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Praxis Filosófica

Print version ISSN 0120-4688

Prax. filos.  no.34 Cali Jan./Jun. 2012

 

A EDUCAÇÃO A PARTIR DAS BARBAS DE MARX

La educación desde las barbas de Marx

César Augusto Soares da Costa*
Universidade Federal do Rio Grande - Brasil
csc193@hotmail.com


* Sociólogo e Pesquisador. Doutorando em Educação Ambiental/FURG. Mestrado em Ciências Humanas/PUCRS. Graduação em Sociologia/UFPEL. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq - Brasil. Membro do Grupo de Pesquisa Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/ UFRJ). E-mail: csc193@hotmail.com

Recibido: abril 2012 aprobado: junio 2012


"As idéias mortas são as que apresentam elegantemente
vestidas, sem acritude nem audácia [...]. As idéias
vigorosas são as que chocam e escandalizam,
provocam a indignação, a ira e a irritação de uns, ao
mesmo tempo que o entusiasmo de outros".

Lênin, 1985-Obras completas

RESUMEN

Este trabajo presenta una visión general al lector sobre el tema de la educación en el pensamiento de Karl Marx, basada en cuatro obras clásicas: Tesis sobre Feuerbach, el Manifiesto del Partido Comunista, Asociación Internacional de los Trabajadores, Crítica del Programa de Gotha, las cuales se consideran fundamentales para la comprensión de la educación en el contexto actual. Señalamos que en Marx, el enfoque crítico de la educación en la sociedad capitalista contribuye a las banderas históricas y las luchas políticas que hasta ahora "sangran" la realidad, posicionándonos en una visión que no renuncia a entender "cómo la sociedad llegó a este punto", ¡y mucho menos el reto de atreverse a vivir una praxis revolucionaria, socialista y emancipadora que deseamos!

Palabras clave: Educación, la praxis revolucionaria, la sociedad capitalista.


ABSTRACT

This paper presents an overview to the reader about the education issue at the thought of Karl Marx, based on four classic works: Theses on Feuerbach, Manifesto of the Communist Party of Workers and International Association, Critique of the Gotha Program, which is considered central to the understanding of education in the current context. We point out that in Marx, the critical approach of education in capitalist society contributes to the historical flags and political struggles that until now "bleed" the reality, positioning ourselves to a view that does not abdicate to understand "how society got to this point" and much less to the challenge of daring to live a revolutionary praxis, socialist and emancipatory we desire!

Key words: Education, revolutionary praxis, capitalist society.


1. Quem foi Karl Marx?1

Karl Marx nasceu em Trèves, Alemanha, em 5 de maio de 1818, em um contexto europeu politicamente conservador e de manifestações reacionárias à "onda libertária" que, dentro de seus limites, a Revolução Francesa provocou. Contemporâneo de nomes como Darwin, Kierkegaard, Baudelaire, Dostoievski e Tolstoi, Marx encarnou como poucos a busca pela superação dos padrões de ciência e de filosofia dominantes e a luta pela construção coletiva de uma outra sociedade. Sua firme posição em defesa 62 da emancipação humana, associada à inquietação e disciplina intelectual, o levou a uma intensa atuação junto a organizações de trabalhadores e a uma formulação teórico-metodológica com efeitos em inúmeros campos do conhecimento (sociologia, filosofia, antropologia, história, educação, serviço social, economia, urbanismo, geografia, comunicação, estética, psicologia, demografia, crítica literária, ciência política etc.), movimentos sociais e partidos políticos.

