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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.29 no.3 Medellín Oct./Dec. 2011

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE/ ARTIGO ORIGINAL

 

Percepção da equipe de enfermagem no acompanhamento do processo de trabalho no Programa Saúde da Família

Percepción del equipo de enfermería sobre el acompañamiento en el proceso de trabajo en el programa Salud de la Familia

Nursing team perception in the accompanying of the work process in the Family Health program

 

 

Leticia Silveira Cardoso1, Marta Regina Cezar-Vaz2, Valdecir Zavarese da Costa3, Jorgana Fernanda de Souza Soares4, Mara Regina Santos da Silva5

 

1Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem. Professora da Universidade da Região da Campanha/Bagé, Brasil. email: lsc_enf@yahoo.com.br.

2Enfermeira, Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande, Brasil. email: cezarvaz@vetorial.net.

3Enfermeiro, Doutor em Educação Ambiental. Professor do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Pampa, Brasil. email: valdecircosta@unipampa.edu.br.

4Enfermeira, Doutoranda em Saúde Pública da Universidade Federal da Bahia, Brasil. email: jfss_rs@hotmail.com.

5Enfermeira, Doctora em Enfermagem. Professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande, Brasil. email: marare@brturbo.com.br.

 

Subvenciones y ayudas: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS; e Laboratório de Estudos de Processos Socioambientais e Produção Coletiva de Saúde – LAMSA.

Conflicto de intereses: ninguno a declarar.

Cómo citar este artículo: Cardoso_LS, Cezar-Vaz MR, Costa VZ, Soares JFS, Silva MRS. Percepção da equipe de enfermagem no acompanhamento do processo de trabalho no Programa Saúde da Família. Invest Educ Enferm. 2011;29(3): 391-399.

 


 

RESUMO

Objetivo. Descrever as percepções da equipe de enfermagem com respeito à importância, ações e propósitos do acompanhamento realizado no processo de trabalho no programa de Saúde da Família (SF). Metodologia. Estudo descritivo qualitativo no participaram 185 pessoas da equipe de enfermagem que laboram em 12 municípios que possuem unidades de SF inscritos à Terceira Coordenação Regional de Saúde de Rio Grande do Sul, Brasil. Fizeram-se entrevistas semi-estruturadas que foram gravadas, cuja informação foi posteriormente analisada com o software NVivo 7.0. Resultados. Destacam-se as ações de investigação das necessidades em saúde. A assistência, a administração e os procedimentos curativos têm um fluxo normativo trabalhista. A finalidade do acompanhamento é a criação de um vínculo entre enfermeiros e agentes comunitários de saúde, o qual facilita o alcance das metas da estratégia de saúde familiar e que também permite a organização do trabalho nas unidades. Conclusão. O acompanhamento ao pessoal de enfermagem que trabalham em SF é um processo contínuo que deve ser apoiado pela comunidade.

Palavras chaves: programa saúde da família; acolhimento; relações interpessoais; pesquisa em enfermagem.

 


 

RESUMEN

Objetivo. Describir las percepciones del equipo de enfermería con respecto a la importancia, acciones y propósitos del acompañamiento realizado en el proceso de trabajo en Salud de la Familia (SF). Metodología. Estudio descriptivo cualitativo en el que participaron 185 personas del equipo de enfermería que laboran en 12 municipios que poseen unidades de SF adscritos a la Tercera Coordinación Regional de Salud de Rio Grande do Sul, Brasil. Se hicieron entrevistas semiestructuradas que fueron grabadas, cuya información fue posteriormente analizada con el software NVivo 7.0. Resultados. Se destacan las acciones de investigación de las necesidades en salud. La asistencia, la administración y los procedimientos curativos tienen un flujo normativo laboral. La finalidad del acompañamiento es la creación de un vínculo entre enfermeros y agentes comunitarios de salud, el cual facilita el alcance de las metas de la Estrategia de SF y, también, facilita la organización del trabajo en las unidades. Conclusión. El acompañamiento al personal de enfermería que trabaja en SF es un proceso continuo que debe ser apoyado por la comunidad.

Palabras clave: programa de salud familiar; acogimiento; relaciones interpersonales; investigación en enfermería.

