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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.24 no.2 Medellín Jul./Dec. 2006

 

Nível de adaptação baseado no modelo de Roy em mães de crianças portadores de Síndrome de Downa

Allyne Nóbrega Fortesb , Marcos Venícios de Oliveira Lopesc

a O artigo faz parte do estudo “adaptação psicosocial de mães de crianças portadoras do síndrome de Down”, desemvolvida entre Janeiro e Julho de 2004. Financiamento pela Universidade de Ceará-Brasil.

bAluna do curso de Mestrado do Programa de Posgradução em Enfermage da Universidade Federal de Ceará. Correio eletrônico: marcos_venicios@hotmail.com.

cDotor em Enfermagem. Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Ceará. Correio eletrônico: marcos@ufc.br.

Cómo citar este artículo: Nóbrega A, de Oliveira MV. Nível de adaptação baseado no modelo de Roy em mães de crianças portadores de Síndrome de Down. Invest. educ. enferm. 2006; (24)2: 64-73.

Recibido: 12 de mayo de 2005. Envío para correcciones: 3 de agosto de 2006. Aprobado: 6 de septiembre de 2006


RESUMO

Objetivo: Analisar o nível de adaptação psicossocial de mães de crianças com Síndrome de Down. Metodologia: A amostra foi composta por todas as mães de crianças portadoras de Síndrome de Down, atendidas em um núcleo de tratamento e estimulação precoce, que aceitaram participar da investigação. Os dados foram organizados de acordo com a técnica da análise temática. O nível de adaptação foi classificado em: integrado (somente indicadores de adaptação positiva), compensatório (indicadores de adaptação positiva e problemas comuns de adaptação) e comprometido (somente problemas comuns de adaptação). Resultados e discussões: No modo do Autoconceito, houve 12 casos de nível de adaptação compensatório, um de nível integrado e nenhum comprometido. No modo de Desempenho de papéis houve 3 casos com nível comprometido, 10 casos de nível integrado e nenhum de nível compensatório. No modo de Interdependência houve 10 casos com nível integrado, 3 casos com nível compensatório, e nenhum caso de nível de adaptação comprometido. Conclusões:Verificou-se que todas as participantes estavam vivenciando um nível de adaptação compensatório geral, considerando-se que não foi observado qualquer caso de nível totalmente integrado ou comprometido.

Palavras chave: Síndrome de Down, Adaptação social, Modelos de enfermagem, Modelos de Roy.

RESUMEN

Objetivos: analizar el nivel de adaptación psicosocial de madres de niños con Síndrome de Down. Metodología: el muestreo estuvo compuesto por todas las madres de los niños portadores del Síndrome de Down atendidos en un núcleo de tratamiento y estimulación precoz que aceptaron participar de la investigación. Los datos fueron organizados de acuerdo con la técnica del análisis temático. El nivel de adaptación se clasificó en: integrado (solamente indicadores de adaptación positiva), compensatorio (indicadores de adaptación positiva y problemas comunes de adaptación) y comprometido (solamente problemas comunes de adaptación). Resultados y discusiones: en el modo del Autoconcepto, se hallaron 12 casos de nivel de adaptación compensatorio, uno de nivel integrado y ninguno comprometido. En el modo de Desempeño de papeles se encontraron 3 entrevistadas con nivel comprometido, 10 casos de nivel integrado y ninguno de nivel compensatorio. En el modo de Interdependencia hubo 10 participantes con nivel integrado, 3 participantes con nivel compensatorio, y ningún caso de nivel de adaptación comprometido. Conclusiones: se verifico que todas las participantes estaban viviendo un nivel de adaptación compensatorio general, si se considera que no se se observó ningún caso de nivel totalmente integrado o comprometido.

Palabras clave: síndrome de Down, adaptación social, modelos de enfermería, modelos de Roy.

Mothers with Down syndrome children and their psychosocial level of adaptation according to Roy model.

