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Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Políticas

versión impresa ISSN 0120-3886

Rev. Fac. Derecho Cienc. Polit. - Univ. Pontif. Bolivar. vol.48 no.128 Medellín ene./jun. 2018

https://doi.org/10.18566/rfdcp.v48n128.a04 

Artículos

O aspecto moral dos movimentos sociais ocorridos no Brasil a partir de 2013

El aspecto moral de los movimientos sociales ocurridos en Brasil a partir de 2013

The moral aspect of social movements occurred in Brazil from 2013

L'aspect moral des mouvements sociaux survenus au Brésil à partir de 2013

Leonardo Goldner Dellaqua* 

* Mestrando em Direito Processual, Constituição e Justiça pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Oficial de Justiça Avaliador Federal lotado no Tribunal Regional do Trabalho da 17a Região. Graduado em Direito pela Faculdade Direito de Vitória. Pós Graduado em Direito Público pela Faculdade São Geraldo. Pós Graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Multivix. Correo electrónico: leo.dellaqua@bol.com.br.


Resumo

Tomando como marco inicial os movimentos que ocorreram no Brasil a partir de 2013, combatidos, inicialmente, de forma enérgica pelo poder público, tentaremos traçar os aspectos, Materiais e, talvez, Morais, que alavancaram esses conflitos. Utilizando, como guia, a obra "Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais", de Axel Honneth, onde a aplicação do Direito se torna regra fundamental para a conquista do autorrespeito, e recorrendo, ainda, a outros renomados autores, a fim de fazer um paralelo de seus trabalhos com a realidade instaurada no país a partir destes eventos, iremos diferenciar os conceitos de "Grupos" e "Movimentos Sociais". Traçados esses parâmetros, tentaremos demonstrar se o que houve no Brasil, em 2013, com o direcionamento massivo da população às ruas, pôde se configurar um Movimento Social uno, individualizado, ou, então, diversos "Movimentos Sociais" paralelos, concomitantes, ou, ainda, apenas manifestos desordenados de diversos setores da sociedade. Sabemos que o processo Democrático se desenvolve de diversas formas, onde os "Movimentos Sociais" podem ser considerados como formas de sua expressão. A forma como tais manifestações se deram em nosso País, no período abordado, deixa clara a força política que manifestos populares possuem, trançando diretrizes e novos rumos às políticas nacionais. Antes mesmo de se judicializar a questão, a força popular pode ditar caminhos políticos, porém temos que considerar que quando há inércia desses atores políticos, quando não cumprem com seu papel político e legal, estes indivíduos também estão sujeitos a medidas coercitivas impostas pelo Estado ao qual representam. E nesse contexto que aparece o "Acesso ao Judiciário" como elemento de controle, postura que aparentemente não era frequente em nossos Tribunais e vem tomando maiores contornos ao se judicializar com maior habitualidade questões políticas com a colaboração de todas as esferas, Executivo, Legislativo e Judiciário.

Palavras-chave: Direito; moral; movimentos sociais; luta por reconhecimento

Resumen

Tomando como marco inicial los movimientos que ocurrieron en Brasil a partir de 2013, combatidos, inicialmente, de forma enérgica por el poder público, intentaremos trazar los aspectos materiales y, tal vez, morales, que aprovecharon esos conflictos. En este sentido, el Papa Benedicto XVI ha recordado que " el fin de hacer un paralelo de sus trabajos con la realidad instaurada en el país a partir de estos eventos, vamos a diferenciar los conceptos de "Grupos" y "Movimientos Sociales". En este sentido, se trata de un proceso de integración social y de relaciones entre la sociedad civil, aún, sólo manifiestos desordenados de diversos sectores de la sociedad. Sabemos que el proceso democrático se desarrolla de diversas formas, donde los "Movimientos Sociales" pueden ser considerados como formas de su expresión. La forma como tales manifestaciones se dieron en nuestro país, en el período abordado, deja clara la fuerza política que los movimientos populares poseen, trenzando directrices y nuevos rumbos a las políticas nacionales. En el caso de que se produzca un cambio en la calidad de vida de la población, se debe tener en cuenta que, en la mayoría de los casos, es gracias a su representatividad y acción. Y en ese contexto que aparece el "Acceso al Poder Judicial" como elemento de control, postura que aparentemente no era frecuente en nuestros Tribunales y viene tomando mayores contornos al juzgar con mayor regularidad cuestiones políticas con la colaboración de todas las esferas, Ejecutivo, Legislativo y poder judicial.

Palabras clave: Derecho; moral; movimentos sociales; lucha por el reconocimiento

Abstract

Taking as a starting point the movements that occurred in Brazil after 2013, initially fought vigorously by the public power, we will try to trace the aspects, Materials and, perhaps, Morais, that have leapfrogged these conflicts. Using as a guide Axel Honneth's work "Fight for Recognition: the moral grammar of social conflicts", where the application of law becomes a fundamental rule for the achievement of self-respect, and resorting to other renowned authors, In order to parallel its work with the reality established in the country from these events, we will differentiate the concepts of "Groups" and "Social Movements". Once these parameters have been traced, we will try to demonstrate if what happened in Brazil in 2013, with the massive targeting of the population on the streets, was able to form a single Social Movement, or individual "Social Movements", concurrent, or, still, only disorderly manifestos of diverse sectors of the society. We know that the Democratic process develops in several ways, where "Social Movements" can be considered as forms of its expression. The way in which these manifestations occurred in our country during the period covered, makes clear the political strength that popular manifestoes have, drawing guidelines and new directions for national policies. Even before prosecuting the question, the popular force can dictate political paths, but we must consider that when these political actors are inactive, when they do not fulfill their political and legal role, these individuals are also subject to coercive measures imposed by the which they represent. It is in this context that "Access to the Judiciary" appears as an element of control, a position that apparently was not frequent in our Courts and has been taking shape in more regular judicialization of political issues with the collaboration of all levels, Executive, Legislative and Judiciary.