 


 

ABSTRACT

Objective. To describe the nursing team perceptions regarding the importance, actions and purposes of accompanying the work process in the Family Health program (FH). Methodology. Descriptive study, where 185 people from nursing teams that work in 12 cities that have FH units subscribed to the Third Regional Health Coordination of Rio Grande do sul, Brazil, participated. Semi-structured interviews were recorded; collected data was analyzed using the NVivo 7.0 software. Results. Research actions of the health necessities are highlighted. Attendance, management, and healing procedures have workflow regulations. The purpose of accompanying is the creation of links between sick people and health communitarian agents, which facilitate reaching the goals of the family health strategy and also allow work organization in the units. Conclusion. Accompanying for the nursing personnel who work in the FH is a continuous process that should be supported by the community.

Key words: family health program; user embracement; interpersonal relations; nursing research.

 


 

INTRODUÇÃO

Este estudo está construído na ambiência de Saúde da Família, está como uma estratégia de reformulação da Atenção Básica à Saúde que propõe centralizar o processo de trabalho em ações de promoção às condições determinantes da saúde de uma população. Frente ao cenário exposto, o objetivo deste estudo compõe-se do interesse em conhecer a percepção da equipe de enfermagem a respeito da força, das ações e das finalidades do acolhimento desenvolvido no processo de trabalho em Saúde da Família.

Sua contribuição científica reside na descrição da inserção do acolhimento no processo de trabalho em Saúde da Família, de modo a enfatizar sua operacionalização, salientando-o no espectro de articulação trabalhador-saúde-comunidade. Para a Enfermagem, em particular, este estudo busca diferenciar a abordagem gerencial no tangente aos recursos materiais e humanos, acrescentando este conhecimento na prática em saúde para além do ambiente de Saúde da Família, ou seja, estendendo-o a espaços coletivos de interação do enfermeiro situados na própria comunidade, tais como domicílios, instituições religiosas, associações locais, entre outras.

acolhimento pode ser entendido como formação de vínculo trabalhadores-comunidade que permite a concreticidade do trabalho em Saúde da Família. Potencializa ainda o viver dos trabalhadores ao assegurar sua sobrevivência, ao promover a satisfação pessoal e o reconhecimento social, além de ser fonte de prazer e realização profissional.1 Torna-se relevante elucidar a abrangência da Saúde da Família que delimita seu território de ação em um determinado espaço, localidade, direcionando a assistência em saúde para o perfil epidemiológico da população,2 princípio de territorialização. A integralidade e a intersetorialidade permitem apreender o conjunto de fatores de interferência no nível de saúde do indivíduo e sua família e proceder ao encaminhamento apropriado, de modo a garantir o acesso aos recursos da saúde.3 Assim, o acolhimento como vínculo compõe a materialidade do trabalho em saúde que permite a aproximação do trabalhador com a comunidade e a aplicação dos referidos princípios.

A complexidade desta estratégia de ação requer uma força de trabalho capaz de articular-se no intuito de compreender o contexto sócio-cultural dos seus clientes e construir um campo de diálogo que abranja suas representações sociais. Para isso, a Saúde da Família postula o princípio de equipe multiprofissional,4 cuja é preconizada minimamente pela existência de um enfermeiro, um médico, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde.

Diante desta conjuntura de trabalho, emergem os princípios de participação e controle social na direção de proporcionar aos clientes autonomia na tomada de decisão no seu processo saúde-doença, tornando-os cogestores na busca de um maior grau de saúde.4 Paralelamente, consolida-se o princípio de responsabilização entrelaçando a força de trabalho aos clientes com a finalidade de produzir saúde.

O caráter substitutivo deste novo modelo de atenção busca remodelar as ações de trabalho em estruturas já construídas com o ensejo de ocasionar progressivamente a transformação do modelo biocentrado e o alcance pleno dos fundamentos do Sistema Único de Saúde frente ao um novo processo de trabalho que assegura a construção de cidadãos.5 Neste espectro de legitimação da Saúde da Família, em que o acolhimento permeia as demais ações buscou-se, então, evidenciar o processo de trabalho como um caminho de produção coletiva de saúde.

O objetivo desta pesquisa há sido descrever as percepções da equipe de enfermagem com respeito à importância, ações e propósitos do acompanhamento realizado no processo de trabalho em Saúde da Família.