ABSTRACT

Objective: We aimed to analyze the psychosocial adaptation level of mothers with Down’s syndrome children. Methodology: The sampling was composed by all mothers of children carriers of Down’s syndrome, assisted in a treatment and precocious stimulation’s nucleus that accepted. The data were organized following thematic analysis technique. The adaptation level was classified: integrated (only positive adaptation indicators), compensatory (positive adaptation indicators and adaptation common problems) and compromised (only adaptation common problems). Results and discussion: In the Self-concept mode, there were 12 cases of compensatory adaptation level, one of integrated level and none committed level. In the Role function mode 3 interviewees reached commited level, in 10 cases integrated level and none of compensatory level. In the Interdependence mode 10 participants existed attained integrated level, 3 participants showed compensatory level, and any case of commited level of adaptation was registered. Conclusions: We verify that all the participants were living a general compensatory adaptation level, whereas any case of completely integrated or commited level was observed.

Key words: Down’s syndrome, social adaptation, nursing patterns, Roy’s models.

INTRODUÇÃO

Dados estatísticos mostram que, no Brasil, nasce uma criança com Síndrome de Down de cada 600 nascimentos, ou seja, nascem cerca de 8.000 bebês com síndrome de Down por ano. Na Síndrome de Down, por anormalidade na formação do óvulo, ocorrida depois da fecundação, existe uma trissomia cromossômica no par 21. O mecanismo cromossômico mais comum para tal ocorrência é a não- disjunção meiótica, uma falha da separação de um par de cromossomos durante uma das duas divisões meióticas, podendo ocorrer tanto no pai quanto na mãe 1,2.

A trissomia 21 pode ser classificada em três tipos, detectados por um exame chamado cariótipo, que deve ser realizado depois do nascimento da criança. O tipo simples ou padrão é reconhecido pela presença de 47 cromossomos em todas as células. A trissomia mosaico é definida como a alteração genética que compromete apenas parte das células, ou seja, algumas células têm 47 e outras 46 cromossomos. Existe ainda a trissomia por translocação, onde o cromossomo extra do par 21 fica aderido a outro cromossomo. Assim, embora o indivíduo tenha 46 cromossomos, é portador da Síndrome de Down 3.

Sabe-se que problemas durante a gestação como crises emocionais, traumas mecânicos ou o uso de drogas tampouco são causadores dessa alteração, já que a mesma é de natureza genética, desenvolvida depois da fecundação. Mas a mãe pode vir a desenvolver, por carência de informação, um forte sentimento de culpa ou de negação, insistindo que o filho não tem o problema, podendo até atrasar o tratamento e a estimulação precoces, tão necessários ao desenvolvimento adequado de sua criança 4.

Essa anomalia traz sinônimos depreciativos de grande impacto emocional, causando sentimentos como angústia, vergonha, dor, medo do que possa causar à criança. A tendência, então, é de tentar esconder o fato e guardar o filho, longe dos olhares, das perguntas e dos comentários inadequados ou indiscretos.

Surge, então, a necessidade de adaptação das mães a sua nova condição de vida sob pena de a mesma comprometer seu bem estar- mental, físico e social- e o cuidado que oferece a seu filho. Tudo isso gera a necessidade de obtenção de novas habilidades incluindo revisão de valores, conhecimento científico e prático sobre a enfermidade, além do enfrentamento da sociedade.

Comportamentos como os apresentados por essas mulheres com relação à enfermidade do filho são abordados pela teoria de Roy em quatro modos de adaptação: o modo fisiológico; o modo de autoconceito; o modo de desempenho de papéis e o modo de interdependência. Este trabalho se propôs a estudar os três últimos modos que, juntos, constituem o modo psicossocial5.

O modo de autoconceito evidencia aspectos psicológicos e espirituais do ser humano. Esse modo é a fusão de crenças e sentimentos de um indivíduo em certa circunstância. O modo de desempenho de papéis explora padrões de interação pessoal, destacando os fatores relacionados aos papéis que o sujeito cumpre no meio social em que vive bem como seu desempenho. O modo de interdependência destaca as interações de dar e receber afeto, respeito e valor. É considerado um modo social por que suas necessidades são atendidas por meio da interação social 6, 7.

