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Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Políticas

Print version ISSN 0120-3886

Rev. Fac. Derecho Cienc. Polit. - Univ. Pontif. Bolivar. vol.51 no.135 Medellín July/Dec. 2021  Epub Jan 14, 2022

https://doi.org/10.18566/rfdcp.v51n135.a11 

Artículos

Os efeitos da alteração de gênero e forças armadas brasileiras: necessidade de adequação ao núcleo axiológico constitucional

Los efectos del cambio de género y las fuerzas armadas brasileñas: necesitan adaptarse al núcleo axiológico constitucional

The effects of gender change and brazilian armed forces: need to fit the constitutional axiological core

* Mestrado PUC-MG. Belo Horizonte, Brasil renatohorta@yahoo.com.br

** Mestrado Faculdade Milton Campos. Nova Lima, Brasil. rribeir67@gmail.com


Resumo

Com a evolução conceituai e classificatória da transexualidade nas ciências médicas e o desenvolvimento do tema também no Direito, resta observar qual o tratamento jurídico concebido pelas Forças Armadas brasileiras aos militares ou a seus dependentes transgêneros. Diante do problema foi investigada a hipótese que considera qualquer afastamento motivado exclusivamente pela transexualidade como inválido à luz dos direitos fundamentais e objetivos da República de 1988, independentemente da época em que se der o registro da mudança de gênero em virtude de sua natureza declaratória, fato que também repercute no benefício concedido sobre o critério binário (masculino e feminino) a dependentes. A pesquisa possuiu como referencial teórico a Constituição da República de 1988, tendo sido executada por meio do método hipotético-dedutivo, primordialmente com levantamento bibliográfico, artigos, teses, dissertações, leis e decisões judiciais. A hipótese inicialmente apresentada foi confirmada.

Palavras-chave: Efeitos; Transgênero; Forças Armadas Brasileiras; Natureza jurídica; Direitos fundamentais

Resumen

Con la evolución conceptual y clasificatoria de la transexualidad en las ciencias médicas y el desarrollo del tema también en derecho, queda por observar cuál es el tratamiento legal concebido por las Fuerzas Armadas de Brasil a los militares o sus dependientes transgénero. Ante el problema, se investigó una hipótesis que considera inválida cualquier desviación motivada exclusivamente por la transexualidad a la luz de los derechos fundamentales y objetivos de la República de 1988, independientemente del momento en que se registró el cambio de género debido a su naturaleza declaratoria, un hecho que también impactó en el beneficio otorgado en el criterio binario (masculino y femenino) a los dependientes. La investigación tuvo como referencia teórica la Constitución de la República de 1988, que se ejecutó mediante el método hipotético-deductivo, principalmente con encuestas bibliográficas, artículos, tesis, disertaciones, leyes y decisiones judiciales. La hipótesis presentada inicialmente fue confirmada.

Palabras clave: Efectos; Transgénero Fuerzas Armadas Brasileñas; Naturaleza jurídica; Derechos fundamentales

Abstract

Given the conceptual and classificatory evolution of transsexuality in the medical sciences and the development of the theme also in law, it remains to be observed what is the legal treatment conceived by the Brazilian Armed Forces to the military or their transgender dependents. Faced with the problem, it was investigated a hypothesis that considers any suspension motivated exclusively by transsexuality as invalid under the fundamental and objective rights of the 1988 Republican Constitution, regardless of the time when the change of gender was registered due to its declaratory nature, a fact that also impact on the benefit granted on the binary criterion (male and female) to dependents. The research had as theoretical reference the Constitution of the Republic of 1988, having been executed through the hypothetical-deductive method, primarily with bibliographic survey, articles, theses, dissertations, laws and court decisions. The hypothesis initially presented was confirmed.

Keywords: Effects; Transgender; Brazilian Armed Forces. Legal nature. Fundamental rights

Introdução

A evolução do conceito e classificação do transexualismo junto a ciências médicas e no ordenamento jurídico pátrio e internacional, somando aos fundamentos e objetivos da República do Brasil de 1988 enumerados em sua Constituição, criaram perspectivas sob o tema, aflorando questões até então ignoradas pelas maiorias.

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 4.275, proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 01 de março de 2018, seguido do Provimento n° 73, de 28 de julho de 2018, autorizou os Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais a alterarem, mediante auto-declaração, o nome e gênero do interessado, independente de laudo ou procedimento cirúrgico prévio, desjudicializando e inserindo a questão no âmbito da autonomia privada, tornando o procedimento mais simples e célere.

A alteração do gênero no assento civil das pessoas naturais possui amplos reflexos e a evolução acima mencionada não representa o fim das dificuldades impostas, principalmente em corporações tradicionalmente dirigidas ao gênero masculino, sendo importante investigar qual o tratamento jurídico concebido pelas Forças Armadas brasileiras aos militares ou a seus dependentes transgêneros.

