A - apresentação do e-book em FL; formato B - apresentação do e-book em FMC;

  • compreensão leitora: escores decorrentes de aplicação de um teste constituído de questões de compreensão sobre o conteúdo do texto;

  • processamento da leitura: movimentos utilizados pelo leitor, durante a leitura (bottom-up e top-down);

  • estratégia de leitura: leitura detalhada, skimming, scanning, seleção, automomitoramento, autoavaliação, autocorreção - em relação a tempo e ocorrência.

Considerando essas variáveis, orientaram o estudo as questões de pesquisa abaixo.

  • Quais os escores de compreensão leitora dos sujeitos em cada formato do e-book?

  • Qual o processamento dos sujeitos dominante em cada formato do e-book?

  • Quais as estratégias utilizadas pelos sujeitos em cada formato do e-book?

  • Em que medida o formato do e-book apresenta características próprias em relação à compreensão, ao processamento e às estratégias evidenciadas pelos sujeitos?

Assim, partiu-se da hipótese de que a compreensão da leitura do e-book no FL seria mais fácil para os participantes do que no FMC, tendo em vista a semelhança daquele formato ao livro impresso, mais familiar para o público investigado.

Constituíram-se em sujeitos 20 professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental, organizados em dois grupos: um para leitura do e-book em FL e um para leitura do e-book em FMC.

Considerando a extensão do e-book Leitura e cognição: teoria e prática nos anos finais do Ensino Fundamental, a investigação teve como objeto de análise três capítulos ("Leitura: tipos e gêneros textuais"; "Leitura: planos linguísticos"; e "Leitura: compreensão, processamento e estratégias"), por oferecerem grande parte da fundamentação teórica necessária para o ensino da leitura em sala de aula e apresentarem atividades práticas de leitura. Assim, a investigação teve como foco a leitura desses três capítulos, antecedida pelos elementos pré-textuais (capa, folha de rosto, ficha catalográfica), pelo capítulo "Abertura", pelo capítulo "Mapa de navegação" e seguida pela leitura do capítulo final, "Fechamento" (Pereira & Saraiva, 2014).

Os dados sobre a compreensão foram coletados após a leitura dos textos indicados anteriormente, por meio do Teste de Compreensão Leitora (TCL), instrumento eletrônico, gerador de dados gravados no computador, composto por doze questões (escore máximo de 49 pontos), distribuídas em três grupos de quatro questões que contemplam os tópicos: (1) gêneros textuais, (2) planos linguísticos e (3) compreensão, processamento e estratégias de leitura. Mais especificamente, as questões são de natureza teórica e de aplicação em situações textuais, caracterizando-se, assim, como de análise de afirmações teóricas, de análise de aplicações da teoria, de estabelecimento de relações entre teoria e aplicação e de análise de possibilidades de aplicação da teoria.

Os dados sobre processamento cognitivo e estratégias de leitura foram coletados eletronicamente por meio do software de captura Snagit, durante a leitura dos capítulos selecionados dos e-books (teoria e prática) e durante o preenchimento do TCL. Esse software faz a captura da tela do computador, gerando vídeos dos procedimentos executados pelo leitor. Antes da leitura dos materiais, os sujeitos foram orientados e treinados a guiar seus movimentos com o cursor do mouse, linha a linha. Esse formato de registro já foi utilizado em outros estudos (Fernandes, 2009; Pereira & Saraiva, 2014; Vargas, 2017) que analisaram as estratégias de leitura com o apoio de softwares de captura de tela e se mostrou adequado para o acompanhamento do percurso de leitura.

A coleta de dados, em sua totalidade, teve duração de duas horas, em média, gerando muitos dados sobre as variáveis em observação, o que exigiu, para a análise, uma seleção viável para a feitura deste artigo. No tópico a seguir, esses dados são apresentados e examinados.

A APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS E DOS RESULTADOS

Os dados obtidos por meio da aplicação do TCL foram tabulados e categorizados por sujeito e por formato (FL e FMC). A partir desse trabalho, foram organizadas as tabelas, evidenciando esses dados separadamente, em escores e percentuais; em seguida, nas totalidades, de modo a possibilitar uma visão geral e comparativa, como preveem as questões de pesquisa.

