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Revista Colombiana de Educación

Print version ISSN 0120-3916

Rev. colomb. educ.  no.89 Bogotá Sep./Dec. 2023  Epub Mar 08, 2024

https://doi.org/10.17227/rce.num89-13812 

Artículos generales

O envolvimento parental durante a pandemia covid-19: Perceções e crenças dos pais em Portugal

Parental Involvement During the Covid-19 Pandemic: Perceptions and Beliefs of Parents in Portugal

Participación parental durante la pandemia de covid-19: percepciones y creencias de los padres en Portugal

*Doutoramento. Universidade Aberta - Portugal. anap.almeida@uab.pt

**Doutoramento. ISEC Lisboa. patricia.pacheco@iseclisboa.pt


Resumo

O papel dos pais na educação dos filhos é crucial para o sucesso educativo das crianças e tem benefícios para todos os intervenientes (pais, professores, profissionais, crianças). O contexto atual da pandemia covid-19 mudou a forma como os pais se envolvem e participam na escola, revelando uma diversidade de práticas. Estas são orientadas pelas perceções e crenças que os pais têm sobre a sua participação e sobre as suas competências, bem como pelas vantagens e obstáculos que atribuem ao seu envolvimento. Assim sendo, procurou-se com o estudo que aqui se apresenta: 1) Caracterizar as perceções dos pais sobre o seu envolvimento na escola durante a pandemia covid-19, nomeadamente na fase de distanciamento social e de ensino remoto de emergência; 2) Identificar os benefícios e obstáculos sobre o seu envolvimento e a relação escola/família; 3) Caracterizar as crenças de autoeficácia dos pais portugueses sobre o seu papel na fase de distanciamento social e de ensino remoto de emergência. Neste estudo participaram 106 pais de crianças a frequentar os 1° e 2° ciclos do Ensino Básico. Para a recolha de dados foi utilizado um questionário com 29 questões. De forma global, os resultados indicaram que: os pais referem uma diversidade de obstáculos que remetem para barreiras pragmáticas, culturais e psicológicas; as novas tecnologias foram essenciais para a comunicação escola/famílias; houve uma diversidade de respostas a nível da gestão do tempo das tarefas escolares e familiares; assim mesmo, a maioria dos pais referiu a existência de desgaste emocional e social, realçando o afastamento dos amigos e outros familiares.

Palavras-chave: participação dos pais; envolvimento parental; covid-19; educação a distância; crenças dos pais

Abstract

The parents' role in their children's education is crucial for children's educational success and benefits all stakeholders (parents, teachers, professionals, children). The current context of the Covid-19 pandemic has changed the way parents get involved and how they participate in school, revealing a diversity of practices. These practices are guided by the perceptions and beliefs that parents have about their participation and their skills, as well as the advantages and obstacles they attribute to their involvement. Therefore, with the study presented here, we sought to: 1) Characterize the perceptions of parents about their involvement in school during the Covid-19 pandemic, namely in the phase of period of social distancing and emergency remote teaching; 2) Identify the benefits and obstacles on their involvement and the school/family relationship; 3) Characterize Portuguese parents' self-efficacy beliefs about their role in the confinement and emergency remote teaching phase. A total of 106 parents of children attending the 1st and 2nd cycles of Basic Education participated in this study. A questionnaire with 29 questions was used for data collection. Overall, the results indicated that: parents report a variety of obstacles that lead to pragmatic, cultural and psychological barriers; new technologies were essential for school/families' communication; there was a diversity of responses in terms of time management of school and family tasks; most parents reported the existence of emotional and social wear, highlighting the distancing from friends and other family members.

Keywords: parents participation; family Involvement; covid-19; distance education; parents beliefs

Resumen

El papel de los padres en la educación de sus hijos es crucial para el éxito educativo de los niños y beneficia a todas las partes interesadas (padres, maestros, profesionales, niños). El contexto actual de la pandemia de covid-19 ha cambiado la forma en que los padres se involucran y participan en la escuela, revelando una diversidad de prácticas. Estas se guían por las percepciones y creencias que tienen los padres sobre su participación y sus habilidades, así como por las ventajas y obstáculos que atribuyen a su implicación. Por lo tanto, con el estudio aquí presentado, se buscó: 1) Caracterizar las percepciones de los padres sobre su participación en la escuela durante la pandemia de covid-19, es decir, en la fase de confinamiento y enseñanza remota de emergencia; 2) Identificar los beneficios y obstáculos en su participación y la relación escuela/familia; 3) Caracterizar las creencias de autoeficacia de los padres portugueses sobre su rol en la fase de confinamiento y teleeducación de emergencia. En este estudio participaron 106 padres de niños de 1° y 2° ciclos de Educación Básica. Para la recolección de datos, se utilizó un cuestionario con 29 preguntas. En general, los resultados indicaron que: los padres informan una variedad de obstáculos que conducen a barreras pragmáticas, culturales y psicológicas; las nuevas tecnologías eran esenciales para la comunicación entre la escuela y las familias; hubo una diversidad de respuestas en cuanto a la gestión del tiempo de las tareas escolares y familiares; así mismo, la mayoría de los padres refirieron la existencia de desgaste emocional y social, destacando el distanciamiento de los amigos y otros familiares.

