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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.29 no.3 Medellín Oct./Dec. 2011

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE/ ARTIGO ORIGINAL

 

Significado da morte e de morrer para os alunos de enfermagem

Significado de la muerte y del morir para los alumnos de enfermería

The meaning of death and dying for nursing students

 

 

Farley Soares Cantídio1, Maria Aparecida Vieira2, Roseni Rosângela de Sena3

 

1Enfermeiro. Servidor Público do Hospital Universitário Clemente de Faria de Montes Claros, Brasil. email: arleysoaresc@yahoo.com.br.

2Enfermeira, Mestre em Enfermagem. Professora da Universida de Estadual de Montes Claros, Brasil. email: di.vieira@ig.com.br.

3Enfermeira, Doutora em Enfermagem. Professora da Universida Federal de Minas Gerais, Brasil. email: rosenisena@uol.com.br.

 

Subvenciones y ayudas: Estudo de campo, autofinanciado, realizado em Montes Claros, Minas Gerais - Brasil, entre novembro de 2009 e julho de 2010.

Conflicto de intereses: ninguno a declarar.

Cómo citar este artículo: Cantídio FS, Vieira MA, Sena RR. Significado da morte e de morrer para os alunos de enfermagem. Invest Educ Enferm. 2011;29(3):407-418.

 


 

RESUMO

Objetivo. Descrever o significado da morte e de morrer para os alunos de último de ano de Enfermagem da Universidade Estatal de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Metodologia. Estudo qualitativo exploratório que utilizou a entrevista semi-estruturada com guia como instrumento de recolha dos dados. Os sujeitos foram alunos de Enfermagem matriculados em 2010 e que cursavam os semestres 7º e 8º. Os dados foram analisados com a técnica de análise do discurso. Resultados. Os entrevistados conceituaram a morte como "mistério", "perda" de uma pessoa querida e como "transição" ou "passo" da existência a de vida a outra depois da morte. Ao construir significados a respeito da finitude, expressaram sentimentos de tristeza, sofrimento e impotência frente às poucas experiências vividas nesse confronto. Para alunos, a formação recebida no pré-graduação contribuiu pouco no cuidado de pessoas moribundas. Conclusão. Os alunos participantes têm uma formação insuficiente nos conceitos e metodologias de cuidado de pessoas que estão enfrentando à morte.

Palavras chaves: atitude frente a morte; estudantes de enfermagem; educação

 


 

RESUMEN

Objetivo. Describir el significado que dan a la muerte y al morir los alumnos de los graduandos de Enfermería de la Universidad Estatal de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Metodología. Estudio cualitativo exploratorio que utilizó la entrevista semiestructurada con guía como instrumento de recolección de los datos. Los sujetos fueron seis alumnos matriculados en 2010, quienes cursaban los semestres 7º y 8º. Se exploraron los datos con la técnica de análisis del discurso. Resultados. Los entrevistados conceptuaron la muerte como "misterio", "pérdida" de una persona querida y como "transición" o "paso" de la existencia de la vida a la muerte. Al construir significados acerca de la finitud, expresaron sentimientos de tristeza, sufrimiento e impotencia frente a las escasas experiencias vividas en su desempeño laboral. Para los alumnos, la formación recibida en el pregrado ha contribuido poco en el cuidado de personas moribundas. Conclusión. Los alumnos participantes tienen una formación insuficiente en los conceptos y en la utilización de métodos y procedimientos en el cuidado de personas que están enfrentando la muerte.

Palabras clave: actitud frente a la muerte; estudiantes de enfermería; educación.

 


 

ABSTRACT

Objective. To describe the meaning of death and dying for students in the last year of nursing in the Estatal de Montes Claros University, Minas Gerais, Brazil. Methodology. Exploratory qualitative study, which used guided semi-structured interview as instrument to collect data. Nursing students enrolled in the program in 2010 who were in the 7th and 8th semester were studied. Data was analyzed using the discourse analysis technique. Results. Interviewees saw death as a "mystery", "loss" of a loved one, and as a "transition" or "passing" from life existence to other one after death. When building meanings about finity, they expressed sadness, suffering and impotence towards the few lived experiences. For students, undergraduate training has contributed a little to the care of dying people. Conclusion. Participating students have a deficient training in care concepts and methodologies for people coping with death.

Key words: attitude to death; students, nursing; education.

 


 

INTRODUÇÃO

A morte é um tema visto sob diferentes dimensões, sem permitir afirmar verdades absolutas, pois, quando abordada, desperta curiosidade, provoca desconforto e vem sempre acompanhada de muitas perguntas para as quais se encontra a incontestável resposta de que o morrer é inevitável, intrínseco à vida e representa a certeza de que a todo nascimento associa-se um momento de fim.1

Tratase de um tema circundado pela incerteza e pelo medo daquilo que não se pode prever ou conhecer, no conceito dos que enfrentaram a morte como limite da vida. Todos os atributos da morte desafiam as mais distintas culturas, as quais buscam respostas nos mitos, na filosofia, na arte e nas religiões e na ciência para compreender o desconhecido e remediar a dor gerada pelo evento.2