A Tabela 1, a seguir, apresenta escores e percentuais de compreensão leitora (CL) com base na leitura do e-book em FL.

Tabela 1 Escores e percentuais de CL por sujeito do FL 

Sujeitos Escores de CL/FL (n = 49) Percentuais de cl/fl (100 %)
Sj1 37 75.51
Sj2 27 55.10
Sj3 24 48.98
Sj4 34 69.39
Sj5 34 69.39
Sj6 31 63.27
Sj7 24 48.98
Sj8 32 65.31
Sj9 23 46.94
Sj10 22 44.90
Total 288 58.78

Conforme os dados disponíveis na Tabela 1, os 10 sujeitos alcançaram escores situados entre 22 (44.90 %) e 37 (75.51 %), o que corresponde a percentuais entre 44.90 % e 75.51 %, no que se refere à CL com a utilização do e-book no FL.

A observação atenta dos dados permite perceber que, dos 10 sujeitos, 4 não obtiveram a metade dos acertos e que o percentual mais alto foi de 75.51 %, com apenas 1 dos sujeitos.

Permite também notar que o conjunto dos 10 sujeitos se localizaram numa mesma faixa de pouca extensão (de 44.90 % a 75.51 %).

Dirigindo a atenção para os sujeitos como uma totalidade, essa situação se confirma, de acordo com o escore total de 288 e o percentual de 58.78 %.

A Tabela 2, a seguir, apresenta os escores e os percentuais de CL na leitura do e-book em FMC.

Tabela 2 Escores e percentuais de CL, por sujeito: grupo 2 - FMC 

Sujeitos Escores de CL/FMC (n = 49) Percentual de CL/FMC (100 %)
Sj11 20 40.82
Sj12 29 59.18
Sj13 31 63.27
Sj14 28 57.14
Sj15 36 73.47
Sj16 29 59.18
Sj17 31 63.27
Sj18 34 69.39
Sj19 30 61.22
Sj20 21 42.86
Total 289 58.98

Conforme os dados disponíveis na Tabela 2, os 10 sujeitos alcançaram escores situados entre 20 (40.82 %) e 36 (73.47 %), o que corresponde a percentuais entre 40.82 e 73.47, no que se refere à CL com a utilização do e-book no FMC.

A observação atenta dos dados permite verificar que, dos 10 sujeitos, 2 não obtiveram a metade dos acertos e que o percentual mais alto foi de 73.47 com apenas 1 dos sujeitos. Permite também notar que o conjunto dos 10 sujeitos se localizaram numa mesma faixa de pouca extensão (entre 40.82 % e 73.47 %).

Os dados apresentados nas Tabelas 1 e 2 e resumidos na Tabela 3 passaram por um tratamento estatístico a fim de viabilizar a análise das questões de pesquisa. Foram utilizados testes estatísticos paramétricos, uma vez que o resultado do teste de Shapiro--Wilk para a análise da distribuição dos escores de cl confirmou a hipótese de normalidade (W = 0.95; p = 0.4099). Assim, adotou-se o teste T Student para a comparação dos grupos, assumindo-se um nível de significância de 5 % (0.05).

O teste T Student não detectou diferenças significativas entre os escores de CL nos dois formatos. Como pode ser visto na Tabela 3, que reúne os dados globais de com preensão leitora nos dois formatos do e-book, os dados são próximos nos dois formatos, pois há 1 ponto de diferença nos escores e 0.20 nos percentuais, sendo essas pequenas diferenças a favor do FMC. Esses dados (Tabela 4) sugerem que os formatos não interferem na compreensão do e-book ou que os sujeitos modificam seus procedimentos em cada formato, com vistas ao sucesso.

Tabela 3 CL: escores e percentuais gerais, por formato e total 

Formato/Escore FL FMC Total
Escore cl (49x10) 288 289 577
Percentual CL (100 %) 58.78 % 58.98 % 58.88 %

Na Tabela 4, constam os valores de significância relativos aos escores de cl examinados pelo teste estatístico.

Tabela 4 Valores de significância do teste TStudent em relação aos escores de CL 

O uso das estratégias de leitura pelos sujeitos consiste em outra variável, que será analisado a partir daqui. Para a obtenção de dados, foi utilizado o software Snagit, que registra o percurso do leitor ao utilizar o computador.

