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Signo y Pensamiento

Print version ISSN 0120-4823

Signo pensam. vol.32 no.62 Bogotá Jan./June 2013

 

A 'publicização' do consumo: um estudo das ações publicitárias inseridas nas telenovelas da Rede Globo por faixas de horário

Consumer Advertising: A Study of the Strategies Embedded in Rede Globo's Soap Operas per Time Slots

La publicidad del consumo: estudio de las acciones publicitarias insertadas en las telenovelas de Red Globo por franjas de horario

Raquel Marques Carriço Ferreira*
Dhione Oliveira Santana**

*Doutora em Televisão e Cinema pela Universidade Nova de Lisboa. Professora do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Sergipe, UFS. Departamento de Comunicação Social, Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n Jardim Rosa Elze - CEP 49100-000 - São Cristóvão/SE. E-mail: raquelcarrico@gmail.com.
**Graduando no curso de Publicidade da Universidade Federal de Sergipe, bolsista do Programa PIBIC-UFS. Departamento de Comunicação Social, Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n Jardim Rosa Elze - CEP 49100-000 - São Cristóvão/SE. E-mail: odhione@gmail.com

Recibido: Julio 2 de 2012 Aceptado: Diciembre 10 de 2012
Submission Date:
July 2, 2012 Acceptance Date: December 10, 2012


Resumo

Desde sua emergência no Brasil, a telenovela privilegia ações publicitárias nas suas tramas diárias, como a pauta. Desde 1969, um novo fenómeno começou a se estabelecer, o tiein, o qual integrou às tramas das telenovelas os produtos e serviços consumidos pelos personagens, sugerindo um consumo ou uso real. O propósito deste artigo é apresentar resultados da análise de conteúdo das telenovelas dos últimos dos anos (2010-2011, Rede Globo Televisão do Brasil). A perspectiva é a relação entre o rango de tópicos e suas ações publicitárias.

Palavras-chave: Telenovelas, TV Globo, tie-in, faixas de horário, ações publicitárias.

Palavras-chave descritores: Publicidade televisiva, propaganda, analise.


Abstract

Since its emergence in Brazil, the soap opera favors advertising strategies embedded in its daily episodes, such as the advertising spot. Since 1969, a new phenomenon began to settle, the tie-in, which included to the soap operas' plots some products and services consumed by the characters, suggesting a consumption or a real use. The purpose of this paper is to present the results of a content analysis of soap operas in the last two years (2010-2011, TV Rede Globo in Brazil). The analysis focuses on the relationship between the range of topics and its advertising actions.

Keywords: Soap Operas, TV Globo, Tie-In, Time Slots, Advertising Strategies.

Keywords plus: Television Advertising, Propaganda, Analysis.


Resumen

Desde su emergencia en Brasil, la telenovela privilegia acciones publicitarias en sus tramas diarias, como la pauta. Desde 1969, un nuevo fenómeno empezó a establecerse, el tie-in, el cual integró a las tramas de las telenovelas los productos y servicios consumidos por los personajes, sugiriendo un consumo o uso real. El propósito de este artículo es presentar los resultados de un análisis de contenido de telenovelas de los últimos dos años (2010-2011, Red Globo Televisión de Brasil). La perspectiva es la relación entre el rango de tópicos y sus acciones publicitarias.

Palabras clave: Telenovelas, TV Globo, tie-in, franjas de horario, acciones publicitarias.

Descriptores: Publicidad televisada, propaganda, análisis.


Origen del artículo

O resultado da pesquisa relatado neste artigo faz parte da segunda etapa da investigação entitulada A Tradição Temática das Telenovelas da Rede Globo e as suas relações com a Indústria do Consumo, investigação esta associada ao grupo RECEPCOM - Grupo de estudos da produção e recepção Ficcional — UFS, Universidade Federal de Sergipe. O projeto foi coordenado pela professora Raquel Marques Carriço Ferreira, doutora pela Universidade Nova Lisboa e desenvolvido pelo seu orientando de iniciação científica Dhione Oliveira Santana. A presente etapa do projeto foi realizada entre agosto 2011 e junho de 2012, e contou com o apoio financiamento da Fundação Universidade Federal de Sergipe.