Diante do problema foi investigada a hipótese que considera como inválido qualquer afastamento motivado exclusivamente pela transexualidade à luz dos direitos fundamentais e objetivos da República de 1988, independentemente da época na qual se der o registro da mudança de gênero em virtude de sua natureza declaratória, fato que também repercute no benefício concedido sobre o critério binário (masculino e feminino) a dependentes.

O desenvolvimento teórico e investigativo impresso na pesquisa compreende o método científico hipotético-dedutivo em que foram colhidas premissas amplas por meio de levantamento bibliográfico de artigos, teses e dissertações, investigações sobre conclusões de casos específicos e jurisprudências, para se alcançar respostas específicas, sempre possuindo como referencial teórico a Constituição da República de 1988.

A investigação foi construída em três partes, na primeira foram apresentadas definições acerca da evolução do conceito da identidade de genro e da pessoa trans assim como sua classificação. A parte seguinte dedicou-se a análise da ADI n° 4275 e o Provimento n° 73 do CNJ, posteriormente, foram examinadas as adequações necessárias com respeito as quais, as Forças Armadas brasileiras devem colimar esforços com o objetivo de dar eficácia ao direito fundamental e objetivo da República.

A identidade de gênero e as pessoas transgêneras

Gabriel Saad Travassos (2018, p. 72) arrimado na Opinião Consultiva n° 24 de novembro de 2017 da disponibilizada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) compreende que a identidade de gênero possui conceituação ampla "que cria espaço para a autoidentificação, e que faz referência à vivência que uma pessoa tem de seu próprio gênero. Assim, ela possui uma multiplicidade de formas (...)".

Maíra Coraci Diniz (2014) evidencia que o gênero não é definido por elementos genéticos, sendo construído pelo meio social, por comportamentos e papéis sociais, cabendo à natureza apenas a definição do sexo.

Mariana Tamara de Lima Oliveira (2018) na mesma esteira dos autores acima citados, adverte que a identidade de gênero não é inata ao indivíduo, ou seja, o reconhecimento como homem ou mulher não é naturalmente decorrente da anatomia e tampouco é estabelecida de modo binário, vindo a afirmar que o gênero é construído com o tempo e sob a influência de fatores variados como, genitália, sociedade, convivência familiar, capacidade cognitiva e fatores culturais, sendo assim resultado de vários fatores, tanto naturais, como sociopsicológicos.

Sob esta última perspectiva é possível definir que a identidade de gênero, como resultante da confluência de fatores, corresponde ao estado psicológico reconhecido pelo indivíduo como seu, independente da realidade anatômica binária, se tratando, pois de uma realidade construída de forma abstrata e individual.

Tangenciando a definição de identidade de gênero proposta, ainda que não exista consenso sobre o termo transgênero, este pode ser conceituado como pertencente a uma pessoa que compreende estar em desconformidade entre o sexo anatômico e o gênero por ela percebido, tomado aqui como identidade de gênero (Reinaudo; Bacellar, 2008, p.22).

A desconformidade gera na maior parte das pessoas transgêneras grandes conflitos psicológicos internos, pois acreditam possuir o sexo anatômico em desacordo com a identidade de gênero autopercebida, como bem leciona Jaqueline Gomes Jesus:

Transgêneras: É a expressão "guarda-chuva" utilizada para designar as pessoas que possuem uma identidade de gênero diferente daquela correspondente ao sexo biológico. Há transgêneros heterossexuais, bissexuais e homossexuais. Neste último caso, a orientação sexual da pessoa transgênera é dirigida para alguém com a mesma identidade de gênero, mas de sexo biológico diferente (2012, s/p)

O conceito acima colacionado é resultante de paulatina evolução nos estudos e classificações sobre a pessoa transexual, que, segundo Tereza Rodrigues Vieira (2008), foi dividida em quatro fases: monomania, nosografia, síndrome e atualmente a disforia de gênero.

A primeira fase dos estudos concebia o transexualismo como resultado de psicose limitada ou delírio, algo próximo a loucura, compreendo-o como uma confusão mental da realidade, enquanto na segunda fase a pessoa transexual passa a ser reconhecida como portadora de uma anomalia dirigida ao comportamento sexual, à perversão sexual e doente.

Na terceira fase, a transexualidade é apontada como síndrome, afastando-se da classificação relativa à psicose ou perversão das fases anteriores, sendo compreendida como conjunto de sinais e sintomas observáveis em vários processos patológicos diferentes e sem causa específica, independente do homossexualismo ou do travestismo, mas, ainda assim, vista como doença.

Na quarta e atual fase, inicialmente foi reconhecida a diferença entre sexo e gênero, enquanto o primeiro designa sexualidade, o segundo relaciona-se com a função do sexo no meio social, vindo em decorrência a ser a transexualidade concebida como a perturbação apresentada entre a identidade de gênero e o sexo anatômico, não sendo mais reconhecida como transtorno mental, mas como incongruência de gênero relacionada à sexualidade.