O levantamento e a categorização dos dados foram realizados em relação a ocorrências e tempo utilizado pelos sujeitos durante a leitura dos três capítulos do e-book selecionados, em suas partes teóricas e práticas, e durante a realização do TCL.

Com relação às estratégias, considerou-se que o participante estava utilizando a estratégia skimming quando avançava rapidamente com o mouse no acompanhamento do texto, de forma que se pudesse notar que estava "passando os olhos" pelo texto. A estratégia de leitura detalhada foi identificada nos momentos em que o participante percorria lentamente cada palavra e cada linha do texto, de modo a realizar uma análise minuciosa. O uso da estratégia de scanning foi observado nas situações em que o participante avançava rapidamente com o mouse no acompanhamento do texto, detendo-se em um trecho específico. A estratégia de seleção, por sua vez, foi contabilizada nos momentos em que o participante selecionava com o mouse alguma palavra ou trecho do texto. (Pereira & Saraiva, 2014; Pereira, Baretta, & Saraiva, 2017). A estratégia de automonitoramento e a de autocorreção foram empregadas somente durante a realização das atividades práticas de leitura, não se repetindo novamente. Essas estratégias foram observadas quando, durante a realização das práticas, o participante retomava uma parte do texto e subia rapidamente o cursor na página, ou, ainda, se utilizava a barra de rolagem para, em seguida, corrigir uma resposta anteriormente dada. Por fim, com relação à estratégia de autoavaliação, cabe mencionar que seu emprego se deu, predominantemente, no preenchimento do TCL. Nesse caso, o participante retomava partes do textos a fim de verificar a adequação e suas respostas, que podiam ser seguidas ou não da autocorreção.

Esses dados revelam as estratégias de leitura, base das análises, selecionadas a partir das próprias ocorrências e das possibilidades de registro pelo Snagit.

Nas Tabelas a seguir, são apresentados os dados de ocorrências das estratégias de leitura identificadas e de tempo despendido no FL.

Tabela 5 Estratégias de leitura e tempo de uso das estratégias, por sujeito, no FL 

Legenda: LD: Leitura detalhada; AM: Automonitoramento; AA: Autoavaliação; SC: Scanning; SK: Skimming; AC: Autocorreção; SEL: Seleção; OC: Ocorrências; T: Tempo das ocorrências em segundos; NR: Não registrado.

Considerando os dados mais altos e os mais baixos dos 10 sujeitos, no que se refere à ocorrência das estratégias de leitura, no FL, em cada uma delas, verifica-se, conforme a Tabela 5, que se sucedem, nessa direção, a leitura detalhada (de 88 a 142), a autoavaliação (de 19 a 92), a autocorreção (de 7 a 54), o scanning (de 6 a 49), o skimming (de 0 a 6), o automonitoramento (de 0 a 5) e a seleção (de 0 a 5), Constata-se, também, que não há ocorrência de automonitoramento por 2 sujeitos, de skimming por 3 sujeitos e de seleção por 8 sujeitos.

Em relação aos dados sobre tempo de uso das estratégias de leitura, conforme a Tabela 5, não foram registrados dados sobre autocorreção e sobre seleção, tendo sido inviabilizado pelos procedimentos próprios dessas duas estratégias. Em relação às demais estratégias, constata-se que sucedem, nessa mesma direção, a leitura detalhada (de 3 840 a 7 660), a autoavaliação (de 169 a 2 207), o scanning (de 37 a 823), o skimming (de 0 a 160) e o automonitoramento (de 0 a 105).

Examinando a totalidade de ocorrências e de tempo por sujeito, verifica-se que as ocorrências no FL oscilam entre 137 e 296, e o tempo entre 4 183 e 9 747.

Na Tabela 6, constam os valores de significância relativos às ocorrências das estratégias de leitura no FL.

Tabela 6 Valores de significância entre as ocorrências das estratégias no FL 

Legenda: LD: Leitura detalhada; AM: Automonitoramento; AA: Autoavaliação; SC: Scanning; SK: Skimming; AC: Autocorreção; SEL: Seleção. (*) p = 0.01-0.05/Significante; (**) p = 0.001-0.01/Muito significante; (***) p < 0.001/Extremamente significante; (ns) p > 0.05/Não significante.