Introdução

As relações entre a televisão e a promoção do consumo pelo mercado publicitário são bastante evidentes, principalmente no modelo das emissoras comerciais que predominam no Brasil1. As emissoras de televisão apesar de serem concessões públicas, são na verdade empresas privadas2 que são "obrigadas" pelo mercado a manter níveis satisfatórios de audiência em sua programação.

Figueiredo (2005) aponta que a televisão é considerada um verdadeiro "Olimpo" para a publicidade, além de fornecer uma grande liberdade criativa, ela consegue de certa forma, monopolizar a atenção do consumidor devido a tomada de tantos sentidos para o seu consumo. Enquanto suporte de ações publicitárias, a televisão aberta é um meio de comunicação com um custo por mil3 baixo, o que faz desse meio, um dos mais importantes para investimentos publicitários. Sobre a importância da televisão para a publicidade Almeida (2007) argumenta:

A televisão é vista pelo meio profissional de marketing e publicidade como parte integrante do desenvolvimento do país, transformando a população em mercado consumidor ativo,4 criando uma disposição ao consumo — nos termos dos próprios profissionais do meio publicitário ou televisivo. Pode-se afirmar que se trata de constituir os espectadores em consumidores, e é para a complexidade desse processo e para o papel ativo da novela na constituição de seus receptores em consumidores que quero chamar a atenção. (Almeida, 2007, p.179 )

A televisão e a publicidade têm interesses mútuos, a relação entre as duas indústrias é de interdependência, se por um lado a televisão depende dos investimentos publicitários para funcionar, por outro lado a publicidade precisa da televisão como meio de comunicação de divulgação de produtos e serviços. Essa relação de interdependência entre as duas indústrias, se expressa pela eterna busca da audiência qualificada, capaz de gerar lucro, tanto para os anunciantes, quanto para os meios televisivos que veiculam as telenovelas. Sobre esta relação entre televisão e publicidade Castro (2005) explicita:

Tanto a televisão como a publicidade tem em comum o desejo de tornar público sua oferta (produto, marca ou serviço, para a publicidade; programação, para a televisão). Esse movimento amplo de divulgação que envolve tanto a compra de espaço por anunciantes externos como a divulgação de ações / programas feitos pela televisão atualiza o conceito de publicização. Mesmo não dicionarizado, o neologismo publicizar, e com ele publicização (termos hoje praticamente consagrados na área), tem, na sua constituição, a raiz comum public, à qual se agrega o sufixo izar, elemento linguístico que exprime uma relação causal, factitiva, que resulta no entendimento de publicizar como a ação de tornar público algum fazer. (Castro, 2005, p. 4)

Se levarmos em conta dados sobre os investimentos publicitários no Brasil nos últimos dois anos (2010-2011), apesar de sofrer a forte concorrência de outros meios, verifica-se que a televisão é ainda a mídia preferida do mercado publicitário para investimento. Como é possível notar, na tabela abaixo, mais da metade do volume publicitário investido no Brasil neste período foi direcionado a veiculação em televisão aberta:

Dentre todos os tipos de investimentos publicitários na televisão aberta, destaca-se o "merchandising editorial" ou "tie-in5, que no Brasil é chamado erroneamente de "merchandising" e se caracteriza pela inserção6 de produtos, marcas, promoções, serviços ou conceitos, da forma mais natural possível, dentro de programas e produções televisivas, aproveitando a empatia entre personagens/apresentadores e o telespectador. Segundo dados da tabela de preços da Rede Globo7 uma ação comercial de trinta segundos em nível nacional, na telenovela "Passione", custou em média, quatrocentos e cinquenta mil reais, já o merchandising editorial custou por volta de um milhão de reais.