Key words: Law; moral; social movements; the struggle for recognition

Résumé

En prenant comme point de départ les mouvements qui se sont produits au Brésil après 2013 et que le pouvoir public a combattu avec vigueur, nous tenterons de retracer les aspects, Matériaux et, peut-être, Morais, qui ont dépassé ces conflits. S'appuyant sur le travail d'Axel Honneth "Lutte pour la reconnaissance: la grammaire morale des conflits sociaux", où l'application du droit devient une règle fondamentale pour la réalisation du respect de soi, et faisant appel à d'autres auteurs renommés, Afin de mettre en parallèle ses travaux avec la réalité établie dans le pays à partir de ces événements, nous allons différencier les concepts de "groupes" et de "mouvements sociaux". Une fois ces paramètres définis, nous tenterons de démontrer si ce qui s'est passé au Brésil en 2013, avec le ciblage massif de la population dans les rues, a été capable de former un seul mouvement social, ou des "mouvements sociaux" individuels, simultanés ou non. encore, seulement des manifestes désordonnés de divers secteurs de la société. Nous savons que le processus démocratique se développe de plusieurs manières, où les "mouvements sociaux" peuvent être considérés comme des formes d'expression. La manière dont ces manifestations se sont produites dans notre pays au cours de la période couverte montre clairement la force politique des manifestes populaires, en établissant des lignes directrices et de nouvelles orientations pour les politiques nationales. Même avant de poursuivre la question, la force populaire peut dicter des voies politiques, mais nous devons considérer que lorsque ces acteurs politiques sont inactifs, lorsqu'ils ne remplissent pas leur rôle politique et juridique, ils sont également soumis à des mesures coercitives imposées par le gouvernement. qu'ils représentent. C'est dans ce contexte que "l'accès au pouvoir judiciaire" apparaît comme un élément de contrôle, position qui n'était apparemment pas fréquente dans nos tribunaux et qui se traduisait par une judiciarisation plus régulière des questions politiques avec la collaboration de tous les niveaux, exécutif, législatif et politique. Judiciaire.

Most clés: Droit; morale; mouvements sociaux; lutte pour la reconnaissance

Introdução

Em 2013, no Brasil, iniciou-se, na cidade de São Paulo, um pequeno manifesto de estudantes, ligado ao aumento do custo das passagens do transporte público, movimento este de cunho aparentemente pecuniário. Após enérgica repressão pelo poder público a esse movimento inicial, a indignação, antes velada, da população, de diversas localidades do país, aparentemente insatisfeita com a política nacional, veio à tona, representada por diversos movimentos espalhados pelos quatro cantos da nação.

Utilizando, como espinha dorsal de nossa análise, a obra do Professor Axel Honneth, "Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais.", tentaremos identificar o aspecto moral dessas manifestações, e das que daquele evento fatídico surgiram, por meio de pesquisas textuais, de diversos autores, de campo, assim como entrevistas.

Dentre as três esferas de reconhecimento do indivíduo (amor, direito e solidariedade), construídas por Honneth1, o presente artigo irá delimitar as características de cada uma, demonstrando sua importância nos movimentos sociais, com a consequente conquista da autoconfiança, autorrespeito e autoestima.2

Diante dos conceitos de "Movimentos Sociais" e "Grupos", formulados por Honneth3 e demais autores, tentaremos identificar qual, entre esses dois fenómenos, ocorreu nos conflitos sociais que precederam o Impedimento da Presidente do País, assim como aqueles que sucederam esse marco histórico.

Embora os Movimentos Sociais, de maneira geral, tenham surgido por impulso aparentemente de natureza típico mercantil, com a classe operária, no período da Revolução industrial,4 reivindicando melhores salários e condições de trabalho, temos que o aspecto moral, mesmo que implicitamente, sempre esteve presente no âmago dos indivíduos.5

Sendo assim, com a evolução social e utilização dos movimentos sociais como forma de luta por reconhecimento, o aspecto moral dessas manifestações ganhou força, sendo, em diversos casos, demandas exclusivas de determinada associação.

Em contrapartida o Conceito de Grupo se apresentou de forma desconexa a qualquer tipo de reivindicação, tratando-se, em primeira análise, apenas de um aglomerado de sujeitos, individualizados e identificáveis, dentro de um contexto, que por algum motivo comum resolveram se unir.6

Grupos e movimentos sociais

Em suas obras, Axel Honneth7 demonstra a gradativa inserção do indivíduo na sociedade, afirmando que para se obter o reconhecimento, três esferas devem ser percorridas. A primeira, do amor, quando o sujeito ainda criança, em relação à figura materna (ou uma figura que a represente), detém uma relação quase simbiótica, onde o indivíduo ainda se vê como extensão daquela figura, fase onde se forma a autoconfiança.8 A segunda esfera, do reconhecimento jurídico, onde o indivíduo amplia sua rede de relações, se vê como sujeito de responsabilidades, direitos e obrigações, fase na qual conquista o autorrespeito.9 E por fim, a última esfera trata da solidariedade, onde o sujeito possui ciência de suas capacidades físicas e intelectuais,10 fase esta que não se desvincula da segunda, ocorrendo, inclusive, paralelamente.

