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Signo y Pensamiento

Print version ISSN 0120-4823

Signo pensam. vol.30 no.59 Bogotá Jul./Dec. 2011

 

A metodologia nos processos midiáticos

La metodología en los procesos mediáticos

Methodology in Media Processes

PEDRO GILBERTO GOMES S. J. *

* Pedro Gilberto Gomes S. J. Brasileiro. Nasceu em Blumenau, Santa Catarina, Brasil. é sacerdote jesuíta, doutor em ciências da comunicação pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade Unisinos, de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Exerce também o cargo de Pró-Reitor Acadêmico e Diretor da Editora da mesma Universidade. é autor de mais de uma dezena de obras sobre comunicação, com destaque para: Da Igreja Eletrônica à Sociedade em Midiatização (São Paulo: Paulinas, 2010).. E-mail: pgomes@unisinos.br.

Recibido: Enero 11 de 2011 Aceptado: Marzo 24, 2011

Receibido: Janeiro 11 de 2011 Aceito: Março 24, 2011

Submission Date: January 11th, 2011 Acceptance Date: March 24th, 2011


Um grande desafio que temos hoje é a definição e o estabelecimento do objeto da comunicação. Este texto pretende discutir tanto a questão do objeto quando da metodologia nos processos mediáticos. Dizemos que o objeto precede ao método. Não podemos escolher um método se não se coñéese o objeto. Para isso realiza um pequeno recorrido sobre o problema do método nas ciencias sociais e sua relação com o objeto. A importância dessa discussão no âmbito da comunicação está relacionada com o problema de, ainda hoje não se ter clareza sobre qual seja o objeto da comunicação. Com a emergência dos processos midiáticos, somos chamados a relacionar os macros e os micro-fenômenos sociais.

Palavras-chave: Método, objeto, metodologia, processos midiáticos, midiatização.

Descriptores: Metodologia em Ciências Sociais, Comunicação Social, Comunicação Social.


Un gran desafío que vivimos hoy día es la definición y el establecimiento del objeto de la comunicación. Este texto pretende discutir tanto la cuestión del objeto cuanto de la metodología en los procesos mediáticos. Decimos que el objeto precede al método. No podemos elegir un método si no se conoce el objeto. Para eso hace un pequeño recurrido sobre el problema del método en las ciencias sociales y su relación con el objeto. La importancia de esta discusión en el ámbito de la comunicación está relacionada al problema de, todavía hoy, no hay claridad sobre cuál sea el objeto de la comunicación. Con la emergencia de los procesos mediáticos, estamos llamados a relacionar los macro y los micros fenómenos sociales.

Palabras clave: Método, objeto, metodología, procesos mediáticos, mediatización.

Descriptores: Metodología en ciencias sociales, Comunicación social, Medios de comunicación de masas.


A major challenge we live in today is the definition and establishment of communication object. This paper aims to discuss the issue both as object of the methodology in media processes. We say that the object precedes the method. We can not choose a method if the object is unknown. That takes a little appealed on the issue of method in social sciences and their relationship with the object. The importance of this discussion in the field of communication is related to the problem of today still no clarity about which is the subject of communication. With the emergence of media processes, are called to relate the macro and micro social phenomena.

Keywords: Method, object, methodology, media processes, media coverage.

Search Tags: Journalism, scientific -- 21th century, Science and technology, Science popularization, Journalists.


Origen del artículo

Este texto es resultado de un trabajo de reflexión que se viene realizando dentro de la línea de investigación de Mediatización y procesos sociales, del programa de Posgrado en Ciencias de la Comunicación de la Universidad Unisinos, de San Leopoldo, Brasil. La reflexión es socializada en las aulas donde se dicta el doctorado, y es sometida a la discusión y el perfeccionamiento por parte de los alumnos.


Quando decidimos um objeto de estudo, temos em geral uma ideia do que se pode tirar dele. O objeto nos comunica alguma coisa, mesmo que seja bastante superficial. Porém, as visões sobre determinados objetos podem variar, de um método para outro. Apesar de o objeto dizer alguma coisa, o método é a leitura que se faz desse objeto, estando intrinsecamente ligado a qualquer resultado da pesquisa.

