SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue42The state's governmentality in Foucault: a modern problemThe Ancient Medicine: an existential ethic in Michel Foucault author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Praxis Filosófica

Print version ISSN 0120-4688On-line version ISSN 2389-9387

Prax. filos.  no.42 Cali Jan./June 2016

 

A democracia de cidadãos proprietários em Rawls: análise crítica acerca de diferentes interpretações

Rawls's property-owning democracy: a critical analysis of several interpretations

Leandro Martins Zanitelli
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil, e Professor Adjunto na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Minas Gerais, Brasil. Tem interesse por Direito Privado (em particular, Direito das Obrigações) e por pesquisa interdisciplinar envolvendo Direito, Filosofia Política e Economia. Dirección Postal: Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito e Ciências do Estado Av. João Pinheiro, 100, Belo Horizonte -Minas Gerais- Brasil. CP: 30130-180
E-mail: leandrozanitelli@gmail.com

Recibido: agosto 21 de 2015
Aprobado: noviembre 19 de 2015


Resumo

O trabalho apresenta diferentes interpretações sobre a "democracia de cidadãos proprietários" (DCP), um regime que permite a propriedade privada dos meios de produção e se mostra superior, segundo Rawls, ao capitalismo de bem-estar. Discuto, primeiro, se a dispersão do capital ambicionada pela DCP deve ser tomada como algo distinto de dispersão da riqueza. Trato, em segundo lugar, da questão de saber se o que importa para a caracterização da DCP é apenas o resultado - seja ele a dispersão do capital ou da riqueza - ou também o meio de obtê-lo, caso no qual a DCP poderia ser entendida como regime predistributivo (em contraposição ao "welfare state", um regime eminentemente redistributivo). Minha conclusão, em suma, é que, afora o que concerne ao "capital humano", há razões para preferir uma conceituação simples, que defina a DCP como regime que logra dispersar a riqueza em considerável medida. A última seção responde, ainda, a algumas críticas à DCP como alternativa ao capitalismo de bem-estar.

Palavras-chave: democracia de cidadãos proprietários; capitalismo; estado de bem-estar; predistribuição.


Abstract

The paper critically addresses several interpretations of the concept of "property-owning democracy", an institutional regime which allows for private property of production means and is preferable, according to Rawls, to welfare state capitalism. It is discussed, first, whether the capital dispersion ambitioned by property-owning democracy should be taken as tantamount to wealth dispersion. Secondly, it is inquired whether property- owning democracy should be associated only to a given result - e.g., capital or wealth dispersion- or also as a sort of regime under which such result is reached through certain means. Property-owning democracy would therefore be understood as a predistributive regime (in contrast with the redistributive welfare state). The conclusion, in sum, is that, putting aside issues regarding human capital, there are reasons to elect a simple definition of property-owning democracy as a regime that disperses wealth to a considerable degree. The final section answers some critiques of property- owning democracy as an alternative to welfare state capitalism.

Keywords: property-owning democracy; capitalism; welfare state; predistribution; redistribution.


Introdução

Neste trabalho, faço uma revisão da literatura sobre o conceito de "democracia de cidadãos proprietários" ("property-owning democracy") em Rawls. Meu objetivo é, primeiro, chamar a atenção para as diferentes acepções dadas a essa expressão. Segundo, procuro avaliar também se há razões para preferir alguma acepção às outras. Por último, e tendo em vista as conclusões tiradas sobre a melhor maneira de entender a democracia de cidadãos proprietários (doravante, DCP), respondo a algumas críticas.

A DCP é um dos regimes que Rawls reputa aptos à realização dos princípios da sua concepção de justiça, a justiça como equidade ("justice as fairness"). No prefácio à edição revista de "A Theory of Justice" (1971, 1999, XIV), ele lamenta não ter diferenciado mais nitidamente na primeira edição do livro as ideias da DCP e do "welfare state". Rawls descreve brevemente as características da DCP na seção 43 de "A Theory of Justice" e retorna ao tema (e ao contraste entre a DCP e o "welfare state" ou "capitalismo de bem-estar") na parte IV de "Justice as Fairness: A Restatement" (Rawls, 2001). Embora permita, como o capitalismo de bem-estar (doravante, CBE), a propriedade privada dos meios de produção, a DCP não apresenta as características que fazem do CBE um regime falho, do ponto de vista da justiça, por desrespeitar o valor equitativo das liberdades políticas, a equitativa igualdade de oportunidades e o princípio da diferença (Rawls, 2001, pp.137-138).1

É importante, pois, verificar como, precisamente, a DCP e o CBE se diferenciam. A primeira seção deste trabalho trata a DCP como regime caracterizado pela dispersão do capital e indaga sobre a diferença entre dispersão do capital ("capital") e dispersão da riqueza ("wealth"). Embora o uso dos dois termos lado a lado em certas passagens sugere que Rawls pretendia lhes emprestar sentidos diferentes,2 é duvidoso que a diferença seja defensável. Na segunda seção, examino a hipótese de a DCP ser um regime que não apenas dispersa o capital (ou a riqueza), mas que o faz de uma certa maneira. Terei em vista, então, a ideia de a DCP ser um regime predistributivo, que dispersa a riqueza sem lançar mão (ou sem lançar mão em grande medida) das políticas redistributivas do capitalismo de bem- estar. Como se verá, no entanto, há certas dificuldades com a distinção entre "predistribuição" e "redistribuição", o que sugere que a melhor maneira de definir a DCP talvez seja, de fato, como regime caracterizado pela dispersão da riqueza. Na terceira seção, avalio as críticas de autores que negam ser a DCP uma alternativa defensável ao CBE.

DCP e dispersão do capital

Pode-se definir a DCP como regime que se caracteriza por um certo resultado ou, alternativamente, como regime que se vale de certos meios para chegar a esse resultado. O resultado em questão é a dispersão do capital.3 Comparando a DCP com o CBE, Rawls (2001, p. 139) diz: "One major difference is this: the background institutions of property-owning democracy work to disperse de ownership of wealth and capital, and thus to prevent a small part of society from controlling the economy, and indirectly, political life as well." Antes, porém, de verificar se o que realmente importa é o resultado em si ou o resultado e os meios de alcançá-lo, é preciso que nos detenhamos um pouco sobre o que dispersão do capital significa.

Uma questão é se há alguma diferença entre "capital" ("capital") e "riqueza" ("wealth"). Rawls usa as duas palavras na sentença transcrita acima, o que sugere que seus sentidos sejam distintos. Consideremos duas afirmações a respeito. Primeiro, capital e riqueza são diferentes porque a primeira abarca o capital humano. Segundo, além do capital humano, o capital se restringe aos bens de produção, enquanto que a riqueza é também constituída por outros bens, como os de consumo e a poupança.

A primeira das duas afirmações é menos problemática, não apenas porque Rawls se refere expressamente ao capital humano,4 mas também, e principalmente, porque é condizente com a apregoada superioridade da DCP no que toca ao princípio da equitativa igualdade de oportunidades. Se a dispersão de capital que esse regime realiza atende ao princípio em questão, é plausível que seja por também dizer respeito às capacidades humanas, isto é, ao capital humano.

