SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 issue1Characteristics of users of the Birth Control program. 2007 National Health Survey, ColombiaNurses' care and management actions in emergency trauma cases author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.31 no.1 Medellín Jan./Apr. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL/ ORIGINAL ARTICLE/ ARTÍCULO ORIGINAL

 

O trabalho do enfermeiro na produção do cuidado em Unidades de Pronto Atendimento de Porto Alegre/RS

 

Trabajo del enfermero en la producción del cuidado en Unidades de Urgencias de Porto Alegre-RS

 

 

Graciela Cabreira Gehlen1; Maria Alice Dias da Silva Lima2

 

1Enfermeira, Doutora, Professora, Instituto Federal do Paraná (IFPR), Brazil. email: graciela.gehlen@ifpr.edu.br.

2Doutora, Professora, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil. email: malice@enf.ufrgs.br.

 

Fecha de Recibido: 22 de junio de 2012. Fecha de Aprobado: 19 de septiembre de 2012.

 

Artículo asociado a investigación:Organização Tecnológica do Trabalho dos Enfermeiros na Produção de Cuidados em Unidades de Pronto Atendimento de Porto Alegre/RS.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo:Gehlen G, Lima MADS. Nursing work in care practice at Emergency Care Units in Porto Alegre/RS. Invest Educ Enferm. 2013;31(1): 26 - 35.

 


RESUMO

Objetivo. Caracterizar o processo de trabalho do enfermeiro na produção do cuidado em Unidades de Emergências. Metodologia. A técnica investigativa utilizada foi a investigação de métodos mistos. Na etapa quantitativa se aplicou um questionário a 47 enfermeiros; na qualitativa, realizou-se observação por amostragem de eventos numa unidade de emergências. Resultados. As atividades desenvolvidas com maior freqüência pelos enfermeiros foram: a) assistenciais: avaliação e classificação do risco (66%) e o registro de dados clínicos (62%); b) gestão: distribuição de tarefas (62%), organização de quadro de turnos (40%) diligenciar os dados (36%), e provisão de materiais (28%). A derivação de usuários a níveis adequados de atendimento foi ressaltada pelos enfermeiros como finalidade de seu trabalho (70%). Os instrumentos de trabalho utilizados mais freqüentemente foram a tomada de decisões clínicas (87%), escuta e o acompanhamento (83%) e o protocolo de avaliação de risco (68%). Conclusão. O trabalho dos enfermeiros em Unidades de Emergências é predominantemente assistencial, mas tem um grande ônus de atividades de gestão relacionadas com a previsão e provisão de recursos para a produção do cuidado.

Palavras chaves: serviços de enfermagem; serviços médicos de emergência; socorro de urgência; assistência pré-hospitalar; serviços de saúde.


ABSTRACT

Objective. To characterize nurses' work process in care practice at Emergency Care Units. Methodology. The research technique used was mixed-method research. In the quantitative phase, a questionnaire was applied to 47 nurses; in the qualitative phase, a sample of events was observed at an emergency unit. Results. The activities the nurses most frequently developed were: a) care: risk assessment and classification (66%) and registering of clinical data (62%); b) management: task distribution (62%), shift organization (40%) data processing (36%), and material provision (28%). The nurses highlighted the users' forwarding to appropriate care levels as the goal of their work (70%). The work instruments most frequently used were clinical decision-making (87%), listening and monitoring (83%) and the risk assessment protocol (68%). Conclusion. Nurses' work at Emergency Units is predominantly focused on care, with a great burden of management activities related to resource planning and provision for care practice.

