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Signo y Pensamiento

Print version ISSN 0120-4823

Signo pensam. vol.29 no.56 Bogotá Jan./June 2010

 

Recepção midiática e cidadania das migrações transnacionais em Barcelona e Porto Alegre

Recepción mediática y ciudadanía de las migraciones transnacionales en Barcelona y Porto Alegre.

DENISE COGO *

LILIANE DUTRA BRIGNOL

* Denise Cogo. Brasilera. Es doctora en Ciencias de la Comunicación de la Universidad de São Paulo y realizó un postdoctorado en comunicación en la Universidad Autónoma de Barcelona (UAB). Entre 2004 y 2008 fue co-coordinadora del Programa Académico de Cooperación Internacional Brasil-España (UAB-Unisinos). Actualmente se desempeña como profesora titular de los programas de posgrado (maestría y doctorado) en la Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) y como investigadora del Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq), Brasil. Correo electrónico:denisecogo@uol.com.br

* Liliane Dutra Brignol. Brasilera. Realiza un doctorado en Comunicación en la Universidade do Vale do Río dos Sinos (Unisinos), y participa en el programa de convenio doctoral con el departamento de Comunicación Audiovisual y Publicidad de la Universidad Autónoma de Barcelona (UAB). Actualmente es profesora de comunicación en el Centro Universitario Franciscano (Unifra), Rio Grande do Sul, Brasil. Correo Electrónico: lbrignol@terra.com.br

Recibido: Abril 15 de 2009 Aceptado: Enero 27 de 2010

Recebido: Abil 15 2009 Aceptado: Janeiro 27 2010


El artículo presenta los resultados de una investigación sobre recepción mediática realizada en un grupo de 140 migrantes de países latinoamericanos y europeos de 17 nacionalidades en los contextos urbanos de Barcelona (España) y Porto Alegre (Brasil). En el estudio se focalizaron las percepciones de los entrevistados sobre los imaginarios alrededor de las migraciones transnacionales ofrecidos por los medios de comunicación, así como sus propuestas frente a un tratamiento mediático orientado a la ciudadanía de las migraciones en las sociedades contemporáneas. Los resultados seleccionados para el análisis constituyen una investigación más amplia sobre recepción y migraciones que forma parte del Programa Académico de Cooperación Internacional Brasil-España (cAPES-Brasil y MEc-España), desarrollado entre 2004 y 2008 por investigadores del Programa de Posgrado en Ciencias de la Comunicación de Unisinos (Brasil) y del Departamento de Comunicación Audiovisual y Publicidad de la Universidad Autónoma de Barcelona (España).

Palabras claves: Migraciones. Medios de comunicación. Recepción. Ciudadanía. Transnacionalismo.

Descriptores:Emigración e Inmigración. Emigración e Inmigración - Porto Alegre (Brasil). Emigración e Inmigración - Barcelona (España). Ciudadanía.


O artigo aborda os resultados de uma pesquisa de recepção midiática com 140 migrantes de países latino-americanos e europeus de 17 nacionalidades nos contextos urbanos de Barcelona (Espanha) e Porto Alegre (Brasil). Focalizamos as percepções dos entrevistados sobre os imaginários a respeito das migrações transna-cionais ofertados pelos meios de comunicação, assim como suas proposições com vistas a um tratamento midiático orientado à cidadania das migrações nas sociedades contemporâneas. Os resultados selecionados para análise integram uma pesquisa mais ampla sobre recepção e migrações que forma parte do Programa Acadêmico de Cooperação Internacional Brasil-Espanha (cAPES-Brasil e MEC-Espanha), desenvolvido, entre 2004 e 2008, por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos (Brasil) e do Departamento de Comunicação Audiovisual e Publicidade da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha).

Palavras-chave: Migrações. Meios de comunicação. Recepção. Cidadania. Transnacionalismo.

Descritores: Emigração e Imigração. Emigração e Imigração - Porto Alegre (Brasil). Emigração e imigração - Barcelona (Espanha). Cidadania.


Origen del artículo

Aquí se presenta una parte de una investigación realizada entre los años 2004 y 2008, en el marco del Programa Académico de Cooperación Internacional Brasil-España (CAPES-MEC). Ésta es la versión revisada y ampliada del documento presentado en el grupo de trabajo "Recepción, usos y consumo de medios", para el xvii Encuentro de la Asociación de Programas de Posgrado en Comunicación (Compós) realizado en la Universidad Paulista (unip) de Sao Paulo, Brasil, en junio de 2008. El documento fue publicado en las memorias del evento.

Migrações, recepção e cidadania Contextualização metodológica da pesquisa

Esse artigo aborda parte dos resultados de uma pesquisa de recepção midiática relacionada à cidadania de migrantes latino-americanos e europeus nos contextos urbanos de Barcelona e Porto Alegre, concluída em 2008, no marco do Programa Acadêmico de Cooperação Internacional Brasil-Espanha (CAPES-MEC)1.

O objetivo mais amplo da pesquisa está orientado ao entendimento de como se constituem, entre migrantes latino-americanos e europeus, modalidades e dinâmicas de consumo e usos midiáticos vinculadas a seus processos de cidadania nos contextos das cidades de Barcelona e Porto Alegre. Articulada a esse eixo principal da recepção midiática, uma primeira dimensão específica da pesquisa concerne à análise do papel desempenhado pelas mídias na configuração de dinâmicas identitárias relacionadas à cidadania desses migrantes. Uma segunda dimensão da pesquisa, que aparece relacionada a essa primeira, diz respeito às operações de (re) atualização, por parte dos entrevistados, de imaginários midiáticos sobre as próprias migrações transnacionais e sobre os macros cenários políticos, econômicos e socioculturais de integração regional — Mercosul e União Européia - em que, na atualidade, se dinamizam e configuram essas migrações.

Com base na análise de alguns resultados das entrevistas, circunscrevemos esse artigo a um aspecto específico da recepção midiática que faz referência aos processos de apropriação e construção de sentidos sobre os imaginários das migrações midiatizadas por parte dos 140 migrantes latinoamericanos e europeus entrevistados em Barcelona e Porto Alegre. Incluímos, ainda, nessa análise, as proposições formuladas pelos entrevistados para um tratamento midiático que possa favorecer a cidadania das migrações contemporâneas.