Tratemos agora da distinção entre capital como bens de produção e riqueza. Há uma sugestão textual de que Rawls divide o capital em capital humano e "bens produtivos" ("productive assets").5 Admitindo-se que o termo "capital" se refira (afora o capital humano) apenas aos bens de produção, duas questões se impõem: que bens são esses, e qual o resultado que caracteriza a DCP quanto a eles (isto é, o que a dispersão do capital, em tal acepção, quer dizer). A primeira questão pode ser respondida com relativa facilidade: bens de produção são bens empregados para a produção de outros bens, como a terra e equipamentos. Um pouco mais difícil, em contrapartida, é definir o que a dispersão do capital quer dizer: considerando-se que boa parte da produção tem lugar, hoje em dia, por meio de organizações empresariais -corporações, sobretudo-, dispersão do capital quererá dizer dispersão dos bens de produção entre essas organizações -implicando o fim das grandes corporações- ou bastará que a propriedade nas organizações (isto é, a propriedade acionária) esteja dispersa? Nenhuma das respostas está livre de inconvenientes. No caso da primeira, abrir-se-ia mão da eficiência que a produção em larga escala traz consigo. Uma DCP pode, talvez, dispor de meios legais que refreiem a tendência ao surgimento de grandes corporações, mas é bastante duvidoso que ela seja defensável como regime pelo qual essas corporações são simplesmente proscritas.6

Considere agora que a DCP não requeira o fim das grandes corporações, mas, tão-somente, que a propriedade nelas -a propriedade acionária, portanto- esteja dispersa.7 O problema, aí, é determinar o que há de especial na propriedade acionária -em contraposição à riqueza em geral- para que faça sentido a defesa de um regime que se notabilize pela sua dispersão. Em outras palavras, o que tem a dispersão da propriedade acionária de tão importante? A pergunta se justifica porque é fácil transformar outras modalidades de riqueza em propriedade acionária, e vice-versa. Por que deveríamos nos preocupar, então, com cidadãos que têm ações em seu patrimônio, mas dispõem de recursos (como imóveis ou títulos da dívida pública) que os permitem investir em ações a qualquer momento? Não pode ser pelo fato de que esses cidadãos, não sendo acionistas, não conseguem influir sobre a gestão das empresas, porque esse tampouco é o caso, muitas vezes, dos que o são. Tendo em vista a fungibilidade entre a propriedade acionária e outras modalidades de riqueza e o fato de a propriedade acionária, em si mesma, não conferir poder de fato sobre a gestão das empresas, é cabível perguntar se a DCP não deveria ser caracterizada como regime que dispersa a riqueza em geral, sem qualquer consideração pelos bens de produção em particular.8

Para Hsieh (2012, p. 157), a dispersão dos bens de produção atua contra a desigualdade de status que decorreria da falta de poder decisório dos trabalhadores quanto à produção. A dispersão da propriedade acionária não dá aos trabalhadores controle sobre a produção, mas faz, ao menos, com que todos os cidadãos sejam, ao mesmo tempo, capitalistas e trabalhadores, evitando que a diferença de papéis ínsita à produção capitalista cause desigualdade de status. Williamson (2012, p. 226), por sua vez, alega que a concentração da propriedade do "capital produtivo" (productive capital) dá lugar a dominação. Se entendidos como dizendo respeito à dispersão da propriedade acionária, contudo, os dois argumentos são frágeis. Quanto ao primeiro, é difícil imaginar que o simples fato de ser acionista altere para o trabalhador o efeito de status de relações de produção caracterizadas pela subordinação. Em relação a outras modalidades de riqueza, que importância pode ter a propriedade acionária, se as ações em questão não forem da própria companhia para a qual se trabalha? Hsieh parece supor, ao meu ver fantasiosamente, que o trabalhador subordinado tem seu igual "status" preservado pelo fato de outros trabalhadores estarem subordinados a ele, ainda que de maneira um tanto indireta - como trabalhadores de companhias que o primeiro talvez nem saiba quais sejam. A relação entre dispersão da propriedade acionária e equidade política, por sua vez, não pode ser, sem mais, presumida. A influência sobre o processo político é muito mais plausivelmente um fator do controle sobre a produção do que da propriedade acionária, e o fato de essa propriedade estar dispersa pode não ser suficiente para evitar que o controle sobre a produção esteja nas mãos de poucos.

Uma última ideia a considerar quanto ao sentido da expressão "dispersão do capital" seria a de ela se referir não à propriedade, mas ao controle. Embora alguns intérpretes de Rawls flertem com essa sugestão,9 ela borra a distinção entre a DCP e o socialismo liberal, o outro regime que Rawls reputa adequado aos princípios da justiça como equidade (Rawls, 2001, p. 139). Deixo-a, portanto, de lado.

DCP e a diferença entre predistribuição e redistribuição

Consideremos agora a possibilidade de a DCP ser caracterizada não apenas por um resultado -que, doravante, reputarei ser a dispersão da riqueza em geral-, mas também pelo meio como esse resultado é obtido. A ideia é inspirada pela enigmática continuação da passagem transcrita anteriormente, na qual Rawls (2001, p. 139) explica como a DCP evita que uma pequena parte da população controle os meios de produção:

Property-owning democracy avoids this not by redistribution of income to those with less at the end of each period, so to speak, but rather by ensuring the widespread ownership of productive assets and human capital (that is, education and training skills) at the beginning of each period, all this against a background of fair equality of opportunity. The intent is not only to assist those who lose out through accident or misfortune (although that must be done), but rather to put all citizens in a position to manage their own affairs on a footing of a suitable degree of social and economic equality.

Quando se trata do capital humano, a distinção entre atuar antes e depois é fácil de fazer, porque basta, então, usar como referência a vida de um ser humano. Atuar antes, ou "no início", em tal sentido, quer dizer atuar nas fases iniciais da vida a fim de que os cidadãos desenvolvam suas aptidões, algo que é feito pela DCP e por qualquer regime que atenda ao princípio da equitativa igualdade de oportunidades. O CBE, em contrapartida, é descrito por Rawls como um regime que não obedece ao princípio em questão e, como tal, atua apenas "ao final", assistindo cidadãos que, por não terem sido adequadamente educados em seus primeiros anos, não estão aptos a ganhar a vida.

Há duas razões, no entanto, para concluir que Rawls não está se referindo apenas ao capital humano na passagem acima. A primeira é literal, porque a passagem faz menção a "bens de produção" ("productive assets") junto com o capital humano. A segunda é que uma interpretação que dê muita importância à diferença entre a DCP e o CBE quanto à realização do princípio da equitativa igualdade de oportunidades é problemática, uma vez que há dúvida sobre por que o CBE não é capaz de incluir medidas (por exemplo, ensino público universal) que atendam a esse princípio (O'Neill, 2012, pp. 84-87). Em outras palavras, se a diferença entre atuar "no início" e "no fim" estiver relacionada apenas ao capital humano, talvez seja o caso de dizer que o CBE também é um regime que atua "no início". Para fazer uma interpretação generosa de Rawls, é preciso, portanto, que atribuamos à distinção entre "início" e "fim" algum outro significado.

Alguns autores usam o termo "predistribuição" para designar a DCP em contraposição à "redistribuição" do CBE (O'Neill e Williamson, 2012).10 Isso parece condizer com a ideia de que a DCP não é meramente um regime que dispersa a riqueza, mas que o faz por um certo meio, que são as políticas predistributivas. Parece condizer, também, com a afirmação de que a DCP não se caracteriza pela "redistribution of income to those with less at the end of each period". É preciso esclarecer, no entanto, o que é "predistribuição" e no que "predistribuição" e "redistribuição" se diferenciam.11

"Tax-and-transfer" e engenharia de mercado

O'Neill e Williamson (2012, p. 1) respondem assim:

The core meaning of "predistribution" is simple to grasp. As Yale political scientist Jacob Hacker, the term's progenitor, puts it in his Policy Network paper on "The Institutional Foundations of Middle-Class Democracy" [nota de rodapé omitida], the aim of predistribution is "to focus on market reforms that encourage a more equal distribution of economic power and rewards even before government collects taxes or pays out benefits". Ins- tead of equalizing unfair market outcomes through tax-and-spend or "tax- and-transfer", we instead engineer markets to create fairer outcomes from the beginning. To put things in a slightly different way, the need for ex post redistribution is reduced as the ex ante distribution of economic power is made more fair and equitable.