Key words: nursing services; emergency medical services; emergency relief; prehospital care; health services


RESUMEN

Objetivo. Caracterizar el proceso de trabajo del enfermero en la producción del cuidado en Unidades de Emergencias. Metodología. La técnica investigativa utilizada fue la investigación de métodos mixtos. En la etapa cuantitativa se aplicó un cuestionario a 47 enfermeros; en la cualitativa, se realizó observación por muestreo de eventos en una unidad de emergencias. Resultados. Las actividades desarrolladas con mayor frecuencia por los enfermeros fueron: a) asistenciales: evaluación y clasificación del riesgo (66%) y el registro de datos clínicos (62%); b) gestión: distribución de tareas (62%), organización de cuadro de turnos (40%) diligenciamiento de datos (36%), y provisión de materiales (28%). La derivación de usuarios a niveles adecuados de atención fue resaltada por los enfermeros como finalidad de su trabajo (70%). Los instrumentos de trabajo más frecuentemente utilizados fueron la toma de decisiones clínicas (87%), la escucha y el acompañamiento (83%) y el protocolo de evaluación de riesgo (68%). Conclusión. El trabajo de los enfermeros en Unidades de Emergencias es predominantemente asistencial, pero tiene una gran carga de actividades de gestión relacionadas con la previsión y provisión de recursos para la producción del cuidado.

Palabras clave: servicios de enfermería; servicios médicos de urgencia; socorro de urgencia; atención prehospitalaria; servicios de salud.


 

 

INTRODUÇÃO

As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) integram o componente do sistema de atenção à saúde no Brasil, desempenhando importante papel como uma das portas de acesso imediato aos usuários, na prestação do primeiro atendimento aos casos de natureza clínica, cirúrgica ou de trauma. Têm o propósito de contribuir na organização das redes de atendimento integral às urgências e emergências, responsáveis pelo atendimento a usuários agudos ou crônicos agudizados, com ou sem risco imediato de vida, conforme definido pela Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU).1 A finalidade do trabalho dos enfermeiros, juntamente com a equipe de saúde dessas unidades é estabilizar a situação clínica dos usuários, realizar a investigação diagnóstica inicial, definir necessidade ou não, de encaminhamento a serviços hospitalares de maior complexidade, bem como, acolher casos não urgentes, procedendo à reordenação dos serviços ambulatoriais básicos ou especializados, existentes na rede de atenção à saúde.1

Em serviços que atendem situações de urgência, o trabalho dos enfermeiros está relacionado à manutenção da unidade e participação no atendimento aos usuários, bem como à coordenação da equipe de enfermagem e ao auxílio aos demais profissionais.2 Os enfermeiros desenvolvem um trabalho interligado aos trabalhadores da equipe interdisciplinar, setores e serviços; atuam em todas as frentes de trabalho, na coordenação de atividades da enfermagem, na articulação, supervisão e controle das dinâmicas de trabalho no serviço, assim como na seleção de usuários de maior risco.3 Nesses serviços, o trabalho dos enfermeiros tem se destacado em consequência do avanço de sua atuação, tanto pelos seus saberes e práticas, quanto pelo espaço que ocupa na produção de cuidados e na organização do trabalho. Isto resulta das ações de enfermagem estarem imediatamente ancoradas em saberes técnicos que as fundamentam, e devido à marcante presença do conhecimento técnico-científico na constituição das suas práticas e na organização do trabalho.

O conhecimento técnico-científico dos enfermeiros e a singularidade de cada situação nessas Unidades de Pronto Atendimento contribuem efetivamente na reorganização do fluxo de atendimento, estabelecendo critérios de prioridade, com a finalidade de atender todos, de forma integral, dentro das possibilidades de ação/intervenção. Tendo em vista a complexidade e a qualidade da assistência prestada aos usuários, buscou-se contextualizar a organização tecnológica do processo de trabalho dos enfermeiros nessas unidades, considerando os saberes utilizados para o desenvolvimento do cuidado. O estudo tem como fio condutor as interpretações teóricas identificadas na literatura sobre o processo de trabalho em saúde e enfermagem,4,5 tomando por base a compreensão sobre o que vem a ser cada elemento constitutivo do processo de trabalho: o objeto, a finalidade, os instrumentos e os saberes que permitem operar esses instrumentos para a produção do cuidado. Entende-se que no processo de trabalho ocorre a transformação de um determinado objeto em um produto, por meio da intervenção do agente que, para fazê-lo, emprega instrumentos.6