Este artículo está elaborado con la colaboración de otras tres investigadoras del equipo del programa académico de cooperación internacional Brasil-España (UAB-Unisinos): la doctora Amparo Huertas, profesora de la Universidad Autónoma de Barcelona; Cristina Wulfhorst, estudiante de doctorado en el Centre for Cultural Research, University of Western Sidney, Australia; y Sara Losa, investigadora colaboradora de CEA y CONFAPEA en Barcelona.

Barcelona e Porto Alegre como cenários das migrações transnacionais

Desde os processos de colonização, Europa e América Latina mantiveram relações de natureza política, econômica, sociocultural e comunicacional. Nesse marco, se desenvolveram e se estreitaram, especialmente na última década, os vínculos nacionais entre Brasil e Espanha e, desde uma dimensão local, também se dinamizaram experiências concretas de cooperação entre Porto Alegre e Barcelona no campo das políticas públicas. As duas cidades têm se destacado ainda pelo pioneirismo na organização de eventos relacionados à cultura e sociedade. Porto Alegre foi sede de quatro edições do Fórum Social Mundial (2001, 2002, 2003 e 2005), ao passo que Barcelona sediou, em 2004, o Primeiro Fórum Universal das Culturas.

Os movimentos migratórios entre ambos países e cidades têm sido igualmente um dos pontos de conexão sociocultural, econômico e político, que, a exemplo dos demais, não têm sido, contudo, isento de conflitos. Durante a própria finalização da pesquisa, no início do ano de 2008, foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação os problemas enfrentados por migrantes e turistas brasileiros na entrada à Espanha e as circunstâncias similares vivenciadas, posteriormente, por espanhóis que tentavam ingressar no Brasil.

Ambas as cidades compartilham de uma significativa presença de migrantes, dentre os quais latino-americanos e europeus. Da população total de 1.605.602 habitantes registrados em Barcelona, capital da região da Catalunha, 64.874 procedem de outros países2. Porto Alegre, capital de Rio Grande do Sul - região situada ao Sul do Brasil -, possui uma população de 1.420.667

habitantes3dos quais, segundo registros censitários recentes, 39.249 são migrantes4. O perfil populacional de Barcelona começou a mudar de modo mais acentuado a partir do ano 2000. Conforme registram dados do Departamento de Estatística da Prefeitura local, em janeiro de 2006, os coletivos majoritários instalados na cidade procediam da Bolívia, Itália, Paquistão, China, Equador, Brasil, Peru, Colômbia, Marrocos, França e Argentina5.

Porto Alegre, por sua vez, e o estado do Rio Grande do Sul, de modo mais amplo, se constituíram em regiões de destino para europeus no século xix e início do século xx, especialmente de italianos e alemães, mas também de portugueses, poloneses e espanhóis6. A migração latino-americana para Porto Alegre é fruto da combinação de diferentes fatores e motivações, dentre os quais se situam os regimes ditatoriais e crises econômicas de países da América Sul, a fronteira terrestre com países da América do Sul, etc. Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai são os quatro principais países de procedência de migrantes de países latino-americanos para o Rio Grande do Sul, dos quais 40,7% se concentram na capital Porto Alegre.

Caracterização da amostra de migrantes entrevistados

Desenvolvemos, em Porto Alegre e Barcelona, uma pesquisa de caráter qualitativo, baseada em entrevistas em profundidade, que nos permitiu investigar uma amostra de 140 migrantes constituída a partir do cruzamento de quatro variáveis: país de nascimento7, sexo, idade e contexto urbano de convivência (Barcelona-cidade e região metropolitana de Porto Alegre8). Foram entrevistados migrantes de 17 países das duas regiões — América Latina e Europa - com presença migratória mais relevante nos dois contextos urbanos da pesquisa. Dentre os dez países latinoamericanos selecionados, estão Uruguai, Argentina, Chile, Equador, Peru, Paraguai, Colômbia, Bolívia, Brasil e Venezuela, e dentre os seis países europeus escolhidos, situam-se Alemanha, Itália, França, Inglaterra, Espanha, Portugal e Polônia.

A composição da amostra aparece sintetizada brevemente na tabela 1

As entrevistas estiveram centradas, inicialmente, nos motivos da migração e desejos de permanência e retorno de migrantes latino-americanos e europeus, em suas experiências identitárias e projetos de vida nos países de nascimento e migração, assim como sobre suas experiências de cidadania jurídica e "vivida". Para capturar essa perspectiva de cidadania, solicitamos aos próprios migrantes que definissem ou explicassem sua condição de cidadania, o que nos permitiu levantar de forma mais aberta e plural os limites jurídicos e institucionais assim como as experiência e percepções vivenciadas pelos entrevistados. Registramos um total de 25 termos distintos utilizados pelos migrantes entrevistados para a definição de suas atuais condições de cidadania9.

No âmbito específico da comunicação midiatica, buscamos construir um mapa de consumo e usos dos meios de comunicação por parte dos entrevistados, tanto nos países de nascimento quanto nos de migração, assim como conhecer suas percepções sobre o tratamento dado pelos meios de comunicação à migração em geral, ao migrante em particular e aos cidadãos de sua mesma nacionalidade. Por fim, exploramos o conhecimento e opinião dos entrevistados sobre a União Européia e Mercosul como espaços de integração midiatizados e não midiatizados, nos quais, dentre outras questões, são normatizados e gestionados os movimentos migratórios atuais.

Para o tratamento qualitativo das transcrições das entrevistas, nos valemos do suporte informático dos softwares spss e N*Vivo, que operaram como ferramentas facilitadoras do ordenamento, exploração e relacionamento dos dados empíricos obtidos. Em função do grande volume de informações disponíveis que resultou da transcrição das 140 entrevistas, o uso dos softwares facilitou o compartilhamento dos dados entre os pesquisadores brasileiros e espanhóis com vistas ao tratamento, análise e redação final da pesquisa.

Breve itinerário teórico da pesquisa

Desde uma perspectiva conceitual, recorremos às noções de subjetividade, redes sociais e processos transnacionais para, de forma interrelacionada, compreender o fenômeno das migrações contemporáneas. A subjetividade informa como essas migrações passam a se definir pela sua capacidade de portar e sintetizar uma pluralidade de posições, vínculos, relações, conflitos e disputas sociopolíticas, econômicas e culturais nas sociedades contemporâneas. Sem termos a pretensão de apagamento das causas "objetivas", da circunstâncias materiais e das relações de dominação e desigualdades que envolvem as experiências migratórias, entendemos que os deslocamentos culturais e hibridizações que resultam do exercício da subjetividade dos migrantes tornam possível afrontar uma visão sistêmica das migrações contemporâneas para afirmar os traços de turbulência e imprevisibilidade que as conformam na atualidade. (Mezzadra, 2005).