A passagem acima permite duas interpretações que gostaria de considerar. De acordo com uma delas, a diferença se refere ao fato de a predistribuição não lançar mão de uma estratégia característica da redistribuição, a saber: a tributação seguida da transferência de recursos pelo Estado a uma parte da população, seja em dinheiro ou outros benefícios, ou "tax-and-transfer". A predistribuição, por sua vez, faria uso da "engenharia de mercado", uma expressão de aparente sentido residual para designar outras medidas de interferência sobre o mercado que não as de "tax-and-transfer".

Exemplos do que se pode entender como engenharia de mercado abundam. O'Neill e Williamson (2012, p. 2) referem-se a regras que favoreçam os trabalhadores ao facilitar a negociação coletiva das condições de trabalho. Marti (2013) cita algumas medidas pelas quais a legislação pode incentivar as corporações a investir de maneira socialmente responsável. Com um pano de fundo teórico um pouco diverso, Hsu (2014) ressalta a influência sobre a taxa de retorno do capital de algumas áreas do direito norte-americano cuja reforma poderia ajudar na redução da desigualdade:12 as regras do mercado financeiro, excessivamente permissivas à assunção de riscos; o direito antitruste, com sua negligência a questões distributivas; vantagens fiscais para companhias de extração de petróleo e gás; restrições a aplicação de novas disposições regulatórias a atividades já iniciadas ("grandfathering"); e cálculo tarifário da energia elétrica.

O problema de entender a distinção entre predistribuição e redistribuição como distinção entre engenharia de mercado e "tax-and-transfer" é saber se, feita assim, ela tem a força necessária para concluir que somente um regime eminentemente predistributivo, como a DCP, é capaz de atender aos princípios da justiça de Rawls. O que há de tão importante na diferença entre "tax-and-transfer" e engenharia de mercado para que um regime que faça uso exclusivo ou predominante de políticas do primeiro gênero seja falho à luz da justiça?

Uma primeira resposta tem a ver com a eficácia: ainda que, em tese, possa-se dispersar a riqueza de uma maneira ou de outra, as políticas de "tax-and-transfer" se mostram menos propensas, de fato, a alcançar tal resultado. Essa sugestão tem a ver com a ideia de que a predistribuição seja uma alternativa para circunstâncias nas quais as políticas de "tax-and- transfer" não contem com suficiente apoio político - nas palavras de O'Neill e Williamson (2012), para um "world of scepticism about government spending and hostility to taxation".13 Embora as políticas de "tax-and- transfer" pareçam, de fato, ter-se tornado mais impopulares nos últimos anos, a resposta em questão é, claramente, circunstancial e, como tal, pouco adequada para quem queira tirar conclusões definitivas sobre a propensão de um tipo de regime à realização da justiça. Se é apenas de viabilidade política que se trata, não se pode fazer qualquer afirmação geral sobre a superioridade da predistribuição em relação à redistribuição; dependendo das circunstâncias, o "tax-and-transfer", e não a engenharia de mercado, pode ser o meio mais promissor de reduzir as diferenças de riqueza.

Outra ressalva é que o argumento da eficácia tem a sua validade limitada a condições não ideais, em que os cidadãos não apresentem o senso de justiça característico de uma sociedade bem-ordenada no sentido de Rawls, isto é, a motivação para atuar segundo os princípios da justiça e para apoiar instituições que se conformem a esses princípios (Rawls 1971, 1999, p. 4). Considerando-se que são condições ideais as que Rawls quase sempre tem em vista (Rawls, 1971, 1999, pp.7-8), seria estranho se o seu argumento em defesa da DCP e contra o CBE fosse um argumento apenas para condições não ideais, tal como teríamos caso limitássemos a razão para preferir a predistribuição à redistribuição (e a DCP ao CBE) à superior viabilidade política da primeira.

Outros argumentos aludem não à ineficácia, mas sim à insuficiência, do ponto de vista da justiça, das políticas de "tax-and-transfer". Esses argumentos são muito mais promissores para quem pretenda explicar a apregoada superioridade da DCP sobre o CBE com base na diferença entre predistribuição e redistribuição. Dois argumentos assim podem ser cogitados. De acordo com um deles, as políticas de "tax-and-transfer" são falhas porque minam o autorrespeito dos cidadãos que delas dependem (O'Neill, 2012, pp. 88-89). Devido ao fato de as bases sociais do autorrespeito serem, para Rawls (1971, 1999, p. 386), "perhaps the most important primary good", meios de dispersão da riqueza que promovam o autorrespeito dos cidadãos são, "ceteris paribus", preferíveis em termos de justiça. Outro argumento afirma que as políticas de "tax-and-transfer" atentam contra a liberdade, entendida no sentido republicanista de "não-dominação".

O argumento de O'Neill acerca da relação entre predistribuição e autorrespeito é repleto de referências ao fato de a DCP dispersar o controle sobre o uso dos recursos produtivos.14 Antes, já observei que atribuir à DCP uma alteração substancial do modo como são tomadas as decisões quanto ao investimento e à produção -para além daquilo que a dispersão da riqueza acarreta por si mesma- tem como consequência borrar a distinção entre os regimes da DCP e do socialismo liberal. Há uma parte do argumento, contudo, que trata como ameaça ao autorrespeito não a concentração do poder decisório sobre a produção, mas os benefícios que as políticas redistributivas outorgam a alguns cidadãos (O'Neill, 2012, p. 89):

(T)he recipient of "welfare" payments may come to see himself as a pas- sive beneficiary, rather than as a free and equal individual with his own valuable plan of life, and of equal standing with his or her fellow citizens. The recipient of such ex post transfers may experience these transfers as the source of his diminished status, and thereby as the mechanism that undermines his self-respect.

Repare, em primeiro lugar, como o argumento do autorrespeito talvez tenha (a exemplo do argumento da eficácia) sua validade circunscrita a condições não ideais nas quais falte à maioria dos cidadãos um senso de justiça. É sob tais condições, alegavelmente, que se podem encarar os resultados do mercado como "merecidos", com consequências negativas para a autoestima15 dos cidadãos cujos talentos não são "vendáveis". Em uma sociedade na qual os princípios da justiça como equidade foram adequadamente internalizados, em contrapartida, os resultados do mercado são, em geral, atribuídos a uma distribuição aleatória de aptidões inatas sobre as quais ninguém pode reclamar mérito. A assistência estatal aos desfavorecidos deve ser percebida, em tal caso, como questão de direito e não de caridade ou condescendência.

É importante definir, também, o quanto o dano ao autorrespeito é causado mais pela falta de ocupação do que pelas políticas de "tax-and- transfer" propriamente ditas.16 À medida que a ameaça ao autorrespeito decorra da desocupação, o primeiro ponto a considerar é que parte, ao menos, do argumento sobre a predistribuição tem sua força limitada a condições não ideais em que certas modalidades de trabalho -como o trabalho doméstico e o cuidado- não são reconhecidas como tais. Segundo, se é a falta de ocupação que mina o autorrespeito, a substituição de políticas de "tax-and-transfer" pela engenharia de mercado apenas contará como solução se trouxer consigo redução do desemprego. Sem um maior detalhamento acerca de como o mercado é reorganizado pelas políticas predistributivas, não se pode dizer se esse é ou não o caso.