Palabras clave: participación de los padres; participación familiar; covid-19; educación a distancia; creencias de los padres

Introdução

A investigação tem revelado que o envolvimento parental não só apresenta benefícios para os alunos, nomeadamente a nível das competências sociais, académicas e na adaptação à escola (Epstein, 2002, 2011 ; Goodall e Montgomery, 2014; Hoover-Dempsey et al., 2005; Mata e Pedro, 2021), como traz benefícios para os outros intervenientes educativos, como são os pais e professores (Cox-Peterson, 2011; Epstein, 1997; Goodall e Montgomery, 2014; Tan et al., 2020). No que diz respeito aos benefícios para os pais, Epstein (2002, 2011) refere que o envolvimento parental promove mais interações entre as famílias nas atividades da escola, uma melhor perceção do papel dos pais e do apoio que a escola tem junto dos filhos, bem como aumenta a responsabilidade em relação ao percurso educativo dos filhos. Ao nível dos professores, também tem sido salientado que, o envolvimento parental favorece um maior conhecimento das famílias e, consequentemente, uma melhor adaptação das práticas pedagógicas à diversidade familiar. Além disso, dá a oportunidade aos professores de percecionarem o esforço e empenho dos pais no apoio aos filhos, considerando assim os pais como parceiros efetivos (Epstein, 2011; Hoover-Dempsey et al., 2005; Mata e Pedro, 2021).

A par destes benefícios, são claros os constrangimentos que surgem no envolvimento parental na escola; portanto, vários estudos (e.g., Epstein, 1997; Hornby e Blackwell, 2018; Hornby e Lafaele, 2011; Hoover-Demp-sey et al., 2005; Mata e Pedro, 2021; Rodrigues et al., 2021) realçam e sistematizam os vários obstáculos que decorrem deste envolvimento. Em termos gerais, para Hoover-Dempsey e Walker (2002) estes obstáculos dizem respeito, tanto às famílias, como aos professores. Os autores referem três tipos de barreiras comuns a ambos os intervenientes: pragmáticas, culturais e psicológicas. A nível das barreiras pragmáticas, os pais confrontam-se muitas vezes com a dificuldade em conciliar o horário de trabalho com a disponibilidade para ir à escola, assim como com a falta de recursos para responder às solicitações da escola. Também, os professores sentem dificuldade em adequar o seu horário letivo com as diferentes disponibilidades dos pais, e muitas vezes referem a falta de apoio e de recursos por parte da escola para trabalhar com os pais. No que respeita às barreiras culturais, destaca-se a diversidade sociocultural das famílias que, na maioria, é diferente e divergente da cultura escolar. Relativamente às barreiras psicológicas, incluem-se as ideias que os pais vão construindo sobre o seu papel enquanto educadores e sobre o seu contributo no percurso escolar dos filhos. A par destas ideias, os pais criam expectativas sobre a função e papel da escola, e que os motiva a ter um maior ou menor envolvimento.

De acordo com Hornby e Lafaele (2011, 2018), baseados na proposta das esferas de influência de Epstein (1995, 2005, 2011), referem que estas barreiras devem ser compreendidas de forma holística considerando as relações que se estabelecem entre escola/família/comunidade. Neste sentido, os autores especificam e organizam estas barreiras em quatro dimensões: 1 ) Fatores familiares e dos pais; 2) Fatores da criança; 3) Fatores da relação professor/pais; e 4) Fatores sociais.

Nos fatores familiares e dos pais, os autores referem como aspetos importantes, as ideias que os pais têm sobre o seu envolvimento na escola, sobre o tipo de solicitações por parte da escola , sobre o seu contexto de vida, nível sociocultural das famílias, e etnia. Nos fatores da criança são realçadas características individuais, como o género, idade, dificuldades de aprendizagem, problemas de comportamento, competências e talentos. Este tipo de características inerentes à criança e ao seu desenvolvimento podem influenciar a forma como os pais se envolvem na escola; por exemplo, a idade é um fator relevante, na medida em que a autonomia é uma conquista do desenvolvimento e como tal o envolvimento dos pais diminui ou altera-se. Relativamente aos fatores da relação professor/pais, são incluídos aspetos como a falta de tempo dos professores para se focarem nas famílias, uma perspetiva mais tradicional dos pais face à escola e não uma abordagem mais atual que prevê mais relação e parceria. É ainda referido como barreira desta relação, a falta de preparação dos professores para lidar com as especificidades das famílias. Por último, nos fatores sociais, os autores salientam uma dimensão mais geral relacionada com o contexto sociocultural e saúde mental das famílias (e.g. isolamento, dificuldades financeiras, mobilidade), bem como o facto das solicitações por parte da escola estarem muito ligadas ao envolvimento dos pais dos alunos que têm sucesso escolar. Neste sentido, verificamos que as barreiras vão muito além de características individuais de cada um dos intervenientes, mas devem ser perspetivadas de uma forma sistémica, integrando também, constrangimentos de natureza social e cultural.

Fatores motivacionais dos pais e envolvimento parental

Das diferentes variáveis que têm sido estudadas nesta temática, algumas investigações (e.g., Eccles e Harold, 1996; Henderson et al., 2020; Hoover-Dempsey et al., 2005; Mata e Pedro, 2021) têm salientado a importância de se conhecer os motivos, as crenças e as ideias dos pais que ajudam a explicar a diversidade de práticas que desenvolvem. Segundo o modelo de Hoover-Dempsey et al., (2005) os pais decidem envolver-se na educação dos seus filhos maioritariamente por três razões, porque:

1) Constroem uma ideia pessoal do que deve ser o papel parental e a sua participação na educação dos seus filhos; 2) Desenvolvem um sentido de eficácia, positivo ou negativo, que os leva a ajudar mais ou menos os filhos no seu percurso escolar; 3) Têm oportunidades para o seu envolvimento, tanto da parte das crianças, como da escola. Para os autores, os pais quando tomam a decisão de se envolverem ou participarem na vida escolar dos seus filhos, escolhem atividades específicas de acordo com a perceção das capacidades e competências que possuem, pela perceção das solicitações e convites tanto dos seus filhos como da escola, bem como com a perceção do seu contexto de vida (e.g., situação familiar, situação profissional, tempo, redes de apoio).