A partir dele e em diálogo com ele, por vezes se aproximando, por vezes se distanciando, foram criadas incontáveis escolas de pensamento, correntes teóricas e grupos políticos, fato este que desqualifica qualquer análise simplista e generalizante feita sobre Marx, a teoria e a dialética marxiana e o marxismo. Graduado em Direito, com Doutorado em filosofia, Marx, pelas próprias questões e desafios que se colocava e por sua "insaciável sede" por novos conhecimentos, não pode ser lido e compreendido se for reduzido a um clássico de uma ciência específica ou filosofia. Seus analistas hoje reconhecem: foi um pensador transdisciplinar e autor de uma teoria revolucionária que procurava a ruptura com os padrões culturais, filosóficos e científicos da época - com o conjunto das relações sociais que se configuravam em uma sociedade capitalista em expansão e consolidação (LOUREIRO, 2006, p. 125). Faleceu em 14 de maio de 1883.

Após esta breve apresentação do nosso autor, fazemos o seguinte questionamento: o marxismo ainda tem alguma coisa a falar sobre a educação no século XXI? (LOMBARDI, 2005). Esta é uma pergunta que muitos leitores avessos (ou nada comprometidos com a causa social) a obra de Marx sempre incitam, uma vez que parte da conotação de que o marxismo é apenas uma reflexão ultrapassada que não dá conta dos problemas atuais e das necessidades de uma época em acelerada globalização de vários setores. Também, há aqueles que apontam que Marx e Engels não chegaram a refletir uma teoria educacional, nem mesmo contribuíram para esta compreensão. Dentre deste arcabouço de posições, encontramos a defesa do legado de Marx como uma perspectiva revolucionária e ainda atual, pois entendemos que a dinâmica da sociedade capitalista exige uma ruptura radical que auxilia e serve como ferramenta crítica para a compreensão e ação da própria educação.

Reporto-me a Conferência do Prof. Dr. Roberto Leher (UFRJ) realizada no V Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo (EBEM) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em abril de 2011, intitulada Estado e Educação na perspectiva da classe trabalhadora. O autor em sua fala apontava algumas questões de relevância ao debate educacional sob perspectiva marxista. Segundo Leher, um primeiro ponto para olharmos a educação, é sua reflexão sobre o público, pois para ele, o Estado não pode ser o educador do povo tal como nos apresentava Marx em sua Crítica ao Programa de Gotha (1875). Mas a quem caberia tal tarefa? No seu entender, esta tarefa cabe aos próprios trabalhadores que devem ser educadores de si mesmos, uma vez que, o não cumprimento desta exigência seria contrariar a uma perspectiva onde a sociedade civil organizada não seria auto-gestionária da sua educação. Sendo assim, é necessário criarmos condições necessárias e potencialidades para lutarmos por uma escola pública de qualidade separada do controle de organismos como Igrejas e interesses corporativos que contrarie o ideário dos trabalhadores e dos menos favorecidos.

Para Leher, essa luta pela educação trabalhadora depende de uma autonomia em nossas lutas "da classe para a classe", divergindo da subordinação à interesses burgueses, onde pelo seu projeto liberal de sociedade se verifica historicamente nas suas organizações classistas vistas no célebre Manifesto do Partido Comunista (1848). Pois para ele, ainda temos um enfrentamento sério a tratar, visto no modo de enxergamos uma educação à serviço do mercado, indo de encontro a "potencialização do saber". Para isso, Leher contrapõe uma educação intercultural e latinoamericana que leve em conta as bandeiras do Sul numa afirmação cultural de identidade, cujo cenário se constitui um desafio de diálogo para os marxistas.

Outro horizonte postulado por Leher está na afirmação dos socialistas poderem lutar por uma "educação omnilateral", exemplificada na Mensagem a Associação Internacional dos Trabalhadores (1864). Ou seja, uma educação que não vise separar o pensar e o fazer, mas que significa integrar a essência do projeto socialista. Pois hoje, a valorização do trabalho e do tempo exige da educação uma redefinição de sua função e de envolvimento tanto nos níveis básico e superior, onde a perspectiva de investigar, intuir, pensar e participar dos protestos e projetos históricos é um condicionante para a efetivação do processo como indica as Teses sobre Feuerbach (1845).