Com relação aos dados da Tabela 5, o teste estatístico, conforme apresentado na Tabela 6, demonstrou não haver diferenças significativas entre as seguintes estratégias de leitura: scanning e autocorreção (p = 0.98); scanning e automonitoramento (p = 0.07); skimming e automonitoramento (p = 0.99); skimming e scanning (p = 0.07) e skimming e seleção (p = 0.99). Uma possível explicação decorre do fato de essas estratégias serem normalmente associadas. Ao perceber um equívoco na leitura (automonitoramento), o leitor retorna aos parágrafos anteriores, buscando, por meio de scanning ou skimming, a informação que pode ter gerado o equívoco (Leffa, 1996; Pereira, 2002). Com relação às estratégias scanning e autocorreção, o desempenho semelhante sugere que, ao encontrar o motivo de seu problema de compreensão, por meio de um scanning, o leitor realize, então, a autocorreção de sua leitura. Processo semelhante ocorre com as estratégias de skimming e scanning e skimming e seleção que também apresentaram índices próximos. Ao percorrer o texto em busca da ideia geral (skimming), o leitor detém-se em informações específicas, que considera relevantes (scanning), selecionando-as em alguns casos (seleção) (Leffa, 1996; Pereira, 2002).

A Tabela 7, a seguir, disponibiliza os mesmos tipos de dados da Tabela 5, mas em relação à leitura do e-book em FMC.

Tabela 7 Estratégias de leitura e tempo de uso das estratégias, por sujeito, no FMC 

Legenda: LD: Leitura detalhada; AM: Automonitoramento; AA: Autoavaliação; SC: Scanning; SK: Skimming; AC: Autocorreção; SEL: Seleção; OC: Ocorrências; T: Tempo das ocorrências em segundos; NR: Não registrado.

Considerando os dados mais altos e os mais baixos dos 10 sujeitos, no que se refere à ocorrência das estratégias de leitura, no FMC, em cada uma delas, verifica-se, conforme a Tabela 6, que se sucedem, nessa direção, a leitura detalhada (de 141 a 165), a autoavaliação (de 17 a 52), a autocorreção (de 10 a 37), o scanning (de 10 a 32), a seleção (de 0 a 19), o automonitoramento (de 0 a 10) e o skimming (de 0 a 8). Constata-se, também, que não há ocorrência de automonitoramento por 7 sujeitos, de skimming por 6 sujeitos e de seleção por 9 sujeitos.

Em relação aos dados sobre tempo de uso das estratégias de leitura, conforme a Tabela 6, não foram registrados dados sobre autocorreção e sobre seleção, tendo sido inviabilizados pelos procedimentos próprios dessas duas estratégias. Em relação às demais estratégias, constata-se que sucedem, nessa mesma direção, a leitura detalhada (de 3 438 a 7 771), a autoavaliação (de 564 a 1 452), o scanning (de 86 a 348), o automonitoramento (de 0 a 108) e o skimming (de 0 a 25).

Examinando a totalidade de ocorrências e de tempo por sujeito, verifica-se que as ocorrências no FMC oscilam entre 188 e 266, e o tempo entre 4 596 e 9 182.

Observando e comparando os dados das Tabelas 5 e 7, é possível verificar que: (1) alguns sujeitos não usam algumas estratégias nos dois formatos, com aumento desse dado no FMC; (2) as estratégias com ocorrência zero são, nos dois formatos, automonitoramento, skimming e seleção (sete sujeitos), sendo maior o número de sujeitos que não as utilizaram os que leram no FMC; o tempo de uso das estratégias mais baixo e mais alto aconteceu com sujeitos do FL, com um espaço maior de oscilação no FL.

Na Tabela 8, a seguir, constam os valores de significância relativos às ocorrências das estratégias de leitura no FMC.

Tabela 8 Valores de significância entre as ocorrências das estratégias no FMC 

Legenda: LD: Leitura detalhada; AM: Automonitoramento; AA: Autoavaliação; SC: Scanning; SK: Skimming; AC: Autocorreção; SEL: Seleção. (*) p = 0.01-0.05/Significante; (**) p = 0.001-0.01/Muito significante; (***) p < 0.001/Extremamente significante; (ns) p > 0.05/Não significante.