Segundo Walker et al. (2010), um dos contributos deste modelo prende-se com o facto de não se limitar a descrever se os pais estão ou não motivados para se envolverem na escola; mas por clarificar, porque é que os pais se envolvem e de que forma. Assim, o envolvimento parental é entendido como um processo/fenómeno psicológico de suporte dos pais às aprendizagens dos filhos, uma vez que muitas dessas formas de envolvimento são ativas e influenciam diretamente o processo de aprendizagem dos filhos. Um outro contributo deste modelo prende-se com os fatores motivacionais que estão na base da tomada de decisão dos pais em se envolverem ou não na escola.

A construção e perceção do papel parental, bem como as crenças de autoeficácia dos pais surgem como fatores relevantes. Deste modo, é a ideia que os pais têm sobre o seu papel, que determina que tipo de atividades consideram necessárias para interagir com os filhos, e que os motiva a ter uma participação mais ativa ou não. Se por um lado, os pais constroem a ideia do seu papel baseados na sua experiência pessoal do seu percurso escolar, nas expetativas e perceções que vão desenvolvendo sobre a educação e a escola (Hoover-Dempsey et al., 2001); por outro lado, os pais desenvolvem também crenças de autoeficácia, ou seja, ideias em relação às suas capacidades e competências para ajudar os seus filhos a obterem sucesso na escola. Segundo a teoria de autoeficácia de Bandura (1994), referida por outros estudos (e.g., Deslandes, 2001; Hoover-Dempsey et al., 2001), as pessoas que apresentam um forte sentido de autoeficácia, irão estabelecer metas mais elevadas e sentir-se-ão mais comprometidas e motivadas em alcançá-las. Assim, pais com elevado sentido de autoeficácia, apresentam uma maior probabilidade de se envolverem no percurso escolar dos seus filhos.

Envolvimento parental durante a pandemia covid-19

"School's Out, but Classes On is a challenge to both school education and family education1 (Xia, 2020, p. 527).

Para promover uma relação escola-família em que pais e professores sejam co-educadores é preciso que a escola crie estratégias para encorajar os pais a participarem de forma ativa. Durante a Pandemia Covid-19 a casa tornou-se no cenário central e a escola deixou de estar acessível como um espaço social crucial para a aprendizagem. Surgiu, assim, a necessidade de se criarem outras plataformas e ligações entre a escola e a família. Os recursos online tornaram-se uma mais-valia, não só para facilitar a comunicação entre professores e pais, mas passaram a constituir uma ferramenta essencial para o processo de aprendizagem dos alunos, assim como para o acompanhamento que os pais podem realizar (Prime et al., 2020; Xian, 2020). Desta forma, as plataformas permitiram que os pais mobilizassem novos recursos e competências para supervisionar as tarefas escolares, dar apoio na concretização dos planos de trabalho solicitados pelos professores e monitorizar o estudo dos seus filhos (Rodrigues et al., 2021; Xia, 2020).

O efeito do isolamento e distanciamento social durante a pandemia trouxe muitas mudanças nas rotinas das famílias. As crianças passaram a estar menos ativas fisicamente, alteraram os padrões de sono, passaram a estar mais horas em frente aos ecrãs. Os pais tiveram que estabelecer novas regras, limites e reorganizar a relação com os filhos (Apriyanti, 2020; Prime et al., 2020). A família passou a estar muito tempo junta e as relações entre os vários membros modificaram-se, de modo que o ensino remoto tornou-se um desafio para as famílias (Dong et al., 2020). As famílias tiveram que reorganizar as suas rotinas e relações, surgindo novas problemáticas e novos comportamentos por parte dos filhos o que, por vezes, implicou relações mais conflituosas e criou angústia nos pais em lidar com as novas exigências do distanciamento social (Prime et al., 2020).

No seguimento da evidência destas mudanças, vários estudos têm caracterizado a forma como os pais percecionaram o ensino remoto durante a Pandemia Covid-'9 e o que alterou na forma como se envolvem na escola. Alguns destes estudos, sobretudo da Europa e Ásia, são mais gerais e abrangem amostras mais alargadas de pais (e.g., Ramasamy &Sundarraj, 2020; Zhao, et al., 2020), e outros recorrendo a amostras mais reduzidas (e.g., Apriyanti, 2020; Bubb e Jones, 2020; Carbe et al., 2020).

De forma geral, estas investigações têm recolhido os dados junto dos pais através de questionários (formato Google Form) para clarificar alguns aspetos sobre as aprendizagens dos filhos e o envolvimento dos pais, como por exemplo: obstáculos e constrangimentos do ensino à distância; vantagens e efeitos dos recursos digitais; tipo de atividades solicitadas pela escola; horas diárias dedicadas às tarefas escolares; relação entre pais e filhos; perceção dos pais sobre o seu próprio envolvimento; interesse e envolvimento por parte das crianças.

O estudo de Zhao et al. (2020) envolveu 2010 participantes de várias províncias da China, dos quais 1.062 foram pais de crianças entre os 6 e os 15 anos. Este estudo indicou que 41.9% dos pais consideram que os filhos estiveram atentos e interessados nas aulas de ensino a distância; no entanto, 57.5% referiram que não havia interação suficiente durante as aulas online. Estes autores sublinham, ainda, que 77.4% dos pais indicam que os filhos estavam concentrados nas aulas online, embora houvesse um aumento desta capacidade de concentração nos estudantes dos níveis de escolaridade mais avançados e que 60.9% dos pais das crianças mais novas (1° ciclo) precisaram de monitorizar as aulas online. Igualmente, estes pais referiram que os filhos passaram mais de 3 horas diárias em frente a um ecrã, excedendo as recomendações da American Academy Pediatrics, estando a maioria (94%) preocupado com a saúde visual dos filhos. De forma global, os pais consideram aceitável o ensino a distância na fase de distanciamento social; no entanto, foi claro que a maioria dos pais (95.6%) prefere as aulas em contexto escolar (regime presencial), em vez de outros regimes de ensino.