Passemos ao argumento da liberdade como não-dominação. Ao invés dos efeitos psicológicos, o que se afirma agora é que as políticas de "tax- and-transfer" atentam contra a liberdade dos cidadãos que delas dependem. "Liberdade" se entende, aí, no sentido republicanista de "não-dominação". Pettit (2014) explica a diferença entre liberdade como não-dominação e liberdade como não-interferência com o exemplo de Nora, personagem da peça "Casa de Bonecas", de Henrik Ibsen. Nora é a esposa de um banqueiro, Torvald, e, tal como sucedia com as demais mulheres casadas na Europa do século XIX, encontrava-se sujeita ao poder do marido. Torvald, no entanto, não interfere sobre a rotina de Nora, que é livre, por exemplo, para ir ao teatro à noite com uma amiga ao invés de ficar em casa na companhia do marido. Pettit diz, por isso, que Nora tem liberdade na acepção de não- interferência, porque Torvald não a constrange, mas não liberdade no sentido de não-dominação, já que ela só age como quer porque o marido o consente. Segundo Pettit (2014, posição 658), a liberdade como não-dominação requer que: "1. you have the room and the resources to enact the option you prefer, 2. Whatever your own preference over those options, and 3. Whatever the preference of any other as to how you should choose."

Políticas de "tax-and-transfer" podem ser acusadas de manter os cidadãos que delas dependem sob o domínio dos demais.17 Mesmo que a riqueza redistribuída por essas políticas permita fazer certas escolhas, o fato de os cidadãos que delas se beneficiam permanecerem subordinados à vontade do restante da população e de seus governantes violaria a terceira e última das condições enunciadas por Pettit.

Diferentemente dos anteriores, o argumento da liberdade como não- dominação se aplica às condições ideais de uma sociedade bem-ordenada. O fato de as políticas de "tax-and-transfer" serem apoiadas por uma maioria de cidadãos motivada a atuar de acordo com os princípios da justiça como equidade não invalida a objeção da dependência: enquanto não estiverem aptos a se sustentar, os cidadãos assistidos pelo Estado seguirão sujeitos à boa-vontade dos demais.

Algumas ressalvas, no entanto. Primeiro, poder-se-ia pôr em dúvida a ideia de que os cidadãos beneficiados pelas políticas de "tax-and-transfer" estejam em situação substancialmente diferente da dos demais. Esses cidadãos dependem, é verdade, da continuidade de certas políticas, mas não será esse também o caso, em maior ou menor medida, do restante da população? Mesmo os ricos dependem do Estado para proteger suas vidas e para fazer valer os direitos de propriedade que os tornam ricos. O importante seria, então -uma preocupação recorrente entre os republicanistas- evitar que o exercício do poder estatal engendre relações de dominação, o que tem a ver com o modo como o Estado é organizado (por exemplo, com um sistema de freios e contrapesos) e também com a participação dos cidadãos.

Apesar de a ressalva ser importante, creio que há um sentido no qual a situação dos cidadãos beneficiados pelos programas de "tax-and-transfer" é diferenciável da dos demais. Afora na hipótese -extrema- de violação generalizada de direitos de propriedade, são os cidadãos em questão (quando realmente desocupados) que não têm a oferecer aos demais sequer a sua força de trabalho. Devido à falta de poder de barganha, eles se encontram, pois, em uma posição de especial vulnerabilidade, até mesmo no caso de uma sociedade bem-ordenada (mas, sobretudo, nas que não o sejam).

O argumento da liberdade como não-dominação perde força, por outro lado, quando o benefício estatal não é prestado de maneira continuada. Em relação à transferência de renda, portanto, trata-se de um argumento que se opõe a programas de renda mínima,18 mas não aos de "outorga de capital" ("capital grant"), tais como o proposto por Ackerman e Alstott (1999), em que a transferência ocorre uma única vez.

Note, por fim, que, diferentemente do argumento da eficácia, os argumentos sobre os efeitos perversos das políticas de "tax-and-transfer" para o autorrespeito e a liberdade como não-dominação nada têm contra a tributação em si. Logo, se as razões para preferir a engenharia de mercado estiverem relacionadas ao autorrespeito e à liberdade como não-dominação, faz sentido incluir a tributação entre as medidas pelas quais o mercado é ordenado (por exemplo, subsídios fiscais para evitar a dispensa de trabalhadores).

Predistribuição, redistribuição e resultados do mercado

Outra interpretação acerca da distinção entre predistribuição e redistribuição gira em torno da ideia de "resultados do mercado". De acordo com essa interpretação, predistribuição e redistribuição se diferenciam porque, enquanto a primeira procura fazer com que o mercado tenha resultados mais equânimes, a segunda aguarda que esses resultados se verifiquem para, só depois, tratar de corrigi-los. Em contraste com a diferenciação feita anteriormente, é possível, agora, reputar certas políticas de "tax-and-transfer" como predistributivas caso elas se destinem a surtir efeitos a longo prazo sobre os resultados do mercado. Faz sentido, por exemplo, reputar propostas de outorga de capital como as de Ackerman e Alstott (1999) e Williamson (2012) como predistributivas: ao conceder a cada cidadão uma certa quantidade de recursos destinada a tornar as relações de mercado mais paritárias, seja pela facilitação do acesso à educação superior, seja pela independência que a riqueza proporciona, o que se pretende não é apenas satisfazer a necessidades imediatas que a desigualdade proveniente do mercado engendra, mas reduzir, a longo prazo, essa desigualdade.

Este outro modo de distinguir predistribuição e redistribuição suscita, no entanto, uma dificuldade: será possível chegar a uma definição não arbitrária do que sejam os resultados do mercado, a qual permita, então, uma separação fundada das políticas predistributivas e redistributivas?

Na passagem transcrita acima, é evidente que O'Neill e Williamson (2012) tratam como resultado do mercado a renda não tributada ("before government collects taxes"). Isso, no entanto, soa tão arbitrário quanto dizer que há direito de propriedade sobre a renda não tributada. Por que não dizer, ao contrário, que a tributação é parte das "regras do jogo", e que os resultados do mercado são, portanto, os verificados após a incidência dos tributos? Em tal hipótese, tanto o regramento da negociação coletiva quanto o imposto sobre a renda das corporações seriam anteriores aos resultados do mercado, isto é, determinariam esses resultados ao invés de meramente corrigi-los.19 Pode-se ponderar, não obstante, que as pessoas percebem a renda não tributada como resultado do mercado. Segundo a percepção comum, uma medida que favorece as organizações sindicais é parte das "regras do jogo"; já a tributação, em contrapartida, atua, em geral, sobre os resultados do jogo, corrigindo-os. Essa alegação não é apta, contudo, a dar à distinção entre predistribuição e redistribuição o peso normativo que se pretende ao descrever a DCP como regime predistributivo. Quando muito, o fato de se perceber ou não que uma medida retifica os resultados do mercado pode ter importância se estivermos preocupados com a viabilidade política (sob condições não ideais, portanto) de diferentes instrumentos de dispersão da riqueza.20

Síntese e breve análise de algumas críticas à DCP

A primeira seção do artigo apresentou a DCP como um regime caracterizado por um certo resultado, a saber, a dispersão do capital. Nela, argumentei que há boas razões para tratar os termos "capital" (com exceção do capital humano) e "riqueza" como equivalentes. Não há por que atribuir importância especial à dispersão da propriedade acionária, tendo em vista a facilidade com que outras modalidades de riqueza podem ser transformadas em ações e o fato de a dispersão da propriedade acionária não assegurar, por si só, a dispersão do controle sobre a produção. Outra proposta, que é definir a DCP como regime que dispersa o controle, e não apenas a propriedade dos bens de produção, borra a linha que separa a DCP e o socialismo.