Com relação aos dados da Tabela 8, o teste estatístico demonstrou não haver diferenças significativas entre as seguintes estratégias de leitura: scanning e autocorreção (p = 0.99); seleção e automonitoramento (p = 0.99); skimming e automonitoramento (p = 0.99) e skimming e seleção (p = 0.99). Percebe-se um padrão de uso das estratégias semelhante nos dois formatos. É importante observar, no entanto, uma diferença com relação ao uso de algumas estratégias. Enquanto no FL, as estratégias de skimming e scanning apresentaram resultados próximos, no FMC, essa relação ocorreu entre as estratégias de seleção e automonitoramento. Isso pode ser explicado pelo próprio formato do e-book. O FMC está estruturado a partir de palavras-chave apresentadas no formato de links que levam o leitor a outras informações relacionadas (Skuratowski & Andrade, 2009). Esse formato, portanto, estimula, durante o processo de automonitoramento, o uso da seleção ao permitir que o leitor acesse as informações por meio de links, o que não ocorre nos capítulos no FL.

Na Tabela 9, a seguir, encontram-se dados referentes ao total geral e à média geral, o que favorece uma compreensão resumida deles.

Tabela 9 Estratégias de leitura e tempo, duplo formato: total geral e média geral 

Legenda: LD: Leitura detalhada; AM: Automonitoramento; AA: Autoavaliação; SC: Scanning; SK: Skimming; ac: Autocorreção; SEL: Seleção; OC: Ocorrências; t: Tempo das ocorrências em segundos; NR:Não registrado.

Os dados totais de ocorrências e de tempo são próximos nos dois formatos, conforme a Tabela 8, sendo maior o número de ocorrências no FMC (2 252) do que no FL (1 916), e o inverso em relação ao tempo (FL, com 71 203 e FMC, com 60 863, o que indica, no FL, um possível investimento em tempo maior nas ocorrências em menor número de estratégias utilizadas). Essa constatação pode estar relacionada às características do FMC.

Os dados específicos por estratégia indicam a seguinte progressão descendente de ocorrências: no FL, leitura detalhada (1 010), autoavaliação (435), autocorreção (NR), scanning (175), skimming (22), automonitoramento (21) e seleção (NR); e, no FMC, leitura detalhada (1 493), autoavaliação (335), autocorreção (NR), scanning (2 580), seleção (19), automonitoramento (14) e skimming (12).

Os dados específicos por estratégia indicam a seguinte progressão descendente de tempo despendido: no FL, leitura detalhada (57 393), autoavaliação (10 430), scanning (2 580), skimming (484), automonitoramento (316), autocorreção (NR) e seleção (NR); e, no FMC, leitura detalhada (49 344), autoavaliação (8 717), scanning (2 555), automonitoramento (201), skimming (46), autocorreção (NR) e seleção (NR). Nos dados gerais, a progressão descendente se repete: leitura detalhada (106 737), autoavaliação (19 147), scanning (5 135), skimming (530) e automonitoramento (517).

A comparação das duas sequências considerando os formatos, possibilita verificar que há dois blocos (o das ocorrências mais altas sucessivas: leitura detalhada, autoavaliação, autocorreção e scanning, que se repetem nos dois formatos; e o das ocorrências mais baixas, com pequenas variações nas posições da seqüência: skimming, automonitoramento e seleção no fl e seleção, automonitoramento e skimming no FMC). Em suma, a sequência se reproduz nos dois formatos, com pequenas diferenças.

O teste estatístico revelou diferenças significativas entre os dois formatos apenas na estratégia de leitura detalhada, que foi mais utilizada no FL. Isso se deve ao fato de esse formato apresentar as informações por meio de textos sequenciados, que exigem mais atenção do leitor se comparados com a estrutura gráfica apresentada pelo FMC.

Os valores de significância obtidos a partir das comparações feitas pelo teste estatístico em relação aos grupos são apresentados na Tabela 10.

Tabela 10 Valores de significância entre as ocorrências das estratégias no FL e no FMC 

Legenda: LD: Leitura detalhada; AM: Automonitoramento; AA: Autoavaliação; sc: Scanning; SK: Skimming; AC: Autocorreção; SEL: Seleção; OC: Ocorrências; T: Tempo das ocorrências em segundos; NR: Não registrado.