Atento à quarta fase da evolução do conceito e classificação da transexualidade, o Conselho Federal de Psicologia brasileiro (CFP) editou, em 29 de janeiro de 2018, a resolução n° 1 que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis, fundadas em: a inexistência de patologia a ser tratada, a necessidade de enfrentamento da transfobia e o caráter autodeclaratório da identidade de gênero, objetivando impedir o uso de instrumentos ou técnicas psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas, estereótipos ou discriminação sobre essa parcela da população (CRP, 2018).

Os apontamentos apresentados acerca da quarta fase evolutiva que inspirou a edição da mencionada resolução do CFP, também foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na 11a revisão da classificação internacional de doença (CID-11) promovida em 18 de junho de 2018, em que foi afastada a classificação de doença mental atribuída ao transexual e reclassificado o transexualismo como condições relacionadas à saúde sexual, realocada da CID-10 F64 para a CID-11 HA-60, que entrará em 2022:

A incongruência de gênero na adolescência e na idade adulta é caracterizada por uma incongruência acentuada e persistente entre o gênero experiente de um indivíduo e o sexo designado, o que muitas vezes leva a um desejo de 'transição', a fim de viver e ser aceito como pessoa do experiente sexo, por meio de tratamento hormonal, cirurgia ou outros serviços de saúde, para alinhar o corpo do indivíduo, tanto quanto desejado e na medida do possível, com o sexo experiente. O diagnóstico não pode ser atribuído antes do início da puberdade. O comportamento e as preferências das variantes de gênero, por si só, não são uma base para atribuir o diagnóstico (OMS, 2018).

A perturbação decorrente da incongruência entre o sexo e gênero não surge ou manifesta-se repentinamente, mas ocorre de forma cotidiana e paulatina não sendo possível estabelecer com precisão o momento em que o dilema psicológico se instaura e exsurge o desejo de adequação, ainda que para Sigmund Freud (1856-1939) a identidade de gênero venha a ser definida na vida não adulta (Feist; Feits; Roberts, 2015), já que, principalmente na tenra idade, os fatores sociais estimulantes do conflito são mais intensos.

O conflito entre a orientação sexual não harmonizada com o sexo anatômico, resultante da discordância entre a identidade de gênero e a genitália é agravada pela repercussão e prevalência jurídica do sexo legal, aquele constante em documentos oficiais, que possui como único critério definidor as características anatômicas binária do órgão sexual (Oliveira, 2018) e desconsidera, por conseguinte, a capacidade da pessoa se autodefinir.

Diante da repercussão geral do tema, em respeito ao princípio do direito ao nome, à dignidade da pessoa humana, à personalidade, e à isonomia, o Supremo Tribunal Federal (STF) flexionou a maneira pela qual as pessoas autodeclaradas transgêneras podem solicitar a retificação de seus nomes e gêneros em julgamento proferido na ADI 4.275 (STF, 2018).

Depois da publicação do resultado do julgamento realizado no STF o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento 73/2019 com a finalidade de instrumentalizar a mencionada decisão proferida que facilitou a conversão do gênero existente no registro civil de pessoas naturais.

Os referidos instrumentos jurídicos trouxeram expressivos avanços adequando-se à realidade médica-científica e ao centro axiológico e fundamental da República, qual seja, a dignidade da pessoa humana, objetivando a promoção de todos sem qualquer discriminação.

Adi n° 4.275, Provimento n° 73 do cnj e os efeito da natureza jurídica da alteração do prenome e do gênero no assento civil das pessoas naturais

Constitui objetivo fundamental da república de 1988, dentre outros, a promoção do bem de todos, sem preconceito de sexo ou outras formas de discriminação, preceito que inclui, nas palavras de Carlos Ayres Britto (2003), certamente inspirada na proposta de José Roberto Dromi (1997), uma nova perspectiva de igualdade, sedimentada na solidariedade dos povos, na dignidade da pessoa humana e na justiça social instituidora do constitucionalismo fraterno.

Por sua vez, o constitucionalismo fraterno homenageia o pluralismo como valor sociopolítico-cultural e tem como pretensão a promoção da integração comunitária das pessoas por meio de uma igualdade civil-moral dos estratos sociais que histórica e dolosamente foram ignorados ou segregados em virtude de uma homogeneidade ficta e marginalizante (Britto, 2003).

Maíra Coraci Diniz (2014) argumenta sobre os efeitos da homogeneidade que impõe a observação do sistema binário masculino ou feminino, a incapacidade de agasalhar todos os comportamentos sociais, e em função disto produzem estereótipos que reforçam um discurso de exclusão e discriminação social dos cidadãos que não se enquadram no padrão estabelecido como decorrente da anatomia, fato que atenta contra os fundamentos e objetivos da República de 1988.