Dong et al. (2020) realizaram uma investigação com 3.275 pais chineses (50.5% tinham um filho com idades compreendidas entre os 3 e os 4 anos; 34.5% tinham um filho com idades compreendidas entre os 4 e os 5 anos). No geral, os resultados são semelhantes aos do estudo anterior, na medida em que os pais percecionaram o ensino remoto como uma medida de recurso, preferindo que os filhos tenham aulas na escola. Os pais salientaram a importância das interações sociais no desenvolvimento e construção das aprendizagens, nomeadamente na relação das crianças com os seus pares e com o professor/educador. Destes resultados surgiu ainda a referência à necessidade de que os pais (re)conceptualizarem e reajustarem as suas crenças face aos conceitos de Educar, Desenvolver e Brincar. Também, os pais realçaram que sentem ter poucos conhecimentos e competências na integração das ferramentas digitais, quer nas tarefas escolares dos filhos, quer nas atividades lúdicas que desenvolvem em família.

Em relação a estudos com amostras mais pequenas, o estudo de Ramasamy e Sundarraj (2020), realizado com pais indianos, com 87 respostas dos 250 questionários enviados, teve como objetivos compreender o impacto da pandemia da educação e caracterizar as perceções dos pais sobre as aulas online. Nesta amostra, 50 famílias tinham um dos pais a trabalhar, 23 famílias tinham os dois pais a trabalhar e 14 famílias os pais não estavam a trabalhar. Em termos de ano escolar, 55 pais tinham os filhos no 1° ciclo do ensino básico e 15 no pré-escolar, e os restantes distribuídos pelos outros ciclos de ensino. Em termos globais, os resultados indicaram que 57.4% dos pais não gostaram das aulas online orientadas pela escola, 24% gostaram e 18.3% referem não ter a certeza. Relativamente aos efeitos das aulas online, 78% dos pais afirmam que as aulas online podem originar problemas físicos e psicológicos nas crianças. Cerca da metade dos pais (51.7%) tinham equipamento necessário para os filhos acompanharem as aulas, 38% referiram que não tinham equipamento tecnológico necessário. Da mesma forma, a maioria dos pais (80%) referiu que as aulas online são menos produtivas que as aulas presenciais. Em relação às condições do ambiente familiar, 52% referiram que tinham condições, mas 39% indicou que estas não eram suficientes. Os autores referem que, apesar do estudo necessitar de ser confirmado com uma amostra mais alargada e com um tratamento estatístico mais aprofundado, constatam que os pais não têm dúvidas que as aulas na escola são mais eficazes do que as aulas online. No entanto, os autores reforçam a ideia de que o mundo entrou numa nova era e que é importante garantir que as crianças aprendam com eficácia na modalidade de ensino a distância, assim como atenuar a resistência por parte dos pais em relação às aulas online e encarar este tipo de ensino como parte integrante da vida escolar e do percurso académico dos alunos.

Uma outra investigação de Apriyanti (2020), realizada na Indonésia, a qual envolveu 48 pais de crianças a frequentar o pré-escolar e ensino primário, analisou o envolvimento dos pais nas aprendizagens dos filhos em vários aspetos: o tipo de atividades escolares dos filhos; o apoio dado pelos pais, horas diárias dedicadas às aprendizagens, outras tarefas ligadas à escola, obstáculos e vantagens do ensino a distância; e outras atividades realizadas em casa. Dos resultados obtidos, os pais destacaram seis tipos de atividades implementadas no ensino a distância: Realização de fichas da escola, aulas online, completar tarefas solicitadas pela escola, atividades livres com e sem guião definido pela escola. Em relação aos obstáculos, os pais referiram, com mais frequência, a falta de atenção dos filhos na realização das atividades e o facto dos filhos não quererem aprender. Seguidamente, surgiram também como constrangimentos, o facto dos filhos não quererem ter aulas online; ficarem aborrecidos; quererem ir ver televisão e brincar e perguntarem quando é que podiam ir outra vez para a escola; dificuldade dos pais em se concentrarem e ajudarem os filhos; e sentirem que os filhos não tinham conhecimentos suficientes para aprenderem sem a ajuda do professor. Dos 48 pais, só 21 tiveram acesso às aulas online e muitos referiram não ter tido uma rede estável de Internet que permitisse seguir as aulas online com qualidade. Como vantagens, os pais indicaram que o WhatsApp foi um bom canal de comunicação com os professores, uma vez que foi identificado como fácil, acessível e imediato. Além disso, permitiu que os professores clarificassem as instruções para elaboração das atividades e que os pais enviassem imagens dos trabalhos realizados. Uma outra vantagem realçada pelos pais prende-se com a reorganização do tempo junto dos filhos. Os pais consideraram que tiveram a possibilidade de ajustar as suas rotinas, deixando as tarefas escolares numa parte do dia (ex: de manhã) e na outra parte do dia (ex: tarde) para brincar, fazer puzzles, jogar, ver um vídeo. Foi ainda salientado que, ao mesmo tempo que foi positivo ter mais tempo para brincar e aprender em família, o estar muito tempo em casa tornou-se algo frustrante.

Seguindo a mesma linha dos estudos acima referidos, que caracterizam e descrevem a forma como os pais percecionaram o seu envolvimento na fase de pandemia, o nosso estudo apresenta os seguintes objetivos: 1) Caracterizar as perceções dos pais portugueses sobre o seu envolvimento na escola durante a pandemia Covid-19, nomeadamente na fase de distanciamento social e de ensino remoto de emergência2; 2) Identificar os benefícios e obstáculos sobre o seu envolvimento e a relação escola/ família; 3) Caracterizar as crenças de autoeficácia dos pais sobre seu papel na fase de distanciamento social e de ensino remoto de emergência.