De acordo com Schiavo (1999) o "tie-in" se apresenta nas telenovelas de quatro formas diferentes, o primeiro formato consiste no simples estímulo visual, o produto ou serviço é visto no contexto da cena; a segunda forma apresenta-se no uso do produto pelos personagens; a terceira seria uma forma conceitual, ou seja, os personagens falam das vantagens dos produtos e a última forma ver-se quando os personagens mencionam o nome da marca ou do produto nas cenas. Desta forma, cabe ao anunciante determinar qual a melhor forma de transmitir a mensagem no contexto do enredo.

Por fim, vale destacar o fato de que a veiculação de informes publicitários na televisão aberta não pode ultrapassar 25% dos tradicionais intervalos da programação. Os limites da quantidade de espaços na programação destinados a veículação de informes existe em prol da construção de uma grade que seja capaz de trazer aos telespectadores informação, educação e entretenimento, pilares da lei8 que regem as normas de funcionamento da televisão brasileira. Contudo esta limitação pode ser burlada com o "tie-in", nos erendos, já que o Ministério das Comunicações não conta estes como intervalo comercial.

A Importância da Rede Globo9 e a sua Grade Programação

As Organizações Globo10 formam hoje o maior conglomerado de empresas da área de comunicação e mídia do Brasil, com jornais, rádios, editora, gravadora, loja de licenciamento, co-produtora de cinema, portais na internet, canais a cabo e a TV Globo, mais importante veículo de comunicação de massa do país, maior produtora de conteúdo em língua portuguesa, maior emissora em termos de faturamento e cobertura do Brasil e a segunda maior emissora do mundo no quesito faturamento em 2011.

De acordo com dados da própria emissora (2012 )°, por volta de 90% da programação da sua grade é produzida internamente, o que a torna a principal geradora de empregos no meio televisivo brasileiro. Para se ter uma ideia, são cerca de 4300 horas dedicadas a produção de telejornais e teledramaturgia, além de produzir outros programas televisivos. "Dessa fábrica televisiva saem programas infantis, de humor, variedades, minisséries e telenovelas, sendo estas últimas o principal produto comercial da empresa" (Oguri, Chauvel, Suarez, 2009, p. 41). Sobre a produção da Rede Globo internamente Torres & Arthur (1995), em capítulo do livro "As perspectivas da televisão ao vivo", dissertam:

A opção da Rede Globo de produzir sua própria programação resultou num estilo próprio. Durante os anos 70 e 80, este estilo foi apelidado de "padrão Globo de qualidade". Este padrão consistiu na materialização de um modo de produção verticalizado — a Globo burocratizou suas decisões artísticas, criando diretores de núcleo, diretores gerias de departamentos e por aí afora. Isto acarretou um diferencial de qualidade de imagem em relação às outras redes, que se traduz numa homogeneização do estilo. (p. 29)

Em termos de cobertura, a Rede Globo12 e suas 117 afiliadas estão presentes em todo os estados, cobrindo cerca 5482 municipios, 98,44% do território nacional, e alcançou, em 2011, 99,50% dos telespectadores que possuíam aparelho de televisão no Brasil. Internacionalmente o seu canal possui assinantes em mais de 115 países, a emissora ainda lucra com a venda de seus programas para mais de 130 países. No quesito audiência e faturamento, segundo dados do Ibope,13 a Rede Globo, apesar da concorrência das outras emissoras ainda é líder de audiência no país, com média de 17,8 pontos de audiência e 63% do investimento publicitário em televisão no Brasil em 2011.

Ainda sobre o investimento publicitário, segundo dados da Central Globo de Comercialização (DGC) setor que cuida do relacionamento entre a Rede Globo e o mercado anunciante, são cerca de 16 milhões de comerciais veiculados por ano, atendendo mais de seis mil agências no período e cerca de 50 mil clientes a cada dois anos.

A televisão brasileira e em particular a Rede Globo assim como as outras grandes redes de televisão procura entreter o exército enorme de telespectadores que também são seus tele-consumidores14 com forte investimento em uma programação variada, que foi elaborada para atender uma série de padrões de consumo. O fato é, a televisão, ainda é uma das maiores fontes de entretenimento de grande parte dos brasileiros, uma alternativa que leve os telespectadores pelo menos por alguns momentos a esquecer os problemas do mundo real e pragmático.