Seguindo as pistas levantadas por Leher, tomamos como ponto de partida e consideramos pertinente e profícuo apresentarmos brevemente 4 textos que realizaram uma aproximação crítica e histórica da educação refletidas por Karl Marx: Teses sobre Feuerbach (1845), Manifesto do Partido Comunista (1848), Associação Internacional dos Trabalhadores (1864) e Crítica ao Programa de Gotha (1875).

Portanto, em nossa concepção tais textos podem servir como provocações para irmos mais adiante à consideração de que Marx continua sendo uma referência importante e essencial para a análise do cenário educacional e de seu entendimento contextualizado e complexo. Ao recolocar em voga a perspectiva marxista e seu elo com a pesquisa educacional, esperamos contribuir com as bandeiras e lutas políticas que até hoje "sangram" a realidade social nos posicionando para uma perspectiva histórica que não abdica de compreender "como a sociedade chegou a este ponto" e muito menos de ousar ao desafio de viver uma práxis revolucionária, socialista e emancipatória que almejamos!

2. A educação nas Teses sobre Feuerbach2

O problema das relações entre homem e a natureza permite a Marx avançar, a em direção a uma concepção que situe a atividade prática humana no centro de sua reflexão. Os traços essenciais desta filosofia aparecem com propriedade em suas Teses sobre Feuerbach, onde Marx formula uma concepção de objetividade, fundada na práxis, e define sua filosofia como transformação do mundo. Numa de suas Teses sobre Feuerbach, Marx faz uma afirmação que passou a ser muito utilizada na educação. Sua importância é traduzida na III Tese situando a educação como produto e produtora das relações sociais e negando concepções que colocam a educação como "salvadora" ou como simples reprodutora das condições existentes (ARAÚJO, 2005). Pois traduz a importância da cidadania, do conhecimento de termos compromisso social para que se eduquemos, ou seja, aprimorando nossa condição humana de maneira a produzirmos cultura e os meios para agirmos no mundo.

Buscando explicar uma dimensão estruturante de sua consciência possível, presente às Teses sobre Feuerbach, obra concluída em 1845, esta reflexão não deixa dúvidas quanto à responsabilidade humana ao eixo de sua história bem como de sua interferência nos destinos. Afirma a tese III das quais consideramos central para a compreensão educacional:

    "A doutrina materialista sobre a mudança das contingências e da educação se esquece de que tais contingências são mudadas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. Deve por isso separar a sociedade em duas partes uma das quais é colocada acima da outra. A coincidência da alteração das contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e entendida racionalmente como praxis revolucionária" (MARX, 1987, Teses Sobre Feuerbach, 3).

Marx tem presente nesta III tese, a ideia de transformação social ancorada pelos iluministas e materialistas do século XVIII e que Feuerbach e os socialistas utópicos, que no século XIX não faziam mais do que perpetuarem. Era preciso uma ruptura nestes ideais, pois tais postulados encontravam pano de fundo na tentativa de transformar a sociedade pelo caminho meramente pedagógico e não pelo caminho revolucionário (SÁNCHEZ-VÀZQUEZ, 2008).

Marx opõe uma crítica que pode ser compreendida da seguinte forma: os homens são produtos das circunstâncias, como estas também são produtos seus. Reivindica-se, o condicionamento do meio do homem, e com isso seu papel ativo em relação ao meio. As circunstâncias em si, à margem do homem, elas encontram-se condicionadas. Na tarefa da transformação social, os homens não podem se dividir em ativos e passivos, não sendo separados em "educadores e educandos".

Ao afirmar que os educadores também devem ser educados, rejeita-se que o princípio do desenvolvimento da sociedade seja encarnada por apenas uma parcela da mesma que não exija também sua própria transformação. Tal era a concepção da burguesia revolucionária do século XVIII que se via como o início do desenvolvimento e do condicionamento da história, ao mesmo tempo em que negava para si este desenvolvimento.

