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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.28 no.3 Medellín Nov. 2010

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE/ ARTIGO ORIGINAL

 

Educação permanente no Programa Saúde da Família: um estudo qualitativo

Educación permanente en el Programa de Salud de la Familia: un estudio cualitativo

Continuous education in the Family Health Program: a qualitative study

 

 

Valdecir Zavarese da Costa1, Marta Regina Cezar-Vaz2, Leticia Silveira Cardoso3, Jorgana Fernanda de Souza Soares4

 

1 Enfermeiro, Doutorando do Programa de Pós- Graduação em Educação Ambiental. Professor Assistente I da Universidade Federal do Pampa. Integrante do Laboratório de Estudos de Processos Socioambientais e Produção Coletiva de Saúde – LAMSA, Brasil. email: valdecircosta@unipampa.edu.br.

2 Enfermeira, Drª em Filosofia da Enfermagem. Professora Associada da Escola de Enfermagem da FURG, Coordenadora do LAMSA, Brasil. email: cezarvaz@vetorial.net.

3 Enfermeira, Mestranda do Programa de Pós- Graduação em Ciências da Saúde. Bolsista do Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, integrante do LAMSA, Brasil. email: lsc_enf@yahoo.com.br.

4 Enfermeira. Doutoranda em Saúde Pública do Programa de Pós-graduação em saúde coletiva da Universidade Federal da Bahia. Bolsista do CNPq. Integrante do LAMSA, Brasil. email: jfss_rs@hotmail.com.

 

Subvenciones: O trabalho é constituinte do macroprojeto de pesquisa: “Trabalho em Saúde e o Contexto Tecnológico da Política de Atenção a Saúde a Família”, financiado pelo edital MCT/CNPQ/ FAPERGS - 008/2004. Processo nº 0415370, sob coordenação da Profª. Drª. Marta Regina Cezar-Vaz e constitui parte integrante da dissertação de mestrado de: COSTA, VZ. Políticas públicas de saúde: um estudo com enfoque nos trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família, 2007. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Cómo citar este artículo:Costa V, Cezar-Vaz MR, Cardoso L, Soarez JF. Educação permanente no Programa Saúde da Família: um estudo qualitativo. Invest Educ Enferm. 2010; 28(3):336-44.

 


 

RESUMO

Objetivo. Analisar a educação contínua no espectro do processo de trabalho do Programa Saúde da Família no Brasil, através de seus realizadores, o lugar de realização, o modo de desenvolvimento e a finalidade. Metodologia. Estudo qualitativo no que se realizou entrevista semi-estruturada a 65 enfermeiros. Resultados. As atividades de educação são concebidas pelos enfermeiros entrevistados, como uma ação que tem como fim a qualificação do processo de trabalho: seja ajudando ao enfermeiro para seu atuar, ou colaborando a constituir uma força propulsora das ações em saúde em diversos níveis de atuação. Conclusão. Com a educação permanente se qualifica não só ao enfermeiro senão também em seu ambiente de trabalho.

Palavras chaves: educação continuada; trabalhadores; programa saúde da família.

 


 

RESUMEN

Objetivo. Analizar la educación continua en el espectro del proceso de trabajo de la Programa Salud de la Familia en Brasil, a través de sus realizadores, el lugar de realización, el modo de desarrollo y la finalidad. Metodología. Estudio cualitativo en el que se realizó entrevista semiestructurada a 65 enfermeros. Resultados. Las actividades de educación son concebidas por los enfermeros entrevistados, como una acción que tiene como fin la cualificación del proceso de trabajo: sea ayudando al enfermero para su actuar, o colaborando a constituir una fuerza propulsora de las acciones en salud en diversos niveles de actuación. Conclusión. Con la educación permanente se cualifica no solo al enfermero sino también a su ambiente de trabajo.

Palabras clave: educación continua; trabajadores; programa de salud familiar.

 


 

ABSTRACT

Objective. To analyze the continuous education in the work process spectrum of the Family’s Health Program in Brazil, through its performers, performing place, way of development and goal. Methodology. Qualitative study in which a semi structured interview was performed to 65 nurses. Results. Educational activities are conceived by the interviewed nurses as an action which goal is the work process qualification: either helping the nurse in his job or helping in the building of a propulsive health actions strength in several stages of action. Conclusion. With continuous education both the nurse and their work environment are qualified.