A Rede Globo classifica15 a sua programação por seis tipos de conteúdos: Dramaturgia (telenovelas e minisséries), Esporte (torneios, programas esportivos e matérias em telejornais), Variedades (talk shows, reality shows e programa de auditório) Humor (seriados e humorísticos) Infantil (desenhos, séries, programas) e Jornalismo (telejornais e diversos formatos como, por exemplo e revistas eletrónicas).

A Importância das Telenovelas na Rede Globo

Os conteúdos da dramaturgia16 exibidos na Rede Globo, em especial das telenovelas, possuem um enorme apelo na sociedade brasileira, a ponto de se afirmar que o Brasil é o país das telenovelas por causa das produções "globais". As telenovelas ocupam tradicionalmente17, nesta emissora, três faixas de horários18, cerca de 2500 horas anuais exibidas na programação. "A televisão é muito prestigiada pelo mercado, mais de 60%19 da verba publicitária é destinada à TV aberta, sendo que a telenovela é o produto principal da TV. E a Globo é referência, sem medo de errar", complementa a pesquisadora Maria Aparecida Baccega20.

Para Campedelli (1985), Fernandes (2002) e Vassallo de Lopes (1999) as faixas horárias diferenciam entre si, supostamente em função do perfil do público e pelo seu apelo temático, como verifica-se abaixo:

  • Faixa das seis: direcionada geralmente aos jovens e as donas de casa, com adaptações da literatura ou históricas.

  • Faixa das sete: direcionada para os adolescentes, donas de casas e mulheres que trabalham fora de casa, com histórias leves, atuais, românticas e temperadas com humor.

  • Faixa das oito ou das nove: direcionada à mulher madura, para o marido, para a célula familiar em geral, teve seu nome alterado em 2011 para faixa das nove, temática social e adulta.

  • Faixa das dez ou das onze: direcionado ao público constituído por adultos, ela é a quarta faixa horária que esteve no ar de 1965 a 1979 e foi ressuscitada em oportunidades distintas com "Eu Prometo", de Janete Clair (1983) e "Araponga" de Dias Gomes (1990 ), também com uma nova exibição de forma experimental em 2011 com a telenovela "O Astro".

Borelli (2001) destaca o fato das telenovelas da Rede Globo serem exibidas, quase diariamente, exceto aos domingos, em aproximadamente 45 minutos, em cerca de seis meses, distinguindo dos outros produtos da dramaturgia do canal pelo fato de ser escrita ao mesmo tempo em que ela é produzida. Nesse sentido, a telenovela é uma obra aberta que possibilita inúmeras alterações no desenrolar da trama em que os produtos interferem estrategicamente na história de acordo com o comportamento da audiência. Tal fato é apenas viabilizado em função da infraestrutura gigantesca da Rede Globo.

Os anunciantes que destinam recursos para emissoras obviamente preferem que os seus produtos sejam mostrados quando há mais gente assistindo o canal. Com mais anúncios e, portanto, mais dinheiro, mais a emissora poderão investir naquele horário e naquele tipo programa. No Brasil, frequentemente, mais da metade dos aparelhos de TV ligados sintonizam a mesma telenovela, que, em contato diário com os telespectadores, lança modas induz comportamentos, opina acerca de polémicas, presta serviços e participa do cotidiano do país. É inegável a influência das telenovelas e TV na vida cultural, política e comportamental da sociedade brasileira. (Sadek, 2008, p. 11)

As telenovelas são indiscutivelmente uma das maiores fontes de entretenimento dos brasileiros, "o único teatro, cinema e — por que não? — literatura de uma massa considerável que não tem acesso à arte de elite (Campedelli, 1985)". Os profissionais de marketing e propaganda veem as telenovelas da Rede Globo como uma vitrine que é capaz de prender à atenção de milhões de telespectadores do país, comumente não raro, vê-se mais da metade dos televisores do país sintonizados nas telenovelas da emissora carioca, por exemplo.