Alguns autores têm em comum a interpretação de que o processo de trabalho de enfermagem se caracteriza pela constituição de duas dimensões indissociáveis: a execução de ações de cuidado de enfermagem, que representa a dimensão assistencial e as ações voltadas para os agentes do trabalho, o ambiente e a instituição, que constituem a dimensão gerencial.7,8 Portanto, os enfermeiros estão envolvidos com o gerenciamento do cuidado, que se refere às ações gerenciais com foco nos usuários ou pacientes dos serviços, ou seja, ações gerenciais articuladas às atividades de cuidado.7 Utilizando essa perspectiva teórica, este artigo tem como objetivo caracterizar o processo de trabalho dos enfermeiros na produção do cuidado em Unidades de Pronto Atendimento.

 

METODOLOGIA

O estudo foi realizado nas quatro Unidades de Pronto Atendimento de Porto Alegre que compõem a Rede de Serviços que atendem as urgências no Município. O questionário foi composto de 104 variáveis, estruturadas em duas partes: a primeira com 10 variáveis qualitativas, que identificaram o perfil dos sujeitos em estudo; e a segunda com 94 variáveis quantitativas sobre as atividades assistenciais e de prevenção à saúde, as atividades assistenciais que contribuem no trabalho da equipe nas situações de urgência, as atividades de gerenciamento que configuram o trabalho dos enfermeiros. Questionou-se, ainda, a finalidade do trabalho, os instrumentos utilizados para desenvolvimento do trabalho, os resultados do trabalho identificados pelos enfermeiros e as principais dificuldades para o desenvolvimento do trabalho dos enfermeiros nas Unidades de Pronto Atendimento. As questões exigiram respostas numéricas (quantitativas), com alternativas estruturadas pela escala de prioridades pré-estabelecidas de Likert.10 Foram utilizados dois escalonamentos para repostas, que expressavam frequência e concordância, de acordo com o conteúdo de cada questão.

A pesquisa de métodos mistos, do tipo explanatório sequencial, foi utilizada como estratégia metodológica. A pesquisa de métodos mistos associa as abordagens quantitativa e qualitativa, de modo que a força geral do estudo seja maior do que a pesquisa qualitativa ou quantitativa isolada.9 Caracterizou-se pela coleta e análise de dados quantitativos por meio de questionário, seguida pela fase de coleta e análise de dados qualitativos, por meio de observação por amostragem de eventos. A abordagem quantitativa permitiu analisar as características do processo de trabalho dos enfermeiros e a abordagem qualitativa possibilitou apreender a realidade e compreender esse trabalho.

O questionário foi elaborado pela pesquisadora, devido a não disponibilidade de instrumentos de coleta validados para este objeto de estudo, na literatura nacional e internacional. Para a elaboração do questionário, procedeu-se a uma revisão de literatura sobre o trabalho dos enfermeiros nos serviços de pronto atendimento, incluindo os aspectos contemplados na Política Nacional de Atenção as Urgências1 e os elementos que constituem o processo de trabalho. Para validação do questionário e garantia da sua consistência interna foi realizado um pré-teste com quatro enfermeiros de uma Unidade de Pronto Atendimento de outro município. A avaliação do pré-teste incluiu a análise da proporção de respostas que não obtiveram o entendimento por parte dos respondentes, a identificação de respostas que se mostraram difíceis, ambíguas ou mal formuladas, além de comentários importantes, feitos pelos respondentes sobre ausência ou excesso de determinados temas. Logo após, o questionário foi revisado e efetuaram-se adequações.

O questionário foi respondido por 47 enfermeiros, o que representa 87,03% da população em estudo. A aplicação do questionário ocorreu entre os meses de junho a setembro de 2010. A observação por amostragem de eventos foi realizada em uma Unidade de Pronto Atendimento, selecionada de forma intencional, considerando-se que apresentava características compatíveis quanto aos aspectos físicos, organizacionais e de oferta de serviços de saúde propostas pela Política Nacional de Atenção às Urgências. A observação foi realizada no período de outubro a dezembro de 2010, logo após a aplicação dos questionários. Foram observadas as atividades dos enfermeiros, durante 58 horas, divididas em 10 períodos, registrados em diário de campo.