Key words: education; continuing; workers; family health program.

 


 

INTRODUÇÃO

O Programa Saúde da Família constitui-se em uma proposta de reorientação da atenção básica à saúde no Brasil, que compreende diversas políticas públicas que buscam promover a saúde das comunidades ao garantir os direitos dos cidadãos de acesso, equânime e integral, aos serviços de saúde, de acordo com a Constituição Federal de 1988. Nessa direção, a referida proposta de atenção à saúde constitui-se em uma estratégia ministerial de intervenção a nível comunitário, possibilitada pela existência de uma equipe multiprofissional. Esta atua em um delimitado território desenvolvendo ações de promoção à saúde, quais englobam a educação dos trabalhadores e da própria comunidade.

A partir desse contexto, a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), objeto de investigação do estudo apresentado, almeja capacitar os trabalhadores para a apreensão de sua prática profissional como instrumento do e no trabalho propulsor das ações educativas. Tais ações podem ter como público alvo as comunidades e os próprios trabalhadores da equipe.1

A PNEPS operacionaliza os processos educativos para os trabalhadores em direção a assegurar os direitos constitucionais dos cidadãos. Para isso, instituiu os polos de Educação Permanente, que se configuram em instâncias locais e regionais promotoras da avaliação, da validação e do desenvolvimento de processos educativos em saúde.2

Nesse âmbito a Educação Permanente busca transformar o cotidiano do trabalho, ao agregar a qualificação do trabalhador à melhoria dos serviços de saúde, mantendo-os de acordo com os contextos e necessidades locais.3

Nesse sentido, a Educação Permanente pode ser considerada um contínuo de ações de trabalhoaprendizagem que ocorre no espaço do trabalho em saúde, partindo de uma situação existente (situação problema), na direção de sua superação ou transformação em uma situação desejada.4 Isso tende a oportunizar uma prática reflexiva e não apenas mecanizada pela intensidade da necessidade do fazer, ou seja, uma prática mediada pela capacidade de refletir e pela necessidade de mudar quando a finalidade humana é requerida e, ainda, a partir dos processos desencadeados no trabalho.

Configura-se, assim, a relevância do objeto de estudo, que reside na importância da temática de aproximar o sujeito trabalhador dos processos educativos das práticas que qualificam a sua formação. Com tal perspectiva, o presente estudo objetivou analisar a Educação Permanente no espectro do processo de trabalho do Programa Saúde da Família. Para tanto, buscou-se compreender os elementos compositores da educação permanente pelo conhecimento dos realizadores, do local de realização, do modo de desenvolvimento e das finalidades do processo de trabalho nesse ambiente.

 

METODOLOGIA

O estudo aqui apresentado caracteriza-se por ser exploratório e descritivo do processo de Educação Permanente (EP) desenvolvido no processo de trabalho das equipes do Programa Saúde da Família (PSF) no Brasil. O cenário do mesmo foi composto por 12 municípios pertencentes à 3a Coordenadoria Regional de Saúde do estado do Rio Grande do Sul (3ª CRS/RS), contemplando 49 Unidades de Saúde da Família.

Foram assumidos como sujeitos desse estudo, os 65 trabalhadores enfermeiros que compõem cada uma das 65 equipes básicas do PSF, selecionados a partir dos seguintes critérios de elegibilidade: atuação em uma das seguintes formas de gestão: Plena do Sistema Municipal ou Plena da Atenção Básica e adesão ao PSF; tempo de formação da equipe superior a seis meses e tempo de atuação do profissional no PSF de no mínimo seis meses; existência de todos os profissionais da equipe básica (enfermeira, médico, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde) e disponibilidade e consentimento do participante para realizar as etapas da investigação.

O estudo-piloto foi realizado junto a três equipes não pertencentes ao grupo selecionado, com a aplicação do questionário da entrevista a sete trabalhadores enfermeiros.