Novamente ressalta-se, que as telenovelas na Rede Globo são os produtos de maior valor comercial da emissora, pelos altos investimentos publicitários em patrocínios e o "tie-in" e por dois outros detalhes que até então não foram citados, o fato de ser o principal produto cultural da emissora exportado para o restante do mundo e pelos inúmeros produtos licenciados com a marca nas telenovelas.

A "Publicização" do Consumo nos Enredos das Telenovelas

Ficção ou realidade? A exposição de produtos e serviços nos enredos das telenovelas através do "tie-in" cria uma realidade interpretada em que os personagens utilizam produtos e os associam à determinado valor e contexto. As narrativas novelísticas, portanto, fornecem um terreno fértil para exposição de produtos em sua situação normal de consumo, apresentando uma declaração ostensiva em favor de determinada marca, misturando assim ficção com realidade.

Dando continuidade ao pensamento anterior, Feltrin (2011) aponta que o merchandising editorial inserido em produtos televisivos usufrui do envolvimento do telespectador com a trama, instituindo a projeção e a identificação entre o telespectador/consumidor e o produto inserido no enredo, o que aproxima e aciona a marca na mente do telespectador/consumidor alvo. O "tie-in" tenta se misturar ao contexto das telenovelas sem ser tão incómoda como a publicidade tradicional. Sobre esta importante vantagem do "tie-in" sobre a publicidade tradicional Maranho & (2009), dissertam:

Ao se inserir no intervalo comercial da novela, a publicidade se beneficia desta audiência e do momento em que o telespectador se encontra em um estado de relaxamento. Contudo, existe uma grande propensão do indivíduo a não assistir ao comercial, mudar de canal ou sair da frente da TV neste intervalo. Segundo Trindade (2007) assistir a um comercial parte de um ato não planejado e não voluntário do indivíduo: "a publicidade televisiva, no cotidiano dos indivíduos vem, na maioria das vezes, como uma espécie de intrusa, pois ela está no momento do intervalo entre um programa e outro" (idem, p.7). Uma forma de se evitar esta fuga de audiência é através do merchandising. (Maranho E Brida, 2009, p. 2).

Apesar do "tie-in" apresentar-se como uma alternativa do efeito "zapping" dos intervalos comerciais, Trindade (apud Maranho e Brida, 2009), aponta que quando a exposição é ostensiva, os telespectadores criam uma certa rejeição, tendo portanto o mesmo efeito negativo da propaganda tradicional nos intervalos comerciais.

Por fim, a inserção promocional de produtos nas tramas dos folhetins eletrónicos exige que o anunciante conheça o enredo. Segundo Almeida (2007), no inicio da produção de cada telenovela, por volta de seis meses anteriores do início da exibição, a Rede Globo distribui para seus anunciantes uma publicação que revela os elementos dos enredos e apontam as possibilidades de merchandising. Os publicitários podem assim direcionar os conteúdos comunicacionais merca-dológicos na telenovela ao contexto da história e dos personagens.

Metodologia

A presente pesquisa foi desenvolvida através do método da análise de conteúdo para que pudéssemos observar a relação da exibição de produtos e serviços nos enredos novelísticos em suas respectivas faixas de horários dos últimos dois anos (2010-2011). Devido a dificuldade em encontrar todos os capítulos na íntegra, assistimos em média, quarenta capítulos de cada uma das telenovelas exibidas no período relatado. Posteriormente, procedemos as buscas complementares em portais de notícias sobre todo e qualquer "tie-in". Com estes materiais, observamos como cada ação foi inserida e se relacionou com a tradição temática das faixas de horário de exibição das telenovelas.