Fundado no constitucionalismo fraterno, assim como em atenção ao princípio constitucional da isonomia material, da livre expressão da autonomia da vontade e da dignidade da pessoa humana, o STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 4275, autorizou os Cartórios do Registro Civil das Pessoas Naturais a alterarem administrativamente o prenome e o gênero das pessoas autodeclaradas transgêneras, conferindo assim ao art. 58 da Lei n°. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, interpretação conforme a Constituição da República de 1988, estabelecendo condições que facilitaram, popularizaram e ampliaram os pedidos neste sentido.

A decisão proferida pelo excelso STF confirma a dignidade da pessoa humana como núcleo do ordenamento jurídico brasileiro, além de também estar aliada ao Pacto de São José da Costa Rica (Decreto 678, de 06 de novembro de 1992) que dispõe acerca do direito ao nome, ao reconhecimento da personalidade jurídica, à liberdade pessoal, à honra e à dignidade, sem perder de vista também a Opinião Consultiva n° 24 expedida pela CIDH, que estabelece a identidade de gênero como núcleo componente da dignidade da pessoa humana.

A ampliação das possibilidades de alteração de nome e a possibilidade de mudança de gênero promovida pela interpretação dada pelo STF, retiraram do Judiciário o monopólio sobre a definição do indivíduo sobre a sua própria identidade de gênero sendo assim substancial, pois, desjudicializou a questão, até então reservada ao Judiciário, trazendo ainda o mérito para o seio da autonomia privada.

Com o intuito de normatizar a interpretação constitucional apresentada pelo STF na referida ADI, foi publicado em 29 de junho de 2018, o provimento n° 73 do CNJ que disciplinou acerca da averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), sem a necessidade de apresentação de laudo psicológico ou comprovação de cirurgia de transgenitalização, em respeito à autonomia privada, confirmando que o desejo de transformação não exige a comprovação (laudo) ou ato (cirurgia), até mesmo porque, surge com o tempo sem poder ser apurado precisamente quando.

Todavia, ainda que o tema tenha sido bem disciplinado e possua fundamentos suficientes para sua aplicação, os efeitos decorrentes do reconhecimento da transexualidade ainda geram inúmeros questionamentos, muitos dos quais se relacionam com a natureza jurídica.

Duas hipóteses são levantadas quanto à natureza do reconhecimento jurídico da transexualidade, a primeira atribui à averbação da sentença ou autodeclaração no RCPN natureza constitutiva, operando-se assim efeito ex nunc; todavia, há aqueles que compreendem que a natureza jurídica do ato é declaratória, o que redundaria em efeitos retroativos e prospectivos possuindo como condicionante, em todo caso, também a averbação da sentença ou autodeclaração no RCPN, incorrendo em efeito ex tunc.

Em ambas as hipóteses se têm que a simples exteriorização da posse de estado, ou seja, a exteriorização (publicidade) contínua (permanência) e definitiva da condição trans, por si só, não teria eficácia erga omnes sendo indispensável a averbação da sentença ou autodeclaração no RCPN.

Matheus Silva de Freitas e Jonathan Barros Vita (2017), baseando-se no princípio da segurança jurídica, compreendem que a necessária averbação junto ao RCPN possui natureza jurídica constitutiva e efeito ex nunc para não prejudicar os atos jurídicos formados e concluídos antes de constituída a modificação no assento civil, sendo explícito o fundamento consequencialista.

Camila de Jesus Mello Gonçalves (2012), também adepta ao resultado, reconhece a divergência e pouco aprofundamento sobre o tema em solo brasileiro, vindo a informar que nações estrangeiras como a Itália, Inglaterra, Espanha, Bélgica e Portugal reconhecem que o reconhecimento tanto do gênero natural como a transexualidade dependerá da época em que for efetuada a inscrição do registro do fato, possuindo natureza jurídica constitutiva e efeito ex nunc.

Todavia, no Brasil não existe disposição legal que explicite a natureza do reconhecimento jurídico da identidade gênero desassociado da anatomia do nascido. Ademais, como acima mencionado, o gênero é construído com o tempo e sob a influência de fatores variados (Oliveira, 2018) não existindo um momento temporal exato para a sua definição e o desejo transexual de mudança, razão pela qual, a auto-declaração de que trata o Provimento n° 73 do CNJ ou a sentença judicial declaratória, com fundamento na posse do estado já incorporada à personalidade, que reconhece a identidade de gênero diferente daquela expressada biologicamente, possui, salvo melhor juízo, natureza jurídica declaratória, ou seja, reconhece algo que de fato já existe no mundo da vida e passa, portanto, a ser reconhecida também no âmbito jurídico.