Como exemplo, podemos lembrar que a negação de subjetividade jurídica relacionada aos chamados processos de regularização das migrações nem sempre vem sendo vivenciada pelos migrantes como ausência de subjetividade política. Ao contrário, a carência de cidadania jurídica se torna, em alguns casos, propulsora de agenciamento político e de ações cidadãs ligadas à identidade coletiva das migrações. Exemplo são os movimentos dos chamados sem papéis em países europeus como França e Espanha, que se articulam, dentre outras formas, em torno de demandas em favor da denominada cidadania cosmopolita visando à universalização da cidadania social baseada em princípios universais pautados pela diversidade presente no espaço público para além da exclusividade de pertencimentos locais, regionais e nacionais (Held, 2005; Cortina, 2005; Suarez Navas, Pareja Maciá, Moreno García, 2007).

Por sua vez, a noção de redes sociais (Scherer-Warren, 1999) nos ajuda a situar as migrações atuais como resultado de um movimento de dinamização de redes migratórias que não se explica apenas como decorrência de metropolitana de Porto Alegre teve como objetivo principal a localização de outros perfis de migrantes, especialmente aqueles de crises econômicas, mas se compõe de um conjunto de laços sociais que vinculam, de modo, muitas vezes, transitórios e semi-formalizados, migrantes e não migrantes a diferentes sociedades e culturas, especialmente as de origem e as de destino. As redes, constituída por conexões familiares, relações de parentesco, vizinhança, amizade, trabalho ou simplesmente por interações baseadas em afeto, proximidade ou solidariedade, concorrem, ainda, desde uma perspectiva não sistêmica, para desencadear e dar suporte a muitos projetos migratórios.

Associado à perspectiva das redes sociais, o enfoque transnacional colabora para que possamos compreender como se estabelecem, por parte dos migrantes, múltiplas dinâmicas de interação de ordem familiar, econômica, social, organizacional, religiosa e política. Tais dinâmicas concorrem para ampliar e redimensionar espaços fronteiriços, colocando em relação o global e o local e enfatizando a emergência de processos sociais de intersecção geográfica, cultural, econômica e política (Sasaki, Assis, 2000, p. 13). As fronteiras podem ser entendidas, desde essa perspectiva, como resultados da combinação de dimensões ligadas à fluidez e porosidade com aquelas relacionadas a efeitos disciplinadores, sancionadores e transformadores. Ao oferecer uma síntese sobre a transnacionalismo, Suárez-Navas (2006, p. 60) afirma haver "indícios empíricos suficientes para suspeitar que os migrantes estão adotando uma 'nova' forma de integração que incorpora simultaneamente os países de origem e destino (e/ou todos aqueles que formem a rede migratória transnacional)".

A tessitura em redes ou as conexões, tão antigas quanto os próprios movimentos migratórios, não tem sido, contudo, o que necessariamente vem revestindo de outros contornos o fenômeno transnacional das migrações. São as transformações atuais nas comunicações e nos transportes que fomentam uma magnitude e densidade dessas redes e conexões transnacionais10, de acordo como o que vêm apontando pesquisas que, desde diferentes áreas, se dedicam ao estudo das relações entre migrações e tecnologias da comunicação11.

Relacionado a esse papel das tecnologias da comunicação, os processos midiáticos se tornam igualmente um conceito central da pesquisa aqui apresentada quando entendidos como aquelas dinâmicas de transformação que intervêm na constituição e conformação de relações e interações sociais que resultam da crescente e preponderante presença dos meios de comunicação na vida cotidiana. Partimos, assim, do reconhecimento de que as mídias operam, de forma crescente, como racionalidade produtora e organizadora de sentidos e, dessa forma, como instância configuradora da realidade social (Mata, 1999). Os processos midiáticos constituem-se, portanto, em uma dinâmica que opera como conformadora de imaginários sociais que emergem entrelaçados com a memória protagonizada pelos sujeitos, em nível coletivo e individual, colaborando para a constituição de diferentes modos materializados de produção e circulação dos meios de comunicação.

A compreensão de imaginário social, também eixo conceitual que colabora com nossa análise, nos remete a questões relacionadas ao caráter construído da realidade social, assim como à interpretação que fazem os atores do mundo em que vivem e os sentidos que outorgam às suas práticas sociais. Compartilhamos, nesse sentido, da proposição de Charles Taylor, quando sustenta que a conformação dos imaginários sociais não deriva de elementos explícita e teoricamente construídos, mas de referentes que aparecem como supostos e como imagens subjacentes aos nossos processos de interação, podendo ou não ser expressos verbalmente. Dentre esses elementos, situam-se as lendas, mitos, histórias, estereótipos, preconceitos e tradições, ideais e fins considerados adequados para orientar a vida social. Como patrimônio de grupos de pessoas, os imaginários sociais são capazes de gerar, entre seus partícipes, um sentimento de legitimidade amplamente compartilhado (Taylor, 2006; Girola, 2007). Agregamos a essa reflexão, a constatação de que a mídia constitui-se, na atualidade, como uma das principais instâncias a protagonizar e oferecer aportes à construção desses imaginários.

Estreitamente relacionada ao conceito de imaginário, nos interessa igualmente a noção de memória como um fenômeno coletivo e social que deriva de processos seletivos (conscientes ou inconscientes) de construção em que os sujeitos articulam transformações constantes na interação com os demais sujeitos e com o mundo, incluindo as tecnologias de comunicação. A memória configura-se como um elemento constituinte das identidades culturais, concebidas como processos plurais, instáveis e ambivalentes, na medida em que a memória permite processos permanentes de (re)articulações e (re) negociações identitárias intra e inter-individuais e coletivas (Bonin, 2006; Pollack, 1992). Em função de seu caráter subjetivo, a memória não é fixa, mas está em constante mutação como produto da compreensão de que "o tempo erosiona e debilita a lembrança" (Traverso, 2007, p. 22). Filtrada por conhecimentos adquiridos posteriormente, pela reflexão que segue o acontecimento, por experiências que se sobrepõem, se sucedem e modificam a recordação, a memória é concebida, assim, como uma dinâmica em permanente construção (Traverso, 2007).