Explicando o tema, assim expõe o alemão:

...eu parto da convicção de que a formação do eu do sujeito se realiza através da gradual internalização de um comportamento social reativo, que tem o caráter do reconhecimento intersubjetivo (Honneth, 2013, p. 62). ...como ponto de partida (...)estágio de autorrelação infantil, no qual se aprende a conceber as necessidades e desejos experimentados internamente como sendo uma parte da própria pessoa, passível de ser articulada (Honneth, 2013, p. 63) (autoconfiança). ...segundo estágio já exige a ampliação da rede de parceiros significativos de interação: a criança precisa aprender a desenvolver uma autorrelação positiva adicional, para além da autoconfiança, que consiste na consciência elementar de ser considerada aos olhos dos outros como um ser responsável (Honneth, 2013, p. 63) (autorrespeito). ...terceiro estágio (... ) de modo algum se realiza somente depois de concluído o segundo, mas, por certo, em paralelo cronologicamente com ele (... ) consciência da importância de suas habilidades físicas e intelectuais próprias (Honneth, 2013, p. 64) (autoestima).

Notamos que, desde a infância, o indivíduo vai se desprendendo daquela solitária relação familiar, na esfera do amor, e vai aos poucos se inserindo na sociedade, descobrindo suas habilidades, reconhecendo-se como sujeito de direitos e obrigações, momento em que, muitas vezes sem perceber, já está inserido em algum "Grupo".

Para Honneth, então, esse conceito de "Grupo" está presente quando um conjunto de indivíduos se une para compartilhar características, objetivos, interesses ou experiências. Neste contexto, conforme as aspirações de cada sujeito, haverá o agrupamento, podendo haver, inclusive, adesão a outros "Grupos" concomitantemente, já que os indivíduos partilham de diversos interesses ao mesmo tempo, necessitando, então, participar de tantos "Grupos" quantos sejam seus anseios. Nesse tipo de relação os indivíduos se reconhecem face a face, são identificáveis dentro do agrupamento do qual façam parte. Há possibilidade de reconhecimento e contato direto entre os indivíduos.Nesse sentido Honneth afirma:

...espelham-se medos e esperanças, temores e expectativas, que são impulsionadas por vivências típicas de época sobre união de indivíduos em associações relativamente estáveis e duradouras (Honneth, 2013, p. 58). ...selecionar apenas um dos possíveis atributos de agrupamentos sociais e estiliza-los como a característica que tudo define (Honneth, 2013, p. 60). ...compreendido como um mecanismo social fundado na necessidade ou no interesse psíquico do indivíduo, porque o auxilia na estabilidade e ampliação pessoais (Honneth, 2013, p. 61) A cada forma de reconhecimento de que o indivíduo depende no decorrer de seu desenvolvimento, corresponde analiticamente uma forma diferente de aspiração de membresia em grupo (Honneth, 2013, p. 61)

Conforme Honneth,11 essa inserção se dá por inciativa e vontade própria, porém, atrevo-me ir além, dizendo que o indivíduo pode ser inserido em um "Grupo" de forma inconsciente, sem mesmo ter a intenção de fazê-lo, como vemos crianças em escolas, alunos em faculdades, trabalhadores em determinada empresa, etc. Todos pertencem a um "Grupo", mesmo que o acaso ou outras pessoas os tenham colocado ali.

Conforme explica Axel Honneth,12 para a psicanálise, representada por Freud, para o Sociólogo Canetti e para o Filósofo Adorno, essa inserção do indivíduo em grupos é vista de forma negativa, pois nessa condição o sujeito demonstra fraqueza, perdendo suas características individuais, suas capacidades, tornando-se, então, incapaz, incompetente e até mesmo imaturo, idealizando um líder onisciente, para suprir lhe todas essas falhas. Nesse contexto tal agrupamento só daria margem à criação de gangues, compostas por jovens violentos. Em sua obra Axel assim dispõe:

A atmosfera sedutora do grupo anônimo o que faria desaparecer as capacidades individuais de controle... (Honneth, 2013, p. 75). ... a concepção de que, na vida em grupo, os sujeitos têm pouco controle sobre suas energias psíquicas desempenha um papel decisivo (Adorno 1972) (Honneth, 2013, p. 75). Os membros vivenciam a figura idealizada do líder como todo-poderoso e onisciente e a si próprios, ao contrário, como insatisfatórios, imaturos ou incompetentes (Honneth, 2013. p. 76). ...acúmulo de um tipo de personalidade que tem um potencial quase incontrolável de agressividade devido a experiências anteriores de desrespeito... (Honneth, 2013, p. 76). ...existência de grupos sociais primários, nos quais se via uma garantia natural de relações sociais livres de conflito... (Honneth, 2013, p. 59). ...os elementos civilizadores, fortalecedores do eu, foram idealizados a tal ponto que, imperceptivelmente, os riscos da perda de autonomia tiveram que passar despercebidos (Honneth, 2013, p. 59) ...manifestação da comunidade cultural, ou seja, pelo pequeno ou grande grupo integrado por linguagem, tradições e valores (Honneth, 2013, p. 60) ...são geradas identidades coletivas que devem dar ao indivíduo segurança e integridade psíquica (Honneth, 2013, p. 60).

Embora mencionados esses pontos negativos, Honneth13 prevê consequências positivas para o indivíduo agrupado. Para Axel, o sujeito não perde sua individualidade, ele apenas se fortalece ao trocar experiências, participando de um reconhecimento cíclico, campo onde se obtém mencionados, autorrespeito e autoestima. Trata-se de uma forma de se manter viva uma comunidade cultural, manifestando-se por meio de suas tradições e valores.