A negação desse dualismo, segundo Marx, incide numa prática incessante e contínua, na qual se transformam tanto o objeto como o sujeito, pois ao transformar a natureza (meio), o homem transforma sua própria natureza (seu ser social) (SÀNCHEZ-VÁSQUEZ, 2008). Assim, é o homem que muda as circunstâncias e muda a si mesmo. Através desse fundamento, coincidem a mudança das circunstâncias e a transformação do próprio homem, mas essa transformação só pode ser entendida como práxis revolucionária onde educadores e educandos transformam a si próprios e a realidade.

Também a XI tese: "Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo" (MARX, 1987, Teses sobre Feuerbach, 11), traz para a educação um horizonte novo. Pois Marx, situa esta tese em relação a práxis revolucionária como ação sobre as circunstâncias, vista que é inseparável de uma ação sobre as consciências. Nesta tese, assinala-se o mundo em dois sentidos: como objeto de interpretação e como objeto de transformação do homem.

Assim, Marx pretendia na época libertar e combater a filosofia idealista alemã de Hegel e Feuerbach que somente interpretavam a realidade. Para Marx, essa posição exigia uma superação que não bastava somente interpretar o mundo como mera conciliação das teorias idealistas, cujo horizonte maior não era justificá-lo, mas sim transformá-lo! Tendo em vista sua posição, entendemos que seja tarefa e função da filosofia e da educação indicarem uma compreensão e interpretação (SÀNCHEZ-VÁSQUEZ, 2008) com vistas à transformação do mundo pelos homens. Portanto, uma práxis efetiva. Nem mera teoria (instrumentação lógica de idéias) nem mera práxis (puro ativismo); mas unidade indissolúvel de ambas. Tal é o sentido da XI tese.

3. A educação no Manifesto do Partido Comunista (1848)

Marx inicia em Bruxelas, participando da recém fundada Liga dos Comunistas, que para ele representava o primeiro ensaio de superar a contradição entre uma organização internacional e os agrupamentos nacionais que conciliavam operários. Foi para o segundo Congresso da Liga que Marx e Engels prepararam o célebre Manifesto do Partido Comunista (GIANOTTI, 1987). O pressuposto de Marx e Engels sobre a educação que interessa aos trabalhadores partidários do comunismo encontra-se sistematizado no Manifesto, escrito entre 1847-48, ás vésperas de junho de 1848, quando Paris assistiu a primeira revolução proletária. Entre as medidas que o proletariado poderia colocar em prática ao tomar o poder, Marx e Engels assim redigiram o décimo e último referente a educação.

O texto abre com uma análise da luta de classes e termina convocando os trabalhares do mundo à união. Na visão de Marx, o movimento comunista apresentava um caráter utópico. Suprimidos a uma pobreza alarmante conforme aumentava a riqueza da sociedade, os operários passavam a sonhar com uma sociedade sem classes, em que a abolição da propriedade privada garantiria a satisfação de todos. Foi neste sentido que Marx e Engels em seu Manifesto insistem na necessidade de substituir o programa contra a propriedade privada em geral pelo projeto da apropriação coletiva dos meios de produção, atingindo pela raiz, a estrutura do modo de produção capitalista, quanto a fonte de alienação do homem que vive numa sociedade desse molde.

Relacionado à questão Estado-Educação, o presente texto traz uma contribuição relevante e atual. O Manifesto do Partido Comunista de 1848 assinala: "O executivo do Estado moderno não é mais do que uma comissão para administrar os negócios coletivos de toda a classe burguesa! (MARX E ENGELS, 1986, p. 84). Cabe ressaltar as circunstâncias de tal obra, expressas pelos autores em 1872: "tratando de medidas destinadas a "revolucionar todo o modo de produção", presentes no Manifesto, e concebendo-se como naturalmente diferente diante os países" (MARX E ENGELS, 1986) e elencando tais medidas, assinala que "para os países mais avançados, contudo poderão ser aplicadas as seguintes na sua quase totalidade" (MARX E ENGELS, 1986, p. 104). Entre elas, e classificada como décima, afirma o Manifesto: "10. Educação pública gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma atual. Unificação da educação com a produção material, etc" (MARX E ENGELS, 1986, p. 104).