O reconhecimento jurídico sobre algo já existente que altera o elemento de identificação formal no registro civil adequando-o à realidade, não pode ignorar a anterior inadequação para então gerar efeitos apenas subsequentes ao registro civil, justamente por possuir existência prévia ao ato formal meramente declaratório sobre o qual deve-se impor efeito ex tunc.

A definição da natureza e os efeitos jurídicos possuem repercussão relevante no mundo jurídico, tanto nas relações privadas atinentes ao casamento, por exemplo, como também nas relações públicas relativas à seguridade social, Lei Maria da Penha, feminicídio, execução penal e forças armadas.

A evolução conceitual, classificatória e jurídica sobre o transexual não representa o fim das dificuldades impostas às pessoas transgêneras, pois a questão é complexa e muitas vezes atrelada ao preconceito que tem como alvo as minorias (Moura, Lopes, 2014), fato que agravados pelos conflitos internos, falta de informação, preconceito social, ou pela morosidade judicial, faz com que inúmeras pessoas ingressem nos quadros da Administração Pública ou no mercado de trabalho antes mesmo de iniciar o processo de transformação física e/ou alteração de nome e gênero em seus documentos de identificação.

Assim, os transgêneros podem vir a iniciar suas respectivas vidas profissionais com o gênero diverso do qual possuem atualmente em seus documentos, fato que além do constrangimento inerente a situação, pode resultar em dificuldades ou até mesmo impedimento de exercer atividades ou gozar de direitos assegurados, como veremos nos casos dos militares das forças armadas brasileira e seus dependentes.

A necessidade de adequação das forças armadas aos princípios constitucionais e a condição do trangênero

As normas constitucionais situam-se em um conjunto maior e modular que traçam linhas gerais, as quais, devem repercutir em todo o restante do direito, possuindo assim posição privilegiada, efetivada por meio da jurisdição constitucional, exigido um sentido de adequação por parte do intérprete das normas infraconstitucionais e atos os operadores, somente se justificando ações e interpretações à luz da Constituição (Fernandes, 2018).

A ausência da referida adequação acima dardejada macula o ato, tornando-o inválido e contrário à ordem constitucional, lógica esta que estrutura o atual constitucionalismo que sustenta o ordenamento jurídico brasileiro (Rezende, 2017), portanto, algo relacionado a sua sustentabilidade e credibilidade.

A adequação exigida deve-se operar nos atos praticados por particulares e também por toda a Administração (Fernandes, 2018), pois não assentado apenas em fundamentos ético-filosóficos, mas também exigindo eficácia (Sarlet, 2018), não se admitindo o tratamento contrário à dignidade da pessoa humana, à personalidade ou à isonomia, sob pena de invalidade. assim, é importante examinar práticas promovidas pelas Forças Armadas brasileiras frente à situação dos transgêneros e a luz do ordenamento jurídico vigente.

Reforma compulsória

O Inquérito Civil n.° 1.30.001.000522/2014-11 conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF) apurou situações em que pessoas foram sistemática e compulsoriamente reformadas sob o fundamento da incapacidade para o serviço ativo militar por sua condição ou opção sexual (MPF, 2017).

Em todos os quatro casos investigados pelo MPF pessoas foram excluídas do serviço ativo das Forças Armadas brasileiras após confirmarem a intenção de realizar transição de gênero, mesmo tendo manifestado inequívoco desejo de permanecer nas fileiras militares, estando, porém, aptas para o exercício de atividades e possuírem qualificação suficiente.

Como fundamento a decisão que conduziu os militares a inatividade, as Forças Armadas brasileiras apresentaram parecer biomédico cujo diagnóstico era o transexualismo, CID-10 F64, asseverando este como justificativa para o afastamento do militar de suas atividades, somando a ausência de posto adequado para lotação feminina, ainda que, no mesmo parecer existisse confirmação do exercício regular e qualificação suficiente para realização de atividades militares.

Ainda que as Forças Armadas brasileiras adotem perspectivas médicas, amparadas na CID-10, ainda em vigor no Brasil, sobre a transexualidade, tem-se que além de inadequadas frente à quarta fase da evolução sobre o tema, também contrariam frontalmente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, epicentro axiológico de todo o ordenamento jurídico pátrio, assim como também apresentam-se como contrárias aos ditames do Pacto de São José da Costa Rica que proíbe a marginalização baseada na orientação sexual ou de qualquer outra natureza discriminatória, inclusive identidade de gênero.

A justificativa relativa à inexistência de posto de trabalho para o militar transgênero, ou seja, de gênero feminino, afronta a isonomia constitucional, assim como o art. 7° da Lei n° 12.705, de 08 de agosto de 2012, que trata acerca dos requisitos para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira especificamente do Exército, e determina a viabilização do ingresso da candidata do sexo feminino na linha militar bélica.