Nesse sentido:

O objetivo da vida em grupo parece tão transparente a todos os membros, os motivos parecem estar tão claramente a serviço da saúde psíquica, que quase não é possível falar da influência de forças e sugestões inconscientes (Honneth, 2013, p. 68) ... o eu busca o nós da vida comum em grupo, porque, mesmo depois de amadurecido, ele ainda depende de formas de reconhecimento social que possuam o denso caráter da motivação direta e da confirmação. Ele não pode manter nem o autorrespeito nem a autoestima, sem a experiência de apoio que se faz através da prática de valores compartilhados no grupo (Honneth, 2013, p. 77).

Importante frisar que este conceito de "Grupo" se difere do conceito de "Movimento Social", isso porque um "Grupo", por si só, nada reivindica, apenas existe por mera pertinência, podendo um indivíduo migrar entre diversas formações ou mantê-las concomitantemente.

Por outro lado, os "Movimentos Sociais" são reivindicatórios, aqui já não se tem relação face a face entre seus membros, esses não são identificáveis, não são determinados, embora suas reivindicações sejam idênticas. A ampliação de seus membros se dá de tal maneira que não se torna possível uma relação direta entre todos os seus indivíduos.14 Os objetivos são comuns, podem ser emancipatórios, reivindicando mudanças, ou podem ser conservadores, objetivando preservar determinada situação. Os objetivos dos movimentos sociais são bem delineados, há uma reivindicação comum, suscitada por todos os membros daquela relação, mesmo que esses não tenham relacionamento direto.

Assim explica Axel Honneth:

"...onde esta abrangência do pequeno grupo for ultrapassada e, consequentemente, as interações face a face não forem mais possíveis, estaremos na presença de movimentos sociais..." (HONNETH, Axel. O Eu no Nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n° 33, mai./ago. 2013. p. 66)

"No lugar de gestos concretos de reconhecimento, nesses grandes grupos anônimos, estabeleceram-se símbolos e rituais coletivamente compartilhados... " HONNETH, Axel. O Eu no Nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n° 33, mai./ago. 2013. p. 67)

Aspectos morais e materiais dos movimentos sociais

Após essa distinção, entre "Grupos" e "Movimentos Sociais", é de bom alvitre que, antes mesmo de delimitar seus aspectos motivadores, façamos um introito que demonstre como se dá o surgimento desses Movimentos Sociais. A dificuldade, aparente, que encontramos está, então, em saber quais os elementos catalizadores "contaminam" os demais sujeitos a fim de desencadear um Movimento Social. Conseguimos, facilmente, identificar a insatisfação individual, de sujeitos determinados, em uma situação que lhe trás algum embaraço, seja lhes tolhendo direitos, seja dificultando o regular andamento de seus anseios e compromissos cotidianos. Porém, identificar o elemento comum, que "contamina" os demais sujeitos, a ponto de fazê-lo tomar a causa alheia como própria, ainda está sob uma zona cinzenta. Essa mesma dificuldade encontrou o Mestre e Doutor em Sociologia Emil A. Sobottka em análise de campo (2015),15 onde procurou identificar, em um grupo de mulheres, da periferia de Porto Alegre, algum elemento motivador para que essas procurassem algum tipo de emancipação. Embora suas histórias de vida fossem muito parecidas, com passagens de tragédia e todo tipo de privações, a inércia prevalecia, não havia o elemento catalizador, mesmo com todo tipo de orientação externa.

Eis um trecho da pesquisa de Sobottka:

As narrativas invariavelmente revelavam experiências de desrespeito à integridade do corpo, e vinham acompanhadas da convicção dessas mulheres, de terem sido moralmente injuriadas. Mas o transcurso da entrevista revelava que esta consciência da injuria raramente mobilizou a indignação em direção a reações consistentes tais como resistência ou uma luta coletiva por reconhecimento junto com as outras pessoas que sofriam a mesma humilhação. SOBOTTKA, Emil A. Desrespeito e luta por reconhecimento. Civitas. p. 02 Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/23249> Acessado em 25 de Abril de 2017.

Acreditamos que o elemento catalizador de um Movimento Social não seja a compaixão diante da causa alheia, mas, sim, o anseio desses mesmos objetivos, que unem os indivíduos, mesmo que estes não se conheçam. Honneth,16 inclusive, dispõe que a lesão causada nos sujeitos, ou seja, suas experiências privadas, geram uma ponte semântica tão forte que se cria uma identidade coletiva.

E exatamente assim o Axel disserta:

"...entre as finalidades impessoais de um movimento social e as experiências privadas que seus membros têm da lesão, deve haver uma ponte semântica que pelo menos seja tão resistente que permita a constituição de uma identidade coletiva." (HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 258)

"Sentimentos de lesão dessa espécie só podem tornar-se a base motivacional de resistência coletiva quando o sujeito é capaz de articulá-los num quadro de interpretação intersubjetivo que os comprova como típicos de um grupo inteiro; nesse sentido, o surgimento de movimentos sociais depende da existência de uma semântica coletiva que permite interpretar experiências de desapontamento pessoal como algo que afeta não só o eu individual mas também um círculo de muitos outros sujeitos." (HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 258)