Na segunda seção, considerei a possibilidade de caracterizar a DCP com base não apenas no resultado da dispersão da riqueza, mas no meio de chegar a ele. A ideia, então, é que DCP seja entendida como regime que dispersa a riqueza predistributivamente. O sentido da distinção entre predistribuição e redistribuição, no entanto, é dúbio. Segundo uma interpretação, a redistribuição corresponde às políticas de "tax-and-transfer", e a predistribuição a outras medidas de interferência ou "engenharia de mercado". Há razões de variada ordem para entender a distinção entre predistribuição e redistribuição assim. A uma, porque, tal como definida, a predistribuição pode ser um meio mais eficaz ou politicamente viável de dispersar a riqueza. A duas, porque as políticas de "tax-and-transfer" são falhas em termos de justiça, por solaparem o autorrespeito ou por ofenderem a liberdade (no sentido republicanista de não-dominação) dos cidadãos que delas dependem. Quanto a esses argumentos, manifestei a ressalva de que eles se referem, em parte (o argumento da eficácia e também, possivelmente, o do autorrespeito), a sociedades em que não esteja disseminado o senso de justiça que Rawls atribui aos cidadãos de uma sociedade bem-ordenada. Pode-se alegar, ainda, que os argumentos em questão não se voltam contra as políticas de "tax-and-transfer" em si mesmas (caso do argumento do autorrespeito, que pode antes se referir à falta de ocupação) ou não contra a totalidade delas (caso do argumento da liberdade como não-dominação, que se restringe às políticas de "tax-and-transfer" em que os benefícios são prestados de maneira continuada).

Outra interpretação designa como políticas predistributivas as que procuram reduzir a desigualdade causada pelo mercado, ao invés de permitir que essa desigualdade se verifique primeiro para, só então, corrigi-la (o que seria característico das políticas redistributivas). O problema dessa distinção, como visto, é que ela parece tratar como "resultado do mercado" a renda não tributada, o que só não é arbitrário se estivermos preocupados, mais uma vez, com a viabilidade política da tributação como meio de dispersão da riqueza.

Tendo em vista a análise feita até aqui, gostaria de examinar agora algumas críticas feitas à DCP. Deixarei de lado, contudo, críticas ao fato de a DCP não incluir reformas na propriedade ou controle dos meios da produção rumo ao socialismo (Schweickart, 2012). A discussão sobre os méritos comparados da DCP e do socialismo liberal é importante, por óbvio, mas não há espaço para fazê-la aqui. Também não tratarei de manifestações que, embora críticas, possam se classificar como "emendas amistosas", como as de White (2012), para quem uma DCP estável requer uma interpretação republicanista das liberdades básicas, ou Hussain (2012), que defende uma DCP na qual as decisões individuais sejam em parte suplantadas pelas de órgãos representativos (o que ele designa como "corporatismo democrático", "democratic corporatism"). Minha atenção estará limitada, assim, a críticas a DCP como alternativa a regimes capitalistas e, em particular, ao CBE.

Para Weale (2013), o contraste entre CBE e DCP é o contraste entre um regime de redistribuição "horizontal" (o CBE), ou de transferência de recursos no ciclo-de-vida de um mesmo cidadão, e um regime de redistribuição "vertical" (a DCP), baseado em transferências de recursos entre cidadãos. Considerando isso, duas preocupações em relação à DCP são manifestadas, ambas baseadas na presunção de que, ao dispersar a riqueza, a DCP substitua a seguridade social pelas decisões de cada cidadão, isto é: cada um, com os recursos de que dispõe, é incumbido de se precaver, mediante poupança ou contratação de seguro, contra os riscos a que está sujeito. O primeiro problema que advém disso é que falhas de mercado impeçam os cidadãos de gozar da proteção que desejam contra riscos como doenças e envelhecimento (Weale, 2013, p. 50). O segunda é que, por não instituir poupança compulsória, a DCP atente contra um princípio de justiça entre gerações (Weale, 2013, pp. 51-52).

A questão, porém, é se uma dispersão da riqueza na medida ambicionada por uma DCP requer, de fato, que parte substancial das contribuições para a seguridade social características do CBE seja usada para aumentar a renda dos mais pobres. Tendo em vista que a seguridade social costuma ser financiada pela grande parcela da população economicamente ativa, uma solução para dispersar riqueza sem abrir mão da seguridade social consistiria em aumentar a carga fiscal dos mais ricos apenas (em particular, do 1% mais rico), preservando, assim, a capacidade de contribuição da população em geral.

Vallier (2015) ataca a DCP em duas frentes. Em condições ideais, que ele define como condições de disseminada obediência às regras, a DCP enfrentaria um problema de incentivo, já que, com a dispersão da riqueza, desincentivam-se as atividades capazes de acumulá-la (Vallier 2015, p. 289). Além disso, há o problema da grande quantidade de informação de que os órgãos de Estado necessitariam para a regulação do mercado, a qual envolveria fazer "specific numerical judgments about appropriate price- levels, wage-levels, stock distributions, and the like" (Vallier, 2015, p. 293). Sob condições não ideais, acrescentar-se-ia a esses problemas o da captura dos órgãos reguladores por grupos de interesse, um problema que, embora encontrado em outros regimes, seria agravado devido ao "extraordinary power" (Vallier, 2015, p. 295) conferido ao Estado em uma DCP.

Vallier tem razão quanto ao risco de desincentivo a atividades que levem ao acúmulo de riqueza. Esse desincentivo é, de fato, uma consequência de qualquer regime que se caracterize pela dispersão da riqueza, e é um problema que se agrava em uma DCP caso entendamos que o que a diferencia do CBE é, justamente, a medida com que essa dispersão é realizada. É próprio de qualquer regime baseado no princípio da diferença de Rawls procurar meios de combate à desigualdade que sejam o menos danosos possível aos cidadãos em pior situação. Admitindo-se que nem todas as políticas de dispersão da riqueza desincentivem em mesma medida atividades socialmente desejáveis, uma DCP deve dar preferência a dispersar a riqueza valendo-se de instrumentos cujo efeito desincentivador seja menor.21

Os outros dois pontos da crítica de Vallier baseiam-se na suposição de que uma DCP requer "incredibly large and powerful bureaucracies" (2015, p. 293), as quais enfrentariam os problemas de obter a informação necessária ao adequado desempenho de suas tarefas e, em condições não ideais, o risco de captura. Para justificar essa suposição, Vallier (2015, p. 286) compara quatro funções governamentais de uma DCP segundo a descrição de Rawls (1971, 1999, seção 43) -alocativa, estabilizadora, transferidora e distributiva- com o CBE:

Note that welfare states contain many of the same branches, but with more restrictive functions. In a welfare state, the allocation branch will not pre- vent the formation of "unreasonable" market power, but will correct for market inefficiences, whereas the distribution and transfer branches will simply ensure that social safety nets are adequately funded through redis- tributive taxation. The function of the stabilization branch is similar under both regime types, though welfare state capitalism will tend to realize sta- bilization, transfer and distribution functions through less coercive means, perhaps by relying largely on redistributive taxation and Keynesian fiscal and monetary stimulus, while forgoing the deliberate transfer of capital stock.