A interrelação entre processos midiáticos e memória nos permite perceber o quanto as mídias se convertem em cenários cotidianos de reconhecimento social na medida em que se encarregam de construir, expressar, oferecer e selecionar imaginários sociais relacionados a modos de ser, a expectativas, a desejos, a temores, a esperanças que aparecem (re) construídos pela memória. O que nos sugere, segundo sintetiza Martín-Barbero (2005, p. 63), que nos meios de comunicação "não apenas se reproduzem ideologias, mas também se faz e se refaz a cultura das maiorias, não somente se comercializam formatos, mas recriam-se as narrativas nas quais se entrelaça o imaginário mercantil com a memória coletiva". É o que Traverso (2007, p. 13) enfatiza, em perspectiva similar, ao evidenciar o caráter político que assume a memória ao invadir o espaço público das sociedades ocidentais, fazendo com que o passado acompanhe o presente e se instale no imaginário coletivo "como uma 'memória' poderosamente amplificada pelos meios de comunicação, às vezes gestionadas pelos poderes públicos".

Para a análise das interações dos migrantes entrevistados com os processos midiáticos, assumimos, por fim, o ponto de vista das teorias da recepção, desde as quais os receptores das mídias são concebidos como protagonistas ativos na apropriação e usos dos sentidos midiáticos presentes em seu cotidiano. Trata-se de relações, conforme nossa percepção, atravessadas por dinâmicas permanentes de (re) construção e (re) negociação identitárias. Esse protagonismo midiático não nos leva a supor, entretanto, um poder irrestrito dos receptores frente às mídias, sobretudo se considerarmos as assimetrias que pautam a distribuição dos recursos comunicacionais em nossa sociedade. Como chama a atenção a pesquisadora Maria Cristina Mata (2001, p. 167), "a pluralidade de sentidos que se constroem nas interações cotidianas não pode se contrapor à unicidade do discurso massivo", coincidindo antecipadamente, segundo a autora, com o que Ien Ang formularia ao postular que "os públicos podem ser muito ativos de maneiras muito diversas e interpretar os meios, mas seria ingenuamente otimista confundir sua atividade com um poder específico".

A partir dessas perspectivas conceituais, nos interessa capturar a singularidade dos sentidos plurais sobre o(s) imaginário(s) das migrações midiatizadas que podem ser produzidos no marco do consumo e usos que fazem das mídias os migrantes entrevistados, tendo em vista a relevância que assumem os processos de midiatização das migrações na sociedade contemporânea.

Sem nos determos na interação dos migrantes com uma modalidade específica de conteúdo, produto ou formato midiático ou mesmo com um meio de comunicação em particular, nos centramos na análise das percepções gerais dos entrevistados como receptores de mídias. Ou seja, a recepção se define, desde esse ponto de vista, pela possibilidade dos migrantes estarem expostos a interações com uma multiplicidade de fluxos e tecnologias midiáticas (mídias, formatos, conteúdos, etc.) ofertados, a partir de uma perspectiva transnacional, desde distintos contextos e estruturas midiáticas e consumidas desde múltiplos e simultâneos cenários (universo familiar, telecentros, redes de migrantes, etc.).

As próprias entrevistas nos ofereceram evidências de que, como espaços de interação, as experiências de migração são geradoras de dinâmicas particulares de usos midiáticos que se caracterizam pela fluidez, transitoriedade e pluralidade. Características tributárias e conformadoras dos próprios padrões também fluidos e provisórios de mobilidade física e simbólica das dinâmicas migratórias, assim como de competências e padrões de acesso diferenciados e assimétricos que definem a condição dos migrantes como receptores de tecnologias da comunicação na contemporaneidade.

As especificidades temporais e espaciais para as quais convergem tanto os processos midiáticos como as dinâmicas migratórias na contemporaneidade concorrem, de forma decisiva, para produzir processos específicos de seleção e fixação da memória acerca dos imaginários das migrações construídos pelos meios de comunicação. No percurso das entrevistas, observamos como esses processos se evidenciam na maior ou menor dificuldade de alguns migrantes em lembrarem, seja de nomes de emissoras ou programas consumidos, seja de episódios recentes específicos que tematizam as migrações, ou mesmo de localizar a procedência de determinados produtos midiáticos consumidos, sobretudo aqueles no contexto da Internet. Assumem relevância, igualmente, os modos como os entrevistados tendem a não distinguir memórias ancoradas em experiências com as tecnologias da comunicação com aquelas não fundadas em uma materialidade midiática, como resultado do próprio entrelaçamento dessas duas instâncias comunicacionais — midiático e não midiático - na conformação dos imaginários sociais em seu cotidiano.

Na análise das entrevistas, buscamos, também, entender os possíveis desdobramentos dos sentidos sobre as migrações midiatizadas produzidos pelos entrevistados em torno do que postulamos como cidadania comunicativa (Mata, 2006). Cidadania que, ao se definir pela democratização do acesso e participação da sociedade na propriedade e distribuição dos recursos comunicacionais, pode produzir modalidades de participação dos migrantes na gestão de políticas plurais de representação pública de sua diversidade cultural. Na medida em que extrapola o nível das apropriações e leituras críticas individuais, essa participação pode derivar em intervenções, mais ou menos coletivas, visando seja ao agendamento e a um tratamento diferenciado das migrações pelos meios de comunicação, seja à produção e gestão de mídias próprias por migrantes, suas redes e organizações.

O exercício da cidadania comunicativa pelos migrantes pode contemplar, ainda, a inclusão na agenda dos meios de comunicação, do debate público sobre outras duas modalidades de cidadania que se referem à experiência transnacional das migrações contemporâneas: a cidadania intercultural e a cidadania cosmopolita. Concebemos a cidadania intercultural como aquela passível de ser construída a partir de um diálogo capaz de produzir um "lugar" ou uma "ética" que permita a combinação entre universalismos e particularismos, não se referindo unicamente à satisfação dos direitos que levam à igualdade, mas também àqueles que se reportam à diferença como componentes da democracia (Cortina, 2005; Sousa, 2006). Quanto à cidadania cosmopolita, compartilhamos das concepções que a definem como um projeto que se pauta pelo ideal de universalização da cidadania social através da criação de princípios universais e organizadores capazes de delimitarem e regerem a diversidade presente no espaço público para além da exclusividade de pertencimentos locais, regionais e nacionais (Held, 2005; Cortina, 2005).