Na questão do método e sua relação com o objeto, a posição de Emerich Coreth1 ganha relevância. Afirma ele:

Visto que é essencial a toda ciência não só que se desenvolva metodicamente, mas também que ela esteja certa da correção de seu método, o resultado do conhecimento científico fica mediado pelo método.

Do mesmo modo que um método inicial falso, inadaptado à matéria, afasta-nos da própria realidade e nos induz ao erro, um método acertado, adaptado à natureza de que se trata, é o caminho que nos leva ao núcleo da questão, à sua própria peculiaridade2.

Claro que, nesta perspectiva, ponto crucial reside na determinação do método, a partir do conhecimento do objeto. Por isso, Coreth precisa:

O método de uma ciência não pode ser determinado de uma maneira formal e abstrata independentemente de seu conteúdo. Pelo contrário, deve proceder do conteúdo e se legitima em razão do conteúdo. Deve justificar-se como método apropriado à matéria de que se trata partindo do objeto3.

Os problemas com métodos e objetos, acabam se tornando complicados, principalmente quando tentamos achar um método uno para qualquer objeto. Como propõe Popper, que tenta aplicar os critérios de falseabilidade a qualquer teoria independente de sua área. Seguindo o que ele nos diz, tanto no estudo sobre o átomo quanto sobre a psicanálise, o método de verificação de falseabilidade seria o mesmo. Popper descartava a psicanálise como uma teoria válida, pois não esta teria como comprovar, com objetividade científica, suas teorias4.

Partindo para as ciências sociais, temos um novo bloco de problemas para se pensar. Seria possível utilizar o mesmo método nas ciências naturais e nas ciências sociais ? Segundo os empiristas lógicos, isso é possível. Eles defendiam uma especulação no campo das ciências sociais, igual ao das ciências naturais. Ou seja, aplicar empiricamente as teorias sociais, para poder a partir dos resultados fazer uma comprovação científica. Essa ideia mostra a tentativa de seguir um método único para qualquer objeto5.

Entretanto, é importante que, mudando o objeto, haja também uma mudança de método, visto que o objeto nos dá algumas indicações de como trabalhar com ele. Está claro que, dentro da psicanálise, por exemplo, não se pode utilizar o mesmo método que o da química, sendo que o objeto de um é diferente do outro. As tentativas de aplicação de uma verificação das teorias de forma padrão visam à eliminação de erros. Todavia, o objeto de estudo da psicanálise ou das ciências sociais, refletem sobre os seres humanos. Para o estudo dessas áreas, é necessário ter um conceito (ou um esboço disso) sobre o que seria o ser humano. O objeto da psicanálise é o homem, de forma que à medida que ela se desenvolve, cria-se uma teoria sobre o que é homem. De qualquer forma, a psicanálise tem um método para esse objeto, como os outros descobrem da psicologia também.

Focando-se nas ciências sociais, essa problemática metodológica já rendeu discussões. Existem correntes que defendem um monismo metodológico, que assim como os empiristas lógicos, pensam ser o método científico apenas um e é necessário usar esse método para qualquer pesquisa com pretensões científicas. O monismo critica as ciências sociais por sua multiplicidade metodológica, sem se chegar a um "acordo" sobre um método adequado e que forneça dados corretos.

Outras visões existem, também, sobre essa questão metodológica nas ciências sociais. Alguns teóricos adotam uma atitude de conformismo com essa polifonia das ciências sociais, afirmando que o termo ciência, quando aplicado a essa área, adquire outra conotação, divergente das ciências naturais, não sendo adequado perguntar sobre sua aplicabilidade empírica. Todavia, essa forma de pensar as ciências sociais, com um pluralismo metodológico é semelhante à concepção científica de Kuhn. Esse em suas primeiras obras acaba questionando a veracidade científica6, mostrando haver aspectos variados que determinam a ciência, como questões sociais, psicológicas e até mesmo religiosas. Chega assim a aproximar a ciência aos experimentos psicológicos da Gestalt, que apresentando várias imagens abstraías para diversas pessoas, cada uma via algo diferente e, até, divergente. Assim, os objetos da ciência seriam vistos de forma diferentes, de um paradigma para outro. Existe, em Kuhn, uma mutação de métodos dentro da ciência.