Metodologia

Com o intuito de dar cumprimento aos objetivos definidos para este estudo, foi elaborado um questionário organizado em duas partes e constituído por 30 questões. Uma primeira parte do questionário dizia respeito aos dados sociodemográficos, que nos permitiram caracterizar os participantes no estudo e a segunda parte era referente à caracterização das perceções e crenças dos pais sobre o envolvimento parental. O questionário foi composto por 4 questões de resposta aberta e 26 de resposta fechada com uma escala tipo likert de 6 pontos, desde o discordo totalmente (1) ao concordo totalmente (6).

Tendo como ponto de partida algumas dimensões referidas no modelo de Hoover-Dempsey e Sandler (2005), o questionário foi organizado da seguinte forma:

  • » Para caracterizar as perceções dos pais sobre o envolvimento parental durante a pandemia, foram definidas 3 questões abertas para evidenciar os aspetos positivos e negativos do envolvimento parental em geral, ao nível da relação escola/família e na relação entre pais e filhos;

  • » Para caracterizar a perceção dos pais sobre a modalidade de ensino remoto e a distância, foram definidos 14 itens de resposta fechada que remetem para aspetos ligados à criança (ex: Sinto que o meu/minha filho(a) continuou a aprender nesta modalidade à distância), aos pais (ex: Acho que os pais passaram a ser professores dos filhos), à escola (ex: Senti que a escola me deu apoio para conseguir acompanhar o/a meu/minha filho(a)) e à relação (ex: Sinto que a relação da família com a escola melhorou);

  • » Relativamente a perceções mais específicas, como a Auto per-ceção de conhecimentos, competências, tempo e energia, e as crenças de autoeficácia (Hoover-Dempsey e Sandler, 2005) foram definidos 11 itens (ex: Senti que o teletrabalho levou a que trabalhasse mais horas do que o habitual; senti que foi difícil ter tempo para a minha vida pessoal; sinto-me satisfeito(a) por ter conseguido cumprir as tarefas solicitadas pela escola).

  • » No final do questionário foi deixado aos pais um espaço (1 questão de resposta aberta) para os pais fazerem os comentários adicionais que considerassem relevantes. (Hoover-Dempsey e Sandler, 2005)

O questionário foi disponibilizado aos pais através da plataforma Google Forms, entre junho e julho de 2020, tendo sido disseminado através das redes sociais e de associações de pais e encarregados de educação. Foram considerados como critérios de inclusão, pais com crianças a frequentar o 1° e 2° ciclo da Educação Básica em Portugal.3

Após da aplicação e como forma de estimar a fiabilidade do questionário, foi medida a correlação entre as respostas do questionário, mediante a análise do perfil das respostas dadas pelos respondentes, através do Alfa de Cronbach. O Coeficiente Alfa de Cronbach, medida comumente utilizada para a avaliação da consistência interna dos questionários para um conjunto de dois ou mais indicadores de construto (Altman e Bland 1997), estabelece uma variação de valores entre 0 e 1,0, sendo que quanto mais próximo de 1, maior a fiabilidade entre os indicadores. Relativamente à consistência interna do questionário aplicado, foi obtido um Alpha de Cronbach de 0.88 o que se pode considerar Bom indicador (Arévalo e Padilla Lozano, 2016; Hill e Hill, 2016).

Participantes

Em relação ao número de participantes, foi obtida resposta de 106 pais. A primeira parte do questionário, relativa aos dados sociodemográficos. permitiu-nos caracterizar melhor o grupo de pais a nível do agregado familiar, do ciclo de ensino que frequentam os filhos e do tipo de rede de ensino (pública ou privada).

Tabela 1  Agregado Familiar dos Participantes  

Fonce: (2021).

Pela leitura da Tabela 1, verifica-se que a maioria dos pais (27% e 36%) tinham, na primeira fase de distanciamento social, a presença de 2 adultos em casa e 1 ou 2 filhos; seguindo-se com 16% um agregado familiar composto por 1 adulto e 2 filhos, e com percentagens mais baixas os agregados familiares compostos por 1 adulto e 1 filho (7%), assim como por 2 adultos e 3 ou mais filhos (8%).

Relativamente ao ciclo de ensino dos filhos, a maioria frequenta o 1° ciclo (67%), 19.8% frequenta o 2° ciclo, e 9.4% dos pais têm os filhos nos dois ciclos de ensino (1° e 2° ciclos). Já em relação à rede de ensino que frequentam, a maioria dos pais (81%) afirma que os filhos frequentam a rede pública e 17%, a rede privada ou cooperativa.

Resultados

Num primeiro momento realizámos uma análise descritiva dos resultados que, de modo geral, nos permitiu dar resposta a cada um dos nossos objetivos de estudo: 1) Caracterizar as perceções dos pais sobre envolvimento na escola na fase de pandemia covid-19, nomeadamente na fase de distanciamento social e ensino a distância; 2) Identificar os benefícios e obstáculos que os pais referem sobre o seu envolvimento e a relação escola/família; 3) Caracterizar as crenças de autoeficácia dos pais sobre seu papel na fase de distanciamento social e ensino à distância.

Relativamente, às perceções que os pais têm sobre o ensino a distância ou ensino remoto, na fase de distanciamento social, podemos observar na Tabela 2, que 60.4% dos pais deram respostas que remetem para a discordância (valores 1, 2 e 3) da eficácia do ensino remoto de emergência.