Diante das diferentes e amplas abordagens sobre o fenômeno da morte, pergunta-se: como defini-la? Um conceito de morte, amplamente utilizado pelos profissionais da saúde e por leigos, é o término das funções vitais, em cuja acepção prepondera o sentido de linha divisória entre início e fim da vida. Há também a ideia de transitoriedade do bom estado celular e dos órgãos até a falência, contudo, além de centralizar-se nos aspectos anatômico-fisiológicos, essa definição desconsidera a totalidade do indivíduo e a influência dos aspectos culturais na ruptura peremptória do sujeito com sua identidade.3 Nesse sentido, sendo difícil um único conceito de morte, simbolizá-la e incluí-la na rede de ideias e pensamentos, cada pessoa tentará, à sua maneira e em outras palavras, metaforizá-la. Alguns conceitos apresentam-se com formulações, como "fim", "passagem", "encontro", "paraíso", "Deus", "reencarnação" e as pessoas buscam aproximar o ser humano de uma possível explicação, mas essas palavras são insuficientes para descrever o muito que se imagina, a partir do conhecimento disponível. E é esse não saber imperante de complexidade, que assusta a todos, muito mais do que o próprio evento.4

O perecimento e as questões que envolvem a temática e o evento da morte remontam a um caráter inexorável que o representa. Ainda que a morte faça parte do desenvolvimento humano e que, em algumas concepções, signifique tanto o ponto final da evolução quanto a possibilidade de renascimento, a proximidade com o processo de morrer suscita nas pessoas questões que abarcam as suas vivências e refletem a angústia existencial, permeada por sentimentos nem sempre claros e conscientes.5

A morte, em uma abordagem da vida que se cessa, é repleta de complexidade que, embora se desvele no cotidiano do ser humano nos espaços privados e públicos, chega aos domicílios pelos meios de comunicação, conscientiza e afeta mais o ser humano da sua real presença, quando ocorre com alguém com quem se interage pelos laços de afetividade. Durante o momento da morte, há a conscientização que surge no enfrentamento do evento, quando o indivíduo se depara com o fim autêntico e evidente, irrefutável e implacável evidência do último marco da vida.6

Desde tempos remotos, os profissionais da saúde, durante sua formação, eram estimulados a demonstrar imparcialidade sentimental e atitude neutra na relação com os pacientes e seus familiares, com o objetivo de se resguardarem quanto aos seus temores e preservar sua autonomia na prática do cuidado. Atualmente, os profissionais distanciam-se dos sentimentos por meio da negação e assumem uma postura defensiva diante dos processos intersubjetivos, especialmente durante o evento pouco bem-quisto pela sociedade: o fenecer.7

Ainda na graduação, os estudantes são preparados para salvar vidas, aprendem que a morte deve se afastar de todas suas vivências e que o finamento não representa o enfoque da vida acadêmica. Apesar de lidar com pessoas, os estudantes vivem como se manipulassem objetos ou coisas, separam completamente o corpo biológico do indivíduo e sacrificam suas emoções ao não se permitirem o envolvimento com os pacientes assistidos e seus familiares, deixando a sensação de trabalho frustrante e incompleto, frente aos experimentos inúteis de evitar o término da vida.8,9

Os aspectos psicossociais da morte não estão incluídos na matriz curricular dos cursos de Enfermagem e, quando abordados, ocorrem de maneira superficial e assistemática. Além disso, as disciplinas, como Enfermagem Médico-Cirúrgica, Fundamentos de Enfermagem e Psicologia tratam da temática de forma incipiente, prevalecendo à abordagem tecnicista em detrimento da humanização do cuidado em todas suas dimensões. Assim, sugere-se que as escolas de formação de profissionais da saúde, promovendo palestras, debates e cursos, pesquisa e atividades no cotidiano das práticas de gestão, assistência e produção do conhecimento capacitem os estudantes e profissionais para enfrentar os conflitos oriundos da convivência com o exânime.10

Segundo Oliveira e Amorim,11 as Instituições de Ensino Superior devem aprofundar as discussões sobre morte e religião, infância/adolescência, velhice e processo de luto, de forma contextualizada com a realidade. Ademais, as escolas de graduação em saúde precisam, também, repensar a formação do estudante de Enfermagem diante da temática cessação da vida, como uma atividade inicial, que abra possibilidades para que ele, em sua prática, possa aprender a buscar ferramentas para prestar assistência com qualidade.

Desse modo, reforça-se a importância da abordagem deste tema no decorrer dos cursos da área da saúde, com o intuito de despertar nos futuros enfermeiros/as a importância da interação com os pacientes e seus familiares, não apenas nas questões de cunho técnico-científico, mas, em especial, nas de caráter subjetivo, como a vivência do fenecimento.12

O objetivo deste estudo foi descrever o significado da morte e do morrer para os concluintes do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), situada no norte do Estado de Minas Gerais - Brasil. Espera-se que os resultados desta investigação contribuam para que os graduandos possam compreender as percepções por ocasião do seu enfrentamento com a morte. Busca-se, ainda, que estudantes e profissionais se preparem e sejam estimulados para ampliar e desvelar esse fenômeno, em prol de atitudes conscientes e qualificadas na assistência ética e humanizadas. Dessa forma, conduzir-se-á o graduando a um conhecimento amplo e complexo, deixando-o expressar-se a partir do que viveu, a fim de que conviva com a morte com menos ansiedade.