Inicialmente, procedemos a uma primeira pesquisa que devidamente desenvolvida, objetivou a análise temática e estilística das telenovelas, com uma amostragem dos últimos dez anos21. Como resultado, encontramos os temas mais destacadamente abordados, estes, denominados como Românticos/Sentimentais22, em quase todas as faixa de horários da emissora Rede Globo. Tais conteúdos são aqueles que abordam questões do domínio do âmbito individual dos personagens, das decisões pessoais sobre os relacionamentos amorosos, familiares e do âmbito do relacionamento de trabalho. Já os resultados sobre os estilos dominantes nas telenovelas, encontramos na faixa de horário das seis, 50% do predomínio do que chamamos de estilo de Época23; na faixa das sete com 72%, o predomínio do estilo do Humor24; na faixa das oito e/ou das nove, com 68%, o predomínio do estilo Realista25; e na faixa das onze, encontramos como resultado do estudo, 100 % do estilo Suspense/Mistério , apesar de não ter sido formada uma tradição estilística por causa de ter sido veiculado até hoje, uma única produção.

Vale ressaltar que apesar da faixa de horários das telenovelas das seis ter como tradição estilística o tratamento "de época"; comprovando assim, as impressões sobre a faixa de horários de Campe-delli (1985), Fernandes (2002) e Vassallo de Lopes (1999) que dissertam sobre o assunto; nos últimos dois anos verificou-se o afastamento das produções desse domínio.

Nas amostras das quatro telenovelas analisadas neste estudo, entretanto, as temáticas dos conteúdos e o domínio estilístico se diferenciaram em características do total analisado no estudo passado. Tal condição foi tomada em nossa análise ao apresentar nossas conclusões.

Resultados e Discussões

Antes da realização desta pesquisa já tínhamos a impressão de que tradicionalmente a faixa das seis seria a faixa que deteria menor quantidade de "merchandising editorial", isso, devido ao fato de que a maioria das novelas desta faixa de horário apresentava a tradição estilística de época, o que dificultaria a inserção de ações promocionais. Como demonstrado na tabela abaixo, vemos poucos produtos nos enredos das telenovelas analisadas, mesmo naquelas não consideradas "estilo de Época", e se comparada com as outras faixas estudadas.

Apesar de tradicionalmente a faixa de horário das sete apresentar as temáticas Românticas/Sentimentais, com o tom "leve" da comicidade/ humor, nos últimos dois anos se verificou a ênfase das temáticas Românticas/Sentimentais e de Ficção Científica, ainda que com o mesmo domínio estilístico. O tom cômico das tramas pareceu não interferir na ação de exposição de produtos que demandam serem marcados pela austeridade de um conceito de credibilidade e confiança como seguros, automóveis remédios, etc.

Tradicionalmente as telenovelas das Oito/ Nove apresentam temáticas Romântica/Sentimentais e o estilo que dá o tom da realidade acontecida na sociedade representada. Percebe-se, que as ações publicitárias veiculadas nesta faixa são mais complexas e bem elaboradas, fazendo parte natural do enredo das telenovelas. A exemplo, a Houston empresa brasileira de bicicletas que utilizou a telenovela "Passione" para torna-se conhecida no sudeste; e a Lukscolor que comunicou toda uma mudança da identidade visual das suas embalagens através do desenvolvimento desse acontecimento no enredo da telenovela.

Tendo como base a exibição experimental de "O Astro", com cerca de sessenta capítulos, com conteúdo contemporâneo, recheado de Suspense e Mistério, percebemos, a presença de quatro marcas que se inseriram neste material, destaque para o Carrefour que se apresentou como concorrente da empresa de alguns dos personagens principais.

Em síntese, a pesquisa demonstra que a faixa das seis apresenta o menor número de merchandising editorial, a faixa das sete verifica-se um número razoável, assim como a faixa das onze e a faixa das oito e/ou das nove é a que apresenta o maior número de inserções publicitárias dentro das telenovelas. Também, percebe-se, que se comparado com o número de empresa que anunciam nos intervalos comerciais, o número de organização presentes na veiculação destas ações publicitárias, de maneira geral é pequeno.

Considerações Finais

As telenovelas produzidas pela Rede Globo são alguns dos produtos midiáticos mais cobiçados pelo mercado publicitário. Ocupando tradicionalmente três faixas de horários, e uma quarta que exibida esporadicamente, percebe-se de alguma forma uma ligação (ou ainda falta de ligação) entre as temáticas/estilos dominantes, e a inserção das ações comerciais nos seus enredos.