Nos itens que remetem para o papel dos pais, podemos verificar que 68.9% (valores 4, 5 e 6) concordam que passaram a ser professores dos filhos, e 52.8% refere que a organização das aulas online foram impostas aos pais.

Tabela 2  Perceções dos Pais sobre Envolvimento na Escola e o Ensino a Distância na Fase de Pandemia Covid-19  

Nota: 1-Discordo totalmente, 2- Discordo, 3- Discordo pouco; 4- Concordo pouco, 5- Concordo, 6- Concordo totalmente.

Fonte: (2021).

Em relação aos itens que apontam para o papel da escola, 55.7% dos pais discorda (valores 1, 2 e 3) que a escola deu apoio, 53.6% dos pais indica que a escola não envolveu a família de forma positiva e 63.2% dos pais concorda que a escola exigiu muito das famílias. No que diz respeito à aprendizagem dos filhos, 63.2% dos pais consideram que os filhos não continuaram a aprender.

Pela leitura da Tabela 2, podemos verificar ainda que a maioria dos pais (71.7%) refere que as TIC facilitaram a comunicação com o professor (valores 4, 5 e 6) e 72.6% aponta para uma aproximação da escola com a famílias.

Nestes resultados, encontramos alguma ambiguidade nas perceções dos pais a nível da relação escola e família. Por um lado, os pais apontam para uma proximidade da relação escola e família (72.6%); mas por outro lado, referem que a relação não melhorou (58.5%). Uma outra incoerência diz respeito à flexibilidade e adaptação das tarefas escolares ao contexto familiar, dado que 51.9% dos pais considera que houve essa flexibilidade (item 13) e 54.7% refere que não foi feita essa adaptação (item 6).

Um outro aspeto analisado no nosso questionário diz respeito às crenças de autoeficácia dos pais. Na Tabela 3 podemos observar que apesar de todos os constrangimentos referidos, os pais sentiram-se satisfeitos por terem conseguido ajudar os filhos a cumprir as tarefas da escola (61,3%, valores 4, 5 e 6).

Tabela 3  Crenças de Autoeficácia dos Pais sobre Ensino a Distância e o seu Papel  

Nota: 1-Discordo totalmente, 2- Discordo, 3- Discordo pouco; 4- Concordo pouco, 5- Concordo, 6- Concordo totalmente.

Fonte: (2021).

Relativamente às perceções dos pais sobre a gestão do tempo, a Tabela 3 indica-nos, ainda, que metade dos pais (50%) refere ter conseguido gerir bem o seu tempo com as tarefas solicitadas pela escola; a outra metade dos pais refere que não conseguiu fazer essa gestão. Também, podemos observar que o ensino remoto parece ter tido consequências negativas a nível da vida pessoal e social dos pais. Podemos verificar que 66% dos pais considera que teve dificuldade em ter tempo para a vida pessoal, 68% afirma que foi uma situação desgastante em termos pessoais, e o 70.8% sentiu que esteve mais afastado, com menos apoio dos amigos e familiares.

Por último, um outro aspeto analisado diz respeito aos pais que estiverem em situação de teletrabalho. Podemos observar na Tabela 4 que 59.4% (valores 1, 2 e 3) discorda do facto de ter conseguido conciliar o seu trabalho com o papel parental.

Tabela 4  Perceções dos Pais em Situação de Teletrabalho  

Nota: 1-Discordo totalmente, 2- Discordo, 3- Discordo pouco; 4- Concordo pouco, 5- Concordo, 6- Concordo totalmente.

Fonte: (2021).

Em relação ao apoio da escola, para os pais que estiveram em teletrabalho, parece haver alguma ambiguidade nos resultados. Se por um lado, 59.6% dos pais sentem que a escola não mostrou flexibilidade para este tipo de contexto familiar; por outro lado, 59.5% dos pais considera que a escola criou alternativas para os pais que estavam em teletrabalho e que tinham pouco tempo para apoiar os filhos.

Podemos verificar ainda que 52.68% dos pais refere que trabalhar em casa não diminuiu o tempo para as atividades em família. No entanto, 56.6% menciona que o teletrabalho fez com que trabalhassem mais horas do que o habitual.

Ainda, com o intuito de caracterizar as perceções dos pais sobre o envolvimento parental durante a pandemia, foram analisadas as respostas às 3 questões abertas que procuravam evidenciar os aspetos positivos e negativos do envolvimento parental em três dimensões: 1) na vida em geral; 2) na relação escola/família; e 3) na relação entre pais e filhos.

Fatores positivos e negativos do envolvimento parental na vida em geral

No que respeita à dimensão da Vida em Geral, a maioria dos pais assinala como um dos fatores positivos o Maior tempo em família e o maior tempo de qualidade em família (70% dos respondentes), como é possível identificar na tabela 5("Maior envolvência familiar, mais tempo e mais comunicação"; "... ter tempo de qualidade para com eles").

Tabela 5  Aspetos Positivos do Período de Distanciamento Social na Vida em Geral  

Fonte: (2021).

Outro aspeto positivo que acolhe 22% das respostas dos pais diz respeito à categoria: Mais tempo em casa/Maior gestão do tempo ("Mais tempo em casa, menos tempos desperdiçado no trânsito"; "Maior liberdade na gestão do tempo entre o trabalho e a vida familiar").

Já no que respeita aos aspetos negativos, os respondentes identificam, maioritariamente, como fator negativo a Ausência/Diminuição de Socialização (30%), seguido de fatores relacionados com Ansiedade/Nervosismos/ Desgaste Emocional e Stress (28%), como podemos ver na tabela 6("medo, stress, ansiedade!).

Tabela 6  Aspetos Negativos do Período de Distanciamento Social na Vida em Geral  

Fonte: (2021).