A coleta de dados foi realizada no período de janeiro a julho de 2006, por meio de entrevistas semi-estruturadas gravadas em fitas magnéticas. Os dados obtidos no trabalho de campo compuseram a fonte primária do estudo, na qual se aplicou uma análise qualitativa temática.5

Utilizou-se para a análise dos dados qualitativos o software de análise qualitativa Nvivo 7.0. Neste percurso, inicialmente o conjunto de dados foi disponibilizado na forma de texto transcrito e organizado no formato de arquivos. Assim, os dados ou trechos do texto foram destacados e elaborados compondo o sistema de relações entre as categorias de análise, processo de trabalho e processo educativo. As categorias qualitativas principais foram visualizadas por meio do predomínio de sua descrição: os realizadores, o local de realização, as características de realização e a finalidade da EP. Os dados relativos às ações desenvolvidas no PSF foram analisados por agrupamento das categorias mais frequentes, de acordo com as falas. As categorias da EP na concepção dos trabalhadores e na centralidade do processo de trabalho do PSF, apresentadas na Figura 1, representam o agrupamento dos dados extraídos das falas dos trabalhadores entrevistados. As subcategorias que definem a finalidade da EP relacionam-se com o grau de escolaridade nas falas analisadas.

Este estudo, que se enquadra na modalidade de pesquisa de risco mínimo, seguiu as normas e diretrizes da Resolução Nº. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde e recebeu parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa da FURG e, aprovação da 3ª CRS/RS, responsável pela coordenação regional do PSF na região do estudo.

Para a realização da referida pesquisa, cada trabalhador entrevistado assinou o termo pós-informado para participar da mesma. Ficou a critério do sujeito o seu desligamento da pesquisa, sendo- lhe assegurado o direito de deixar de compor o grupo de participantes no momento em que desejasse. Cabe referir, que os dados obtidos estão apresentados de forma a não identificar município, unidade ou equipe, para evitar a identificação dos trabalhadores. Dessa forma, os exemplos das falas apresentados obedecem ao seguinte esquema de identificação: a sigla (M) seguida do código referente ao município; logo a sigla (Eq) com o código referente à equipe e, ao lado, o número da entrevista correspondente.

 

RESULTADOS

A educação permanente na concepção dos trabalhadores. Na perspectiva adotada, dos 65 entrevistados, evidenciou-se um conjunto de 38 enfermeiros que referiram o desenvolvimento pleno da EP no PSF. Outro grupo de 16 enfermeiros fez referência ao desenvolvimento parcial da EP. Assim, eles discorreram sobre sua experiência em processos educativos, tais como educação continuada, cursos, treinamentos, especialização, reuniões de trabalho, entre outras, não os caracterizando como EP. Os 11 trabalhadores restantes relataram o não desenvolvimento da EP, sem argumentar a respeito dos limites e possibilidades para sua implantação e implementação no trabalho da equipe de Saúde da Família.

A educação permanente na centralidade do processo de trabalho no Programa Saúde da Família. Para o aprofundamento analítico da EP, as categorias seguintes foram contempladas com a participação de uma amostra de 54 enfermeiros que percebem, de modo pleno ou parcial, o desenvolvimento dessas ações educativas.

Os realizadores da Educação Permanente. Neste item, 52 sujeitos do estudo, representantes dos enfermeiros da equipe do PSF, assumiram-se como sujeitos responsáveis pelo desenvolvimento das atividades de EP, compartilhando algumas

das ações com instituições públicas e privadas, tais como: Secretaria Municipal de Saúde, Coordenação do PSF, 3ª CRS/RS, Polo de Educação Permanente em Saúde, Governo do Estado, Ministério da Saúde e apontaram, ainda, a participação de universidades e instituições bancárias, ambas promotoras de cursos que visam ao trabalho em conjunto com a comunidade: “Quem está realizando é a Secretaria da Saúde, a Universidade Católica, a 3ª Coordenadoria Regional de Saúde, o Pólo de Educação Permanente que estão realizando esse trabalho, que é bem vindo para nós” (M05Eq07065).

Além disso, os 54 enfermeiros respondentes mencionaram-se como sujeito central no desenvolvimento de ações de EP. Outros ainda relatam o compartilhamento desse trabalho do enfermeiro com o médico, dentista ou assistente social. Esses dois últimos são mencionados quando se encontram inseridos no ambiente de trabalho do PSF: “Quem cuida mais dessa parte com o agente comunitário e o auxiliar de enfermagem é a enfermeira” (M08Eq0418).