Migrações, recepção e cidadania: percurso da análise empírica

Percepções dos migrantes sobre o imaginário midiático das migrações

No que se refere às percepções sobre o imaginário que aporta a mídia acerca das migrações contemporâneas, constatamos as repercussões do crescente protagonismo dos meios de comunicação como espaço de construção e oferta de memórias coletivas transnacionais das migrações. Em Barcelona e Porto Alegre, os entrevistados latino-americanos e europeus compartilham sentidos sobre a "criminalização" como imaginário midiático hegemônico sobre as migrações contemporâneas de não europeus, especialmente quando essas migrações aparecem associadas a problemas, conflitos e delinqüências. Ainda que esses imaginários tendam a assumir matizes locais como decorrência das especificidades do desenvolvimento das migrações e da estruturação dos próprios meios de comunicação nos dois contextos12 .

É o caso da memória predominante da chegada de migrantes em pateras e cayucos13 ao sul da Espanha expressa pelos migrantes latino-americanos e europeus entrevistados em Barcelona, a despeito de nenhum ter sido testemunho ocular desses episódios ou ter tido contato com algum migrante que o tenha protagonizado. Configuram-se como memórias produzidas e mantidas como resultado, sobretudo, das interações dos entrevistados com as tecnologias da comunicação, evidenciando a crescente preponderância da penetração dos meios de comunicação nas dinâmicas de rememoração de indivíduos e coletividades em substituição às suas vivências e relatos de participação direta na vida social (Thomson; Frisch; Hamilton, 2006, p. 90).

É o que podemos evidenciar da síntese formulada por Améli14 , de 27 anos, nascida na França e entrevistada em Barcelona, quando lembra, na contramão desse imaginário midiático hegemônico, que "la mayoría de la gente llega en avión y sin ningún problema para entrar en el país, pero siempre muestran imágenes porque la tele tiene que haber público y entonces tiene que haber modo de los pobres africanos que intentan saltar la valla15 ".16

O que não elimina, portanto, as possibilidades de apropriação crítica desse imaginário quando os entrevistados manifestam sua discordância com esse tipo de abordagem das migrações ou quando adotam um tom de reprovação ou de ironia na menção desse tipo de lembrança midiática. "No se, a diario, la patera que llegan a invadir entre comillas cuando en realidad este pais necesitara mano de obra extranjera", assinala Norma, 32 anos, nascida na Argentina. Ou, ainda, segundo destaca Sara, 53 anos, procedente da Alemanha: "Dan una imagen negativa. Hablando con gente de Algeciras, cuando vienen las pateras, lo que dicen es: 'lo que viene es la morralla', como lo peor".

Em Porto Alegre, essa "criminalização" aparece associada, na percepção dos entrevistados latino-americanos, a migrações de latinos, especialmente de brasileiros nos Estados Unisinos e em países europeus como Portugal e Espanha, colaborando, inclusive, para promover o que esses entrevistados avaliam como invisibilidade midiática das migrações oriundas da América Latina, conforme aparece explicitado, por exemplo, no testemunho de uma entrevistada nascida no Paraguai.

Uma vez eu escrevi pra Globo, eu tava falando, tava passando a novela, a da Sol17 , a imigração lá. É a mesma história da que eu vivi no Brasil. Eles estavam dando uma coisa, nos Estados Unidos, e não sabem que aqui é igual, sabe? Até eu mandei por e-mail pro Jornal Nacional18 . Eu escrevi lá, isso. E pra outro, pra outro programa, que mandei também. Porque eles só falam dos Estados Unidos e a gente vive aqui na América do Sul. Pra pegar um visto de permanência, a Polícia Federal foi às oito e meia na minha casa pra ver se realmente eu morava com o meu marido, se realmente eu casei por amor ou, ou casei só pra ficar aqui. (Lina, Porto Alegre, 30 anos, nascida no Paraguai)

A associação entre migração e pobreza é outra perspectiva que desponta, na memória dos migrantes, relacionada a esse imaginário de "criminalização" das migrações nos meios de comunicação. Vários entrevistados, sobretudo em Barcelona, expressam percepções críticas sobre a tendência de vitimação do migrante que decorre de uma midiatização que enfatiza a precariedade de suas condições de vida, de moradia e de trabalho, colaborando para unificar a heterogeneidade da experiência cultural das migrações e reduzir a uma perspectiva economicista a complexidade do fenômeno migratório. "Pobrecitos los inmigrantes" (Pedro, 35 anos, nascido no Chile) ou "El estilo de vida es del pobre, el pobrecitos" (Ramiro, 33 anos, nascido no Peru) são testemunhos que sintetizam visões dos entrevistados em Barcelona sobre construções midiáticas que concebem o migrante como "carente de ajuda", "em busca do trabalho que não encontra em seu país de nascimento" ou que freqüentemente "rouba o trabalho da população local".

Carência material, atraso, primitivismo, catástrofes, crise econômica e violência são os principais referentes de um repertório midiático que apontam, na concepção dos entrevistados latino-americanos em Barcelona e Porto Alegre, para imaginários que unificam seus países de procedência em torno de uma representação de América Latina "pelo déficit", "pelo que falta". Nesse aspecto, é possível distinguir, em Barcelona, um tipo de oferta midiática que é reconhecida como relacionada especificamente à migração latino-americana, uma vez que a "chegada massiva" e muita vezes "irregular" em pateras e cayucos não aparece associada aos latino-americanos, nos testemunhos de entrevistados de todas as nacionalidades, mas à migração de origem africana e, em muitos casos, à migração em geral.

Na perspectiva da nacionalidade, migrantes paraguaios coincidem em Barcelona e Porto Alegre sobre as repercussões, em sua vida cotidiana, de uma "criminalização" que costuma associar Paraguai e paraguaios à falsificação. Assim como os argentinos, rememoram, especificamente em Porto Alegre, episódios do agendamento midiático que, principalmente a partir da transmissão de futebol pela Rede Globo, (re) atualizam a rivalidade histórica entre argentinos e brasileiros. O que contrasta com as percepções de alguns migrantes nascidos na Argentina e entrevistados em Barcelona, em que um sentimento de proximidade cultural com a Europa e o "europeu" expresso em seus testemunhos, parece colaborar para o reconhecimento de um tratamento midiático distintivo e até mesmo socioculturalmente integrador dos argentinos em relação aos demais latino-americanos.