 

METODOLOGIA

A investigação adotou a abordagem qualitativa, caracterizando-se por um estudo exploratório e descritivo com estudantes de Enfermagem. Minayo13 afirma que o método qualitativo, refere-se ao estudo da história, dos relacionamentos, das representatividades e da opinião, produto das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam.

Optou-se pelo estudo exploratório que define e delimita o objeto, a fim de desenvolvê-lo teórica e medologicamente; escolhe e descreve os instrumentos do trabalho; pensa o cronograma de ação e possibilita a definição do espaço e da amostra da pesquisa qualitativa.14

Utilizou-se, também, a pesquisa descritiva, que se caracteriza pela busca, com a precisão possível, da frequência com que um fenômeno ocorre, sua natureza e suas características a fim de conhecer as situações da vida e demais aspectos do comportamento humano.15

O cenário do estudo foi o Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais - Brasil e os sujeitos foram seis acadêmicos – três do 7º e três do 8º período. A escolha desses concluintes foi feita por meio de sorteio a partir de uma lista fornecida pela Secretaria Acadêmica da UNIMONTES, contendo os nomes dos estudantes matriculados nos períodos em foco. O número desses sujeitos foi definido por inclusão progressiva e as entrevistas foram interrompidas pelo critério de saturação, ou seja, quando as concepções, explicações e sentidos começaram a ter uma regularidade de apresentação ao longo dos depoimentos. Considerou-se que essa seleção possibilitou abranger a totalidade do problema a ser investigado em suas múlitplas dimensões,13-16 uma vez que os acadêmicos vivenciaram, na família ou durante os estágios curriculares na Atenção Hospitalar e na Atenção Primária da Saúde, situações relacionadas ao fenômeno morte e morrer.

No período de maio a junho de 2010, realizou-se a coleta dos dados, utilizando a entrevista com roteiro semiestruturado. As entrevistas foram realizadas após agendamento em condições de comodidade e privacidade, foram gravadas após as assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil e os sujeitos foram identificados por pseudônimos de Deuses gregos: HADES, ARES, RÉIA, GAIA, ÁRTEMIS e HERA.

O roteiro da entrevista teve como referência a pergunta orientadora: "Como foi para você ter vivenciado o processo de morte e de morrer durante a graduação"? Buscou-se prover uma relação de confiança entre entrevistados e pesquisadores para alcançar novas descobertas e manter o foco nas questões previamente apontadas.17

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIMONTES – Parecer Consubstanciado: Processo nº 1740, de 13 de novembro de 2009, submetido ao Departamento e Coordenação do Curso de Enfermagem e autorizado.

Utilizou-se a técnica de Análise do Discurso para processar e analisar os dados, construindo as categorias do significado. O discurso reflete sobre as condições de produção e apreensão dos textos produzidos nos mais diferentes campos e compreende o modo de funcionamento, os princípios organizacionais e as formas que originam seus sentidos.13

Destarte, tomando-se o texto como unidade básica e complexa, as entrevistas foram submetidas a várias operações classificatórias, simultaneamente semânticas, sintáticas e lógicas, buscando-se as dependências funcionais nas frases e entre as proposições e reduzindo-as a unidades mínimas.13 Durante essa fase, realizou-se a leitura compreensiva do material selecionado, procurando ancorá-lo em conceitos ou referenciais teóricos e, posteriormente, abstraiu-se o conteúdo implícito ao texto, objetivando a síntese como produto das reinterpretações.17 Dessa forma, procedeu-se à análise das entrevistas individuais semiestruturadas em um agrupamento de ideias entre as informações colhidas, os autores referenciados e as percepções dos pesquisadores, chegando-se às seguintes categorias: Vivenciando o processo de morte e morrer e Repensando a formação acerca da morte e do morrer.

 

RESULTADOS

Os resultados serão apresentados a partir das duas categorias que emergiram na análise dos dados.

Vivenciando o processo de morte e morrer. Para os participantes deste estudo, existem dificuldades em conceitualizar o fenômeno da morte, como se percebe no enunciado a seguir: (...) falar da morte é muito complicado, porque não é uma coisa visível, é uma coisa muito sentida, então, não dá para falar sobre isso, de algo não palpável (GAIA).

Distante e, por vezes, alheia às vidas humanas, a morte ausenta-se do quotidiano, sendo relacionada a elementos de "fascínio" e "mistério" ou afastada, repudiada e até escondida, como revelam as frases temáticas de HADES e GAIA: Passa pela mente da gente todo aquele processo da vida da pessoa e, em um momento, você vai ter a certeza de que nunca mais aquela pessoa vai existir. Então, é fascinante nesse sentido e, mais fascinante ainda, porque você não tem uma resposta quanto à morte. Você não sabe para aonde a pessoa vai, o que vai ser dela daquele momento em diante, então, eu acho fascinante nesse sentido (HADES); (...) é uma das coisas que a gente não espera. Ninguém quer, todo mundo sabe que existe, sabe que pode acontecer, mas ninguém quer vivenciar a morte (GAIA).