O local de desenvolvimento da EP. Os trabalhadores afirmaram que a EP é realizada na própria unidade de saúde, quando realizada por eles próprios, e que ela ocorre em locais como a sala de reuniões, o consultório médico, ou ainda, em qualquer lugar onde seja possível desenvolver o diálogo. Alguns trabalhadores referiram também que as atividades citadas são realizadas em locais coletivos pertencentes à comunidade, como, por exemplo, no salão paroquial.

Quando as atividades de EP são desenvolvidas pelas instituições, os trabalhadores referiram que a realização das mesmas ocorre em ambientes externos ao território de abrangência da equipe. Assim foram citados lugares como o Centro de Eventos, o Serviço de Pronto Atendimento Médico, o Centro de Apoio Psicossocial, a Universidade, o Hospital Universitário ou, até mesmo, dependendo da atividade, localidades situadas fora do município sede da unidade de saúde:“Em vários locais, no auditório do Pronto Atendimento Médico, às vezes no Centro de Cultura, na Universidade, tem a educação permanente que a gente faz no posto também (...).” (M08Eq0817).

Modo de desenvolvimento da EP. Neste tópico, quando os próprios trabalhadores do PSF produzem as atividades, elas fazem parte do próprio trabalho da equipe, recebendo estímulos das suas instituições gestoras. Na mesma direção, ainda são relatadas com uma periodicidade de desenvolvimento semanal ou quinzenal, inserida na carga horária de trabalho dos sujeitos.

Para o grupo de trabalhadores em questão, a EP caracteriza-se como uma atividade de desenvolvimento coletivo, ou seja, com a participação dos integrantes da equipe. Sendo assim, as reuniões de equipe representam, de acordo com os relatos dos entrevistados, a principal atividade coletiva produtora da EP. Elas permitem a troca de conhecimentos entre os trabalhadores a respeito das necessidades de intervenção, favorecendo o planejamento do trabalho ou, como atividade individual, diante da necessidade de orientação: “Todas as quartas-feiras o posto fecha à tarde (...) mas nós ficamos aqui dentro (...) nós temos esse dia para nós, para reunião da equipe toda, médico, enfermeiro, auxiliar e agentes (...) onde é feito planejamentos, medidas a ser tomadas (...) tudo é debatido, nessa reunião quarta-feira” (M08Eq0720).

Outra possibilidade também relatada pelos entrevistados atrela-se às instituições públicas e privadas que promovem atividades de EP em ambientes externos ao de desenvolvimento do trabalho das equipes do PSF

Na situação apresentada, a participação dos trabalhadores da equipe perpetua-se perante o recebimento de um convite, que tem como finalidade a disponibilização de cursos temáticos, de modo complementar à formação profissional, ministrados em formato de aulas expositivas por especialistas no assunto. As temáticas abordadas abarcam conhecimentos a respeito do prénatal, do pré-câncer, da redução de danos, entre outros, em um formato de simulação do cotidiano do exercício profissional dos trabalhadores: “Eles dão toda aquela palestra, depois fazem a gente atuar, simular grupos, foi bem legal que a gente teve sobre dependentes químicos, que depois eles criaram grupos e a gente tinha que demonstrar como é que era o acolhimento, como é que a gente chegaria nos dependentes químicos, os treinamentos são feitos assim” (M08Eq0401).

Os trabalhadores relataram ainda o caráter coletivo de participação dos integrantes da equipe em um sistema de rodízio, ou seja, o coletivo representa a oportunidade disponibilizada para todas as categorias de trabalhadores do PSF, mesmo que as atividades sejam oferecidas a conjuntos específicos de trabalhadores. Em contrapartida, ressaltam o enfermeiro e o médico como principais representantes da equipe em ocasiões nas quais o caráter coletivo expresso anteriormente não pode ser mantido. A partir daí, os trabalhadores em questão responsabilizam-se pelo compartilhamento das informações e aprendizados obtidos nas atividades entendidas como EP. Destaque- se que, alguns trabalhadores expressaram a excessiva repetição de atividades de educação sobre temas como doenças sexualmente transmissíveis (DST’s) e síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Além disso, expressam a necessidade de explorar outras temáticas atreladas a acidentes domésticos do cotidiano dos moradores das comunidades, por exemplo. Outro aspecto significativo referido pelos entrevistados como parte das atividades de EP é o aperfeiçoamento dos trabalhadores de nível superior pela oportunidade de realizar o Curso de Especialização em Saúde da Família.