Nada assegura, entretanto, que a função alocativa - a qual concerne, em resumo, à preservação da concorrência e ao combate a falhas de mercado em geral - em uma DCP esteja voltada a algum objetivo outro que não a eficiência, sem se distinguir, pois, do modo como essa função é exercida, segundo a descrição do próprio Vallier, no CBE. Se é apenas da dispersão da riqueza que estamos falando, lembre-se que isso não é o mesmo que dispersão da propriedade dos bens de produção, e que, no que se refere a esses bens, uma DCP pode se contentar com a dispersão da propriedade acionária, o que é igualmente compatível com um mercado mais ou menos oligopolizado. É verdade que, tendo em vista a sua maior ambição em relação à dispersão da riqueza, uma DCP pode atribuir à legislação antitruste algum objetivo outro que não meramente a eficiência (tal como defende Hsu, 2014, pp. 21-29), e que, em um dos sentidos do termo "predistribuição", medidas antitruste pertencem à "engenharia de mercado" que é preferida às políticas de "tax- and-transfer" como meio de dispersar a riqueza. Não é claro, entretanto, o quanto tal mudança de objetivo dependeria de um incremento dos órgãos estatais encarregados da tarefa em um CBE e o quanto, ao contrário, poderia ter lugar por meio de uma mera reorientação da atividade desses órgãos.

A afirmação de que o CBE desempenha as funções estabilizadora, transferidora e distributiva "through less coercive means, perhaps by relying largely on redistributive taxation and Keynesian fiscal and monetary stimulus" (Vallier, 2015, p. 286) contradiz a ideia de que, como regime que se diferencia do CBE apenas pela medida com que a riqueza é dispersada, a DCP pode se valer eminentemente de políticas de "tax-and-transfer". Quando não, isto é, quando entendida como regime predistributivo (em um dos sentidos que se pode atribuir ao termo), a DCP deve, de fato, fazer uso com mais frequência de meios não fiscais para dispersar a riqueza (embora a tributação possa fazer parte das medidas de "engenharia de mercado"). É difícil avaliar, no entanto, a alegação de que esses outros meios são mais coercivos do que a tributação. Vallier faz várias afirmações nas quais parece atribuir a uma DCP restrições consideráveis à compra e venda de ações. Essa é uma interpretação provocada, possivelmente, pela suposição de que o objetivo da dispersão do capital seja algo diferente da dispersão da riqueza. Nenhuma das descrições da DCP que Vallier tem em vista, contudo, faz referência explícita a restrições ao mercado acionário além das contidas na proposta de outorga de capital de Williamson (2012), que inclui, entre os 50 mil dólares a serem concedidos a cada cidadãos, ações que, embora não liquidáveis, podem ser permutadas por ações de outras companhias.22

É o caso de perguntar, por fim, se há alguma razão para supor que a DCP requeira um aparato estatal mais encorpado do que o do CBE. Se considerarmos apenas o objetivo da dispersão da riqueza, parece plausível concluir que, em boa medida, o que diferenciaria uma DCP das versões conhecidas de CBE não é o tamanho do Estado, mas as consequências distributivas das suas ações. Em relação à tributação, por exemplo, a DCP pode se diferenciar do CBE não tanto por tributar mais, mas por tributar mais precisamente. Quanto às demais áreas, críticas como a de Vallier parecem se basear na falsa premissa de que a desigualdade é um resultado "natural" do mercado, de modo que, quanto menos desigualdade quisermos, de mais intervenção estatal precisaremos. Essa premissa é falsa, porque nenhum mercado causa desigualdade "naturalmente", isto é, sem a intervenção do Estado para definir direitos de propriedade e fazê-los valer.

Dito isso, não parece de descartar a hipótese de que uma DCP exija, de fato, um aparato estatal um pouco maior do que o CBE. Levando em conta apenas o objetivo da dispersão da riqueza, tal hipótese se funda no fato de a DCP se caracterizar por uma maior precisão distributiva das suas políticas, precisão essa que pode depender, em parte, de maior investimento na máquina pública. Aqui vale como ressalva, no entanto, a expectativa "predistributiva" de que uma DCP que privilegie a engenharia de mercado consiga, de fato, reduzir a necessidade das políticas de "tax-and-transfer", poupando recursos que o CBE consome com tais políticas.

Conclusão

Boa parte deste trabalho foi dedicada a definir em que consiste a "democracia de cidadãos proprietários" (DCP), um dos regimes que Rawls considera propícios a satisfazer os princípios da sua concepção de justiça (a "justiça como equidade"). Na primeira seção, considerei a possibilidade de a DCP ser um regime caracterizado pela dispersão do capital. A principal questão a examinar, então, é se "dispersão do capital" e "dispersão da riqueza" são noções distintas. Pondo de lado o capital humano e a hipótese de a DCP ser concebida como regime no qual grandes corporações são banidas, argumentei não haver maior razão para distinguir dispersão do capital e da riqueza, já que a propriedade acionária pode ser facilmente transformada em outras modalidades de riqueza e não assegura, por si mesma, qualquer controle sobre a produção. Por outro lado, entender que dispersão do capital significa dispersão do controle sobre os bens de produção torna difícil distinguir a DCP do outro regime que Rawls reputa apto à realização da justiça, o socialismo liberal.

A segunda seção tratou da DCP como regime que dispersa a riqueza valendo-se da "predistribuição" -em contraposição à "redistribuição" característica do capitalismo de bem-estar (CBE). Sobre a diferença entre predistribuição e redistribuição, duas propostas foram avaliadas. A primeira é que a redistribuição se defina pela tributação seguida da transferência de recursos pelo Estado a uma parte da população, em dinheiro ou outros benefícios- em outras palavras, por políticas de "tax-and-transfer", enquanto a predistribuição consista na dispersão da riqueza por outros meios, designados, genericamente, como "engenharia de mercado". O risco de fazer a distinção em tais moldes é torná-la importante apenas para condições não ideais, em que a maioria dos cidadãos não esteja motivada a apoiar instituições justas e as políticas de "tax-and-transfer" se mostrem menos viáveis politicamente. Aventei, contudo, a possibilidade de haver argumentos de princípio -relacionados ao autorrespeito e, sobretudo, à liberdade, no sentido republicanista de não-dominação- para preferir a engenharia de mercado às políticas de "tax-and-transfer".

Outra maneira de distinguir predistribuição e redistribuição é dizer que a primeira procura influenciar o mercado de maneira a que seus resultados sejam menos desiguais, ao invés de (como fazem as políticas redistributivas) permitir que esses resultados primeiro ocorram para, só depois, corrigi-los. Contra essa distinção, afirmei que é arbitrária a ideia, na qual ela aparentemente se baseia, de tratar como "resultado do mercado" a renda não tributada, a não ser que estejamos, mais uma vez, preocupados com condições não ideais em que parte substancial dos cidadãos perceba a renda não tributada como resultado "legítimo" do mercado, criando, com isso, dificuldade para a dispersão da riqueza por meio da tributação.