A faixa das seis, por exemplo, que possui tradicionalmente temáticas Românticas/Sentimentais e estilo de Época, poderia ser percebida como uma faixa de horário pouco atraente para a exposição comercial de produtos modernos e dinâmicos como electrodomésticos, carros, maquiagem ou moda, produtos que estivessem antenados com a resolução dos problemas do dia-a-dia, entretanto, produtos como seguros, bancos, serviços de uma forma geral poderiam se beneficiar dos enredos estilos contidos nestes conteúdos para se apropriarem da noção de tempo exposto que projetasse de alguma forma, tradição no consumo destes produtos/serviços. Como visto, não foi isto que ocorreu na amostra dos últimos dois anos.

Na faixa das sete percebe-se que, o fato das telenovelas apresentarem forte estilo cômico, não afugenta ações publicitárias relacionados a produtos que demandam serem demarcados por credibilidade e confiança, conceitos não tão bem trabalhados em conteúdos cuja estética é a da comicidade. Esta faixa apresentou em síntese, um bom número de ações publicitárias. Cursos de formação, sapatos, carros, cosmético, moda, alimentos e remédios foram observados associados nestes materiais, o que demonstra sobretudo que, muito embora muitas destas ações "coubessem melhor" associadas às histórias do estilo realista e não ficcional, elas acabaram por serem aqui expostas.

A faixa das oito/nove é a que apresenta maior exposição de produtos e serviços inclusive de forma mais bem elaborada. A faixa de horário parece ser a preferida pelo mercado para investimentos publicitários por razão da forte audiência desta faixa e pelo fato das telenovelas possuírem tramas características: mais naturais, modernas e realistas, proporcionam ao produto exposto, maior poder associativo ao consumo real: carros, calçados, tintas, institutos de beleza, cosméticos e universidades foram alguns dos produtos/servições anunciados.

Na última faixa, a das onze, (analisada segundo uma única obra) também vimos um bom número de ações publicitárias em um material de apenas sessenta capítulos. O remake de "O Astro" contou com inserções do Carrefour (lojas de varejos), Fiat (carros), Embelezze (produtos de beleza) e Nextell (serviços de telefonia). Por ser, uma faixa experimental com uma única produção exibida, não podemos adiantar conclusões a respeito, a não ser indicar que o mercado publicitário brasileiro é bastante ousado ao investir em um produto sem tradição na televisão brasileira.

Em síntese, podemos concluir que a exposição de produtos/serviços nas telenovelas é pertinente para qualquer categoria, de automóveis até açúcar. A faixa das oito/nove apresentou o maior atrativo para as ações comerciais, a faixa das seis apresentou por sua vez, alguma dificuldade de chamar a atenção do mercado, muito provavelmente, para além dos seus índices de audiência, pelo seu carácter estilístico intrínseco. A ação publicitária dentro das faixas das sete e das onze apresentou um esforço expressivo em termos de número de inserções, isso apesar da forte comicidade nos enredos das sete e do pequeno número de capítulos da produção dos conteúdos da faixa das onze. Por fim, deve-se destacar o caráter exploratório desta pesquisa que faz indicações hipotéticas em função do universo amostral abarcado, para análise das questões expostas neste trabalho.