A finalidade da EP. Do conjunto de dados analisado, emergiram duas categorias empíricas: qualificação do trabalhador e qualificação da organização do trabalho. A primeira apresenta uma subcategorização emergida a partir do discurso dos entrevistados, que se diferencia pelo grau de escolaridade dos trabalhadores atuantes no PSF, brasileiro, produzindo, assim, as subcategorias: trabalhadores de nível superior e trabalhadores em nível técnico.

A subcategoria, trabalhadores de nível superior, compõe-se de enfermeiros e médicos, para os quais a finalidade da EP reside na promoção de um conhecimento complementar ao da formação profissional.

Para a segunda subcategoria, a dos trabalhadores em nível técnico, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde, a finalidade da EP é referida como a preparação e a adequação do trabalhador no processo de inserção no trabalho do PSF.

As expressões utilizadas, que caracterizam essas duas subcategorias compreendem, respectivamente, o aperfeiçoamento, a capacitação, o treinamento, a revisão do trabalho, e a troca de informações, de conhecimentos entre trabalhadores: “Isso é importantíssimo porque a gente tem que estar se atualizando. Toda área da saúde é uma área dinâmica, não é tu aprendeu aquilo ali e pronto. (...) tanto os agentes, o pessoal da enfermagem, da área médica, odontológica, todo mundo tem que ter uma atualização profissional” (M03Eq1609).

Na categoria qualificação da organização do trabalho, a finalidade da EP foi apontada de maneira consensual entre os trabalhadores, ou seja, não distou de acordo com o grau de escolaridade.

Salienta-se que os trabalhadores em geral referiram a EP como meio de instrumentação profissional que facilita o alcance dos objetivos do trabalho no PSF. No entanto, essa instrumentalização não é referida como suficiente para atingir o produto final do seu trabalho, no momento em que se pretende uma transformação da realidade.

O referido grupo de trabalhadores utilizou termos como resolutividade de ações do trabalho, melhoria do atendimento, criação de vínculos com a comunidade, discussão das rotinas do trabalho para enfatizar a finalidade da EP: “A finalidade, instrumentalizar, atualizar, para poder estar sempre aberta para incorporar mais conhecimentos e direcionar mais o trabalho, aos resultados, aos objetivos que vão surgindo” (M11Eq1223).

 

DISCUSSÃO

A EP na concepção predominante dos trabalhadores do PSF investigados desenvolve-se no ambiente de trabalho com a participação do conjunto de trabalhadores e em parceria com instituições públicas e privadas.

Essa concepção de EP reflete o processo de autonomia imbricado na municipalização da saúde, no qual as responsabilidades englobam os diversos níveis de produção em saúde. Nesses, o PSF, como primeiro espaço de acesso das comunidades aos serviços, envolve os trabalhadores da equipe nas tarefas de formulação, planejamento e implementação de políticas, estratégias, ações e serviços de saúde.6

O envolvimento dos trabalhadores com as políticas públicas promove a necessidade de uma formação complementar proposta pela PNEPS. 2 O

contraponto exposto pelos trabalhadores quanto à parcialidade na existência das atividades de EP e até mesmo quanto à negação de sua existência no trabalho do PSF, pode estar tendendo a um artifício crítico-reflexivo acerca da temática e, portanto, pode-se também considerá-los detentores do conhecimento sobre o conceito discutido.

Os trabalhadores, ao evidenciarem sua aproximação com as atividades educativas, por meio do seu trabalho, demonstram condições de mudanças, as quais os colocam como sujeitos pró-ativos para o desenvolvimento de transformações necessárias no setor saúde. Assim, o trabalhador torna-se responsável pelo processo de EP, no contexto do seu trabalho. Nessa proposição, esse processo tem o sentido de reflexão e ação e se desenvolve a partir das necessidades do próprio trabalho.1

É nele que os entrevistados tornam-se sujeitos da EP, ao criarem espaços pedagógicos de educação. Dessa forma, eles se mantêm como referências para os demais trabalhadores da equipe e para as instituições públicas e privadas. Estas estimulam o aprimoramento dos conhecimentos em saúde, ao mesmo tempo em que, objetivam promover multiplicadores em educação mais próximos do contexto comunitário.