Os discursos dos entrevistados apresentam a visão do que possa acontecer no pós-morte e parecem supor a certeza de um conhecimento que contrasta com o imaginário do findar, como se observa nas enunciações de um estudante: (...) para aqueles que acreditam, você está partindo para uma nova vida. Eu acho que a maior dificuldade da morte não é para a pessoa que morre, mas para os indivíduos que tentam enfrentar o processo de morte (ARES); Que ele morreu? Ele transcendeu? "Passou dessa para melhor", como as pessoas falam, "passou para vida eterna" para aquilo em que acredita, mas a preocupação que se tem é como você vai cuidar das pessoas que estão ficando ali (...) (ARES).

Há também a atitude dos acadêmicos em utilizar o elemento "perda" relacionado à destituição dos laços de afetividade, que ocorre quando se interrompe definitivamente a convivência com quem partiu e sobram apenas às lembranças do vivido outrora, como descrevem as palavras emotivas de ARES e GAIA: (...) a palavra morte já soa de uma forma não tão natural. Ela já soa no seguinte sentido: você está perdendo algo, você perde as pessoas que você ama, você perde sua família, você perde seus amigos (ARES). (...) é triste porque você vivencia junto com a família o sofrimento deles, e querendo ou não, a gente entra nesse processo, a família chora, a família sofre e você acaba sofrendo junto com eles. Dar a notícia de que alguém da família morreu já traz esse sofrimento (GAIA).

Segundo os entrevistados, vivenciar a terminalidade da criança não é momento fácil, porque o infante, em seu tempo pueril, é visto como um ser inocente e frágil que anseia pela descoberta do mundo, por isso, quando padece, desperta, nas pessoas de seu círculo e que a assistiram falecer, inúmeras reflexões: A criança, também, sinto muito porque ela só está começando, é uma amiguinha, às vezes, são uns meses de vida, às vezes, é um dia de vida, mas é que você pensa: Oh, gente! Essa criança morreu e tinha tanta vida pela frente. Então, em um intervalo pequeno de tempo, que a gente tem um contato de pós-morte com essas pessoas, a gente tenta fazer um filme por tudo dessa criança que se foi, mas não é fácil" (ÁRTEMIS); (...) quando você vivencia que aquela morte foi de uma pessoa que teria ou poderia não morrer ou que é tão jovem, igual foi no meu caso, que eu presenciei de um bebê de três meses (...) você pensa: Oh, nossa! Mas ele teria a vida inteira aí pela frente! E morrer com dois meses ou três meses de vida! (HADES).

Quando se trata da finitude na velhice, reduz-se o impacto porque não há interrupção precoce das etapas de vida, requer-se menos preparo para o enfrentamento e espera-se o porvir anunciado: Eu encaro a morte do idoso de outra forma... eu aceito mais, pelo próprio estado de vida, já está no final, já vivenciou tudo o que tinha vivenciar (ÁRTEMIS);"Pessoas mais idosas, que já têm alguma doença, cujo prognóstico não é bom, é uma doença incurável, dão a você um pouco mais de aceitação para o processo da morte delas (HADES).

No contexto que perpassam as atitudes humanas de negar o processo de morte-morrer, o fenecimento torna-se de difícil aceitação para os acadêmicos, que questionam a assistência e refletem sobre o fazer técnico-científico, incapaz de manter o controle sobre a vida: (...) se é uma situação, em que aquele paciente poderia ter um prognóstico melhor, que aquela morte poderia ter sido evitada de alguma maneira, então, realmente, você fica mais pensativo (HADES); (...) o paciente que chegou bem e chegou andando, você não espera que ele vá morrer (...) a gente espera que essa pessoa vá sair andando, do mesmo jeito que entrou (GAIA).

Essa reação sentimental leva os estudantes a recordar experiências marcantes em suas vidas, que se manifestam em lembranças, quando o sujeito se depara ante a percepção de choque do fenecer...(...) posso me recordar da primeira vez, a primeira experiência que eu tive ao entrar no hospital (...) me deparei com o óbito na ala verde. Não me esqueço nem do local que foi. E para mim, naquele momento, foi difícil entender (ARES); (...) isso me marcou muito e acho que nunca vou esquecer esse episódio e eu não tinha tanta experiência com a área da saúde, como tenho hoje. Isso ficou marcado (GAIA).

Assim, quanto às limitações e aos receios da vivência com a morte, os acadêmicos declaram que lidam pouco com a finitude, durante as práticas hospitalares de enfermagem e acreditam que o fato de todo ser humano, inevitavelmente, passar pela última fase do ciclo vital seja o elemento amedrontador de suas experiências, como revelam ARES e RÉIA: (...) eu converso com as pessoas mais próximas de mim sobre o medo que tenho ao lidar com essa situação, porque é uma situação com a qual eu pouco convivi. E falo que tenho muito medo que aconteça com um ente muito próximo (...) Minha mãe, meu pai, morro de medo! Porque eu não sei como reagiria (...) É uma situação pela qual eu não passei ainda (RÉIA); (...) às vezes, por pensar que todos nós, um dia, vamos morrer, isso acaba causando um determinado medo na situação de morte. Mas, como eu disse, a princípio, é respirar fundo, é buscar a melhor situação para lidar (ARES).