Notas

1Parágrafo baseado na relação que Heloisa Buarque de Almeida faz sobre a TV Aberta e a promoção do consumo, em seu artigo: Consumidoras e Heroínas: Gêne-ro na Telenovela e foi publicado em 2007 na Revista Pagu. O artigo e correlações entre telenovela, consumo e gênero Acesso 15 de Maio de 2012.
2Exceto as televisões públicas e as filantrópicas.
3Relação entre o valor investido pelo mercado e número de pessoas que foram atingidas pelas mensagens.
4Uso em itálico do termo técnicos, no caso deste trecho do artigo, termos usados por profissionais da publicidade, pesquisa de mercado, marketing, administração de empresas e das emissoras.
5"Tie" termo do inglês que significa amarrar, e in, "dentro de", ou seja, uma ação de demonstração dentro de um conteúdo de grande atração. Ambos os termos são tidos como sinónimos.
6Fonte: Comercial Globo, disponível em: http://comercial2.redeglobo.com.br/midiakit/Documents/PDFs/formatos+comerciais.pdf. Acesso em 09 de junho de 12.
7Maior Rede de Televisão do Brasil.
8Lei N° 8.666, de 21 de junho de 1993.
9Todos os dados institucionais sobre a Rede Globo se encontram disponíveis no portal da emissora: <http://rede-globo.globo.com> . Acesso em 21 de Maio de 2012.
10Baseado nas considerações de Bolaño 1988 sobre o mercado brasileiro de televisão e atualizado para a realidade atual.
11Os dados foram tirados do portal da Rede Globo: < http://redeglobo.globo.com/TVG/0,,9648,00.html>, acesso em 21/05/2012. Faz necessário essa observação pois a Oguri, Chauvel, Suarez também utilizara este dados em 2009.
12Todos os dados a seguir estão relacionados a 2011.
13I nformação fornecida pelo jornal Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1028388-globo-fecha-ano-com-faturamento--em-alta-e-ibope-em-queda.shtml. Acesso em 22 de junho de 2012.
14Essa expressão está presente no livro Géneros e Formatos na Televisão Brasileira (2004), organizado por José Carlos Aronchi de Souza.
15A classificação por conteúdo não é exclusiva, por exemplo, alguns programas de humor são minisséries, o que lhes permitem também ser classificados em conteúdo de dramaturgia.
16Baseado nas afirmações de Pallottini (1998) sobre a teledramaturgia.
17Não está incluído nesta pesquisa a produção adolescente Malhação que por motivos do formato não se classifica na categoria telenovela e sim soap opera. Também, não está incluído a faixa de reprises "Vale a Pena Ver de Novo".
18Em 2011, foi exibida uma quarta faixa de horário de forma experimental: a Faixa das Onze.
19Em 2010 e 2012 este percentual ficou em 53 %.
20Entrevista dada ao portal Propmark, disponível em: <http://old.propmark.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/ sys/start.htm?infoid=67081 & sid=6>. Acesso em: 13 de março de 2012.
21As temáticas referem-se ao domínio de assuntos preferenciais tratados numa obra artística, cultural ou de massa. Estilo refere-se à qualidade da forma, pode ser definido como o tratamento dado ao conteúdo em questão.
22Temas relacionados ao amor, as paixões, as desilusões, as relações pertencentes aos retratos pessoais, as relações entre os indivíduos.
23Histórias tratadas ao estilo de um ambiente/período passado.
24Histórias que proporcionam risos, o humor fanfarrão, na maioria das vezes, são leves e provocativas, faz relaxar os telespectadores e entretém.
25Histórias com o tratamento contemporâneo, com esquemas que se relacionam com a atualidade dos telespectadores. Tratamento da ficção de forma moderna e naturalista, que se aproxima ao clima "real" do cotidiano do brasileiro, fazendo da percepção da ficção, um processo diminuto. A ideia do estilo realista é transpas-sar a noção da representação "realista" da sociedade representada.
26Como informado na metodologia, esta primeira pesquisa foi feita anteriormente por nós em 2012 e encontra sendo avaliado pelo periódico Palabra Clave da Universidad de La Sabana.
27Média na grande São Paulo. Cada Ponto Equivale a mais ou menos 58 mil domicílios . Fonte: Ibope
28Temas relacionados às crenças, aos ritos, adorações de um determinado grupo às praticas religiosas.
29Histórias que tem o caráter documental e/ou que tem o objetivo de transmitir um ensinamento.
30Temáticas que focam o coletivo, os anseios de um determinado grupo social, relacionamento destes grupos com o meio em que vivem.
31Histórias recheadas de descobertas, que possuem o intuito de levar o público a conhecer certo enredo, com um tratamento /ritmo super-dinâmico.
32Temas são relacionados de maneira geral ao impacto da ciência na sociedade e nos indivíduos.


Referências

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