As atividades organizadas pelas instituições apresentam-se como formas tradicionais de educação,7 focadas em um determinado tema e remetendo aos cursos para redução de danos ou de prevenção das DST’s e da AIDS, produzidos de modo massivo e repetitivo. No entanto, essa repetição pode ter como justificativa a necessidade da gestão do PSF de cumprir as metas consideradas prioritárias na política pública de saúde na aderência aos programas verticais preconizados pelo Ministério da Saúde.8

A crítica dos trabalhadores quanto à forma de desenvolvimento das atividades educativas se dá no sentido da falta de adequação das temáticas às suas necessidades de trabalho. Isso permite inferir que eles conhecem a sua realidade de trabalho, conforme a proposta do trabalho em Saúde da Família, além de sentirem necessidade de explorar temas que possibilitem a aplicabilidade direta também nas situações de saúde do cotidiano doméstico dos moradores da comunidade. Nesse sentido, os processos educativos desenvolvidos pelas instituições buscam inserir a reflexão crítica sobre as práticas assistenciais,9 como também, estimular a aplicação de conhecimentos compartilhados entre trabalhadores na prática do trabalho. Partem, portanto, da produção de uma educação continuada para o alcance da EP.

Assim, nos diferentes modos de desenvolvimento apreendidos, os processos educativos servem como um instrumento de trabalho, de forma que os enfermeiros podem ser, ao mesmo tempo, aprendizes (objetos) e produtores (sujeitos) desses processos no trabalho. E no enfoque apresentado, a EP visa à transformação dos trabalhadores em sujeitos a partir da modificação de valores e conceitos, colocando-os no centro do processo de ensino/aprendizagem.4 Dessa forma, através da ação e reflexão do trabalhador sobre o trabalho que realiza, o seu conteúdo pode ser transformado e desdobrado em substancialidade, mediado pelas relações sociais cada vez mais complexas e articuladas por interesses diversos. É a partir do interesse que se reproduzem e se recriam novos conceitos para serem operados ou para se colocarem em materialização.10

No duplo sentido de objeto/sujeito pelo trabalhador, no processo educativo, pode ocorrer a apropriação do seu trabalho por meio da reflexão e da ação diante das situações que se apresentam no seu cotidiano. A EP, enquanto instrumento, pode auxiliar na organização do trabalho para o alcance do seu produto, de acordo com as finalidades requeridas que representam a possibilidade de responder adequadamente aos problemas e às necessidades de saúde da população em seu contexto local.

Sendo assim, torna-se evidente a finalidade principal do processo educativo para os trabalhadores da saúde da família: atender as necessidades de todos, trabalhadores e usuários dos serviços de saúde, indo ao encontro da universalidade das ações.

Na perspectiva de adequação e qualificação para o trabalho, os trabalhadores enfermeiros se destacaram tanto como receptores quanto como realizadores dos processos educativos, fato que pode estar associado à própria formação deste trabal-

hador, constituída de um saber tecnológico para a educação,11 permitindo identificar o papel de educador dentre as atribuições do enfermeiro. Diante disso e apoiado em Peres e Ciampone,12 verificase que o trabalho do enfermeiro abarca as atividades do cuidar e do gerenciar. Para as autoras, os recursos humanos e a organização do trabalho são objetos de trabalho desse profissional, tendo como finalidade a geração de recursos humanos qualificados e a organização do trabalho para, assim, obter as condições adequadas de assistência e de trabalho, buscando desenvolver a atenção à saúde. Em outras palavras, o enfermeiro tem a incumbência da qualificação dos demais trabalhadores integrantes da equipe, quando a mesma se faz necessária.