Além do temor, coexistem outras manifestações sentimentais mais comums, tais como o abalo, a frustração, a culpa, o choque e a angústia presentes nos discursos dos sujeitos: (...) o primeiro contato com a morte de uma pessoa à qual você prestou cuidado, de uma pessoa que você começou a conhecer causa uma certa angústia. Certa angústia no sentido de uma agonia mesmo por aquela perda. Aquele sentimento de que poderia ter feito mais por ela (...) Uma angústia assim: Ah! Será que os profissionais prestaram os cuidados como deveriam ter prestado (...) RÉIA. A gente sabe que é uma angústia muito grande. Ninguém quer perder as pessoas que estão próximas de nós. Então, nós (...) também não queremos perder as pessoas de quem a gente cuida (ARES).

A situação da morte e do morrer pode ser vivenciada pelo estudante como uma possibilidade de não ter realizado intervenções eficazes para salvar a vida dos pacientes sob seus cuidados, da sua impotência e, portanto, de seu fracasso como cuidador, conforme depreende-se dos enunciados a seguir: (...) causa um pouco de sensação de impotência (...) até que ponto você pode fazer algo, o que você pode fazer para ajudar aquele indivíduo ou a família naquele processo de morte (ARES); (...) o processo de morrer já é uma coisa extremamente fascinante do ponto de vista de várias ideologias, mas, para mim, o que senti foi basicamente um sentimento de impotência e, realmente, a gente fica pensando (...) que não pode fazer nada, que é contra nossa vontade. Mas, como um fenômeno da natureza, a gente não consegue passar por cima dele (HADES).

Dessa forma, os discursos dos entrevistados revelam até mesmo as consequências – a imagem fixa no pensamento e a representação onírica – desses laços de envolvimento com aquele que está sob seus cuidados: (...) na maioria das vezes que eu convivi com o óbito, (...) o sentimento não tem jeito... a gente acaba se envolvendo, acaba sentindo a morte daquela pessoa. Tanto é que, às vezes, a gente até sonha com essa pessoa. Já aconteceu comigo de eu perder algum paciente e depois sonhar com ele (ÁRTEMIS); (...) quando a gente presta o cuidado, adquire afinidade com eles. E, aí, a gente acaba sentindo isso. (...) Porque, com alguns pacientes, eu já tinha convivido durante um tempo, mesmo que uma semana. Mas a gente cria aquele vínculo (...) (RÉIA).

A relação entre acadêmico e paciente, quando demasiadamente grande, leva os atores participantes do processo de cuidar ao envolvimento afetivo e, até mesmo, desperta a memória de mortes passadas e vividas em família, situação presente nos discursos dos acadêmicos: Porque eu tenho uma sobrinha da mesma idade dela. A minha irmã, também, eu acho que ela tem a mesma faixa etária da mãe dessa criança que faleceu. Aí, imaginei minha irmã no lugar dessa mãe (HERA); (...) eu me apego demais aos idosos. Então, eu tenho uma certa dificuldade de lidar com isso, porque, pelo fato de eu não ter avós, então eu fico, sem querer, vendo-os como meus avós que perdi. Eu me envolvo dessa forma (ÁRTEMIS).

No momento de confortar a família e de realizar o acolhimento pela perda de um ente querido, os estudantes afirmam que não sabem como agir perante o luto; se contribuem com algum gesto ou palavra de carinho ou se, pelo contrário, se mantêm reprimidos de ação perante as reações inesperadas dos familiares. (...) A gente tenta encontrar palavras, falar palavras de conforto dentro da Psicologia, da espiritualidade, então, é uma coisa difícil de se concretizar, porque você não sabe como a pessoa vai receber essas palavras (ÁRTEMIS); (...) realmente a gente sempre tem uma deficiência, sempre tem um receio de falar alguma coisa de que não seja o que, realmente, a pessoa quer ouvir. E, por ser uma situação tão difícil, eu acho até que a gente fica um pouco retraído, um pouco pensando: Vamos abordar? De que forma? Então, apesar da nossa importância no processo natural, questionador e tão emblemático que é a morte, eu acho que a gente dá um passo atrás e, realmente, fica mais retraído, ao invés de ter uma postura ativa com os familiares (HADES).

O enfrentamento do processo de morte e morrer perpassam pelas questões religiosas e representa a crença com seu efeito interveniente sobre a consciência humana de início e fim da vida. Com o propósito de reduzir a ansiedade, as pessoas evocam deuses e divindades em que acreditam como última alternativa de cura, como se nota no conjunto discursivo: Eu acredito muito mesmo... até o último momento, que Deus ainda pode salvar. Mas na intervenção, no momento antemorte, eu, como profissional, vou tentar fazer o que estiver no meu alcance, porque eu acredito até o último momento que Deus pode tudo na questão espiritual. Eu acredito em Deus até o último momento daquela pessoa, mesmo na irreversão, mesmo daquela pessoa que não tem mais jeito, que os médicos dizem que não tem jeito, que a Medicina não dá jeito. Mas, eu, como uma pessoa que tem uma crença, que acredita que Deus existe, eu acredito até o final que a pessoa possa sair daquele estado, mesmo sabendo que a Medicina é toda contra (ÁRTEMIS).