Por sua vez, os migrantes brasileiros em Barcelona refletem que certas essencializações culturais que, embora não os criminalizem a exemplo dos demais latino-americanos, reduzem sua experiência cultural a enquadramentos que privilegiam referentes simbólicos como o carnaval e a sexualidade para afirmarem, via esquema do "exotismo", um tipo de alteridade em relação aos Outros não migrantes e migrantes (Martín-Barbero, 1997).

Em ambos os contextos da pesquisa, os entrevistados manifestam que a demarcação da nacionalidade dos migrantes é preponderante para a "criminalização" das migrações pela mídia. "Si hay alguien que robó y es español no se dice, pero si hay alguien que es inmigrante aparece, el marroquí, el no sé qué, el gitano", expressa, a respeito disso, Herminia, de 48 anos, entrevistada em Barcelona e nascida no Chile19 .

No marco de especificidades das apropriações locais dos imaginários midiáticos, observamos que o que podemos denominar de "folclorização" das migrações de europeus nos meios de comunicação aparece rejeitada por entrevistados de origem européia em Barcelona. Os entrevistados criticam programas de televisão locais mais recentes que, embora não criminalizem os migrantes, priorizam as cozinhas étnicas ou essencializam a integração lingüística focalizando entrevistados de diferentes nacionalidades que dominam o idioma catalão20 . A esse respeito, Sara, migrante alemã de 53 anos, assinala que "siempre se entrevista a alemanes que hablan español con acento alemán, que tienen pinta de alemanes, que sus casas son alemana [...] Una se llama Úrsula, o Otto, o Fritz, y hacen patatas. Caray. Hay otro tipo de alemanes".

Impressões não compartilhadas, em Porto Alegre, por entrevistados nascidos em países como Alemanha e Itália, que tendem a estabelecer vínculos com imagens midiáticas similares que positivam a contribuição econômica e cultural, os valores como o trabalho e os sentidos como o de comunidade, relacionados, principalmente, a italianos e alemães que colonizaram o Brasil em séculos passados. O que sugere a permanência e atualização de uma memória que opera para afirmar o êxito das chamadas migrações históricas de matriz européia no contexto brasileiro21 .

"Mostram, tem vários programas bonitos [...] Fazem aquelas festas da imigração italiana e alemã. Mostra o folclore de cada país, a parte culinária, os tipos de comida que fazem, como é feita", destaca Roberto, 73 anos, nascido na Itália. Outra entrevistada, Yolanda, de 74 anos, nascida na Alemanha, lembra que: "Muita gente conseguiu viver bem aqui e também a influência da imigração alemã é notável, principalmente no sul, todas as firmas grandes, Renner, tem muitas, Gerdau, Volkswagen, são todas alemãs, então a influência foi muito grande".

O que, desde o ponto de vista da recepção, nos leva a refletir em que medida os meios de comunicação estariam, em certos casos, promovendo uma desestabilização da premissa da memória como obra aberta, em transformação permanente, para, de modo crescente, fixar e fazer permanecer determinados imaginários sobre as culturas migratórias. É o que observamos em relação, por exemplo, à "europeidade" no contexto de Porto Alegre, e o da "criminalização" em ambos os cenários da pesquisa22 .

Essa hegemonia dada pelos meios de comunicação à (re) invenção de uma memória sobre as migrações históricas de europeus incide no universo dos latino-americanos em Porto Alegre que, a exemplo de entrevistados nascidos na Europa, têm essa modalidade de migração como principal lembrança das migrações midiatizadas. Ao mesmo tempo, os migrantes procedentes da América Latina atribuem a essa hegemonia midiática da "europeidade" o que poderia ser definido como invisibilidade pública de uma "latino-americanidade" migratória em âmbito local e nacional. O que é criticado, por parte dos entrevistados, especialmente em Porto Alegre, por deixar de potencializar, no contexto urbano, dinâmicas de cidadania relacionadas, por exemplo, à obtenção de regularização jurídica ou a processos comunicacionais de encontro e sociabilidade das migrações oriundas da América Latina.

Contudo, também em Porto Alegre, entre entrevistados nascidos na Europa, as apropriações sobre as migrações históricas midiatizadas assumem matizes críticos em torno de sua mitificação e/ou "folclorização", especialmente entre portugueses e espanhóis. Trata-se de duas nacionalidades, cuja presença periférica no agendamento dos meios de comunicação pode estar relacionada a uma trajetória histórica distinta na constituição da nação brasileira e à própria conformação dos imaginários sociais derivados desse processo. Converge, nesse sentido, para o que García-Canclini (1999) observa sobre a opção, na América Latina, por um modelo de modernização que priorizou os alemães aos portugueses, assim como os ingleses e os franceses em detrimento dos espanhóis. O mesmo entrevistado que, em Porto Alegre, usa o exemplos dos italianos para manifestar concordância com um imaginário midiático que "valoriza o migrante europeu"23 , posiciona-se desde sua nacionalidade, quando lembra que "se fala mais da Europa de alemães e italianos e pouco da Europa de portugueses e espanhóis" (Alan, 83 anos, nascido em Portugal). Outro entrevistado espanhol, também em Porto Alegre, remete ao exemplo da migração italiana para refletir sobre a midiatização que mitifica uma memória do passado para afirmar o êxito da migração européia no Sul do Brasil. "É uma coisa, às vezes, meio fantasiosa. Eles não são mais italianos, né? Eles são brasileiros" (Matias, 46 anos, nascido na Espanha).

Cidadania comunicativa e humanização do imaginários midiáticos das migrações

Experiências pessoais de comunicação midiatizada e não midiatizada, relacionada tanto às vivências migratórias como aos vínculos anteriores e atuais com os países de nascimento, concorrem para que a maioria dos latino-americanos entrevistados não se auto-reconheçam e relativizem imaginários midiáticos que tendem a afirmar uma memória das migrações contemporâneas associada à "criminalização" e à pobreza. A experiência como alvo de reiteradas correspondências de um banco espanhol com ofertas para remessas de dinheiro ao seu país de nascimento - para onde nunca enviou, mas sim de onde, sempre recebeu recursos - é útil para que Ramiro, 33 anos, nascido no Peru, (re) afirme sua visão sobre a impossibilidade de uma concepção unificada sobre a migração pretendida pelos meios de comunicação24 .