Fatores positivos e negativos do envolvimento parental na relação escola-família

No respeitante aos aspetos positivos identificados pelos pais (tabela 7), nesta primeira fase de distanciamento social, relativos à relação escola-família, duas categorias aparecem tendo a maior percentagem de respostas por parte dos pais: Melhor comunicação com escola e maior interação escola-família (26%) e Maior tempo em família e maior envolvimento familiar (25%).

Tabela 7  Aspetos Positivos do Período de Distanciamento Social na Relação Escola-Família  

Fonte: (2021).

Com um total de respostas de cerca de 20% (19.8), os pais assinalaram o Melhor Conhecimento do trabalho escolar e da vida escolar dos seus filhos ("Maior conhecimento das dificuldades dos professores"; "Pude acompanhar melhor o percurso escolar da minha filha").

Sobre os aspetos negativos que o 1° distanciamento social teve sobre a relação escola-família (tabela 10), os pais identificam maioritariamente: As dificuldades dos alunos na adaptação ao ensino remoto de emergência (29%), seguido do Medo (22%) e da Falta de relacionamento com os colegas e professores (21%) ("falta de convívio e interação com os pares..."; "acompanhar a matéria da escola não foi fácil"; "pouco envolvimento de alguns professores e capacidade de corresponder ao modelo à distância"; "incapacidade de ajudarmos em certos aspetos nas matérias escolares").

Tabela 8  Aspetos negativos do período de Distanciamento Social na Relação Escola-Família  

Fonte: (2021).

Fatores positivos e negativos do envolvimento parental na relação com o(s) filho(s)

A terceira dimensão analisada diz respeito às perceções dos pais sobre os fatores positivos e negativos na relação com o(s) seu(s) filho(s), decorrente do distanciamento social obrigatório. Nesta dimensão, os aspetos que a maior parte dos respondentes reconhece como mais positivos (tabela 9) são o Tempo em família/Maior qualidade de tempo em família (42%) e Maior proximidade e envolvimento com os filhos (23%).

Tabela 9  Aspetos Positivos do Período de Distanciamento Social na Relação com o(s) Filho(s)  

Fonte: (2021).

Finalmente, no que respeita aos aspetos negativos na relação com os filhos (tabela 10), os pais referem o Stress e Ansiedade dos filhos (22%), seguida da questão relacionada com o Aumento dos conflitos e maior dificuldade na gestão dos conflitos (16%).

Tabela 10  Aspetos Negativos do Período de Distanciamento Social na Relação com o(s) Filho(s)  

Fonte: (2021).

Discussão

O nosso estudo vem reforçar a ideia de que o envolvimento parental tem implicações para os vários intervenientes (escola, professores, famílias, crianças) e que nesta parceria escola/família existem sempre benefícios e constrangimentos (Epstein, 2011; Hoover-Dempsey e Walker, 2002; Hornby e Lafaele, 2011, 2018).

Um resultado global, mesmo em tempo de Pandemia, aponta para a diversidade de obstáculos que passam por três tipos de barreiras: Pragmáticas, Culturais e Psicológicas (Hoover-Dempsey e Walker, 2002). Relativamente às barreiras pragmáticas, realçamos o fator tempo. Verificamos que metade dos pais considerou que conseguiu gerir bem o seu tempo com as tarefas solicitadas pela escola, mas outra metade dos pais referiu a dificuldade em fazer essa gestão. Dentro desta dificuldade, mais de metade dos pais indicou ter tido pouco tempo para a vida pessoal, expressando-o, igualmente, nas questões abertas ("deixei de ter tempo para mim"). Em relação às barreiras culturais, podemos evidenciar que de facto é notória a existência de duas culturas (familiar e escolar) que muitas vezes não são convergentes, mas que se distanciam. Por exemplo, houve referência ao facto dos pais sentirem que a organização das aulas online foram de alguma forma impostas aos pais, e que houve alguma exigência por parte da escola às famílias ("demasiadas tarefas exigidas para realizar em casa, difícil coordenação com o teletrabalho"), fazendo com que os pais sentissem que passaram a ser professores dos filhos ("dificuldade em ser, simultaneamente, mãe e professora"). Sobre as barreiras psicológicas, é claro que os pais revelaram perceções claras sobre o papel da escola e sobre o seu papel. Por exemplo, os pais percecionam que a relação escola e família ficou mais próxima ("os pais conhecem os professores"), mas que não melhorou e indicando que a escola mostrou pouca flexibilidade para se adaptar aos contextos familiares.

Um outro resultado que nos parece pertinente realçar, prende-se com o desgaste pessoal dos pais que implicou falta de tempo para a vida pessoal e social. Segundo Rodrigues et al. (2021), o ensino a distância criou novos desafios aos pais, e que sem um apoio adequado pode aumentar a probabilidade de os pais vivenciarem situações de stress e burnout parental. Para as autoras, foi exigido aos pais de igual forma, independentemente do seu nível escolar, que lidassem com os seu próprio distanciamento social, com as exigências do teletrabalho e ao mesmo tempo ajudar e dar suporte nas aprendizagens dos filhos ("mais stress, porque estando em teletrabalho não conseguia ter a disponibilidade para dar o apoio necessário; elevada carga de trabalhos para fazer sem o apoio da escola"). Também, o estudo de Prime et al. (2020) refere que uma parte do desgaste pessoal e familiar deve-se à diminuição das condições financeiras das famílias. Para os autores o aumento do desemprego, a falta de apoios por parte dos governos e diminuição dos rendimentos das famílias são um grande fator de stress emocional dos pais que acaba por comprometer uma liderança positiva da família ("Redução de rendimentos"; "Baixa de rendimentos e stress relativo a isso").