No âmbito do estudo dos fenômenos sociais, alguns afirmam que o seu objeto é um conjunto de particularidades reunidas. Podemos pensar que é a vontade dos particulares que determina as ações do conjunto. Outros veem no conjunto algo que transcende aos indivíduos particulares, criando um movimento de grupo distinto. Esses são dois métodos para se contemplar o mesmo objeto. Quando se trata dos fenômenos sociais, uma mera observação de atitudes práticas não corresponde ao todo. Todavia, a discussão entre os holistas e os individualistas não teve um fechamento. Dentre muitos sociólogos, se encontram defensores do holismo ou do individualismo7.

A problemática metodológica, desse modo, é algo que afeta todas as áreas, principalmente as humanas. Pois o objeto delas, como vimos, é divergente do objeto das ciências naturais. De qualquer forma, as ciências sociais apresentam outra forma científica, com métodos não tão rígidos quanto às ciências naturais. Porém não deixam de serem ciências, todavia com uma conotação que as difere das demais. Nas ciências sociais, o objeto não pode passar por testes que podem ser calculados com fórmulas matemáticas, ou previsões físicas. O objeto das ciências sociais é o homem em grupo, talvez devendo até mesmo relativizar essa definição de objeto. O cientista social é uma subjetividade estudando outras subjetividades, com todas as problemáticas e dificuldades que isso acarreta.

É nessa perspectiva que surge com muita força a discussão sobre o estatuto da comunicação como ciência. Este texto, na sua provisoriedade, pretende refletir sobre a questão da metodologia a ser utilizada na pesquisa sobre os processos midiáticos. Afirmamos que o texto é provisório porque o caminho não está dado, mas necessita ser construído a partir do objeto que se encontrar o percurso.

Retomando o que se afirmou acima, na tradição da pesquisa, a partir da diferenciação ocorrida nos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX (quando até aquele momento se falava em "ciências do espírito e ciências morais") começou-se a considerar que havia as ciências duras e as ciências sociais.

Tendo-se em conta que, no início, a filosofia estava na base de tudo, o estatuto científico de cada campo estruturou-se de maneira peculiar. Se aceita que algumas teorias sejam científicas e outras filosóficas. As assim chamadas ciências sociais, em contraste com as ciências duras, viram-se na obrigação de fundamentar as sua condição de ciências. Dentro das especulações científicas, as ciências sociais se encontram numa posição delicada. Seu estatuto se opõe às ciências naturais assumindo assim outra roupagem científica, às vezes até não considerada ciência.

Alguns autores (... ) sustentaram que a falência das investigações sociais se deve à falta de aplicação de um método realmente científico para levá-las a cabo8.

O método exigido não é outro que o utilizado pelas ciências naturais. Esses autores perfilam-se no que se pode chamar de monismo metodológico, pois postulam a existência de um único método geral de investigação para todas as ciências fáticas, aplicado tanto ao estudo dos fenômenos naturais quanto aos sociais9.

Os monistas metodológicos afirmam que o problema das ciências sociais é a falta de um método mais próximo das ciências naturais. Eles buscam um método homogêneo para o estudo das ciências naturais e das ciências sociais. Apesar de suas diferenças, o monismo se aproxima do que se pode chamar de naturalismo metodológico, corrente que defende o método das ciências naturais como o único científico.

No posicionamento do pluralismo metodológico, defende-se que as ciências sociais constituem um objeto de estudo diferente e, como tal, o método aplicado para sua interpretação não deve exigir uma rigidez empírica para a comprovação de suas teorias.

Quando se estuda o fenômeno social, focalizase a atenção para determinado grupo, como uma classe social, uma tribo, uma sociedade ou, talvez, um conjunto de significações. Entretanto, uma questão simples, mas profunda, surge quando se estuda esse objeto chamado sociedade. Além das perguntas sobre um método adequado para estudar os fenômenos sociais, indaga-se: afinal, o que é um fenômeno social? é simplesmente um conjunto de indivíduos compactuando simultaneamente? Ou o agrupamento dos seres humanos cria uma unidade, uma entidade?

Mas, o que se espera de uma ciência que estuda algo tão comum, diário e complexo como os processos sociais? Essas e outras questões acabam surgindo, quando nos debruçamos com um olhar científico sobre os fenômenos estudados pelas ciências sociais. Ela abrange uma grande área de especulação intelectual, que vai da psicologia social até a geografia, passando pela comunicação social. Essas questões levantam vários debates dentro das próprias ciências sociais, gerando uma multiplicidade de posicionamentos a esse respeito.