Examinando os dados em sua totalidade, é possível constatar a seguinte sequência descendente de ocorrências: um grupo com maior número de ocorrências - leitura detalhada (2503), autoavaliação (770), autocorreção (441) e scanning (358), que repete os dois formatos separadamente - e um grupo com número mais baixo de ocorrências -automonitoramento (35), skimming (34), seleção (27), que varia a tendência das análises parciais. Em relação ao tempo despendido, a sequência descendente é leitura detalhada (106 737), autoavaliação (19 147), scanning (5 135), skimming (530), automonitoramento (517). Desse modo, há uma correspondência parcial entre as duas sequências, possivelmente em decorrência da ausência de alguns dados, como já referido nas análises.

Esse conjunto de dados sobre as ocorrências das estratégias de leitura e sobre o tempo utilizado pelos sujeitos durante a leitura do e-book em FL e em FMC dão suporte para a análise do tipo de processamento dominante desenvolvido.

É possível verificar que foram largamente dominantes, em relação às ocorrências e ao tempo despendido, as estratégias de leitura detalhada, autoavaliação e autocorreção, que exigem procedimentos lineares, minuciosos e vagarosos, com a utilização intensa das pistas linguísticas textuais (Solé, 1998; Giasson, 2000). Precisamente esses procedimentos são os que caracterizam o processamento bottom-up (Pereira, 2010). Desse modo, cabe afirmar que o processamento ascendente orientou predominantemente os movimentos de leitura desenvolvidos pelos sujeitos nos dois formatos tomados separadamente ou como uma totalidade.

A partir dos dados coletados e dos resultados obtidos, são apresentadas, a seguir, as conclusões do estudo aqui exposto.

CONCLUSÕES

O estudo aqui relatado foi orientado pelo objetivo de examinar a leitura de um e-book sobre teoria e prática de Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental, em fl e em fmc, no que se refere a compreensão, processamento e uso de estratégias de leitura por professores desse nível escolar.

Esse propósito nasceu das reconhecidas dificuldades de leitura dos estudantes do Ensino Fundamental, do reconhecimento da contribuição da Psicolinguística, da Educação e da Computação para o exame do tema e do desejo de colaborar na busca de caminhos para melhorar o ensino da leitura, subsidiando os professores.

Do objetivo decorreram questões de pesquisa, respondidas a seguir, sobre os escores de cl alcançados pelos sujeitos nos dois formatos do e-book, as estratégias de leitura utilizadas e o tempo despendido em ambos, o processamento desenvolvido durante as duas situações de leitura e a relação entre os formatos e as variáveis linguísticas.

Os 20 sujeitos que participaram da pesquisa, professores de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamental, integraram dois grupos (o do FL, com 10 sujeitos, e o do FMC, também com 10 sujeitos).

No Teste de Compreensão Leitora, os 20 sujeitos tiveram êxito em 58.88 % dos itens, o que indica um desempenho razoável. Considerando os formatos do e-book, os resultados ficaram próximos (58.88 % no FL e 58.99 % no FMC). Do mesmo modo, foram aproximadas as faixas dos desempenhos individuais (de 44.90 % a 75.51 %, no FL, e de 40.82 % a 73.47 %, no FMC). Esses resultados indicam que provavelmente os conhecimentos prévios dos professores foram mais influentes do que os formatos utilizados.

As estratégias de leitura utilizadas pelos sujeitos foram examinadas por meio do software Snagit. Os resultados obtidos junto aos 20 sujeitos, sem interferência do formato do e-book, evidenciaram a existência de dois grupos de estratégias (um com as mais utilizadas e outro com as menos utilizadas). No primeiro grupo, é possível constatar a seguinte sequência descendente de ocorrências: leitura detalhada (2 503), autoavaliação (770), autocorreção (441) e scanning (358) e, no segundo grupo, automonitoramento (35), skimming (34) e seleção (27). Quanto ao tempo despendido, a sequência descendente se repete, com exclusão das estratégias cujos procedimentos não permitiram registro de dados de tempo-no primeiro grupo, leitura detalhada (106 737), autoavaliação (19 147) e scanning (5 135) e, no segundo grupo, skimming (530) e automonitoramento (517).