Considerando que o ser humano é um sistema biopsicossocial com a capacidade de ajustar-se ao ambiente bem como modificá-lo, buscou-se analisar o nível de adaptação psicossocial de mães de crianças com Síndrome de Down,a fim de se compreender de que forma essas mulheres estão enfrentando a condição de ter um filho deficiente.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo é de caráter descritivo, com análise qualitativa que teve como foco os indicadores positivos de adaptação e os indicadores de problemas comuns de adaptação de mães de crianças portadoras de Síndrome de Down. Trata-se de uma investigação exploratória já que proporciona uma maior abrangência dos conhecimentos a respeito do tema escolhido, além de promover a delimitação dos objetivos e das hipóteses 8.

O trabalho foi desenvolvido em um núcleo de tratamento e estimulação precoces que atende crianças portadoras de Síndrome de Down. Esse núcleo é vinculado a uma maternidade-escola, instituição pública pertencente ao complexo da Universidade Federal de Ceará (UFC), localizada em Fortaleza - Ceará, Brasil. O grupo investigado foi composto por 13 mães de crianças com Síndrome de Down.

As entrevistas foram fundamentadas em um roteiro desenvolvido para a aplicação do processo de enfermagem baseado em Modelos Conceituais de Enfermagem. O roteiro foi composto por questões específicas dirigidas ao Modelo da Adaptação de Roy, enfocadas nos modos de adaptação psicossocial9.

A coleta dos dados foi realizada durante o mês de fevereiro de 2004, simultaneamente ao atendimento do filho de cada participante, durante o qual a entrevistada permanecia em uma sala de espera.

Foram respeitados todos os aspectos éticos em relação a investigação com seres humanos, no que se refere à identificação prévia do investigador, explicação sobre a pesquisa, assinatura do termo de consentimento e garantia do anonimato da entrevistada.

Os dados foram organizados em cinco etapas, de acordo com a técnica da análise de conteúdo, especificamente a análise temática. Foram realizadas a escuta, transcrição e leitura exaustiva de cada entrevista. As características clínicas codificadas foram agrupadas e originaram os indicadores de adaptação. Esses indicadores foram também codificados de acordo com a nomenclatura apresentada no modelo de adaptação de Roy, sendo divididos em indicadores de adaptação positiva e indicadores de problemas de adaptação. Finalmente, esses indicadores foram organizados de acordo com o modo de adaptação psicossocial mais apropriado.

Para cada modo psicossocial identificou-se pelo menos um indicador para adaptação positiva e um para problemas comuns de adaptação. Cada indicador apresentava uma ou mais características clínicas e representa um conjunto de comportamentos que refletem as declarações das participantes.

O nível de adaptação foi classificado em três: integrado, compensatório e comprometido. Cada um foi determinado ao se cruzarem os dados obtidos nas entrevistas por meio do software HyperResearch 2.6. Se a participante apresentasse apenas indicadores de adaptação positiva e nenhum problema de adaptação para um determinado modo, seu nível de adaptação foi considerado integrado para o mesmo. Se a entrevistada manifestasse tanto indicadores positivos como problemas de adaptação para um mesmo modo, seu nível foi considerado como compensatório. Finalmente, para o caso no qual a participante apresentasse somente problemas comuns de adaptação e nenhum indicador de adaptação positiva, seu nível foi considerado como comprometido para o modo. O nível de adaptação final de cada integrante da pesquisa foi obtido depois de se cruzarem os níveis de adaptação de cada modo psicossocial.

Para o modo do autoconceito foram atribuídos dois indicadores de adaptação positiva: auto-estima funcionante e processos de desenvolvimento ético-moral-espiritual. A esse modo foram relacionados cinco problemas de adaptação: estratégias defensivas de resolução individual; medo; negação ineficaz; distúrbio de auto-estima; enfrentamento individual ineficaz.

Para se efetuar a análise do nível de adaptação, o indicador de adaptação positiva auto-estima funcionante foi cruzado com os problemas comuns de adaptação: medo e distúrbio de auto-estima. O indicador processos efetivos de desenvolvimento ético-moral-espiritual foi analisado de acordo com a ocorrência concomitante dos problemas de adaptação: estratégias defensivas de resolução individual; negação ineficaz; enfrentamento individual ineficaz.