Para dar conta dessas questões, surgem duas posturas dentro das ciências sociais. Uma que pensa ser o conjunto um resultado da vontade de várias subjetividades distintas, valorizando, assim, a vontade dos indivíduos acima dos grupos sociais. Outra corrente pensa ser esse aglomerado algo diferente dos indivíduos. Defende que o conjunto social constitui uma autonomia, cria uma direção própria. Essa é a posição que opõe holistas e individualistas. Para esses, os fatos sociais são um agregado formado pelas ações, atitudes e demais circunstâncias correspondentes às pessoas que tomam parte neles10. Isto é, somente os indivíduos e suas condutas são reais. Os grupos, instituições ou ações coletivas são uma espécie de ficção, mesmo que útil para expressar e organizar o nosso conhecimento.

Os partidários do holismo, ao contrário, enfatizam o papel das entidades coletivas: um exército ou uma batalha não são meros agregados artificiais. Se pode dizer que são reais; e constituem o tipo de objetos que deve reconhecer o cientista social11.

O estilhaçamento do conjunto macrossocial em fenômenos microssociais criaria um fracionamento das conclusões teóricas. Sendo o conjunto social complicado e sistêmico, é impossível ser percebido por um estudo das molecularidades da sociedade. Para os holistas, é necessário observar o todo para poder compreender o fenômeno social na sua totalidade.

A discussão parece deslocar-se do campo científico para o campo filosófico, numa dimensão ontológica. Existe, contudo, a suposição de que as discussões científicas podem ser solucionadas de outra maneira, pois,

no âmbito das ciências sociais, a discussão entre individualistas e holistas transcende os aspectos puramente filosóficos e se projeta como uma questão fundamental para o estabelecimento do método investigativo. Nesse caso, a decisão que se adotar determinará, por exemplo, o tipo de leis e a classe de explicações que serão aceitas como válidas12.

Isso implica que o individualista vinculará as explicações a partir de condutas individuais e observáveis. Essa decomposição dos macrofenômenos foi extremamente proveitosa, como o demonstra a história das ciências. Todavia, tal situação não exclui que, em certas situações, esse tipo de redução não atinja seus objetivos e as propriedades dos macrofenômenos careçam de uma explicação em termos de seus microcomponentes13. Uma dessas situações é constituída pela sociedade em midiatização contemporânea.

Aqui se perfilam os holistas na sua abordagem científica dos fenômenos sociais.

(Eles) assinalam, precisamente, a emergência dos fenômenos sociais com respeito aos indivíduos e suas ações singulares. O conceito de emergência alude (... ) ao surgimento de um estrato da realidade, de um nível de fatos em certa medida autônomos, regido por seu próprio modo de funcionamento, que não se poderia deduzir do conhecimento de seus componentes14.

Nesse comedido, para poder dialogar com o mundo científico, as ciências sociais encetaram a tarefa de precisar seu objeto de estudo e a metodologia adequada para abordá-lo. No processo, enfatizaram o caráter de ciência do seu campo, ao lado da distinção frente às ciências duras. Um refinamento no segmento das ciências sociais trouxe à baila a diferenciação entre ciências humanas e ciências sociais aplicadas.

A comunicação, tanto pelos critérios da CAPES quanto do CNPq, ocupou (e ocupa) o seu espaço entre as ciências sociais aplicadas. é nesse segmento específico que os pesquisadores da comunicação encontram guarida e suporte para as suas reflexões e pesquisas.

Entretanto, o trabalho desses pesquisadores (com mais de 50 anos de atuação no Brasil) padece de ambiguidades. O que distingue as pesquisas e projetos oriundos dos diversos Programas de PósGraduação em Comunicação no Brasil?

Os veículos de comunicação podem ser analisados desde o seu estatuto e natureza tecnológica. Mas, qual a diferença entre essas análises e aquelas que são realizadas na área da informática, quando se fala de Tecnologias da Informação e Comunicação?