A mencionada ocorrência está voltada às finalidades apreendidas, as quais concomitantemente direcionam-se à qualificação do trabalhador e à organização do trabalho, viabilizando a melhoria dos serviços da saúde da família. Assim, a gestão do PSF busca garantir a eficiência do trabalho ao promover a atualização, melhoria da competência técnica e a dinamização da autonomia dos trabalhadores, o que, conseqüentemente produz a sua instrumentalização. Por fim, percebe-se a relação entre a força e o ambiente de trabalho, revelando a indissociabilidade de ambos para a produção qualificada do trabalho. Isso deve ser entendido por meio da óptica do processo de trabalho marxista, na qual o trabalho representa a aplicação de uma força para a produção de uma mercadoria; no presente estudo, esta se constitui na qualificação dos trabalhadores e do ambiente de trabalho.

A produção requer uma matéria-prima que se constituirá no instrumental viabilizador do processo de trabalho para o alcance de um determinado fim.13 A matéria-prima deste estudo caracterizase pelos conhecimentos teóricos apreendidos pela força de trabalho e aplicados em sua prática profissional, o que é conceituado como EP.

Com base no conjunto de dados apresentados e na relação com os conceitos de EP e Continuada apresentados por Mancia, Cabral, Koerich,14 evidenciase que os trabalhadores entrevistados não percebem as diferenças dos referidos processos de educação. Especialmente, quanto ao público alvo,que necessita da multiprofissionalidade, que se constitui em uma prática institucionalizada, focada em problemas de saúde, com o fim de transformar as práticas técnicas e sociais, com uma periodicidade contínua, ou seja, com uma abordagem implicada na resolução de problemas, que resultam em mudanças no viver das comunidades.14

Em consideração final, é possível, por meio deste estudo, constatar que a EP, como um processo contínuo e dinâmico, na concepção dos enfermeiros investigados, está presente no contexto das práticas cotidianas de cada categoria profissional, atuante na equipe do PSF no Brasil, e atrelada as suas particularidades técnico-científicas.

No espectro de desenvolvimento da EP proposto, os enfermeiros evidenciam-na como uma de suas práticas produzidas de modo compartilhado com instituições públicas e privadas. Além disso, destacam- se como sujeito realizador principal no trabalho desenvolvido na e pela equipe. Ele atua de modo a integrar e compartilhar os conhecimentos com os diferentes trabalhadores.

A EP, ao ser desenvolvido pelos trabalhadores, ocorre nos limites de atuação da equipe, seja na própria unidade ou nos espaços sociais comunitários. Ela é enfatizada pelos enfermeiros como atividade coletiva, na qual há o agrupamento das diferentes categorias profissionais atuantes no PSF para o planejamento do trabalho, destacando o espaço interativo das reuniões de equipe.

Por outro lado, quando a EP é produto de instituições públicas e privadas, os trabalhadores são convidados a obterem uma formação profissional complementar, a qual é desenvolvida em ambientes exteriores ao de atuação. O fator de localização do coletivo de trabalhadores, entendido como acesso individual de todas as categorias profissionais atuantes no PSF, produz um sistema de rodízio entre os trabalhadores para não prejudicar o funcionamento das unidades e assegurar o mínimo de atenção à saúde das populações.

Em situação que não se possa produzir o sistema de rodízio, os trabalhadores enfermeiro e médico são responsabilizados pela aquisição de conhecimentos e pelo posterior compartilhamento com os demais membros da equipe.

Enquanto produto das instituições, o conceito de EP é confundido com o de educação continuada, já que, esta permite o aprimoramento dos conhecimentos técnico-científicos como forma de promover uma prática centrada em particularidades ou especialidades de uma categoria profissional.

As atividades de EP são concebidas, nos relatos dos enfermeiros entrevistados, como uma ação que tem por fim a qualificação do processo de trabalho: seja a qualificação do próprio trabalhador para atuar, o qual se constitui na força propulsora das ações em saúde nos diversos níveis de atuação; seja para a qualificação da organização do trabalho, uma vez que esta é produto da ação dos trabalhadores em seu ambiente de trabalho. Portanto, as finalidades apontadas para a EP estão correlacionadas, pois representam a qualificação da força e do ambiente de trabalho.

 

REFERÊNCIAS

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Fecha de Recibido: 3 de diciembre de 2009. Fecha de Aprobado:4 de junio de 2010.

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