O nível de adaptação relacionado ao modo de desempenho de papéis foi obtido ao se cruzar o indicador de adaptação positiva referente a esse modo, comportamento para elevar o nível de saúde e o indicador de problema de adaptação, controle ineficaz do regime terapêutico familiar. O modo de interdependência foi analisado pela relação entre o indicador de adaptação positiva, adequação afetiva, e o indicador de problema de adaptação, interação social prejudicada.

Os dados foram organizados em quadros de acordo com os modos de adaptação, indicadores de adaptação positiva e de problemas de adaptação. Para a análise final foi elaborado um quadro com o resumo final do nível de adaptação das participantes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As tabelas a seguir identificam os indicadores de adaptação positiva de cada entrevistada, como também os problemas comuns de adaptação. São apresentados os níveis de adaptação alcançados por cada participante ao serem cruzadas as informações dos dois primeiros quadros. Realizou-se a análise individual de cada indicador / problema de adaptação e, posteriormente, por cada modo de adaptação.

Tabela 1. Indicadores de adaptação positiva de mães de crianças com síndrome de Down de acordo com a freqüência dos códigos identificados em suas entrevistas. Fortaleza – Brasil, 2004.

 

Indicador de Adaptação positiva Entrevistada
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Modo de Autoconceito                          
Auto-estima
funcionante
X   X X X X X X X X X X X
Processos efetivos
de desenvolvimento ético—moral
— espiritual
X X X   X   X   X   X    
Modo de Desempenho de papéis                          
Comportamento para elevar o nível de saúde X X X   X X X X X     X X
Modo
de Interdependência
                         
Adequação afetiva X X X X X X X X X X X X X

Na tabela 1 observa-se que no Modo de Autoconceito, o indicador Auto-estima funcionante foi identificado em todas as participantes, exceto na entrevistada 2, que foi a única que apresentou nível de adaptação comprometido pois manifestou somente problemas comuns de adaptação. O indicador de adaptação positiva Auto-estima Funcionante é um indicador proposto no Modelo de Roy que está relacionado a mudanças de valores e de conceitos além de ser resultado da busca de conhecimentos sobre a enfermidade. Um exemplo desse indicador está na seguinte afirmação:

“Hoje sou uma pessoa mais forte. Ando com meu filho com orgulho, normalmente” (...) “Quanto ao preconceito, eu não escuto. Eu fiquei muito aborrecida por isso. Hoje eu estou mais tranqüila”. (Entrevistada 1)

Para o componente Desenvolvimento Ético-moral-espiritual do mesmo modo psicossocial, sete mulheres apresentaram características clínicas de adaptação positiva referentes ao indicador Processos efetivos de desenvolvimento ético-moral-espiritual. Para essas mães, o nível de adaptação foi identificado como compensatório, considerando que elas apresentaram concomitantemente características clínicas de problemas de adaptação. Somente uma das mulheres apresentou nível integrado de adaptação para esse indicador. A fé foi a principal característica identificada. Foi manifestada nas declarações das entrevistadas como o principal suporte emocional que lhes oferece segurança, tranqüilidade, confiança, motivação e equilíbrio.

“ Vivo com fé em Deus, muita força e conformação. Ponho-me mais reclusa, esperando uma luz para os problemas. Choro, mas me ponho tranqüila, não repreendo nem reclamo da vida” (Entrevistada 3)

“ Todos têm problemas. Com muita fé em Deus vou caminhando” (Entrevistada 11)

A experiência de acompanhar o tratamento de um filho portador de Síndrome de Down pode causar nessa mãe sobrecarga emocional, preocupação com a saúde da criança e produzir um sentimento de ambivalência ao dar maior atenção a esse filho que a outros. Entretanto observou-se que a fé, a autoconfiança e a força interior são necessários para, gradativamente, superar as eventuais barreiras.