 

METODOLOGIA

Estudo exploratório, descritivo e analítico, transversal ao acolhimento no processo de trabalho em Saúde da Família.6 Constituído por 12 municípios que possuem 49 unidades de Saúde da Família, as quais abarcam 65 equipes adscritas a Terceira Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul (3a CRS/RS), Brasil.

Para a seleção dos sujeitos, se estabeleceram como critérios de inclusão o tipo de gestão em saúde do município (Gestão Plena da Atenção Básica ou a Gestão Plena de Sistema Municipal); o tempo de atuação na equipe é no mínimo de seis meses e a aceitação dos sujeitos em participar do estudo. Deste modo, o estudo contemplou 59 enfermeiras, 60 auxiliares de enfermagem e 66 agentes comunitários de saúde, totalizando uma amostra de 185 sujeitos. Destaca-se que a inclusão dos agentes comunitários de saúde na equipe de enfermagem decorre da responsabilidade legalmente atribuída ao enfermeiro da Saúde da Família pela supervisão das atividades desenvolvidas por aqueles trabalhadores.5

Quanto aos aspectos éticos do estudo, tem-se a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande - protocolo CEPAS-FURG nº. 02/2004 e da 3ºCRS/RS - ofício nº. 1299, responsável pela coordenação regional das equipes da Saúde da Família na região do estudo e para coleta de dados, utilizaram-se o termo de consentimento livre e esclarecido do participante. A coleta de dados foi realizada no período 2007 por meio de entrevista semiestruturada gravada. Os dados das entrevistas foram analisados qualitativamente7 através do processo de codificação axial, seletiva e aberta, usando-se o software NVivo 7.0. O axioma constitui-se do núcleo de sentido da categoria teórico-empírica elaborada que abarcou a seleção de sentidos convergentes nas narrativas analisadas em sua totalidade e amplitude.6

 

RESULTADOS

Força de trabalho referencial para o acolhimento. A equipe de Enfermagem revela como força de trabalho principal para o desenvolvimento do acolhimento o trabalhador enfermeiro com 98 referências, o auxiliar de enfermagem com 72, o médico com 60, o agente comunitário de saúde com 36 e outros trabalhadores atuantes na Saúde da Família com 30, os quais compreendem o burocrata, o psicólogo, o assistente social, o nutricionista, o fisioterapeuta, o odontólogo, o auxiliar de consultório dentário, o auxiliar de limpeza e o vigilante (Tabela 1).

Ações de trabalho desenvolvidas no acolhimento. Este item abrange o fazer do trabalhador apresentado nas seguintes categorias: a) procedimentos curativos: compõem-se de referências a realização das imunizações, de testes de glicemia, curativos, pesagens e verificação de sinais vitais; b) ações assistenciais: abarcam a realização das consultas de pré-natal, ginecológicas, exame, controle, acompanhamento e avaliação do cliente; c) ações administrativas: relacionadas ao agendamento, ao encaminhamento dos clientes e aos registros em saúde; c) ações investigativas: abrangem o campo de diálogo produzido entre trabalhadores e comunidade no acolhimento, compreendendo o conversar, o orientar, o explicar, o questionar, o ouvir, o cumprimentar, o receber, o solicitar e o solucionar. Na produção em saúde da família relatada pela equipe de enfermagem (Tabela 2) destacaram-se ações investigativas como a principal característica do Acolhimento com 199 referências, as ações administrativas com 130, as ações assistenciais com 108 e os procedimentos curativos com 77.

Finalidades do acolhimento na percepção da equipe de enfermagem. O processo de trabalho é desempenhado pelos trabalhadores em busca do alcance de produtos, na particularidade deste estudo os fins da produção constituem-se nas seguintes categorias: a) alcance de metas: compreende a investigação das necessidades de saúde, a realização da assistência e a resolutividade das ações; b) formação de vínculo: contempla o estabelecimento de um relacionamento mútuo entre trabalhadores e comunidade que propicie apoio, segurança, confiança, proximidade e credibilidade para o trabalho em Saúde da Família; c) bem estar da comunidade: constitui-se pela satisfação e tranquilidade dos indivíduos e a capacidade de produzir a solidariedade entre os trabalhadores e a comunidade; d) organização do trabalho: no sentido de facilitar e agilizar sua realização, proporcionar respaldo para os trabalhadores e o alcance dos objetivos da Saúde da Família; e) interação: referente ao campo de diálogo desencadeado pelo contato dos trabalhadores com os clientes para a troca de informações em uma conjectura de emissão-recepção-emissão das mensagens produzidas pelo ato cíclico de falar, ouvir e interpretar; f) universalidade: intrinsecamente relacionada ao acesso da comunidade aos serviços de saúde e ao sistema de referência e contra-referência.