Depreende-se, das frases temáticas de ÁRTEMIS, uma preocupação com a vitalidade do indivíduo, que supera qualquer técnica que a Ciência não seja mais capaz de elucidar e provenha tratamento ao enfermo. Assim, surgem os questionamentos sobre como os pacientes terminais desejariam conduzir sua vida aliados à obstinação terapêutica imposta pelos profissionais e acadêmicos, conforme expressam os discursos a seguir: Então, (...) a pessoa sofre, sim, em seu processo de terminalidade, o processo que ele está vivenciando uma determinada patologia, uma determinada doença e isso machuca o indivíduo e traz sofrimento a ele. (...) então, a gente tem que pensar: até que ponto eu estou levando a maleficência a esse cliente? E para a família dele? E pensar também que todo indivíduo tem a sua escolha. Se naquele momento, ele não quisesse que realizassem as manobras de reanimação, ele poderia recusar, seria o princípio da autonomia dele (ARES). Fico emocionado, quando eu falo o princípio da maleficência, da beneficência. Então, a gente tem que pensar: até que ponto eu estou causando o bem, estou levando o benefício para aquele cliente? (ARES).

Repensando a formação acerca da morte e do morrer. Os resultados permitem identificar que os estudantes percebem a carência de discussões sobre a temática no decorrer da formação, relacionadas às práticas curriculares e ao despreparo para atuar frente a situações de morte. Esses obstáculos da assistência são reconhecidos e referenciados nos discursos: (...) apesar de a gente estar inserido no estágio desde o início da faculdade, pelo menos no meu caso, eu tive a oportunidade de vivenciar a morte somente essa semana passada, então, praticamente, no final (...) do período (HADES); É muito difícil falar que você está preparado para perder alguém ou que você está preparado para conversar com alguém agora e, daqui a pouco, você perder essa pessoa, nunca mais você vai ter contato com ela. Então, eu penso que (...) eu não tenho preparo para lidar com a morte, não (GAIA).

Alguns estudantes consideram que a finitude, quando tratada no processo de graduação dos enfermeiros, não propicia ou favorece momentos para a troca de experiências e reflexões a respeito das práticas hospitalares, além de se dispensar menor parte do tempo com os aspectos subjetivos do cotidiano profissional, como expressam os discursos: (...) o que eu percebo é, realmente, que a gente não vivencia de forma efetiva esse processo na graduação e que tem um comprometimento na nossa relação com esse processo. (...) Mas, de um modo geral, eu acredito que, se tivesse uma experiência mais aprofundada, talvez a graduação nos preparasse mais e nos jogaria em situações das quais saberíamos sair em relação a situações de morte (HADES); (...) a morte é uma questão muito subjetiva e a gente percebe que, na graduação, não se tem uma vivência, uma experiência teórica aprofundada em relação à morte. Talvez, em Semiologia e Semiotécnica, alguma coisa tenha sido citada, mas não se tem uma discussão aprofundada e, realmente, é uma questão subjetiva demais para você compreender (HADES).

Um aspecto consequente à valorização da técnica em detrimento das vivências e da subjetividade no ensino de graduação é a morte frustrante, não evitada, que a técnica não é capaz de impedir e, nesse sentido, com a destituição do poder interveniente sobre a existência, o acadêmico de Enfermagem questiona o processo de aprender: Onde está o meu aprendizado? Julgo que a pergunta que nós, acadêmicos, nos fazemos é essa... Eu aprendi isso, eu apliquei e não deu certo. Mas a gente tem que entender que, muitas vezes, não vai dar certo (ARES); (...) a gente tem a vida, a gente estuda fisiologia, a organicidade do nosso corpo e a gente percebe que a morte... simplesmente aquilo que era vivo, aquilo que era tão funcionante, de repente, por uma questão de segundos, deixa de existir (HADES).

Conviver rotineiramente com o fenecimento dos outros é um fator que ameniza a reação negativa dos profissionais e dos futuros enfermeiros frente ao evento, porque provoca o endurecimento das relações, como expressam os relatos dos estudantes: Talvez, o dia a dia e o fato de estar vivenciando em uma unidade, no hospital, no Pronto-Socorro, por exemplo, vivenciando isso todo o dia, daqui a pouco, eu vou achar normal. Porque tudo aquilo que você vivencia diariamente, que você faz e vê todo dia, acaba se tornando normal (GAIA); (...) depois, com o passar dos anos, a gente, automaticamente, vai se tornando mais frio. Não é porque a gente é frio, não é porque a gente é duro, tem um coração duro. Não é isso! É porque a gente acostumou com aquela situação (RÉIA).