O modo de desempenho de papéis avalia a integridade social do indivíduo e sua capacidade de desenvolver seu papel. Com relação a esse modo, dez participantes demonstraram Comportamento para elevar o nível de saúde. Esse indicador foi caracterizado por uma busca de informações sobre a enfermidade do filho e o tratamento adequado além da adesão precoce e continuada da mãe à terapia 10.

“ Explicaram-me que aquela era uma criança muito especial e que, por isso, iria precisar cuidados iniciais também de forma especial. Mas com o tempo, poderia ser considerada normal. Isso me ajudou muito, porque me pus mais racional e resolvi começar a estimulação precoce”. (Entrevistada 2)

“ Comecei a cuidar dele muito cedo. Quando ele tinha 20 dias já comecei o tratamento aqui. Eles me deram muitas informações sobre o tratamento e eu estou aqui com ele até hoje”. (Entrevistada 1)

Constatamos a busca dessas mães por tratamento precoce como forma de reduzir as limitações impostas pela enfermidade. Esse interesse contribuiu para ampliar seus conhecimentos sobre o assunto, tornando-as mais capacitadas a cuidar de seus filhos e promovendo o compromisso delas com o tratamento.

No Modo de Interdependência, em todas as participantes foi observado o indicador de adaptação positiva, Adequação afetiva. Esse indicador foi manifestado pela percepção da mãe de que seu filho começa a se apresentar como aquele que necessita do outro significante. Então, a mãe percebe a si própria como esse outro significante. Observou-se que o apoio do pai é importante para essa adequação afetiva.

“ Aprendemos a amar e compreendemos o que é um filho diferente. (...) Meu filho é especial não por ter Síndrome de Down, mas sim por ser alguém especial, um anjo, uma luz, algo bom” (Entrevistada 09)

“ Então a médica foi sincera e disse: ‘Seu filho é um daqueles meninos, que são mongolóides’ (...) eu o amamentei e cuidei dele. Eu o amei desde o primeiro momento, desde quando ele estava em minha barriga. Não poderia deixar de amar meu filho” (Entrevistada 1)

Diante da enfermidade do filho que traz a necessidadede incorporar novos conceitos de cuidado, de educação, de convivência com o outro, as mães procuram interagir com o ambiente, buscando alternativas de adaptação à nova situação.

Tabela 2. Problemas comuns de adaptação de mães de crianças com síndrome de Down de acordo com a freqüência dos códigos identificados em suas entrevistas. Fortaleza – Brasil, 2004.

Problema de Adaptação Entrevistada
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Modo do Autoconceito                          
Estratégias defensivas de resolução individual X X X X X X X X X X     X
Medo X X                      
Negação ineficaz X       X   X X   X      
Distúrbio na auto-estima               X          
Enfrentamento individual ineficaz       X               X  
Modo de Desempenho de Papéis                          
Controle ineficaz do regime terapêutico familiar         X         X X    
Modo de Interdependência                          
Interação social prejudicada             X   X X      

 

Na tabela 2 são analisados os principais problemas comuns de adaptação dessas mães. Notamos que os mais manifestados estão inseridos no modo de autoconceito, entre eles, o mais observado foi o uso de Estratégias defensivas de resolução individual, apresentado nas declarações de onze participantes. Esse tipo de resposta humana é conceituada como o estado no qual o indivíduo repetidamente projeta uma auto-avaliação falsamente positiva, apoiada em um padrão autoprotetor que o defende contra ameaças externas. Caracterizou-se por algumas respostas humanas como autojustificativa, recolhimento e tentativa de esconder o filho das pessoas, como é possível verificar nas declarações a seguir.