Como afirmado em capítulo anterior, a identidade de gênero é construída paulatinamente e influenciada por vários aspectos, ainda que o desejo de transposição seja manifestado após, as ações praticadas pelo militar no exercício da função quando sua transexualidade ainda não era exteriorizada mas só interiorizada, não são alteradas após a revelação da identificação do gênero, justamente porque, não é o fato de se revelar ou promover a alteração no assento civil do nome e/ou do gênero que constitui ou institui a percepção do ser.

Assim, o fato do militar se auto-declarar na forma do Provimento n° 73 do CNJ ou judicialmente, não tem o condão de alteração da capacidade para o exercício militar que já desempenhava, justamente porque não é o referido ato que o tornou transexual, mas apenas declarou a auto-identificação, fato que não justifica substancialmente qualquer afastamento dos serviços militares.

Todavia, a situação apurada pelo MPF no referido Inquérito Civil que apurou a reforma de militares em virtude da transexualidade, também é enfrentada repetidas vezes pelo Judiciário1 que de forma pacífica compreende não ser adequada a determinação do afastamento das atividades exclusivamente em virtude da condição da pessoa transgênera.

Ainda assim, reforma ou reserva compulsória são impostas ao militar que revele ser transgênero, fato que levou o MPF a utilizar da competência a que aludem o art. 6°, XX da Lei complementar n° 75 de 20 de maio de 1993, assim como no art. 27, parágrafo único, IV, Lei n° 8.625 de 12 de fevereiro de 1993, e art. 15, da Resolução n° 23 de 17 de setembro de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a expedir a recomendação PRDC/RJ/ n° 04, em 21 de novembro de 2017 ao comando do Exército brasileiro, para que exima-se de repetidas ações que contrariam dispositivos constitucionais, convencionais e legais conforme colacionado:

  1. que a transexualidade não seja considerada como motivo determinante para a reforma de militares, nem como forma de incapacidade para o exercício da atividade militar;

  2. que sejam estabelecidos programas de reabilitação ou transferência de militares transexuais em funções compatíveis em outros Corpos ou Quadros das Forças Armadas, caso exerçam originalmente funções que não podem ser ocupadas por mulheres;

  3. que sejam implementados programas de combate à discriminação, voltados à erradicação da homofobia e transfobia, de modo a não excluir das Forças Armadas as pessoas transgênero ou homossexuais (MPF, 2017).

Os casos examinados no Inquérito Civil n.° 1.30.001.000522/2014-11 que justificaram a expedição da recomendação n° 04 de 2017 acima, assim como as ações judiciais que tratam do mesmo tema apresentam um quadro fático preocupante e sistemático de desrespeito por parte das Forças Armadas brasileiras em relação aos princípios constitucionais, convencionais e regras infraconstitucionais, desconsiderando também a capacidade ativa do exercício das ações militares, fato que demonstram como ainda são necessárias ações afirmativas e repressivas sobre o tema para que não se tornem preceitos meramente teóricos ou promessas vazias.

Pensão por morte para filha solteira e capaz de militar e a situação do trangênero

Os militares das Forças Armadas brasileiras possuem regras diferenciadas com relação a benefícios auferidos na inatividade ou atribuídos aos seus dependentes, regulados pela Lei de pensões, n° 3.765, de 04 de maio de 1960, pelo Estatuto dos militares, Lei n° 6.880, de 09 de dezembro de 1980 e pela Medida Provisória que reestrutura a remuneração dos militares, n° 2.215-10, de 31 de agosto de 2001.

O parágrafo único do art. 3° da Lei n° 3.765/1960 fixa alíquota de sete e meio por cento do soldo para custeamento das pensões por morte pagas a dependentes, cônjuge; companheiro; ex-cônjuge ou ex-companheiro beneficiário de pensão alimentícia; filhos, enteados, menor sob guarda ou maior tutelado até vinte e um anos de idade ou vinte e quatro anos de idade se universitário, ou por prazo indeterminado enquanto perdurar incapacidade.

A Medida Provisória 2215-10/2001, ainda em vigor por determinação do art. 2° da Emenda Constitucional n° 32, de 11 de setembro de 2001, extinguiu a instituição de novas pensões por morte por prazo vitalício a serem pagas para filhas dos militares que ingressaram na carreira militar após a publicação da referida medida provisória.

No entanto, a mencionada medida provisória manteve o benefício da pensão por morte já concedida às filhas solteiras de qualquer idade face ao ato jurídico perfeito e concedeu a faculdade aos militares que ingressaram nas Forças Armadas antes da publicação da medida a manter o potencial benefício às suas dependentes mediante a contraprestação doravante equivalente a um e meio por cento do soldo.