Considerando a relação das estratégias utilizadas com o formato do e-book, os resultados obtidos com 10 professores que fizeram a leitura do e-book no FL evidenciaram a mesma progressão no grupo com maior número de ocorrências - leitura detalhada (1010), autoavaliação (435), autocorreção (245) e scanning (175) - e as mesmas estratégias, mas com ordem diferente - skimming (22), automonitoramento (21) e seleção (8). Os resultados dos sujeitos que leram no e-book em FMC foram similares - no primeiro grupo, leitura detalhada (1 493), autoavaliação (335), autocorreção (196), scanning (183) e, no segundo grupo, seleção (19), automonitoramento (14) e skimming (12). Quanto ao tempo, as progressões são semelhantes, salientando a exclusão das estratégias já mencionadas. Essas progressões são, no FL, no primeiro grupo, leitura detalhada (57 393), autoavaliação (10 430) e scanning (2580) e, no segundo grupo, skimming (484) e automonitoramento (316). No FMC, no primeiro grupo, as estratégias são leitura detalhada (49 344), automonitoramento (8 717) e scanning (2 555), e, no segundo grupo, automonitoramento (201) e skimming (46).

Desse modo, são estratégias dominantes tanto no FL como no FMC a leitura detalhada, a autoavaliação e a autocorreção, que se caracterizam pela linearidade, pela valorização das pistas linguísticas do material em leitura, pela atenção cuidadosa às unidades linguísticas menores, como os fonemas, as sílabas, os morfemas e as palavras (Leffa, 1996; Giasson, 2000). As demais estratégias dependem de predições, de análises gerais, de observações rápidas, tendo apresentado poucas ocorrências, comparativamente. Essas constatações levam a outra que consiste no tipo de processamento desenvolvido pelo leitor. Trata-se do bottom-up, que é marcado pelas mesmas características das estratégias de leitura dominantes (Pereira, 2010).

Retomando as análises e os resultados obtidos, é possível reconhecer que essas aproximações e repetições constatadas são possivelmente traços da leitura de um e-book em FL e em FMC, portanto traços preditores desses formatos. Esse é um produto importante do estudo realizado, que oportuniza a construção de novos e-books e oferece subsídios que podem ser úteis no desenvolvimento de estratégias de leitura no contexto escolar. Os dados obtidos mostraram que, embora próximos nos dois formatos, os escores de CL apresentaram pequenas diferenças em favor do FMC. Esse aspecto revela a importância de levar à sala de aula formatos de texto diferentes do tradicional FL de modo a auxiliar os alunos a desenvolverem suas habilidades de leitura em diferentes contextos.

Cabe registrar que, como toda pesquisa, o estudo aqui relatado apresenta algumas limitações. Tendo em vista a complexidade dos procedimentos de coleta dos dados, participaram da pesquisa 20 professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental. Esse número de participantes limita a possibilidade de generalizações para a totalidade da população investigada. Desse modo, destaca-se a necessidade de estudos futuros que utilizem amostras mais amplas ou, ainda, estudos que contrastem os resultados iniciais desta pesquisa com a análise sobre as estratégias de leitura que utilizam outras populações, como, por exemplo, alunos do Ensino Fundamental quando leem um mesmo conteúdo apresentado em formatos distintos.

Apesar das limitações, destaca-se que o projeto, viabilizado a partir de um design fundado teoricamente na Psicolinguística em interface com a Educação e com a Computação, gerou um material científico-pedagógico produtivo, como colaboração para o ensino da leitura na escola, por meio do preparo do professor.

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*Este artigo deriva do projeto de pesquisa «Compreensão e processamento da leitura de e-book: estratégia, inferência, relevância e satisfação», com o apoio do edital do programa Bolsa Pesquisa-Aluno da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (BPA-PUCRS).

1Disponível no site da editora da PUCRS: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/digital/ebooks.html

Cómo citar este artículo: Pereira, V. W., & Baretta, D. (2020). Leitura de e-book em formato linear e em formato de mapa conceitual: compreensão, processamento e estratégias. Forma y Función, 33(1), 147-171. https://doi.org/10.15446/fyf.v33n1.84183

ABREVIATURAS

Recebido: 12 de Fevereiro de 2018; Aceito: 23 de Maio de 2019

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