Das três esferas mencionadas, Honneth afirma que apenas a esfera do Direito e da Solidariedade impulsionam os Movimentos Sociais, isso porque na esfera do Amor não se pode estabelecer um vínculo de indivíduos, que não se relacionam face a face, para perseguir aquela relação primária que se estabelece com o ente representativo materno, trata-se de uma relação individual. Sendo assim, os Movimentos Sociais se caracterizam pela busca do autorrespeito e da autoestima. Nesse sentido:

"...nem todas as três esferas de reconhecimento contêm em si, de modo geral, o tipo de tensão moral que pode estar em condições de pôr em marcha conflitos ou querelas sociais: uma luta só pode ser caracterizada de social na medida em que seus objetivos se deixam generalizar para além do horizonte das intenções individuais... " . (HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 256)

"... o amor (... ) não contém experiências morais que possam levar por si só a formações de conflitos sociais (...) não se deixam generalizar para além do círculo traçado pela relação primária... " . (HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 256)

Aparentemente, no início, no surgimento desses Movimentos Sociais, ou quando identificados os mais relevantes, na Revolução Industrial, a questão moral fora deixada em segundo plano, para alguns autores nem sequer existiam. Marx, que liderou alguns desses movimentos ligados à classe operária, não demonstrou, na visão de Honneth,17 esse aspecto moral. No período da Revolução Industrial, com os manifestos por melhores salários e condições de trabalho, havia uma visão materialista do fenômeno, de cunho mercantil. Acreditava-se que a contraprestação material era o foco exclusivo, motivador dos movimentos dos trabalhadores. A questão da honra e esses conceitos de ordem moral foram surgindo aos poucos tanto que se já via, conforme Axel, nas obras de Sartre e Sorel.

Para Axel Honneth,18 mesmo que não fosse aparente, esse aspecto moral dos Movimentos Sociais sempre esteve presente. Para o autor Alemão o aspecto moral, de reivindicações materialistas, estava, a estas, intrinsicamente vinculado.

Apenas nos casos de sobrevivência que esses dois aspectos, moral e material, estariam desvinculados, dando-se, então, foco, apenas ao aspecto material "...no quadro das ciências sociais emergentes: onde a categoria de luta social desempenhou (... ) uma concorrência por chances de vida ou de sobrevivência." 19

E o autor continua:

"...que nem todas as formas de resistência possam remontar à lesão de pretensões morais, é o que já mostram os muitos casos históricos em que foi a pura segurança da sobrevivência econômica que se tornou o motivo do protesto e da rebelião em massa. Interesses são orientações básicas dirigidas a fins, já aderidas à condição econòmica e social dos indivíduos pelo fato de que estes precisam tentar conservar pelo menos as condições de sua reprodução..."(HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 260)

Não obstante as teorias de Honneth, façamo-nos crer que o aspecto material sempre estará acompanhado do aspecto moral, mas não o contrário. Embora o Alemão não siga por esse caminho,20 acreditamos, "Data Vènia", que movimentos sociais podem surgir apenas com motivações morais, ou seja, a situação vexatória, de descontentamento e humilhação podem estar desvinculados totalmente de uma relação mercantil, podendo desencadear, por esses motivos, um Movimento Social.

Os aspectos dos movimentos sociais que surgiram no Brasil em 2013

Feitas mencionadas distinções, resta-nos debater se as manifestações ocorridas no Brasil, que se desencadearam após o movimento estudantil, contra o aumento das passagens de ônibus, podem ser realmente consideradas Movimentos Sociais para, depois, estabelecer quais os aspectos motivadores, se de cunho material e moral, conforme corrente liderada por Honneth,21 ou se apenas moral.

Parece haver consentimento, ao analisarmos os autores que contribuíram para o presente artigo junto a nosso entendimento, quanto ao caráter de Movimento Social daqueles protestos que ocorreram na cidade de São Paulo, em 2013, contra os aumentos das passagens de ônibus. Tratava-se de um corpo estudantil, inserido nas características de um Movimento Social, quais sejam, um grupo de diversos indivíduos cuja união se dava em torno de um objetivo comum, contra o aumento da importância de vinte centavos no transporte público. Tais indivíduos, embora possuíssem esse objetivo, não eram vinculados diretamente entre si, ou seja, não necessariamente se conheciam, tratava-se de uma união sem contato face a face, outra característica esta do Movimento Social.

Percebe-se, ainda, que este Movimento não suscitava mudanças, mas sim a permanência dos valores das passagens, deixando claro que um Movimento Social nem sempre reivindica mudanças, mas também podem exigir a manutenção do estado das coisas. Característica essa de movimentos "Conservadores".22

Em um cenário nacional de insatisfação com a classe política, a repercussão do Movimento e a enérgica repressão do poder público fizeram com que se desencadeassem, concomitantemente, pelo país, diversas manifestações, solidárias ao Movimento originário. A população se deslocou em peso às ruas, indignadas, incialmente, com a corrupção e a má administração do erário público.

Conforme se estendeu, alguns movimentos, de diversas ideologias, puderam ser identificados naquele grande conglomerado. Movimentos em prol à classe operária, Feministas, Homossexuais, Conservadores, enfim, diversos movimentos individualizados dentro daquela enorme massa protestante.

Dada a essa enorme variedade de reivindicações, que se revelou, a questão que se levantou foi quanto à dúvida de que se todas essas manifestações poderiam ser consideradas um Movimento Social único ou diversos Movimentos Sociais concomitantes, com diferentes pautas reivindicatórias, ou, ainda, se apenas se apresentaram como um conglomerado desorganizado de sujeitos com reivindicações individuais, desvinculadas das dos demais.