Parece-nos, então, que mesmo neste contexto particular de pandemia continua a ser fundamental para o envolvimento parental que haja uma adaptação das práticas pedagógicas à diversidade e contextos das famílias (Epstein, 2011; Hoover-Dempsey et al., 2005; Mata e Pedro 2021). Tal como vários autores afirmam (Epstein, 2005, 2011; Hornby e Lafaele; 2011, 2018) as barreiras do envolvimento parental devem ser perspetivadas de forma holística, integrando características individuais, mas também de natureza cultural e social.

No que se refere aos benefícios, podemos referir que as novas tecnologias tornaram-se essenciais e eficazes na comunicação escola/famílias, passando a constituir um recurso e uma nova forma de comunicar. Este aspeto assume particular relevância uma vez que a comunicação é um dos aspetos mais importante no envolvimento parental nas escolas (e.g., Epstein, 2011; Hoover-Dempsey et al., 2005; Walker et al., 2010). Além deste aspeto, parece que as novas tecnologias (e.g. WhatsApp) assumiram uma via de comunicação que facilitou a interação e reciprocidade entre professores e pais (Mata e Pedro, 2021). Segundo Mata e Pedro (2021, p. 36), "uma comunicação bidirecional atenua e anula receios recíprocos, sendo fundamental para promover a participação". Esta proximidade e a eficácia na comunicação podem constituir fatores relevantes para que os professores comecem valorizar mais o papel dos pais e a incluí-los como verdadeiros parceiros nesta relação (e.g., Epstein, 2011; Hoover-Dempsey et al., 2005; Mata e Pedro, 2021).

Em relação aos benefícios, apesar de não ser unânime para todos os pais, há famílias que referiram que conseguiram gerir bem o tempo do trabalho, tarefas de casa e tempo de aprendizagens dos filhos e sentiram que tiveram maior qualidade na relação com os filhos e mais tempo de interação. Mesmo sendo pouco claro este tipo de benefício, alguns estudos (e.g., Apriyanti, 2020; Dong et al., 2020) salientam que algumas famílias indicaram que passaram a estar mais tempo juntas, e tiveram necessidade de definir novas regras, limites e reorganizar a relação entre pais e filhos, o que também é visível nas respostas às questões abertas ("tempo de qualidade em família"). Sabendo que foi um desafio grande, e que exigiu uma redefinição das rotinas familiares, não deixa de ser verdade que quando pais e filhos que colaboram em atividades de aprendizagem o vínculo entre pais e filhos pode sair reforçado e, consequentemente, haver um fortalecimento da relação (Rodrigues et al., 2021)

Relativamente às crenças de autoeficácia dos pais também foi evidente a diversidade de respostas face à perceção de competência e aos sentimentos que daí decorrem. Por um lado, há pais que sentiram que conseguiram gerir bem o tempo das tarefas solicitadas pela escola, e outros pais não sentirem ter tido essa capacidade de gestão. Por outro lado, há pais que indicaram que estão satisfeitos por terem conseguido cumprir as tarefas que a escola propôs, mas outros não. Segundo alguns autores (e.g., Bandura, 1994, 1997; Deslandes, 2001; Hoover-Dempsey et al., 2001) é esta diversidade de crenças associada a um sentimento mais positivo ou negativo que podem explicar a existência de uma maior motivação e envolvimento nas tarefas escolares dos filhos. Tem sido consensual (e.g., Hoover-Dempey et al., 2005; Mata e Pedro, 2021) que a motivação dos pais para se envolverem mais ou menos nas aprendizagens dos filhos deve-se em parte ao sistema de crenças dos pais relativamente ao seu papel e à sua perceção de eficácia na condução da ação educativa. Para Rodrigues et al. (2021) estas novas exigências da escola possibilitaram também que os pais refletissem sobre os contornos e consequências desta proximidade, e assim, redefinir o seu papel na educação dos filhos.

Para finalizarmos, recorremos a uma afirmação de Costa (2020, p. 6) que sublinha que:

A escola é democrática, mas não é justa quando não garante sucesso a todos, porque tantas vezes o sucesso depende de uma família por trás. A pandemia abre-nos os olhos que entram pelas casas das famílias (...) todos dependemos de todos e não é justo esperar que tudo caia em cima dos ombros de um só, seja do professor, do aluno, da família ou de quem mais estiver envolvido. (Costa, 2020, p. 6)

Pensamos, assim, que o contexto atual desta pandemia permitiu-nos não só repensar sobre a adequação de metodologias e estratégias de aprendizagens, mas alargou-se também à forma como os pais podem envolver-se, participar na educação dos filhos e tornarem-se parceiros efetivos da escola. Consideramos assim, tal como refere Stefania Giannini, diretora-geral adjunta da UNESCO, "onde vemos um risco, também podemos ver uma oportunidade" (Alays, 2020, p. 139).

Referências

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1"A escola acabou, mas as aulas continuam" torna-se um desafio quer para a educação escolar como para a educação familiar (Xia, 2020, p. 527).

2O ensino remoto de emergência (Emergency Remote Teaching — ERT) pretende ser uma mudança temporária dos modos normais de ensino e acontece quando o ensino se torna remoto, quando de outra forma teria sido presencial.

3O 1° e 2° ciclo da Educação Básica em Portugal corresponde à escolaridade entre os 6 e os 12 anos. O 1° ciclo corresponde a 4 anos de escolaridade e o 2° ciclo a 2 anos de escolaridade.

Para citar este artículo: Almeida, A. P. y Pachecho, P. (2023). O envolvimento parental durante a pandemia covid-19: Perceções e crenças dos pais em Portugal. Revista Colombiana de Educación, (89), 9-32. https://doi.org/10.17227/rce.num89-13812

Recebido: 10 de Maio de 2021; Aceito: 05 de Julho de 2022

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