“ Eu fiquei grávida depois que fiz uma cirurgia para retirar um rim. Então eu acreditei que ela tinha nascido com este problema por causa disso” (Entrevistada 3)

“ Por conta de meu problema, tornei-me uma pessoa muito reclusa para o mundo. Digo o que penso somente para mim. Nem com meu marido eu desabafo. Não tenho ninguém para conversar” (Entrevistada 1)

“ No início não queria sair. Evitava as outras pessoas. Eu ficava em casa e não queria que os outros a olhassem. Queria esconder a menina para sempre” (Entrevistada 4)

Essas respostas humanas demonstram que as mães tentaram diversas maneiras de autoproteção contra ameaças subjacentes como a culpa, o preconceito e a solidão. Verificou-se que o problema de adaptação menos apresentado também está inserido no modo do autoconceito: o Distúrbio de auto-estima. Esse problema foi apresentado por somente uma das treze participantes. No modo do autoconceito, o indicador de Desenvolvimento-ético-moral-espiritual foi mais afetado que a auto-estima.

O momento vivido por essas mães revela que as mudanças em suas vidas ocasionadas pela enfermidade do filho podem desencadear sensações como medo, desânimo e solidão, que implicam diretamente no modo de ajustar-se às circunstâncias perturbadoras, influenciando seu bem-estar11.

No modo de Desempenho de Papéis, constatou-se que três entrevistadas manifestaram problemas de adaptação, sendo que somente elas apresentaram nível comprometido de adaptação por não ter sido observado nenhum indicador de adaptação positiva ness modo. O problema comum de adaptação encontrado foi o Controle ineficaz do regime terapêutico familiar, identificado em respostas humanas como uma resistência inicial ao tratamento do filho ou à suspensão do tratamento, como pode ser percebido nas declarações a seguir.

“ Resisti muito em trazê-la. Somente começamos o tratamento quando ela tinha um ano. E só aqui recebi todas as informações sobre a síndrome e como cuidar do bebê” (Entrevistada 4)

“ Comecei o tratamento quando ela tinha três meses, mas desde o ano passado que não vamos lá. Estou no fim da gravidez e não posso sair de casa” (Entrevistada 11).

Notou-se que a enfermidade do filho e todas as mudanças trazidas para a mãe contribuíram para o desequilíbrio temporário da dinâmica familiar. Pode-se relacionar a este tipo de resposta humana, a falta de informação suficiente sobre a enfermidade dos filhos; sobre as reais possibilidades de desenvolvimento, aprendizagem e integração da criança e a importância do início precoce e da continuidade do tratamento.

No modo de Interdependência, verificaram-se problemas comuns de adaptação em três mulheres. Entretanto elas também apresentaram respostas positivas de adaptação conferindo,assim, nível de adaptação compensatório. O problema comum de adaptação identificado foi a Interação social prejudicada, sendo relacionado diretamente com o preconceito social, como pode ser percebido nos trechos de suas entrevistas.

“ Acreditava que as outras pessoas iriam chamá-lo de doente... E muitas vezes aconteceu. Eu ficava com raiva e dizia que meu filho não era doente. Era especial. Pensava que não iria aceitar nunca as outras pessoas devido a este tipo de abordagem” (Entrevistada 2)

“ Ao imaginar que alguém olhasse diferente para meu filho, sentia-me zangada (...) Faz dias que estou bastante tranquila quanto a meu filho. Mas faz dias que me aborreço, principalmente quando alguém diz algo ruim sobre ele. Então me apóio em meu marido (...) Ainda existem os comentários penosos. Isso me aborrece, fico todo o dia deprimida” (Entrevistada 9)

O medo do preconceito e a dificuldade em administrar esse tipo de reação social resultaram, muitas vezes, em sentimentos como tristeza ou até mesmo ira. Percebeu-se a importância do suporte social da família, principalmente do cônjuge e da mãe, como tação e fonte de segurança e aceitação.

Na tabela 3 é possível observar-se o nível de adaptação atribuído a cada participante de acordo com cada modo psicossocial, bem como o resultado total de casos dos diferentes modos.

Tabela 3. Nível de adaptação das mães de crianças com síndrome de Down de acordo com o modo de adaptação. Fortaleza – Brasil, 2004.