Em entrevista ao programa "Diálogo sem fronteira", gravada no dia 26 de junho de 2013, apresentado por Pedro Paulo Funari,23 o professor José Augusto Guilhon Albuquerque, colaborador da UNICAMP, Mestre e Doutor em Sociologia do desenvolvimento, afirmou categoricamente que tais protestos não puderam ser caracterizados como Movimentos Sociais, já que ali não havia uma "identidade social" marcante que os individualizasse, que desse união àqueles indivíduos a fim de criar uma identidade coletiva. Tratandose de movimentos dispersos, com diferentes e inúmeras reivindicações, o Professor Guilhon concluiu que ali não se poderia encontrar um Movimento Social, justamente por não haver uma pauta pontual, precisa e concreta, que gerasse uma unificação de interesses.

Ao analisar quanto às características morais ou materiais das manifestações, o professor Guilhon continuou, dando aspecto predominantemente mercantil ao que ali surgiu, pois, de forma geral, conforme o Ilustre Sociólogo, a população, contribuinte, reivindicava uma contraprestação estatal dos serviços contratados, prestados até então de maneira deficitária.

Nesse mesmo sentido, Paulo Silvino Ribeiro, Colaborador Brasil Escola, Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas Mestre em Sociologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" e Doutorando em Sociologia pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas, assim expõe:

A existência de um movimento social requer uma organização muito bem desenvolvida, o que demanda a mobilização de recursos e pessoas muito engajadas. Os movimentos sociais não se limitam a manifestações públicas esporádicas, mas tratase de organizações que sistematicamente atuam para alcançar seus objetivos políticos, o que significa haver uma luta constante e em longo prazo dependendo da natureza da causa. Em outras palavras, os movimentos sociais possuem uma ação organizada de caráter permanente por uma determinada bandeira. <http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/movimentos-sociais-breve-definicao.htm> Acesso em 27 de Julho de 2017.

Notamos que o Professor Paulo Silvino aponta o caráter duradouro de um Movimento Social, de um engajamento contínuo em determinada luta, não apenas uma empatia com a luta alheia, mas o efetivo empenho e participação do sujeito naquela causa.

Em primeira análise, parece-nos que tal conceito se distancia do que ocorreu na grande manifestação popular nas ruas do país. Porém, se estendermos o conceito, de uma forma mais flexiva, podemos, talvez, percorrer caminho distinto, onde, conforme teoria adotada, podemos identificar ao mesmo tempo um enorme Movimento Social, assim como pequenos "Sub Movimentos" dentro deste que os abrange.

Pois bem, primeiramente, se tomarmos como apoio a teoria do "Contrato Social"24 obra de Rousseau (1762), temos que há, de certa forma, naqueles movimentos, um objetivo comum e um engajamento, mesmo que implícito, de cada cidadão. Explicaremos o que afirmamos, porém, antes, eis uma passagem interessante da obra do referido autor:

"Portanto, se afastarmos do pacto social o que não constitui sua essência, acharemos que ele se reduz aos seguintes termos: 'Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo'.

Logo, ao invés da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a assembleia de vozes, o qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava outrora o nome de cidade, e é chamado por seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; autoridade quando comparado a seus semelhantes. No que concerne aos associados, adquirem coletivamente o nome de povo, e se chama particularmente cidadãos, na qualidade de participantes na autoridade soberana, e vassalos, quando sujeitos às leis do Estado." (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução Rolando Roque da Silva. Edição Eletrônica. Ed. Ridendo Castigat Mores. <www. jahr.org> Disponível em <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/ contratosocial.pdf> Acessado em 30 de Abril de 2017. p. 25-26)

Com a criação de um Estado, por convenção entre os sujeitos, responsável em administrar e gerir a arrecadação das contribuições tributárias e prestar os serviços pactuados, temos que, não havendo essa contraprestação estatal, ou seja, não havendo o fornecimento dos serviços deixados a cargo do poder público, financiados pelos indivíduos, irão se instaurar os Movimentos Sociais, cujos objetivos se coincidem. Havendo coincidência de objetivos, com reivindicações em massa, ao redor de um único propósito, ou vários, desde que sejam comuns à totalidade dos envolvidos, há um Movimento Social.

Podemos, mesmo que de maneira expansiva, considerar que na formação de um Estado, por conivência dos envolvidos, há um contínuo engajamento, uma luta, mesmo que implícita, da população, que aí forma uma identidade coletiva, diante da administração da máquina pública, ao gerir o financiamento popular às obras estatais. A população, que forma o Estado e elege seus gestores, de forma unívoca, em uma consciência coletiva, está composta, e engajada no cumprimento do "Pacto Social"25 estabelecido, reivindicando, continuamente, a permanência do estado das coisas ou a modificação, perante o Estado, conforme suas necessidades. Para nós, com essa nova linha interpretativa, fica difícil desvincular um cidadão deste Pacto estabelecido. Não se desvinculando, o sujeito está a todo tempo envolvido, engajado, juntamente com todos os cidadãos, na movimentação da máquina administrativa.

Nesse prisma, com a reivindicação da população Nacional, nos movimentos de 2013, nas manifestações que sucederam o Movimento Social contra o aumento do transporte público na cidade de São Paulo, podemos identificar um grande Movimento Social reivindicatório de políticas públicas de aspecto moral e material. Certamente, identificamos essa característica mercantil nos protestos, mas também há apelo moral, pois o cidadão que não possui a contraprestação daquilo que por meio de seus tributos fora financiado, também não se vê reconhecido nas esferas do Direito e da Solidariedade.