Para não caírem na armadilha do dispositivo tecnológico, as investigações se voltam para os conteúdos dos produtos veiculados, detectando os vieses ideológicos e manipuladores. Mas, qual a especificidade afirmada frente à educação, à história, à sociologia, à política e à economia, por exemplo? Pode-se argumentar que o que determina o diferencial é o enfoque. Qual é, entretanto, o enfoque peculiar da comunicação?

Outros enveredam pelo caminho do género e das áreas, Nesse caso, como tratar questões como a do marketing e da propaganda reivindicados pela administração e politica?

Um terceiro caminho, para além do conteúdo, direciona-se para a estrutura do texto, com ênfase nos aspectos semióticos e semiológicos. O que o distingue dos trabalhos realizados nas Letras e na Lingüística?

Como se pode notar, o trabalho e a pesquisa na área da comunicação não é uma empreitada fácil. Necessário se faz mergulhar nos subterrâneos do que acontece na sociedade contemporânea para encontrar a justificativa e a identidade das ciências da comunicação, como são chamadas habitualmente.

Frente à flagrante dificuldade, muitas vezes, optamos pelo caminho mais fácil, apropriando-nos de teorias, autores e métodos advindos de outras ciências sociais aplicadas, mais estruturadas e com mais tradição de pesquisa e elaboração teórica. Em muitos casos, esses elementos são assumidos sem a devida acribia, acarretando uma defasem epistemológica que compromete o trabalho e impede o correto conhecimento do objeto em estudo. é o caminho curto que se torna longo e leva a objetivos não desejados, impedindo a compreensão do fenômeno em questão.

A distinção entre holistas e individualistas pode trazer luz para a discussão. No caso concreto em que nos debatemos, é inegável a contribuição que a consideração dos aspectos individuais trouxe para a compreensão da comunicação. A análise dos diversos meios de comunicação como dispositivos tecnológicos inscreve-se no âmbito da visão dos individualistas, na contemplação dos microfenômenos. Tal como na história das ciências naturais, é indiscutível a sua importância na pesquisa sobre comunicação desenvolvida no país. A história da pesquisa na área demonstra à saciedade essa realidade. Na literatura das pesquisas, abundam obras que se dedicam ao estudo do jornalismo, do rádio e da televisão e, agora, a internet em suas variadas dimensões.

Observa-se aqui a tentativa, válida e, muitas vezes, exitosa, de interpretar a comunicação a partir de seus elementos individuais. No caso da midiatização, considera-se que ela é um agregado formado pelas ações, atitudes ligados às pessoas e veículos particulares. São os veículos, os profissionais que são reais. Os grupos, as instituições e ambientes coletivos são uma espécie de ficção. Estamos no âmbito dos microfenômenos, na perspectiva individualista.

Não obstante, existem, hoje, aspectos e dimensões que se mostram impermeáveis a esse tipo de abordagem. Somos de opinião que, nesse caso, a postura holística parece ser a mais conveniente e adequada. A dimensão dos processos midiáticos transcende os fatos individuais, os microfenômenos, e aponta para os aspectos coletivos, os macrofenômenos, a construção social coletiva a partir do processo de uma sociedade em midiatização.

O desafio proposto na discussão sobre a dimensão científica das pesquisas em comunicação é determinar o seu objeto, ao lado do tipo de leis e a classe de explicações que serão aceitas como válidas no âmbito científico.

Enquanto não definir, explicitar ou desvelar o objeto da comunicação, o pesquisador ficará tateando e fazendo experimentos metodológicos, sem lograr penetrar na sua essência. E preciso encontrar uma forma de se romper o casco da tartaruga comunicacional para, de um lado, dar sentido à pesquisa em comunicação e, de outro, contribuir para equacionamento do enigma proposto pela realidade social: como abordar o processo midiático, elevado hoje à enésima potência?

O objeto da comunicação é arredio e fugaz. Para encontrá-lo faz-se imperioso educar os olhos para ver além das aparências e se concentrar na busca sistêmica do todo. Considerar as partes sem vêlas para surpreender o fogo fátuo da comunicação. Unicamente desse modo o pesquisador encontrará o seu objeto no brilho fugaz dos processos. Os processos midiáticos, com suas relações, interconexões, conexões e interrelações, exigem que se olhe, sem ver, transcendendo-se a limitação do particular para perceber a interconexão do universal. Ultrapassando os entes para encontrar o ser. Muito embora os dispositivos particulares imponham-se com seu brilho ao olhar do pesquisador, é a humildade do processo que permite o desentranhamento do objeto da comunicação e o descobrimento do método adequado para com ele dialogar. O objeto precede ao método.