Os acadêmicos consideram essencial o envolvimento de toda a equipe assistencial nos processos traumatizantes do luto, fornecendo acalento e solidariedade aos familiares com mais frequência, devido ao próprio dispêndio de cuidado inerente à profissão, como explora o seguinte conjunto discursivo: O importante seria a equipe multiprofissional nessa situação, mas o enfermeiro e a Enfermagem são essenciais nesse contexto também, tanto quanto os outros profissionais. Então, o enfermeiro tem que estar apto a fazer a abordagem correta nesse ponto e eu acho muito importante a presença desse profissional no momento do óbito (ÁRTEMIS).

 

DISCUSSÃO

O estudo evidenciou que os acadêmicos de enfermagem entrevistados apresentam dificuldades para conceituar a morte e, durante a construção de significados, expressam sentimentos de tristeza, sofrimento e impotência diante das poucas experiências vividas no enfrentamento desse fenômeno. Alguns estudantes afirmam que os fatores idade e condição do indivíduo doente despertam reflexões associadas ao processo morte e morrer e considera a crença o elemento amenizador das aflições originadas a partir da convivência com a finitude.

Apesar de a terminalidade do outro ser experenciada pelos acadêmicos que se defrontam com a doença, com as dores e com o fenecimento durante as práticas curriculares,18 há dificuldades para definir a morte a partir de significados, visto que o processo relaciona-se ao fato de que o fenômeno repercutiu ou interferiu na consciência de cada indivíduo que o vivenciou.19

Para Teixeira,6 evita-se pensar na morte e falar sobre ela e procura-se camuflá-la das mais variadas formas, ignorando a sua fatalidade ou desvalorizando o seu impacto na vida do homem, que a identifica como um fracasso e como um acontecimento inquietante e medonho e, por isso, os sujeitos esforçam-se por negá-la. A percepção dos acadêmicos está diretamente relacionada às vivências pessoais de cada um deles, sendo necessário levar em consideração a idade daquele que padeceu, o sexo e o vínculo cuidador-paciente. Desse modo, a morte, enquanto integrante do processo cíclico de viver, é relatada pelos indivíduos a partir da etapa desse ciclo em que o término da vida se configurou.20,21 No fenecimento da criança, Bosco22 descreve a negação e ansiedade das pessoas diante da interrupção precoce de uma vida que poderia ser e não foi, porque considera a infância permeada de messes, alegria, crescimento e, dessa forma, o morrer nessa fase reveste-se de total aflição e crueldade. Quanto à morte na velhice, parece existir a tendência cultural de uma melhor aceitação, pois é como se, após os anos de existência, o indivíduo já estivesse pronto para falecer. Nesse caso, a terminalidade é vista como descanso, após a pessoa ter percorrido toda uma trajetória e vivenciado múltiplas sensações.22

Segundo Shimizu,23 Kovács,24 o tipo de morte também pode afetar a forma de elaboração do luto, pois o autoextermínio e o fim ocasional são considerados mais graves pelos aspectos violentos ou inesperados que os provocam e, para exemplificar essa dificuldade de aquiescência, a reação dos estudantes revela-se desfavorável frente à morte de um indivíduo supostamente passível de cura e de recuperação e que, nas avaliações clínicas, poderia ter sido salvo.

Estar de luto pela morte dos outros é uma maneira de ensaiar a morte, mas não é só isso, pois é também um ritual de expressividade de algumas das emoções mais profundas e íntimas da existência humana.20 Esses sentimentos afloram com a proximidade do término da vida e são os mais diversos, desde os de caráter negativo – o fracasso, a impotência, o silêncio, o ódio, a revolta, a dor, a culpa – até os de caráter positivo: a paz, a celebração da própria vida e do cumprimento de uma etapa de vivência.12

A atitude de se utilizar o elemento "perda", como revivescência da morte de um parente, com enfoque na preocupação com o findar do outro, exemplifica, entre os estudantes de Enfermagem, o comportamento daqueles que sentem a dor da ausência de um ascendente e se colocam no lugar das famílias dos pacientes que morrem sob seus cuidados.9,20

Mesmo constituindo-se um fenômeno da vida, o morrer sempre despertou grande temor, porque é vivido enquanto experiência do outro que se foi e leva o ser humano a refletir sobre a condição da sua própria existência e a dos seus familiares.7 Quando demasiadamente grande, essa relação interpessoal leva alguns cuidadores a associar o paciente aos integrantes da sua família e a relatar que sentem a morte deles como se fosse de um ente querido.25 Assim, existe, inevitavelmente, em todos os indivíduos, a capacidade de se colocar no lugar do outro, de tentar sentir as mesmas dores e angústias das pessoas que estão próximas de alguma maneira. Esse envolvimento, na maior parte do tempo, viabiliza a arte do cuidar, proporcionando ao doente condições básicas, como segurança emocional e o carinho, tão indispensáveis na Enfermagem.7,22

Para Oliveira e Amorim,11 é notória a dificuldade dos acadêmicos em lidar com a terminalidade por considerá-la um evento novo e distante, causando a sensação de impotência e emoções que os deixam paralisados, o que acaba interferindo na qualidade do cuidado prestado a pacientes e familiares. Nesse sentido, os acadêmicos de Enfermagem não sabem como agir frente às famílias, tanto de doentes terminais, quanto de pacientes que morreram, demonstrando dificuldades em lidar com o processo morte-morrer dos indivíduos assistidos, o que denota os obstáculos com os sentimentos suscitados diante do finamento e com a abordagem ao familiar em processo de luto.21