Na perspectiva de uma pluralização de um imaginário das migrações contemporâneas, as formulações dos entrevistados em Barcelona e Porto Alegre se desdobram em proposições para a humanização do tratamento das migrações pelos meios de comunicação no marco do que denominamos de propostas de cidadania comunicativa. Algumas delas se traduzem em demandas no âmbito da regulação jurídica das migrações como, em Porto Alegre, onde os latino-americanos enfatizam o papel cidadão que poderia ser assumido pela mídia no agendamento público das mudanças propostas para uma nova lei de imigração no Brasil no âmbito das lutas lideradas pelos movimentos sociais25 . As questões relacionadas à chamada "legalidade" ou "clandestinidade" dos estrangeiros não se reduziria a uma abordagem jurídica, mas assumiria um caráter de experiência vivida, segundo propõem, em ambos os contextos, os entrevistados procedentes da América Latina quando se trata dos processos de midiatização da cidadania dos migrantes.

Constatamos, contudo, que algumas das proposições para humanização do tratamento das migrações não apontam para um deslocamento de alguns dos sentidos das migrações midiatizadas reconhecidos pelos próprios migrantes como hegemônicos. Reafirmam, ao contrário, a adequação de um imaginário enaltecedor do êxito econômico e do legado cultural das migrações européias, segundo a visão de migrantes procedentes de países da Europa e entrevistados em Porto Alegre. Já, entre alguns latino-americanos, parte das proposições cidadãs, nos dois contextos da pesquisa, aparecem conformadas por testemunhos dos migrantes demarcadas pela busca da essência e de um retorno às raízes e tradições culturais.

Os entrevistados, contudo, filiam-se, de modo significativo, em ambos os cenários de investigação, à exigência de deslocar os sentidos de "criminalização" hegemônicos e pluralizar os imaginários midiáticos sobre as migrações. Destacam, em seus testemunhos, três perspectivas a serem assumidas como pauta dessa visibilidade pública das migrações transnacionais: os motivos da migração (para além do econômico), o cotidiano dos migrantes e a diversidade cultural de que são portadoras as migrações na atualidade26 .

A perspectiva subjetiva do biográfico, de relato de histórias de vida do ponto de vista das vozes dos próprios migrantes, é a estratégia narrativa que emerge nos testemunhos dos entrevistados, especialmente dos latino-americanos em Barcelona e Porto Alegre, para a conformação da mídia como espaço de visibilidade e interação comunicacionais dos migrantes pautado nessas três perspectivas anteriores. Alguns partem de suas próprias experiências socioculturais, como migrantes, ou ainda, de algumas vivências midiáticas como entrevistados pelos meios de comunicação ou mesmo como produtores de mídias para proporem essa humanização pelo biográfico.

Mostrar mi experiencia, como inmigrante, pues, sí, mostrar mi experiencia, porque tampoco puedo hablar de algo que no se, no, hablar de lo que yo he vivido y de lo que he pasado al llegar acá. (Julio, Barcelona, 27 anos, nascido no Peru).

Mira, yo hace un año, empecé a tratar de producir un documental, y bueno lo tengo ahí, esperando un mejor momento de económico, que era un documental sobre cultura e inmigración. Las estatuas en las Ramblas, la gente que hace estatuas en las Razmblas27 , que la mayoría son argentinos, la mayoría son sudamericanos. Yo creo que uno de los aspectos a remarcar, podría ser esa., ese deseo de llevar adelante lo de uno. ¿No? Que no encuentra límites, que uno le cuesta dejar de seguir adelante con su idea, con su sueño ¿no ? (Hilário, Barcelona, 55 anos, nascido na Argentina).

Em Porto Alegre, os entrevistados parecem reivindicar, ainda, por uma visibilidade midiática que não se configure simplesmente como uma política de representação pública das culturas latinoamericanas, mas que contribua para que os meios de comunicação dinamizem ou colaborem na criação de espaços comunicacionais de interação social entre os latino-americanos no cenário urbano. Espaços como os relacionados ao esforço de um (ainda não concretizado) projeto de rádio comunitária por migrantes latino-americanos, segundo recorda Bea, migrante chilena, de 50 anos. Ou, ainda, espaços de sociabilidade comunicacionais-midiáticos já experimentados, seja no âmbito das celebrações e festas promovida pselo CIBAI-Migrações28 , seja no contexto das redes informais de sociabilidade de migrantes, conforme relata Mauro acerca dos intercâmbios vivenciados bar onde atua como garçom em Porto Alegre.

Como têm vários uruguaios aqui, e a gente tem muita coisa uruguaia, bebidas, comidas. O público nosso, a maioria já sabe: Uruguai, por isso chega ao bar. Então, é uma constante troca de comunicação, de novidade, de noticias tanto eles que nos vêm dizer, como também nos perguntam. Pelo menos eu estou bem comunicado, tenho a certeza de poder lhes repassar, de lhes comentar. (Mauro, 27 anos, nascido no Uruguai)

Considerações finais

O itinerário de análise apresentado nesse artigo nos possibilita retomar duas das principais perspectivas que, de modo inter-relacionado, despontam dos resultados da pesquisa em torno das interfaces entre meios de comunicação, recepção e cidadania das migrações transnacionais. Uma primeira perspectiva diz respeito ao reconhecimento, por parte dos migrantes entrevistados, em Barcelona e Porto Alegre, da necessidade de deslocamento e pluralização da hegemonia pública exercida pelos imaginários de "criminalização" e "pobreza" como resultado do protagonismo dos meios de comunicação na construção e oferta de imaginários transnacionais das migrações contemporâneas, especialmente as não europeias que vão se fixando, em certa medida, como memória coletiva dessas migrações na contemporaneidade.

Podemos dizer que, desde essa perspectiva, os migrantes desenvolvem percepções sobre o quanto esses imaginários repercutem nos seus processos cotidianos de cidadania assim como na formulação de políticas sobre as migrações transnacionais por governos e instituições. O que é capaz de mobilizar, entre os entrevistados, diferentes propostas voltadas à humanização do tratamento das migrações, especialmente latino-americanas, pelos meios de comunicação. Essa segunda perspectiva, em torno do que designamos como cidadania comunicativa, aparece sintetizada em proposições que, desde distintas matizes locais, emergem dostestemunhos dos migrantes latino-americanos e europeus como alternativas a uma visibilidade midiática das migrações transnacionais que não se configure simplesmente como uma política a mais de representação pública das culturas e etnias, mas que contribua para que os meios de comunicação dinamizem e colaborem para a produção efetiva de espaços comunicacionais de interação social das migrações no cenário urbano.