Enquanto o objeto da pesquisa foi constituído pelos microfenômenos, isto é, os meios de comunicação e seus personagens, o método não significou maiores problemas. Pagando pedágio às ciências naturais, predominaram os estudos quantitativos, com hipóteses e experimentações. Mesmo o avanço proposto pelas pesquisas qualitativas, com os grupos focais, histórias de vida, etnografia não foi suficiente para que se ultrapassasse a perspectiva individualista. Os macrofenômenos dos processos midiáticos permanecem soberanos, desafiando a argúcia dos investigadores. O ambiente formado pelas interconexões midiáticas é refratário aos métodos e abordagens singulares, Ele está presente em todos os meios e faz com que a midiatização seja. Entretanto, ele é arredio e se esconde atrás dos fenômenos particulares que obnubilam a percepção de suas interrelações e interconexões.

Apesar de existir a consciência e a certeza de que estamos diante de algo distinto, não podemos negar o processo. A pesquisa somente pode encontrar e encontrar-se diante da encruzilhada atual, em função da história e do processo vivido desde os primórdios nos centros de investigação e ensino. Não houve um salto epistemológico, mas uma lenta construção que permite, hoje, a percepção dos processos midiáticos. Assim como para McLuhan o meio é a mensagem. Presentemente se pode afirmar que o processo é o objeto.

Todavia, se o pesquisador decidir alinhar-se à perspectiva individualista e centrar sua atenção nos microfenômenos, terá à sua disposição uma gama variada de abordagens da comunicação. Cada dispositivo isolado permite distintas formulações e métodos. Tal pesquisador pode estudar a produção, a recepção, os conteúdos dos meios. Pode, igualmente, realizar a contemplação das mediações, tal como a formulação de Barbero e Orozco-Gómez. Esses caminhos são fecundos e produtivos. Não obstante, tocam apenas periféricamente a questão da sociedade em midiatização. A soma e junções de perspectivas individuais não brindam a compreensão do ambiente na sua totalidade.

A problemática da midiatização da sociedade, além do compartilhamento de metodologias e conceitos entre as diversas ciências, exige uma aproximação distinta. A situação atual não mais permite uma contemplação externa, com conceitos adrede formulados. Ao contrário, o pesquisador que objetiva interpretar o momento presente deve deixar-se tocar e desafiar na explicitação de metodologias que emerjam do próprio objeto.

A análise a partir de campos e dos dispositivos tecnológicos fica aquém do desejado e cria problemas (quando não torna impossível) para um correto dimensionamento dos desafios colocado pela ambiência midiatizada atual.

O dilema hoje vivido, dentro de uma visão sistémica e complexa, é superar as abordagens setorizadas, fragmentadas e parcializadas para compreender a realidade. Nessa dimensão, a soma das diversas partes não fornece o conhecimento do todo. A totalidade social não é alcançada pela soma da visão das diversas áreas isoladas.

Desse modo, o processo de midiatização da sociedade desafia aos pesquisadores das diversas ciências para a estruturação de um esquema interpretativo, fruto do trabalho em conjunto. Claro que, no momento, encontra-se o desafio, não as respostas. O fundamental é perceber elementos novos que ajudem nesse projeto-construção da metodologia adequada.

O percurso realizado pela pesquisa em comunicação começou com uma abordagem quantitativa. Vale recordar que, inicialmente, ela estava ainda tateando em busca de uma metodologia adequada. Devedora das outras ciências, a pesquisa em comunicação assumia os postulados das ciências sociais que, para a compreensão da realidade, baseavam-se em dados quantitativos. Registre-se que havia uma influência muito grande das ciências exatas. Exigia-se um universo grande de amostra que permitisse a generalização para o todo. Era a busca pela representatividade na pesquisa,

Nesse momento, as ciências sociais descobriam e valorizavam os estudos qualitativos, tendo em vista a peculiaridade do objeto pesquisado. Fiel à sua dívida com as ciências sociais, a pesquisa em comunicação assumiu a dimensão dos estudos qualitativos.