Sendo assim, em análise macro, o direcionamento da massa reivindicatória às ruas, tratou-se sim de um grande Movimento Social, cujo objetivo comum seria a contraprestação material dos serviços estatais contratados pela população, diante de financiamento contributivo tributário, e da satisfação moral em se viver numa sociedade de prestações estatais mínimas que mantém a dignidade de sobrevivência dos indivíduos. O simples inadimplemento estatal gera frustração, vexame, desonra e indignação, podando o cidadão de usufruir dos bens básicos que contratou e necessita.

Podemos, inclusive, identificar um aspecto estritamente moral nesses Movimentos, isso se analisarmos o contexto sob um prisma de indivíduos que não necessitam dessa contraprestação materialista estatal, por estarem inseridos em uma classe mais abastada, onde conseguem por meio particular os serviços que deveriam ser prestados pelo Estado, mas que diante da corrupção político-administrativa, sentem-se moralmente violados, dando-lhes, então, impulso para união de forças que comina num Movimento Social.

Quando se está inserido num "Contrato Social", que estabelece poderes representativos e administrativos a um ente Estatal, a má gestão, corrupção, inércia, e omissão, desses representantes, refletem moralmente naqueles que os elegeram, selecionaram para lhes representar. É moralmente vexatório, humilhante, fazer parte de um grupo cujas características dos indivíduos são moralmente duvidosas, conforme a sociedade e cultura onde estão inseridos. Se aquele eleito pratica atos imorais, quaisquer que sejam, aos olhos de seus representados, um Movimento Social pode surgir, mesmo que haja toda contraprestação pecuniária contratada.

O aspecto moral da representatividade pode ser levado em consideração pelos indivíduos, isto porque, o representado pode se espelhar em seu representante e quando este último fere os princípios morais daqueles que ali o colocaram, poderá se desencadear uma insatisfação geral a ponto de surgir um Movimento Social de cunho estritamente Moral.

Em outra interpretação, podemos considerar, ainda que, mesmo havendo diversos grupos, dentro da grande massa protestante, de 2013, encontramos diversos Movimentos Sociais paralelos, das mais diversas reivindicações. Já esses movimentos preencheram diversos aspectos, em conjunto, ou separados, morais e/ou materiais.

O que se viu foram Movimentos predominantemente, senão exclusivos, morais, como nos Movimentos Sociais Feministas, Homossexuais, Negros e afins, que se somaram à massa, que não reivindicavam nenhuma contraprestação material, de cunho financeiro. Mencionados manifestos se dirigem à conquista de direitos (autorrespeito), e solidariedade (autoestima), caminhando separados daqueles interesses econômicos que na Revolução Industrial pareciam ser o único combustível dos Movimentos Sociais.

Até mesmo aqueles Movimentos que se somaram à massa reivindicando contraprestação material, do Estado contratado, podem ser considerados, sob determinado foco, como Movimentos exclusivamente morais. Isso se dá porque diversas castas de manifestantes se apresentaram nestes Movimentos, inclusive aqueles que já detinham toda contraprestação necessária, acima do suficiente, para sua sobrevivência e manutenção de sua dignidade. Então, nesses casos, o que se pôde observar, foi o cunho moral onde uma classe mais abastada pudesse ter contribuído para que terceiros usufruíssem dessa tributação, ou seja, pediu-se, em nome de terceiros, que o Estado prestasse os serviços de maneira adequada. Alguns manifestos não solicitaram para si a prestação, mas, por um aspecto predominantemente moral, exigiu que fosse prestado a terceiros. Neste contexto, notamos médicos, juízes, advogados, engenheiros, empresários, toda uma gama de profissionais bem sucedidos, de todas as áreas, cuja vida financeira estava suficientemente bem atendida, não necessitando de nenhuma contraprestação econômica do Estado, mas que dele exigia honestidade e contraprestação econômica ao gerir o bem público.

Por outro lado, existiam grupos, de trabalhadores, professores, policiais, servidores públicos, desempregados, setores de baixa renda, que sofriam, e sofrem, maior influência negativa dessa prestação deficitária do Estado, e estavam no Movimento preenchendo tanto o aspecto moral quanto o aspecto material, lembrando, que, a nosso entender, o material nunca se desvincula do aspecto moral, mas este último pode existir sem o primeiro em um Movimento Social.

Em uma análise mais organizada, em sua sequência cronológica, conforme nossa interpretação, temos que os movimentos que surgiram a partir de 2013 no Brasil se deram, primeiramente, em um aspecto material e moral, onde se questionava o aumento das passagens do transporte público na cidade de São Paulo aliado à sensação de humilhação ao se usufruir de um serviço de má qualidade. Havendo a repressão estatal de maneira enérgica a esse movimento, ecoando pelos rincões do país, e com um clima de insatisfação nacional diante de um sistema político fraudulento e corrupto, a população do país se viu simbolicamente reprimida reflexamente naquele ato do poder público contra aqueles manifestantes originários e se dirigiram então às ruas em um esboço moral de reivindicações. Seria, inicialmente, e em princípio, um grande Movimento Social e generalizado, reivindicando dignidade, respeito, moralidade.

Aos poucos que o movimento foi se espalhando, seus contornos foram se perdendo, juntando-se ao grande protesto, vários outros Movimentos Sociais das mais diversas causas. O que aparentemente era uno virou uma colcha de retalhos de movimentos paralelos.

Em um dos grandes momentos históricos marcantes tivemos a deposição da presidente da república, onde acreditamos ter sido o marco que estatuiu as fronteiras e delimitou de maneira mais clara a intenção de cada movimento. Retirando-se, então, aquele caráter uno, que se deu após o manifesto contra o aumento das passagens, dando personalidade, individualizando, cada pauta reivindicatória, de diversos setores da sociedade, ocorrendo, assim, Movimentos Sociais de forma separada, em locais e datas distintas. Dando identidade a cada agrupamento manifestante.