O alcance das metas em Saúde da Família foi à principal finalidade do acolhimento, com 62 referências. Consecutivamente, tem-se a formação de vínculo com 61, o bem estar da comunidade com 49, a organização do trabalho com 42, a interação com 33 e a universalidade com 29 (Tabela 3).

 

DISCUSSÃO

O acolhimento como princípio de Saúde da Família tem no enfermeiro sua força de trabalho principal na percepção da equipe de enfermagem. Esta evidência pode estar relacionada ao status que o mesmo possui para o conjunto investigados, devido ao desempenho de diferentes funções tais como: planejamento, gerenciamento, coordenação e avaliação das ações de trabalho, especialmente dos agentes comunitários de saúde.5

Dentre as ações do enfermeiro o monitoramento e a avaliação do processo de trabalho torna-o ou exige dele uma maior habilidade comunicativa contribuindo, assim, para o domínio de estratégias com fins de informar os demais membros da equipe e/ou da comunidade e de influenciar as decisões seja em âmbito individual ou coletivo em convergência à perspectiva de promoção da saúde.4

As estratégias utilizadas pelo enfermeiro podem ser consideradas como parte das ações de investigação produzidas predominantemente, neste estudo, pelos enfermeiros. Estes são caracterizados como articuladores do trabalho da equipe multiprofissional e como propulsores das relações interativas desencadeadas com a comunidade atendida no processo cotidiano de trabalho em Saúde da Família.2

Outro achado significativo do estudo que ora se esta apresentando refere-se à divergência de perspectiva dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) a respeito da força de trabalho no desenvolvimento do acolhimento. Tem-se que o conjunto da equipe de enfermagem indica o enfermeiro como principal sujeito e posteriormente o auxiliar ou técnico de enfermagem, mas em uma análise individual observa-se que os ACS apontam para o trabalhador médico ao invés do auxiliar ou técnico de enfermagem.

O aspecto da força de trabalho relacionado à percepção dos ACS pode estar delimitado pela forma de construção do trabalhador, na qual se pode ter acentuado a hierarquia das ações e dos saberes por tipo de profissão. Isto corrobora com resultados já relatados na literatura em que há evidencias de que se perpetuam semelhanças entre o processo de trabalho das unidades básicas de saúde e das unidades de saúde da família no tanPercepção gente a operacionalização das ações em saúde.9 A capacitação do trabalhador ACS constitui-se em um fator divulgado, para o qual se propõem a produção de atitudes crítico-reflexivas. Estas organizadas no interior do processo de trabalho desenvolvido na unidade de saúde da família com a participação de todos os membros da equipe multiprofissional.10

Vislumbrou-se, de modo geral, que o acolhimento se constitui em ação de trabalho de todos os membros da equipe básica de Saúde da Família, na percepção da equipe de enfermagem. Parte do desafio do trabalho em equipe e em saúde relaciona-se a organização complexa do trabalho, a qual envolve diferentes saberes profissionais e responsabilidade coletiva em superar o agir de maneira fragmentada, rompendo o isolamento e as relações de poder entre trabalhadores e destes com a comunidade.11 Esta ruptura pode ser considerada presente no agir dos trabalhadores em Saúde da Família como inferido pela equipe de enfermagem, a qual destaca as ações investigativas como predominantes na relação trabalhador-comunidade, produzida a partir do campo de diálogo construído no acolhimento. Logo, esta interação propulsiona a transformação do processo de produção de saúde por tornar a comunidade participante e capaz de negociar sua inserção nos serviços de saúde.12

A possibilidade em articular a hierarquia organizacional do trabalho instituído com os caminhos apontados pela comunidade constitui-se em uma estratégia inovadora que está aderida a compreensão que os trabalhadores da equipe de enfermagem atuante em Saúde da Família atribuem ao modo de operacionalizar o trabalho na vigência do princípio de formação de vínculo.