1. O Programa abrangeu, além de pesquisa, atividades de cooperação acadêmica no âmbito da docência e extensão no período de 2004-2008.

2. Datos del Departamento de Estadística. Ayuntamiento de Barcelona, 2006. Recuperado: 4 de julho de 2008.

3. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008).

4. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008). È necessário lembrar que as estatísticas dos organismos oficiais costumam subestimar a presença de migrantes não regularizados.

5. Dados do Departamento de Estatística. Ayuntamiento de Barcelona, 2006.

6. Essa especificidade dos movimentos migratórios em cada contexto repercutiu, por exemplo, na dificuldade de localizarmos migrantes europeus nascidos no Brasil para compor a amostra de entrevistados em Porto Alegre, a despeito da significativa presença de descendentes de migrantes oriundos de alguns países da Europa.

7 .Optamos pelo uso do termo "país de nascimento" e não "país de origem" ou "nacionalidade" para definir os vínculos dos migrantes com seus lugares de procedência por permitir evidenciar simbolicamente as diferentes percepções e estratégias de negociações identitárias que derivam das experiências migratórias dos entrevistados relacionadas aos seus pertencimentos e experiências transnacionais. O termo "país de nascimento" possibilitou, ainda, não diluir a dupla nacionalidade jurídica de que são portadores alguns dos entrevistados.

8. Na amostra final de 70 entrevistados de Porto Alegre, os migrantes estabelecidos na capital totalizaram 46 entrevistados, e 24 em outras oito cidades da área metropolitana da cidade. A ampliação da amostra para a região metropilitana de Porto Alegre teve como objetivo principal a localização de outros perfis de migrantes, especialmente aqueles de origem européia que, por dinâmicas migratórias históricas, tendem a se instalar predominantemente em outras cidades que não Porto Alegre, como Novo Hamburgo e São Leopoldo.

9. Dentre os termos, estão visto de turista, naturalizado, residência, ilegal, visto permanente, regularizado, irregular, visto temporário, em processo de tramitação, visto de trabalho, permiso de estância, cartera de estância, cidadania da União Européia, etc. Essa questão vem, aliás, merecendo uma série de debates, em âmbito acadêmico e social, como resultado dos conflitos e disputas discursivas de natureza política, econômica e cultural que, no campo das migrações, cercam nomeações, de caráter ou não jurídico, como a de ilegal, indocumentado, clandestino, irregular, etc. No âmbito das mídias, muitas dessas terminologias compõem um campo semântico da cobertura das migrações que são freqüentemente cunhadas e reiteradas para afirmar a associação entre migrações e cultura da violência (migração como problema, conflito, criminalidade, etc.).

10. O que não significa pressupor nenhuma analogia direta e exclusiva entre movimentos migratórios transnacionais e redes sociais transnacionais.

11. Na perspectiva dos usos das tecnologias da comunicação pelos migrantes, destacam-se as pesquisas de Peñaranda Cólera (2008) e Huertas Varela (2008).

12 . Imaginário, vale destacar, evidenciado com mais ênfase entre os entrevistados de Barcelona.

13 . Pateras são pequenas embarcações que transportam migrantes desde países africanos, como Marrocos, para a costa espanhola, amplamente focalizadas na cobertura midiática sobre as migrações nos últimos anos. A partir de 2006, embarcações com maior capacidade, os cayucos, são foco do mesmo tipo de agendamento ao serem usados no transporte de migrantes oriundos de países da África Subsahariana, como Senegal e Mauritânia.

14 . Por questões éticas, empregamos outros nomes na identificação dos entrevistados.

15 . Vallas são cercas instaladas pelo governo espanhol que separam a fronteira entre sul da Espanha e Marrocos.

16 . Optamos por manter em espanhol e português as citações extraídas dos testemunhos dos migrantes entrevistados, respeitando, assim, o idioma que utilizaram nas entrevistas. Os testemunhos em portunhol, (híbrido do português com o espanhol), utilizados especialmente por alguns entrevistados em Porto Alegre, foram traduzidos para o português com o objetivo de facilitar a leitura.

17 . A entrevistada refere-se à telenovela América, produzida pela Rede Globo e exibida no Brasil em 2005 no horário das 21h.

18 . Telejornal de maior audiência da Rede Globo.

19 . Embora a entrevistada faça questão de complementar que isso não se restringe aos meios de comunicação, mas se estenda a outras esferas da vida social.

20 . O catalão é o idioma oficial em Barcelona e na região da Catalunha, sendo regido por um conjunto de medidas normativas de "proteção" que inclui instituições como a escola e os próprios meios de comunicação.

21 . Sobre essa abordagem - das migrações históricas na mídia brasileira. Ver Cogo, 2006.

22 . Uma defesa da memória como obra aberta pode ser encontrada em Traverso, 2007.

23 . O testemunho foi mencionado em detalhes anteriormente, na p. 18.

24 . O entrevistado relatou receber recursos do Peru para financiar um curso de mestrado em Barcelona.

25 . Em vigor no Brasil, a Lei do Estrangeiro foi elaborada durante a ditadura militar e moldada com base na Doutrina de Segurança Nacional. A lei proíbe, dentre outros, a organização e manifestação política, restringe o exercício de atividades remuneradas e burocratiza o processo de legalização dos não brasileiros.

26 . Diversidade cultural entendida tanto como a que constitui os países de nascimento como a que conforma o latino-americano para definir uma presença migratória entendida como heterogeneidade.

27 . Boulevard central e um dos principais pontos tutísticos da cidade Barcelona

28 . Organização confessional de apoio às migrações com sede no centro de Porto Alegre, o CIBAI-Migrações se orienta ao desenvolvimento de ações de cunho social, cultural e jurídico dos migrantes. Produz, ainda, mídias orientadas às populações migrantes como o boletim Família da Pompéia, editado em português, espanhol e italiano (mencionadas, inclusive, por alguns de nossos entrevistados em Porto Alegre).


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