No tocante à instrução primária e à aprendizagem, afirma a sua existência em alguns países. Mas questiona o ensino superior gratuito para as classes abastadas, posto que estes usufruem sua gratuidade pela receita gerada por intermédio do conjunto dos impostos, o que confirma sua posição a respeito dos limites do Estado diante da hegemonia do capital.

4. Associação Internacional dos Trabalhadores (1864)3

A Associação Internacional dos Trabalhadores foi fundada em 28 de Setembro de 1864, numa reunião pública realizada em St. Martin's Hall, Long Acre, Londres. Em 28 de Setembro de 1864 teve lugar uma grande reunião pública internacional de operários no St. Martin's Hall de Londres; nela foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores (mais tarde conhecida como Primeira Internacional) e eleito um Comitê provisório, que contava Karl Marx entre os seus membros. Marx foi depois eleito para a comissão designada a 5 de Outubro, na primeira sessão do Comitê, para redigir os documentos programáticos da Associação. A 20 de Outubro a comissão encarregou Marx de rever o documento por ela preparado durante a doença de Marx e redigido no espírito das ideias de Mazzini e Owen. Em lugar desse documento, Marx escreveu de fato dois textos inteiramente novos – a Mensagem inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores, que foram aprovados na sessão da comissão de 27 de Outubro.

Em 1 de Novembro de 1864 a Mensagem foram ratificada por unanimidade pelo Comitê provisório, que se constituiu em órgão dirigente da Associação. Este órgão, que entrou na história como Conselho Geral da Internacional, foi predominantemente denominado Conselho Central até finais de 1866. Karl Marx foi de fato o dirigente do Conselho Geral. Foi o seu verdadeiro organizador, o seu chefe, o autor de numerosas mensagens, declarações, resoluções e outros documentos do Conselho.

Na Mensagem Inaugural, primeiro documento programático, Marx conduz as massas operárias à ideia da necessidade de tomar o poder político, de fundar um Partido proletário independente e de assegurar a união fraterna entre os operários dos diferentes países. Publicada pela primeira vez em 1864, a Mensagem Inaugural foi muitas vezes reeditada ao longo de toda a história da Primeira Internacional, que deixou de existir em 1876.

Entre os anos de 1866-1867, momento em que foi redigido o texto das "Instruções aos delegados do Conselho Geral Provisório do I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores", entrelaçado e sobreposto às passagens de "O Capital" referidas à educação (TAFFAREL, 2011). Marx se manifesta, no texto das "Instruções", sobre o conteúdo pedagógico que, a seu ver, deve constituir o ensino de caráter socialista:

    "Por ensino entendemos três coisas: Primeira: ensino intelectual; Segunda: educação física, dada nas escolas e através de exercícios militares; Terceira: adestramento tecnológico, que transmita os fundamentos científicos gerais de todos os processos de produção e que, ao mesmo tempo, introduza a criança e o adolescente no uso prático e na capacidade de manejar os instrumentos elementares de todos os ofícios. Seu êxito demonstrou pela primeira vez a possibilidade de vincular o ensino e a ginástica com o trabalho manual e daí também o trabalho manual com o ensino e a ginástica. Marx indica a potencialidade do "ensino do futuro" que se manifesta sobre a base da grande indústria e um dos elementos desse processo de subversão, desenvolvido espontaneamente sobre a base da grande indústria, são as escolas politécnicas e de agronomia, um outro elemento são as 'écoles d'enseignement professionel', nas quais os filhos dos operários recebem algum ensino de tecnologia e do manejo prático dos diferentes instrumentos de produção. Se a legislação sobre as fábricas, que é a primeira concessão arrancada, com muito esforço, do capital, combina com o trabalho de fábrica apenas o ensino elementar, não há dúvida de que a inevitável conquista do poder político por parte da classe operária conquistará também lugar nas escolas dos operários para o ensino tecnológico teórico e prático" (SAVIANI apud TAFFAREL, s/d).