Conclusão

Concordamos que os Movimentos Sociais, ao assumirem o Aspecto Material de sua motivação, carregarão consigo, necessariamente o aspecto moral. Porém, em caminho distinto, quando o elemento catalizador de um Movimento Social for o aspecto Moral, esse poderá estar desprendido do aspecto Material. Nas manifestações que ocorreram em 2013 no Brasil pudemos identificar todas essas situações, morais e materiais, de maneiras diversas, conforme aqui apresentadas, enquadrando-se, o fenômeno, para nós, sim, no conceito de Movimento Social, tanto de forma geral, abrangendo toda a massa, como de maneira pontual, com diversos focos inseridos no conglomerado protestante.

Porém, de maneira mais didática, para entendermos essa importante passagem histórica, importante que tracemos uma linha do tempo, a fim de identificar os aspectos, morais ou matérias, de cada movimento, e se tais manifestos podem ou não serem considerados como movimentos sociais.

Sendo assim, nessa linha de raciocínio temos que incialmente existiu um Movimento Social de aspecto Material, que não se dissocia do aspecto Moral, contra o aumento das passagens de ônibus na cidade de São Paulo. Posteriormente, um grande Movimento Social, de dimensão nacional, incialmente de caráter predominantemente moral, reivindicando honestidade política, moralidade, dignidade social, etc. Em terceira fase, uma confusão de Movimentos Sociais de todas as esferas sociais, de todo tipo de caráter, material, moral, mas sim, Movimentos Sociais, que não puderam ser identificados em sua totalidade já que ocorreram de forma desorganizada e paralela. E por fim, após o Impedimento da Presidente da Republica, diversos Movimentos Sociais mais delineados, também de diversos aspectos, morais e materiais, com contornos mais observáveis e identificáveis, que ocorreram em locais ou horários distintos.

Referenciais

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Honneth, A. (2009). Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. São Paulo: Editora. [ Links ]

Honneth, A. (2013). O Eu no Nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias, Porto Alegre, 15(33), pp.56-80. [ Links ]

Honneth, A. (2015). O Direito por Liberdade. São Paulo: Editora Livraria. [ Links ]

Rousseau, J.J. (s.f). Do Contrato Social. Disponível em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf. [ Links ]

Sobottka, E. A. (2017). Desrespeito e luta por reconhecimento. Civitas. Disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/23249. [ Links ]

1 HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009, p. 159-200.

2Ibidem. p. 63-64

3HONNETH, Axel. O Eu no Nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologías, Porto Alegre, ano 15, n° 33, mai./ago. 2013. p. 58.

4HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 253.

5Ibidem. p. 261.

6HONNETH, Axel. O Eu no Nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n° 33, mai./ago. 2013. p. 61.

7HONNETH, Axel. 2009. op. cit. Passim.

8HONNETH, Axel. 2009. op. cit. p. 159.

9HONNETH, Axel. 2009. op. cit. p. 179

10HONNETH, Axel. 2009. op. cit. p. 200.

11HONNETH, Axel. O Eu no Nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n° 33, mai./ago. 2013. Passim.

12Ibidem. p. 58-76.

13HONNETH, Axel. O Eu no Nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n° 33, mai./ago. 2013. p. 59-77.

14HONNETH, Axel. O Eu no Nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n° 33, mai./ago. 2013. p. 66-67.

15SOBOTTKA, Emil A. Desrespeito e luta por reconhecimento. Civitas. Disponível em: <http:// revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/23249> Acessado em 25 de Abril de 2017.

16HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 258.

17HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 253.

18Ibidem. p. 261.

19Ibidem. p. 254.

20"Mas esse segundo modelo de conflito, baseado na teoria do reconhecimento, não pode precisamente substituir o primeiro, o modelo utilitarista, mas somente complementa-lo: pois permanece sempre uma questão empírica saber até que ponto um conflito social segue a lógica da persecução de interesses ou a lógica da formação da reação moral." (HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. Apresentação de Marcos Nobre. Editora 34. 2a Edição. São Paulo 2009. p. 261).

21Ibidem.

22Importante deixar claro que a característica conservadora dos Movimentos Sociais se configura simplesmente quando se tem o objetivo de manter a situação fática como se encontra, ou seja, conservar o estado das coisas, não estando ligada, essa terminologia, aos movimentos conservadores ligados à posições ideológicas ou político partidárias de Direita.

23MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL ATUAL. Diálogo Sem Fronteira. CAMPINAS: TV UNICAMP. Exibido em 26 de junho de 2013. Programa de TV. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=q1-uZHbuFvg> Acessado em 17 de Abril de 2017.

24ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução Rolando Roque da Silva. Edição Eletrônica. Ed. Ridendo Castigat Mores. <www.jahr.org> Disponível em <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf> Acessado em 30 de Abril de 2017.

25ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução Rolando Roque da Silva. Edição Eletrônica. Ed. Ridendo Castigat Mores. <www.jahr.org> Disponível em <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf> Acessado em 30 de Abril de 2017. p. 23-26

Cómo citar este artículo: Goldner, L. (2018). El aspecto moral de los movimientos sociales ocurridos en Brasil a partir de 2013. Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Políticas, 48 (128), pp. 85-106

Recebido: 23 de Janeiro de 2018; Aceito: 06 de Março de 2018

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