Segundo Sadala e Silva,26 para alguns acadêmicos, a lembrança predominante da sua experiência com a morte foi frustrante, pois, além de nada fazer pelo paciente em fase terminal, tinham a consciência de que não conseguiriam ajudá-lo e, especialmente, a família em processo de luto. Em contrapartida, para lidar com o fim da vida, algumas pessoas utilizam a crença como elemento interveniente, revelando a interferência da variável espiritual na capacidade de enfrentamento de situações envolvendo o fenecer.20

Depreende-se que a assistência ao paciente pode ser considerada necessária e desejável para um determinado indivíduo e excessiva e agressiva para outro, por isso, essa fronteira entre o essencial e o abusivo nem sempre é consensual, pois o que está implícito nessa ambiguidade é a diferente concepção sobre o sentido da existência.27

O acadêmico, muitas vezes, não é estimulado a refletir sobre o extinguir da vida, podendo ser tomado de forma abrupta pelo pesar, e mais, não conseguir prestar assistência de qualidade e com a abordagem da integralidade.7 Alguns recordam que o tema foi discutido em algumas disciplinas, porém consideram insuficiente tal abordagem, declarando ser simplistas as discussões e conteúdos curriculares sobre a morte durante a formação.21

O distanciamento dos profissionais no cotidiano da morte fortalece o mecanismo de defesa utilizado pelos estudantes para evitar o sofrimento que a morte produz, sendo a ruptura da contiguidade de interações e o endurecimento da relação frente à morte e ao paciente terminal considerado comum e rotineiro.20 O cuidar, nesse momento crucial de vida/morte, requer dos estudantes e, consequentemente, dos profissionais de saúde, sensibilidade, envolvimento, empatia, olhar atento, percepção aguçada, interação, conhecimento e crença para o paciente e seus familiares nessa fase de enfrentamento. Nesse processo, é necessário que o cuidador compreenda, reflita e se questione sobre o rito de passagem da vida para morte, para poder prestar assistência com qualidade, pois a finitude é um tentame existencial humano.12

Vivenciar a realidade de morte nas instituições de saúde não é tarefa fácil, entretanto, deve-se atuar de forma consciente, ética e responsável, contribuindo para a transformação de comportamentos e posturas em relação ao paciente terminal e às suas famílias. As ações de enfermagem devem envolver os demais elementos integrantes do processo, buscando sensibilizá-los para o cuidar de forma integral e humanizada, tanto o paciente em fase terminal/grave como suas famílias e rede de relações.12

Para os futuros profissionais atuarem durante a finitude, desenvolvendo suas ações com competência, eficácia e sensibilidade, necessita-se de preparo no decorrer do processo de formação. Para isso, as instituições de ensino devem ter o compromisso com essa formação, ensinando a cuidar e lidar com pacientes terminais e seus familiares, não só enfocando o conhecimento teórico-prático visível, mas também o subjetivo vivido, fornecendo informações importantes para melhor se enfrentar o encontro e a vivência da morte, a fim de proporcionar cuidado de qualidade aos envolvidos. 12

Não bastam novas disciplinas ou incorporações de conteúdos sobre o tema da morte para ensiná-la na formação. É necessário, sobretudo, reflexões sobre o sentido da vida e do cuidar, para que se abra espaço à construção do processo ensino/aprendizado. Reformular currículos, desfragmentar conteúdos são ações importantes, contudo, são insuficientes, pois a mudança far-se-á formidável, quando se instala um novo enfoque que possibilita aos docentes, aos discentes e aos profissionais de saúde a compreensão da existência humana em sua singularidade e pluralidade.28

Nesse contexto, sugere-se que o ensino de Enfermagem busque sensibilizar estudantes, profissionais e docentes da área da saúde sobre a prática do assisitir no processo da morte e o morrer, estimulando a construção de redes de relações entre as instituições de ensino e os serviços, para que a humanização possa ser adotada como conceito e elemento das metodologias de sistematização da assistência de enfermagem. Essas redes devem estar sustentadas em estudos e pesquisas sobre a morte e o morrer de maneira a contribuir com uma prática reflexiva e humanizada, na qual a integralidade é componente fundamental e facilitadora do aprender, ensinar e pesquisar. Sugere-se, ainda, que na integração do ensino, da pesquisa e do cuidar, o tema morte deva ser integrador e tranversal em todas as disciplinas no âmbito hospitalar, do domicilio, do pronto atendimento e da saúde da família. A articulação do serviço e ensino deve ser orientada para uma prática, na qual os envolvidos no processo de cuidar estejam preparados para o manejo adequado da finitude, tanto para o conforto dos que morrem quanto para a família.

Recomenda-se que sejam incentivados estudos sobre essa temática nas Instituições de Ensino Superior, como estratégia para que a prática do assistir no processo de morrer seja humanizada e a fim de que se desvele o fenômeno da morte em todo o ciclo de vida.

 

REFERÊNCIAS

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Fecha de Recibido: 3 de mayo de 2011. Fecha de Aprobado: 16 de agosto de 2011.

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