Também neste texto, Marx considera como uma tendência da indústria moderna a colaboração das crianças e adolescentes de ambos os sexos na produção, entendendo que esse é um processo legítimo, desde que aconteça de modo adequado às forças infantis (MARX, 1983, p. 59). Feroz crítico da violenta exploração do trabalho infantil nas atividades econômicas no meio rural e urbano, notadamente na indústria, Marx recomendou, que a partir dos 9 anos qualquer criança deveria participar do trabalho produtivo e trabalhar não somente com o cérebro mas também com as mãos (LOMBARDI, 2005). A exploração perigosa à saúde das crianças e adolescentes dessa faixa etária deveria ser severamente punida pela lei.

O trecho a seguir, resulta de uma posição de Marx em 1869, no Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (fundada em 1864) que revelava sua visão dialética entre as condições sociais e o sistema educativo: "O cidadão Marx diz que uma dificuldade de ordem prática está ligada a esta questão. Por um lado, é preciso uma mudança das condições para criar um sistema de instrução novo, por outro lado, é preciso um sistema de instrução já novo para poder mudar as condições sociais. Por conseguinte, é preciso partir da situação atual" (MARX E ENGELS, 1978, p. 224).

Noutra passagem magistral do Conselho geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), Marx alude para as distinções entre o ensino privado e público:

    "O Congresso da AIT colocou a questão se o ensino deve se estatal ou privado. Por ensino estatal entende-se aquele que está sob controle do Estado. O ensino pode ser estatal, semficar sob o controle do governo. Sem a menor dúvida, o congresso pode decidir que o ensino seja obrigatório" (MARX E ENGELS, 1983, p. 96).

5. A educação na Crítica ao Programa de Gotha (1875)

Na Crítica ao Programa de Gotha, redigido em 1875, quase duas décadas após o manuscrito das Formações Econômicas Pré-Capitalistas, Marx tece críticas ao Programa elaborado pelo Partido Operário Alemão liderado por Lassalle (MORRONE E MACHADO, 2010). No inicio do programa é afirmado que o trabalho é a fonte de toda a riqueza, e poderíamos dizer atualizando o debate, de como alguns afirmam serem os trabalhadores a fonte de toda a riqueza.

Neste documento, também asseveramos a atualidade de seu posicionamento a respeito educação pública identificada como estatal redigido em maio de 1875, e presente cuja emergência se explicita em vista da realização de um congresso em Gotha (cidade do sudoeste da República Democrática Alemã) entre 22 e 27 de maio de 1875, que reunia duas organizações operárias alemãs da época, resultando na fundação do Partido Social-Democrata Alemão.

Embora o contexto de surgimento de tal escrito seja referido à Alemanha, ele configura-se como central, dado que está ligado ao sistema educacional enquanto expressão de política pública capaz de promover a equalização entre as classes sociais, sendo que o Estado é aqui situado como impossibilitado quanto a estar impulsionado a equalização:

    B. "O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e moral do Estado: 1. Educação popular geral e igual a cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita". Educação popular igual? Que se entende por Isto? Acredita-se que na sociedade atual (que é a de que se trata), a educação pode ser igual para todas as classes? O que se exige é que também as classes altas sejam obrigadas pela força a conformar-se com a modesta educação dada pela escola pública, a única compatível com a situação econômica, não só do operário assalariado, mas também do camponês?