A conclusão é que, com a ressalva dos argumentos contra as políticas de "tax-and-transfer" (em parte aplicáveis apenas a condições não ideais), a melhor maneira de conceber a DCP -diferenciando-a, ao mesmo tempo, do capitalismo de bem-estar (CBE) e do socialismo liberal- é como regime que dispersa a riqueza. É possível que muitos tenham resistido a essa interpretação até hoje por julgá-la insuficiente para diferenciar a DCP e o CBE, um regime caracterizado por políticas de assistência aos mais pobres. Quanto a isso, é possível que o trabalho de Piketty (2014) sobre o crescimento da desigualdade em países tidos como exemplos emblemáticos de "welfare state" torne mais nítida a diferença entre a DCP -como regime equipado para manter a riqueza dispersa ao longo do tempo- e o CBE.23 Rawls não dispunha, é claro, dos dados reunidos por Piketty e sua equipe quando escreveu sobre a DCP. Embora, pois, ele possivelmente não tenha pretendido limitar a diferença entre a DCP e o CBE à dispersão da riqueza, essa talvez seja, ao fim e ao cabo, uma maneira consistente de separar os dois regimes e -como o trabalho de Piketty agora sugere- não contraditória com a trajetória de longo prazo do CBE.24

Citas de pie de página

1Para uma análise crítica desses argumentos, v. O'Neill (2012).

2No prefácio à edição revista de A Theory of Justice (1999 (1971), XIV), Rawls afirma que "property-owning democracy (...) tries to disperse de ownership of wealth and capital"; em Justice as Fairness: A Restatement (2001, p. 139), há uma frase similar: "the background institutions of property-owning democracy work to disperse de ownership of wealth and capital".

3Que a DCP seja caracterizada como regime que dispersa o capital não significa que esse resultado tenha de ser considerado como fim em si mesmo. Pode-se estimar a dispersão do capital por suas consequências culturais (Wesche, 2013), para o trabalho (Hsieh, 2012) ou para o autorrespeito (O'Neill, 2012, pp. 88-89).

4A referência aparece logo após a passagem transcrita anteriormente (Rawls, 2001, p. 139): "ensuring the widespread ownership of productive assets and human capital (that is, education and training skills)".

5V. a passagem transcrita na nota anterior.

6A julgar pelo relato de Jackson (2012), a ideia da DCP como sociedade constituída unicamente por pequenos produtores não goza de qualquer popularidade desde o século XVIII.

7A dispersão da propriedade acionária é parte da proposta de Williamson (2012) para uma DCP norte-americana, que inclui a concessão a cada cidadão adulto de um total de 50 mil dólares, dos quais 10 mil em títulos permutáveis unicamente por ações. Schefczyk (2013, p. 210) exemplifica maneiras pelas quais se pode dispersar a propriedade acionária: "one could imagine that transfers are partly given in kind, for instance in form of the stock of nationalised companies; or by giving citizens shares in government funds; or mandatory employee stock ownership programs." Caso estejamos interessados apenas na dispersão da propriedade acionária, no entanto, é irrelevante se as ações que um trabalhador são da companhia para a qual trabalha ou de outra.

8Piketty (2014, posição 890) usa "riqueza" e "capital" (com exclusão do capital humano) como equivalentes.

9V., e.g., O'Neill (2012, 89): "Only by making sure that the structure of the economy is such as to broadly disperse control over productive resources, therefore, can we ensure that all citizens are able to have this 'lively sense' of their own agency, and in so doing to head off the possibilities of harmful inequalities of power and status. In this way, the institutions of a property-owning democracy should be able to overcome problems of domination and social inequality in a way that the institutions of a capitalist welfare state are structurally incapable of doing." Não é de surpreender, portanto, que O'Neill (2012, 76) veja "pouca diferença real" ("little real difference") entre a DCP e o socialismo liberal, descrevendo a diferença entre os dois regimes como limitada a "relações formais de propriedade" ("formal property relations"). Não fica claro, entretanto, em que os direitos formais de propriedade da DCP e do socialismo liberal se diferenciariam. Se a DCP dispersar a propriedade acionária sem garantir aos trabalhadores direito de voto, é plausível que a diferença real entre os regimes seja considerável, não obstante o fato de a dispersão da riqueza (não necessariamente da propriedade acionária) aumentar a independência dos trabalhadores e com isso influenciar, como argumenta Hsieh (2012), as condições de trabalho.

10O termo "predistribution" é de Hacker (2011). Ele foi usado nos últimos anos pelo líder do partido britânico, Ed Miliband, para designar algumas de suas propostas. Miliband renunciou ao cargo após a derrota nas eleições de maio de 2015.

11O que segue é uma revisão do que escrevi acerca do tema em um artigo anterior (Zanitelli, 2015b).

12Baseando-se em Piketty (2014), Hsu atribui a desigualdade à diferença entre r, a taxa de remuneração do capital, e g, a taxa de crescimento da economia. O que ele propõe, em consequência, são reformas legais que diminuam a diferença entre r e g.

13A preocupação com as chances de sucesso de um projeto de dispersão da riqueza baseado em "tax-and-transfer" é uma clara motivação de Hacker (2011, p. 35) ao distinguir predistribuição e redistribuição: "excessive reliance on redistribution fosters backlash, making taxes more salient and feeding into the conservative crique that government simply meddles with 'natural' market rewards." Hsu (2014, p. 6) afirma que uma mudança das regras do mercado "would obviate the need for Piketty's proposed reform, a global wealth tax, which he acknowledges faces very high political obstacles in the near term (notas de rodapé omitidas)." V., ainda, Fennell e McAdams (2015), sobre as razões pelas quais os "custos da ação política" para a distribuição por meio da tributação podem ser maiores do que os da distribuição baseada em outras disposições legais. Dagan (2014), por sua vez, lembra de uma outra razão, não relacionada à falta de apoio político, para que medidas fiscais de distribuição sejam comparativamente ineficazes: a facilidade (maior, quando se compara a tributação com outros meios legais) dos contribuintes para alterar a jurisdição a que estão subordinados.

14V., e.g., O'Neill (2012, p. 88): "Only ex ante mechanisms, which challenged the ruling group's position of dominance by, for example, granting more control over productive capital to others, will be able to head off inequalities of wealth, inequalities of power (thereby preventing relations of domination), and their associated inequalities of status (thereby preventing the erosion of self-respect of the subordinate group)."

15O'Neill nitidamente interpreta o autorrespeito de Rawls como autoestima. Para uma diferenciação, v. Darwall (1977).

16Schefczyk (2013, pp. 200-202) atribui a Rawls a ideia de que o autorrespeito depende do trabalho, mas a critica.

17Hsieh (2012, p. 156) reclama do fato de os beneficiários das políticas de "tax-and- transfer" estarem subordinados a uma decisão estatal e não gozarem, portanto, do mesmo "degree of independence and security" dos donos do capital. Dagger (2006, p. 166) alude, por sua vez, à incongruência entre o republicanismo e "the dependence on government or the dole that is frequently attributed to welfare programs." O'Neill (2012, p. 88) afirma que as instituições do CBE são incapazes de resolver problemas de dominação, mas parece ter em vista não a dependência às políticas de "tax-and-transfer", mas a falta de controle sobre a produção. Outros autores (Thomas, 2012; Williamson, 2012, p. 226) salientam a afinidade entre a DCP de Rawls e o republicanismo devido à dispersão da riqueza em si, e não ao modo como ela é realizada.

18O que não significa que não haja razões republicanistas em favor de programas de renda mínima. Sobre isso, v. Dagger (2006, p. 166).

19Poder-se-ia tentar distinguir os dois casos da seguinte maneira: o regramento da negociação coletiva é anterior aos resultados do mercado (e, nesse sentido, predistributivo) porque determina os termos de transações, enquanto que o imposto de renda incide depois que essas mesmas transações são realizadas. Isso, contudo, é ilusório. A tributação também pode influir sobre os termos das transações, porque os agentes já contam com ela ao contratar. A redução da carga tributária sobre a folha de pagamento, por exemplo, pode aumentar a procura por mão-de-obra e alterar os termos de contratos de trabalho em favor dos trabalhadores.