A manutenção do referido benefício ou a potencial concessão às beneficiárias, filhas de militares que iniciaram sua carreira antes da mencionada medida provisória, está submetida ao modelo binário que trata de forma diferente homens e mulheres, isto porque, ao dependente filho-homem na mesma situação que a dependente filha-mulher, ou seja, capaz e solteiro não é ou será concedido pensão por morte vitalícia.

Estando atrelado ao modelo binário (gênero masculino ou feminino) novamente a questão do transgênero se apresenta como situação que exige maior e melhor reflexão garantindo-se a efetiva aplicação dos direitos e garantias constitucionais.

Primeiramente destacar-se, conforme anotado acima, que o modelo binário mencionado possui como critério o gênero, masculino ou feminino, cuja identidade é definida não pela anatomia, mas por fatores variados (Oliveira, 2018), sendo portanto possível haver diferença entre a identidade de gênero percebida e a verificada biologicamente (Jesus, 2012), esta última inicialmente definida como sexo legal.

Todavia, ocorrendo alteração do gênero no registro civil das pessoas naturais, por ato auto-declaratório ou adjudicado, haverá reflexos na concessão ou interrupção da pensão por morte vitalícia a filha de militar.

Novamente a definição da natureza jurídica do ato que reconhece transexualidade e os efeitos decorrentes é de suma importância para identificar o direito a ser aplicado, ou seja, o reconhecimento do ato como constitutivo ou declaratório irá influir na eventual concessão, manutenção ou não do benefício.

Compreendendo que a auto-declaração da qual trata o Provimento n° 73/2018 do CNJ ou a sentença que reconhece o transgênero possuem natureza jurídica declaratória e efeitos ex tunc, deve ser então observado o reconhecimento do gênero em assento civil na data do requerimento de benefício, podendo ser alterado tanto o gênero como eventual deferimento ou indeferimento do pedido de concessão de benefício.

Assim, uma pessoa transgênera, anatomicamente identificada como do sexo masculino, caso se reconheça como do sexo contrário e venha a se enquadrar nos demais critérios legais teria direito a perceber o benefício, assim como a alteração em sentido contrário supriria o direito do beneficiário.

Ainda em atenção à natureza jurídica da auto-declaração ou da decisão adjudicada, os efeitos devem ser observados também em seu aspecto retroativo, ou seja, mesmo que na época do falecimento do militar, o filho não tenha promovido a retificação no registro civil das pessoas naturais, e porém, venha a praticar a alteração em momento posterior, possuindo também os demais requisitos, fará jus à percepção do benefício, condicionada, porém, a percepção das prestações mensais à prescrição quinquenal, conforme determinação contida no art. 71 do Decreto n° 49.096, de 10 de outubro de 1960 que regulamenta a Lei n° 3.765/1960.

Da mesma forma, a alteração formal da identidade de gênero, feminino para masculino, teria o condão de afastar o direito à percepção de potencial ou mesmo ao benefício já instituído.

Compreensão semelhante à acima apresentada foi utilizada em julgado proferido pelo MM juiz Frederico Montedonio Rego, lotado na 7a Vara da Justiça Federal seção Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 2017:

Ao comparecer à Marinha no corrente ano para recadastramento periódico, tendo em vista a continuidade da percepção da pensão ("prova de vida"), o impetrante, hoje com 54 anos de idade, apresentou seus documentos atuais, em que consta seu nome social masculino. Assim, seu benefício foi cancelado, pois entendeu a autoridade impetrada que os dispositivos da Lei no 3.765/1960 "limitam ao filho do sexo masculino o direito à reversão até 21 anos de idade ou até 24 anos de idade, se estudante universitário.

[...]

Portanto, entender que o impetrante seria titular do direito à pensão seria considerá-lo, em alguma medida ou para certos fins, como um indivíduo do sexo feminino, o que reavivaria todo o sofrimento que teve durante a vida e violaria sua dignidade, consubstanciada no seu direito - já reconhecido em juízo - a ser reconhecido tal como é para fins jurídicos, ou seja, como um indivíduo do sexo masculino.

[...]

Assim, agiu com correção a autoridade impetrada ao cancelar a pensão, como também agiria na situação hipotética inversa, se concedesse o benefício a uma requerente identificada com o gênero feminino, apesar de nascida com o sexo masculino. A propósito, não há um problema de direito intertemporal, porque a sentença de fls. 65/68 é meramente declaratória do gênero com o qual o impetrante sempre se identificou desde a infância, tendo apenas legitimado essa situação para fins jurídicos. De toda forma, ainda que se entenda diferentemente, o impetrante deixou de preencher um dos requisitos essenciais para a percepção da pensão, o que autoriza o seu cancelamento. Não é inédita no direito a revisão de benefícios concedidos em razão de uma condição em princípio permanente, mas cuja mudança é incompatível com a continuidade da prestação (e.g., a recuperação da capacidade laborativa implica a cessação de aposentadoria por invalidez).

[...]