    "Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita". A primeira já existe, inclusive na Alemanha; a segunda na Suíça e nos Estados Unidos, no que se refere às escolas públicas, O fato de que em alguns Estados deste último país sejam "gratuitos" também os centros de ensino superior, significa tão somente, na realidade, que ali as classes altas pagam suas despesas de educação às custas do fundo dos Impostos gerais. E - diga-se de passagem - Isto também pode ser aplicado à "administração da justiça com caráter gratuito", de que se fala no ponto A,5 do programa. A justiça criminal é gratuita em toda parte; a justiça civil gira quase inteiramente em torno dos pleitos sobre a propriedade e afeta, portanto, quase exclusivamente às classes possuidoras. Pretende-se que estas decidam suas questões às custas do tesouro público? O parágrafo sobre as escolas deveria exigir, pelo menos, escolas técnicas (teóricas e práticas), combinadas com as escolas públicas. Isso de "educação popular a cargo do Estado" é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc., e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado, como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão (e não vale fugir com o baixo subterfúgio de que se fala de um "Estado futuro"; já vimos o que é este), onde, pelo contrário, é o Estado quem necessita de receber do povo uma educação muito severa (MARX, 1977).

Sendo assim, é possível destacarmos várias dimensões nesta passagem. Dentre elas, podem ser elencadas as seguintes (ARAÚJO, 2005, p. 50): "referência sobre a universalização, obrigatoriedade, a gratuidade, laicidade e a publicização, envolvendo também as questões relativas à estatização da escola; considerações críticas sobre a educação de diferentes classes sociais e; concepção de Estado e seu papel na educação escolar; crítica ao financiamento da educação superior".

Podemos observar que as indagações expressam desconfiança acerca da igualdade da educação escolar para todas as classes. Não é apenas uma desconfiança, mas uma posição situada em relação à própria concepção de Estado: a crítica à educação popular sob a tutela deste, a defesa do banimento da influência do governo da escola, a necessidade por parte do Estado de ser educado severamente pelo povo, ou em outro lugar, a afirmação do ensino sem o controle do governo (MARX E ENGELS, 1978, p. 225).

6. Considerações finais

Tendo em vista os pontos elencados na apresentação dos textos de Marx, apontamos que o filósofo da práxis, assinala grandes desafios para educação atual, das quais para a educação pública numa sociedade de classe capitalista como também sugere Leher. Ponderamos que, o desenvolvimento da educação e, logo da escola pública, entra em contradição com as exigências inerentes à sociedade capitalista. Assim, o saber, como força produtiva independente do trabalhador se define como propriedade privada do capitalismo. Sendo o trabalhador não-proprietário dos meios de produção, mas apenas de sua força de trabalho, ele não pode se apropriar do saber. Assim, a educação em sua radicalidade posta pela sociedade de classes só poderá ser enfrentada com a superação desta forma de sociedade excludente e discriminatória. A luta pela escola pública está ligada, com a luta pelo socialismo, por ser uma forma de produção que partilha os meios de produção superando interesses privados. Com isso, socializamos o saber viabilizando sua apropriação pelos trabalhadores, isto é, pela maioria da população!

Atrevemo-nos a afirmar que a obra de Marx em contribuição com Engels põem em xeque os sistemas educativos e ainda, lança luzes para a compreensão hodierna. Mas além de somente criticar, eles apontam proposições. Podemos concluir que tais textos apresentados asseveram algumas: subtração da escola à influência do governo, ensino estático sem controle do governo, educação pública e gratuita para as crianças, eliminação do trabalho infantil nas fábricas, desenvolvimento omnilateral do ser humano, educação escolar como conquista do poder político pela classe operária e papel do sujeito em interferir nas circunstâncias. Eis o nosso ponto de partida! Avante trabalhadores! Avante à práxis!!

7. Fragmentos dos textos sobre educação em Marx

Teses sobre Feuerbach

    "A doutrina materialista sobre a mudança das contingências e da educação se esquece de que tais contingências são mudadas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. Deve por isso separar a sociedade em duas partes uma das quais é colocada acima da outra. A coincidência da alteração das contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e entendida racionalmente como praxis revolucionária" (Teses sobre Feuerbach, 3)

    "Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo" (Teses sobre Feurbach, 11),

Manifesto do Partido Comunista

    "10. Educação pública gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma atual. Unificação da educação com a produção material, etc" (MARX E ENGELS, 1986, p. 104).