20Referindo-se a experimentos sobre os efeitos psicológicos de normas legais, Fennell e McAdams (2015, p. 34) afirmam o seguinte: "when a salary is stated in pre-tax terms, the difference between this amount and what the employee gets to keep inevitably appears as a loss. To the extent that loss aversion or an endowment effect makes losing things that one already has more painful that not receiving things that one never had, "tax-and-transfer" may be categorically more cognitively painful than alternative approaches that channel entitlements to the less well off in the first instance or that structure allocation systems to produce less salient cross-subsidies." Os autores também aludem à crença de que os resultados do mercado são justos, e à dificuldade, daí decorrente, de angariar apoio para medidas que pareçam se voltar contra esses resultados (Fennell e McAdams 2015, p. 36)

21A falta de uma visão nuançada sobre o efeito desincentivador da dispersão da riqueza está por trás da crítica de Hsu (2014, p. 5) ao que tem acontecido nos EUA (e, alegavelmente, em muitos outros países também), onde "many lawmakers are strongly inclined to believe that boosting private returns to capital (Piketty's r) is tantamount to boosting economic growth generally (Piketty's g)."

22Vallier (2015, p. 293) presume que a DCP se caracterize por medidas que assegurem a participação dos trabalhadores na gestão das empresas, o que envolveria "(to) prevent the transfer of capital stock from workers to capitalists". Sobre isso, ele se baseia em trabalhos de O'Neill (2009; 2012), o qual, como já observado acima (nota 9), descreve, de fato, a DCP de um modo que torna difícil diferenciá-la do socialismo.

23V. Piketty (2014, cap. 10) sobre a desigualdade de riqueza nos EUA, Grã-Bretanha, França e Suécia. Em nota (cap. 10, nota 3), Piketty relata que os dados sobre a Dinamarca e a Noruega sugerem um crescimento da desigualdade similar ao verificado na Suécia.

24Em outro artigo (Zanitelli, 2015a), argumentei que a tese de Piketty sobre a tendência de crescimento da desigualdade dá força aos argumentos de Rawls sobre a incompatibilidade do CBE com os princípios do valor equitativo das liberdades políticas, da equitativa igualdade de oportunidades e da diferença.


Referências

Ackerman, B. & Alstott, A. (1999). The stakeholder society. New Haven, USA: Yale University Press.         [ Links ]

Dagan, T. (2014). Pay as you wish: The global market for tax & legal rules. Disponível em http://ssrn.com/abstract=2506051, acesso em 25 fev. 2015.         [ Links ]

Dagger, R. (2006). New-republicanism and the civic economy. Politics, Philosophy, and Economics, 5, 151-73.         [ Links ]

Darwall, S. L. (1977). Two kinds of respect. Ethics, 88, 36-49.         [ Links ]

Fennell, L. A. & Mcadams, R. H. (2015). The distributive deficit in law and economics. Coase-Sandor Working Paper Series in Law and Economics, 713. Acesso 21/05/2015 em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2544519.         [ Links ]

Hacker, J. S. (2011/05/06). The institutional foundations of middle-class democracy. Policy Network.         [ Links ]

Hsieh, N. (2012). Work, ownership, and productive enfranchisement. Em, M. O'Neill e T. Williamson (Eds.) Property-owning democracy: Rawls and beyond (pp. 150-162). Malden, USA: Blackwell.         [ Links ]

Hsu, S. (2014). The rise and rise of the one percent: Getting to Thomas Piketty's Wealth Dystopia. Selected Works of Shi-Ling Hsu. Acesso 21/08/2015 em http://works.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1033&context=shi_ling_hsu        [ Links ]

Hussain, W. (2012). Nurturing the sense of justice: The Rawlsian argument for democratic corporatism. Em, M. O'Neill e T. Williamson (Eds.) Property-owning democracy: Rawls and beyond (pp. 180-200). Malden, USA: Blackwell.         [ Links ]

Jackson, B. (2012). Property-owning democracy: A short history. Em, M. O'Neill e T. Williamson (Eds.) Property-owning democracy: Rawls and beyond (pp. 33-52). Malden, USA: Blackwell.         [ Links ]

Marti, E. (2013). Investing for a property-owning democracy? Towards a philosophical analysis of investment practices. Analyse & Kritik, 1, 219-236.         [ Links ]

O'neill, M. (2009). Three Rawlsian routes towards economic democracy. Revue de Philosophie Économique, 8, 29-55.         [ Links ]

O'neill, M. (2012). Free (and fair) markets without capitalism: Political values, principles of justice, and property-owning democracy. Em, M. O'Neill e T. Williamson (Eds.) Property-owning democracy: Rawls and beyond (pp. 75-100). Malden, USA: Blackwell.         [ Links ]

O'neill, M. & Williamson, T. (2012). The promise of predistribution. Policy Network, 28 set. 2012. Acesso 20/03/2015 em http://www.policy-network.net/pno_detail.aspx?ID=4262&title=The-Promise-of-Pre-distribution        [ Links ]

Pettit, P. (2014). Just freedom: A moral compass for a complex world, edição Kindle. Nova York, USA: W. W. Norton.         [ Links ]

Piketty, T. (2014). Capital in the twenty-first century (Trad. Goldhammer A.), edição Kindle edition. Cambridge, UK: Belknap.         [ Links ]

Rawls, J. (1971). A theory of justice. Cambridge, UK: Belknap Press.         [ Links ]

Rawls, J. (2001). Justice as fairness: A restatement. Cambridge, UK: Belknap Press.         [ Links ]

Schefczyk, M. (2013). Background justice over time: Property-owning democracy versus a realistically utopian welfare state. Analyse & Kritik, 1, 193-212.         [ Links ]

Schweickart, D. (2012). Property-owning democracy or economic democracy? Em, M. O'Neill e T. Williamson (Eds.) Property-owning democracy: Rawls and beyond (pp. 201-222). Malden, USA: Blackwell.         [ Links ]

Thomas, A. (2012). Property-owning democracy, liberal republicanism, and the idea of an egalitarian ethos. Em, M. O'Neill e T. Williamson (Eds.). Property-owning democracy: Rawls and beyond (pp. 101-128). Malden, USA: Blackwell.         [ Links ]

Vallier, K. (2015). A moral and economic critique of the new property-owning democrats: On behalf of a Rawlsian welfare state. Philosophical Studies, 172, 283-304.         [ Links ]

Weale, A. (2013). The property-owning democracy versus the welfare state. Analyse & Kritik, 1, 37-54.         [ Links ]

Wesche, T. (2013). The concept of property in Rawls's property-owning democracy. Analyse & Kritik, 1, 99-111.         [ Links ]

White, S. (2012). Property-owning democracy and republican citizenship. Em, M. O'Neill e T. Williamson (Eds.) Property-owning democracy: Rawls and beyond (pp. 129-146). Malden, USA: Blackwell.         [ Links ]

Williamson, T. (2012). Realizing property-owning democracy: A 20-year strategy to create an egalitarian distribution of assets in the United States. Em, M. O'Neill e T. Williamson (Eds.). Property-owning democracy: Rawls and beyond (pp. 225-248). Malden, USA: Blackwell.         [ Links ]

Zanitelli, L.M. (2015a). Relendo Rawls após Piketty: justiça, desigualdade e democracia de cidadãos proprietários. A ser publicado em Revista de Políticas Públicas (UFMA).         [ Links ]        [ Links ]


Praxis Filosófica cuenta con una licencia Creative Commons "reconocimiento, no comercial y sin obras derivadas 2.5 Colombia"