Entrevistada Modo de Adaptação
Autoconceito   Desempenho de papéis Interdependência
AEa DEMEb    
1 Compensatório Compensatório Integrado Integrado
2 Comprometido Compensatório Integrado Integrado
3 Integrado Compensatório Integrado Integrado
4 Integrado Comprometido Comprometido Integrado
5 Integrado Compensatório Integrado Integrado
6 Integrado Comprometido Integrado Compensatório
7 Integrado Compensatório Integrado Integrado
8 Compensatório Comprometido Integrado Integrado
9 Integrado Compensatório Integrado Compensatório
10 Integrado Comprometido Comprometido Compensatório
11 Integrado Integrado Comprometido Integrado
12 Integrado Comprometido Integrado Integrado
13 Integrado Comprometido Integrado Integrado
Totais 10 Ic
2 CSd
1 CRe
1 Ic
6 CSd
6 CRe
10 Ic
3 CRe
10 Ic
3 CSd

 

Legenda: a AE – Auto-estima; b DEME – Desenvolvimento ético-moral-espiritual; c I – Integrado; d CS – Compensatório; e CR - Comprometido.

O modo do Autoconceito deve ser inicialmente analisado distinguindo suas subdivisões: Auto-estima e Desenvolvimento ético-moral-espiritual. A auto-estima foi menos afetada, já que é possível observa-se que dez mães apresentaram nível de adaptação integrado, duas manifestaram nível compensatório e somente uma apresentou nível comprometido.

Em contrapartida, no componente Desenvolvimento Ético-moral-espiritual, somente uma dessas mulheres apresentou nível integrado, 6 apresentaram nível compensatório e outras 6 demonstraram nível comprometido. Isso indica que o desenvolvimento ético-moral-espiritual, que funciona como apoio para o enfrentamento da enfermidade, deve ser mais trabalhado a fim de que essas maes possam alcançar a integração de seu autoconceito.

Cruzando-se os dois componentes do modo de Autoconceito, observaram-se 12 casos de nível de adaptação compensatório, um de nível integrado e nenhum comprometido. O modo de Desempenho de papéis foi o único em que houve a ocorrência de nível comprometido em sua totalidade, manifestado em 3 entrevistadas. Nesse modo, houve 10 casos de nível integrado e nenhuma das mães apresentou nível compensatório.

O modo adaptativo de Interdependência aborda a interação da pessoa com o meio, podendo ser avaliado o grau de relação interpessoal da mesma com a sociedade. O ideal é que o indivíduo apresente um nível considerável de adequação afetiva, quer dizer, uma interdependência suficiente para que haja a manutenção de seu bem-estar completo. Esse modo psicossocial foi o menos afetado nessas mulheres pela enfermidade dos filhos. Houve 10 participantes com nível de adaptação integrado, 3 participantes que apresentaram nível compensatório, ou seja, intermediário, e não foi identificado nenhum caso de nível de adaptação comprometido. Esse resultado está diretamente relacionado com manifestações de atenção, cuidado, aprovação, compreensão e aceitação social recebidas por essas mães. Isso faz com que as mesmas se sintam aceitas e amparadas, podendo assim prestar um melhor cuidado a seus filhos.

Analisando conjuntamente todos os modos psicossociais, verificou-se que as participantes apresentavam um nível de adaptação compensatório geral, tendo em vista que não se observou qualquer caso de nível totalmente integrado ou comprometido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, identificou-se que o processo de adaptação das mães de crianças portadoras de Síndrome de Down é dinâmico e está sendo gradativamente vivenciado. O nível geral de adaptação percebido como compensatório denota que há muito a apurar-se na prática assistencial prestada a essas mulheres, e que as mesmas são fundamentais na qualidade de vida de seus filhos.

Notou-se que há a necessidade de oferecer precocemente informações a essas pessoas sobre a enfermidade dos filhos, sobre os cuidados necessários, as possibilidades de suas crianças e até como lidar com o preconceito tão logo seja possível.

Constatou-se o valor do sistema de suporte dedicado a essas mães por meio da família ou de uma rede social de apoio que lhes ofereça aceitação, respeito, compreensão e reconhecimento de sua importância para a saúde de seus filhos.

Assim, considera-se que seja possível e essencial que os profissionais de enfermagem que prestam cuidados a crianças portadoras de Síndrome de Down sejam capacitados a dispensar cuidados também às mães dessas crianças.

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