Conselho da Associação Internacional dos Trabalhadores

    "Por ensino entendemos três coisas: Primeira: ensino intelectual; Segunda: educação física, dada nas escolas e através de exercícios militares; Terceira: adestramento tecnológico, que transmita os fundamentos científicos gerais de todos os processos de produção e que, ao mesmo tempo, introduza a criança e o adolescente no uso prático e na capacidade de manejar os instrumentos elementares de todos os ofícios. Seu êxito demonstrou pela primeira vez a possibilidade de vincular o ensino e a ginástica com o trabalho manual e daí também o trabalho manual com o ensino e a ginástica. Marx indica a potencialidade do "ensino do futuro" que se manifesta sobre a base da grande indústria e um dos elementos desse processo de subversão, desenvolvido espontaneamente sobre a base da grande indústria, são as escolas politécnicas e de agronomia, um outro elemento são as 'écoles d'enseignement professionel', nas quais os filhos dos operários recebem algum ensino de tecnologia e do manejo prático dos diferentes instrumentos de produção. Se a legislação sobre as fábricas, que é a primeira concessão arrancada, com muito esforço, do capital, combina com o trabalho de fábrica apenas o ensino elementar, não há dúvida de que a inevitável conquista do poder político por parte da classe operária conquistará também lugar nas escolas dos operários para o ensino tecnológico teórico e prático". "O Congresso da AIT colocou a questão se o ensino deve se estatal ou privado. Por ensino estatal entende-se aquele que está sob controle do Estado. O ensino pode ser estatal, semficar sob o controle do governo. Sem a menor dúvida, o congresso pode decidir que o ensino seja obrigatório" (MARX E ENGELS, 1983, p. 96).

Crítica ao Programa de Gotha

    B. "O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e moral do Estado: 1. Educação popular geral e igual a cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita". Educação popular igual? Que se entende por Isto? Acredita-se que na sociedade atual (que é a de que se trata), a educação pode ser igual para todas as classes? O que se exige é que também as classes altas sejam obrigadas pela força a conformar-se com a modesta educação dada pela escola pública, a única compatível com a situação econômica, não só do operário assalariado, mas também do camponês?

    "Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita". A primeira já existe, inclusive na Alemanha; a segunda na Suíça e nos Estados Unidos, no que se refere às escolas públicas, O fato de que em alguns Estados deste último país sejam "gratuitos" também os centros de ensino superior, significa tão somente, na realidade, que ali as classes altas pagam suas despesas de educação às custas do fundo dos Impostos gerais. E - diga-se de passagem - Isto também pode ser aplicado à "administração da justiça com caráter gratuito", de que se fala no ponto A,5 do programa. A justiça criminal é gratuita em toda parte; a justiça civil gira quase inteiramente em torno dos pleitos sobre a propriedade e afeta, portanto, quase exclusivamente às classes possuidoras. Pretende-se que estas decidam suas questões às custas do tesouro público? O parágrafo sobre as escolas deveria exigir, pelo menos, escolas técnicas (teóricas e práticas), combinadas com as escolas públicas. Isso de "educação popular a cargo do Estado" é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc., e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado, como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão (e não vale fugir com o baixo subterfúgio de que se fala de um "Estado futuro"; já vimos o que é este), onde, pelo contrário, é o Estado quem necessita de receber do povo uma educação muito severa (MARX, 1977).


Notas

1Tomamos como referência literal o texto de Loureiro (2006).
2Escritas na primavera de 1845 e publicadas, anos mais tarde por Friedrich Engels, com algumas modificações.
3Cf. MARX, K. Mensagem inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores. Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/marx/1864/10/27.htm

Referências Bibliográficas

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