Contudo, como dito mais acima, faltava-lhes a consideração dos macrofenômenos. Nessa perspectiva, os dispositivos tecnológicos são apenas uma mínima parcela, a ponta do iceberg, de um novo mundo, configurado pelo processo de midiatização da sociedade15. Estamos vivendo hoje uma mudança epocal, com a criação de um bios midiático16 que incide profundamente no tecido social. Surge uma nova ecologia comunicacional17. E um bios virtual. Mais do que uma tecno-interação, está surgindo um novo modo de ser no mundo, representado pela midiatização da sociedade. Esse modo de ser no mundo assume o deslocamento das pessoas do palco (onde são sujeitos e atores) à plateia (onde sua atitude é passiva).

Assumindo-se a midiatização como um novo modo de ser no mundo, tende-se a superar a mediação como categoria para se pensar os meios hoje, mesmo sendo esse mais do que um terceiro elemento que faz a ligação entre a realidade e o indivíduo, via mídia. Ele é a forma como o receptor se relaciona com a mídia e o modo como ele justifica e tematiza essa mesma relação. Por isso, estrutura-se como um processo social mais complexo que traz no seu bojo os mecanismos de produção de sentido social.

Entretanto, isso não basta. Estamos numa nova ambiência que, se bem tenha fundamento no processo desenvolvido até aqui, significa um salto qualitativo, uma viragem fundamental no modo de ser e atuar.

Como foi afirmado acima, há um aspecto descurado na reflexão das ciências sociais: a consideração da midiatização como um processo sistêmico, mais abrangente e que está possibilitando uma visão de totalidade da sociedade.

É imperioso produzir ferramentas adequadas para trabalhar, sistemicamente, esse objeto complexo que desafia a argúcia dos pesquisadores das ciências da comunicação.

Para alcançar a totalidade do objeto, o pesquisador deve tomar distância das manifestações particulares para contemplar o mosaico do ambiente formado. Os macrofenômenos, na dimensão holística, aditam novas visões que transcendem o singular e permitem que se forme a imagem do que se estrutura na sociedade em midiatização.


Pie de Página

1CORETH, Emerich. Metafísica. Uma fundamentación metódico-sistemática. Barcelona: Herder, 1964.
2I dem, p. 43.
3Idem, p. 45-46.
4Cf. GAETA, Rodolfo et alii. Aspectos críticos das ciências sociais. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2007, p. 23.
5Cf. Idem, p. 21
6Cf. Idem, p. 39, 40.
7Cf. Idem, p. 41-42.
8Idem, p. 37.
9I dem, p.38.
10I dem, p. 40.
111 dem, p. 41.
12I dem, p. 41-42.
13I dem, p.42.
14Idem ibidem.
15De acordo com Luhmann, (...) convence muito pouco a idéia de que só se trata, de qualquer forma, de um anexo de outros sistemas de função, que se servem dos meios de comunicação como um meio técnico para divulgar suas comunicações. (...) Eles não podem ser reduzidos, enquanto comunicação social de grande repercussão, à mera técnica (LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005.119).
16Na feliz expressão do pesquisador Muniz Sodré.
17As idéias que seguem e embasam a reflexão foram desenvolvidas em: GOMES, Pedro Gilberto. A filosofia e a ética da comunicação no processo de midiatização da sociedade. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2006. Ver, principalmente, o capítulo 6.


Referencias

Coreth, E. (1964), Metafísica. Uma fundamentación metódico-sistemática. Barcelona, Herder.        [ Links ]

Gaeta, R.; Gentile, N.; Lucero, S. (2007), Aspectos críticos das ciências sociais. São Leopoldo, Ed. Unisinos.        [ Links ]

Gomes, P. (2006), A filosofia e a ética da comunicação no processo de midiatização da sociedade. São Leopoldo, Ed. Unisinos.        [ Links ]

Luhmann, N. (2005), A realidade dos meios de comunicação. São Paulo, Paulus.        [ Links ]

Martín-Barbero, J. (1984), "De la comunicación a la cultura. Perder el objeto para ganar el proceso". Signo y Pensamiento, no.5, vol. 3, ano 3, segdo. Semestre de 1984. Bogotá, Universidad Javeriana.        [ Links ]

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