Sua operacionalização exige dos trabalhadores um agir refletido em sua fundamentação teórico-crítico da dinâmica do seu próprio processo de trabalho, das relações interpessoais em confluência no ambiente, das condições e possibilidades para a prática pretendida.

Este exercício cotidiano de (re)conhecer o acolhimento na essência das diferentes relações plausíveis de serem construídas por meio das ações de trabalho, algumas vezes, ainda não permite aos trabalhadores incorporarem as necessidades da comunidade em seu modo de produção em saúde em função do gasto de energia necessário para manter a reciprocidade nas interações quando não há investimento do coletivo.13

O investimento do coletivo pode estar limitado por um modelo de gestão da equipe local ou municipal que procura manter a padronização do trabalho, dos recursos humanos e materiais. A utilização de protocolos de atendimento para a sistematização das rotinas representa uma necessidade para consolidar-se e diferenciar-se o trabalho em Saúde da Família.4 Essa consolidação pôde ser apreendida no presente estudo por meio das demais ações inferidas pelos trabalhadores as quais se relacionam a manutenção do fluxo do processo de trabalho na saúde. De modo que, as ações administrativas, assistências e a realização de procedimentos curativos também foram evidenciadas nos relatos da equipe de enfermagem, o que aponta para o valor socialmente difundido da prática clínica do trabalho na saúde.

O trabalho na saúde ao ser orientado para as necessidades sociais contempla além das ações de conservação da vida, os diferentes projetos de realização pessoal dos envolvidos. Contudo, a conceituação social predominante entre os próprios trabalhadores e para a comunidade para tal realização torna-se possível pelo atendimento prioritariamente centrado nas questões orgânicas produzido em relações de trabalho individualizadas.14

Ao se observar a finalidade do acolhimento, na narrativa da equipe de enfermagem, se destaca o ensejo do coletivo de trabalhadores em solucionar as problemáticas na saúde a partir do suprimento das necessidades da saúde investigadas. Fato que concretiza paralelamente o acolhimento no processo de trabalho em Saúde da Família como instrumento tecnológico para operacionalizar o alcance das metas de atendimento na perspectiva orgânica de atenção à saúde da comunidade. O reconhecimento das necessidades de saúde por meio do acolhimento aponta para lacunas que estão associadas aos instrumentos para operacionalizá-las, pois os trabalhadores não valoram as informações obtidas em sua prática cotidiana como fonte de possibilidade à inovação das práticas em saúde-cuidado.

As ações em saúde para algumas equipes de Saúde da Família são visualizadas a partir de estatísticas que quantificam o atendimento a comunidade, mesmo que estas informações não expressem o modo de operacionalização para identificação das necessidades na saúde, nem como reorganizar o processo de trabalho para o enfrentamento destas.15

A compilação das informações em Saúde da Família na forma de registros na saúde estão direcionadas a fins de comprovação do trabalho e acompanhamento do processo saúde-doença da comunidade corroborando para o planejamento e avaliação das estratégias de trabalho que se retroalimentam a partir da conversação estatística das ações.16

O presente estudo evidencia ainda a formação de vínculo como finalidade significativa do acolhimento narrada pela coletividade dos entrevistados como forma de relação recíproca para consolidação do trabalho na saúde, pautado no respeito à intimidade e às diferenças entre trabalhadores-comunidade. Tal respeito às singularidades dos envolvidos no processo de produção da saúde adere-se e transforma a operacionalização do cuidado nas ações dos trabalhadores de Saúde da Família. Este aspecto corrobora a capacidade de resolutividade das necessidades em foco neste trabalho na saúde fundamentada na interação trabalhador-comunidade pela produção de um cuidado que evidencia a competência técnica e o comprometimento ético da equipe de enfermagem com a emancipação e a transformação do processo saúde-doença.17

Outra particularidade encontrada neste estudo refere-se à análise dos enfermeiros que destacam a formação de vinculo como finalidade máxima do acolhimento em Saúde da Família. Contrapondo-se a compreensão dos auxiliares de enfermagem que destacam o alcance das metas e a organização do trabalho. Saúde da Família apresenta um trabalho na saúde com características diferentes dos demais serviços deste setor por ter uma equipe proposta para desenvolver ações comuns e coletivas. Tais ações representam condições favoráveis à articulação criativa e autônoma da comunidade para com a equipe.18