Embora a presente decisão seja patrimonialmente desvantajosa para o impetrante, ela legitima sua identidade de gênero e sua condição existencial, aspecto mais importante e que deve ser levado a sério em todas as suas consequências (Mandado de Segurança, n° 0155101-65.2017.4.02.5101, s/p).

Verifica-se no fragmento acima que o referido juiz considerou a situação da transexualidade sob a dimensão dos direitos fundamentais assim como os efeitos da sentença declaratória de reconhecimento transexual, compreendendo ser possível a revisão de benefícios concedidos em razão da alteração, aponta a incompatibilidade com a continuidade da prestação, mesmo ocorra desvantagem patrimonial.

Na decisão judicial em análise, o magistrado admitiu também que o benefício relativo à pensão por morte de filha solteira de militar teria natureza jurídica previdenciária e não securitária, sendo assim possível a sua reversão.

Ainda que exista divergência sobre a natureza jurídica dos benefícios concedidos aos militares e seus beneficiários, o qual se encontra para além do recorte proposto por este artigo, é importante destacar que a reversão do benefício concedido em virtude da alteração de gênero no assento civil de registro de pessoas naturais tem efeitos apenas prospectivos em virtude de sua condição assistencial e em homenagem à segurança jurídica, não se aplicando o mesmo raciocínio relativo à natureza jurídica do ato que altera o gênero escrito no assento do registro civil das pessoas naturais justamente por serem objetos jurídicos totalmente diferentes.

Conclusão

A transexualidade atualmente apresentada constitui resultado de longa evolução tanto social e jurídica como médico-científica não sendo atualmente conceituada nem tampouco classificada como doença.

O STF na ADI n° 4.275, reconhecendo a diferença entre sexo e gênero, assim como aplicando o princípio da isonomia, direito à personalidade e à dignidade da pessoa humana, autorizou os Cartórios do Registro Civil das Pessoas Naturais a alterarem administrativamente o prenome e o gênero das pessoas autodeclaradas transgêneras conferindo assim ao art. 58 da Lei n°. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, interpretação conforme a Constituição da República de 1988, desjudicializando a questão até então reservadas ao Judiciário.

Diante da necessidade de efetividade do direito fundamental à personalidade, o objetivo de não discriminação e sob o fundamento da República da dignidade da pessoa humana, o CNJ regulou os efeitos instrumentais da decisão proferida pelo STF por meio do Provimento n° 73.

Ainda que exista divergência, a auto-declaração firmada pelo transgênero ou a sentença judicial declaratória possui efeitos ex tunc, fato que repercute na esfera jurídica de diversos ramos do Direito e na realidade coorporativa de instituições tradicionais como as Forças Armadas brasileiras.

Ainda que as mudanças normativas venham a facilitar a alteração nos assentos civis de pessoas naturais e inserir pessoas que estavam à margem, de fato, os reflexos do ato podem impor restrições discriminatórias contrárias ao fundamento e aos objetivos da República mesmo dentro da Administração, como ocorre junto às Forças Armadas brasileiras que praticando atos discriminatórios impõem reformas compulsórias aos militares em virtude da transexualidade em afronta à dignidade da pessoa humana, bem como aos direitos convencionais e infraconstitucionais.

A reforma compulsória imposta aos transexuais além de afrontar o Direito também se mostra ilógica, pois o desejo de alteração do gênero no registro civil das pessoas naturais com ou sem a submissão a cirurgia de transgenitalização tem como objetivo dar publicidade à identidade de gênero que a pessoa, já integrante das Forças Armadas possuía, não se justificando o afastamento por este motivo quando presente a capacidade e adequação às atividades militares.

A mudança de gênero no assento civil das pessoas naturais também possui reflexo na concessão de pensão por morte à filha de militares solteiras de qualquer idade, isto porque, um dos critérios para concessão de benefício é justamente o binário (masculino ou feminino), devendo ser observado o gênero constante no registro civil da pessoa natural na época do requerimento do benefício independente da alteração pretérita, assim como a sua manutenção enquanto perdurar a condição de dependente.

A questão da pessoa transexual ainda é muito controvertida e necessita aprofundadas reflexões diante de seus reflexos e de critérios assentados no sistema binário de gênero, sendo em todo caso indispensável que qualquer ponderação se dê à luz das balizas constitucionais e de seu eixo axiológico como requisito de validade, afastando qualquer compreensão discriminatória ou marginalizante.

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2Cómo citar este artículo: Horta, R. y Ribeiro, R. (2021). Os efeitos da alteração de gênero e forças armadas brasileiras: necessidade de adequação ao núcleo axiológico constitucional. Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Políticas, 51(135), 537-557. DOI: https://doi.org/10.18566/rfdcp.v51n135.a11

Recebido: 06 de Novembro de 2019; Aceito: 08 de Outubro de 2020

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