Espaços coletivos de interação propiciados pelas atividades em grupo desenvolvidas em Saúde da Família reforçam o referido vínculo deste estudo. Nestas atividades tem-se a participação da comunidade na produção de diversas ações na saúde promovidas a partir de planejamento prévio como forma de evitar repetições que possam afastar a participação comunitária.12

Os enfermeiros buscam intervir sobre as necessidades de saúde da comunidade pelo atendimento imediato das problemáticas orgânicas, entretanto propõem-se a análise e incluir em suas ações de cuidado a determinação social da saúde atrelada ao modo de viver, trabalhar e relacionar-se dos clientes.2

Os clientes ao discorrem a respeito das ações em Saúde da Família apontam satisfatoriamente para as preocupações da equipe em prevenir doenças e promover a saúde, mesmo que evidenciem a dificuldade de acesso a determinados trabalhadores e medicações. A participação da comunidade na organização do trabalho representa uma possibilidade autoreferida para viabilizar a integralidade da atenção à saúde da família.19

A comunidade e a equipe de Saúde Família ao analisarem a organização do trabalho evidenciam a sobrecarga dos trabalhadores em decorrência do número de atendimentos e ações necessários para amenizar as necessidades de saúde de uma comunidade. Neste contexto, mencionam o acolhimento como diferencial qualificador do trabalho importante para organização da equipe e gestão das demandas na saúde.20

O processo de trabalho em Saúde da Família a partir da percepção de acolhimento da equipe de enfermagem permitiu vislumbrar sua operacionalização pelo conhecimento dos seus operacionalizadores e suas finalidades. O acolhimento fortalece a articulação trabalhador-saúde-comunidade por propiciar que a comunidade manifeste-se a respeito do seu processo saúde-doença pela sugestão de estratégias de ações.

O acolhimento pode ser entendido como uma abordagem ou tecnologia inerente a força de trabalho, de modo não-nato, ou seja, passível de aquisição por meio da educação continuada e permanente dos trabalhadores, bem como pela articulação entre trabalhadores e comunidade. Os elementos do processo de trabalho investigados - força, ações e finalidades - no tangente ao desenvolvimento do acolhimento em Saúde da Família indicam a complementaridade nas ações de trabalho decorrentes da capacidade de interagir, ou seja, de estar em contato e produzir reciprocidade no modo de agir e comportar-se para promover saúde individual e coletiva.

Os enfermeiros se reconhecem e são reconhecidos como a principal força de trabalho promotora do acolhimento em Saúde da Família na percepção da equipe de enfermagem. Consecutivamente, evidencia-se a força de trabalho dos auxiliares de enfermagem, mesmo que em uma análise individual os agentes comunitários de saúde refiram o trabalhador médico ao invés dos enfermeiros.

As ações de trabalho reforçam a compreensão de acolhimento associada ao agir profissional direcionado para a investigação das necessidades na saúde, absorvidas na sua singularidade orgânica, mas operacionalizadas, pela equipe de enfermagem e especialmente pelos enfermeiros, não somente como modo de restabelecer padrões de saúde. Elas permitem, por meio do acolhimento, a articulação necessária para manter-se o respeito entre trabalhadores e comunidade no tocante a abordagem de aspectos da intimidade das relações nucleadas no contexto familiar.

O agir de modo acolhedor não restringe as ações a investigação das necessidades na saúde, somente amplia a produção de cuidados decorrentes dos procedimentos curativos e da assistência as exigências orgânicas da comunidade. Isto corrobora para que se perceba a formação de vínculo como finalidade máxima do processo de trabalho em Saúde da Família na perspectiva do acolhimento, como referido principalmente pelos enfermeiros. O alcance das metas e a organização do trabalho, neste sentido, representam aspectos nevrálgicos para a produção de saúde-cuidado emancipatória, para a qual o acolhimento pode tornar-se o instrumento tecnológico de captação de informações, de planejamento e análise das necessidades sociais da comunidade. Para tanto, requer-se não somente a capacidade dos trabalhadores em interagir com a comunidade, mas também de obterem suporte para realização de registros em sistemas locais informatizados e de fácil acesso à equipe, tais como o prontuário eletrônico do cliente.

 

REFERÊNCIAS

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Fecha de Recibido: 3 de mayo de 2011. Fecha de Aprobado: 16 de agosto de 2011.

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