Os dados quantitativos foram analisados por meio da estatística descritiva, utilizando tabelas de frequência. As análises foram realizadas no Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 16.0, sendo os resultados apresentados em número absoluto, acompanhado do percentual.

Os dados qualitativos foram tratados pela técnica de análise de conteúdo temática,11 para a identificação da presença de determinados temas que compuseram o registro das observações e interpretar seus significados. Assim, os dados qualitativos foram utilizados para complementar a compreensão dos dados quantitativos, com a finalidade de associar as duas abordagens, visto que a estrutura metodológica adotada propõe o formato sequencial de coleta e análise de dados. Foram considerados os preceitos éticos referentes a pesquisas que envolvem seres humanos estabelecidos pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,12 recebendo aprovação do Comitê de ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Para garantia do anonimato, não foram identificadas as pessoas e as unidades às quais pertenciam e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

Foi realizado o agrupamento dos dados quantitativos e qualitativos, obtendo-se a complementação dos dados, organizados em quatro núcleos: dimensão assistencial do trabalho dos enfermeiros; dimensão gerencial do trabalho dos enfermeiros; finalidade do trabalho; instrumentos de trabalho dos enfermeiros nos serviços de Pronto Atendimento.

A dimensão assistencial do trabalho dos enfermeiros nas unidades de pronto atendimento

As atividades assistenciais citadas pelos enfermeiros como mais frequentes no seu processo de trabalho foram o acolhimento com avaliação e classificação de risco (31-66%) e o registro dos dados clínicos em prontuários (29-61.7%). Na sequência, tem-se a verificação de dados vitais e o exame de glicemia capilar (24-51%). Evidenciou-se, na mesma frequência, a realização da anamnese e avaliação clínica dos usuários (24-51.1%) seguida pela administração de medicações (18-38,3%), os registros da evolução da assistência (18-38.3%) e a realização de eletrocardiograma (17- 36.2%). (Tabela 1)

A significativa presença de atividades dos enfermeiros relacionadas ao acolhimento com avaliação e classificação de risco foi confirmada pelas informações obtidas na observação dos eventos. Logo após o preenchimento do boletim de atendimento na recepção, a enfermeira atende uma criança, acompanhada pela mãe, na classificação de risco. Questionou a mãe sobre a sintomatologia da criança, e após a avaliação clínica, constatou saturação baixa e sinais de tiragem subclavicular. Imediatamente encaminhou a criança para a inalação, providenciando acomodação para mãe e para a criança. A classificação, com a cor amarela, significa que a criança poderia aguardar somente alguns minutos para ser atendida (OBS 10).

Constatou-se que os enfermeiros das unidades de pronto atendimento acolhem os usuários, avaliando suas queixas e necessidades e classificando-os para o atendimento conforme o grau de prioridade dos problemas. A técnica de enfermagem alerta a enfermeira que a classificação de risco pediátrica estava atrasada para aquele horário e que eles deveriam 'acelerar' o processo! O enfermeiro passou a não examinar os usuários, realizando apenas a aferição dos sinais vitais e questionando motivo da procura pelo serviço, com pouco diálogo e muita agilidade técnica (OBS9).No entanto, na maioria das vezes durante os episódios de observação do trabalho desta unidade de pronto atendimento, identificou-se que os enfermeiros não têm tempo para fazer avaliação clínica mais detalhada, bem como seu registro.

A dimensão gerencial do trabalho dos enfermeiros nas unidades de pronto atendimento

Na dimensão gerencial, identificou-se que as atividades de distribuição de tarefas entre a equipe de enfermagem (29-61.7%), escalas diárias (23-48.9%), organização de escalas de trabalho da enfermagem (19-40.4%) e o preenchimento de relatórios referentes ao seu trabalho (17-36.2%) são desenvolvidas com muita frequência (mais de cinco vezes na semana) pelos enfermeiros no Pronto Atendimento. As atividades para provisão de materiais na unidade (13-27.7%) são realizadas com frequência de até três vezes na semana (Tabela 2).

As observações demonstram que os enfermeiros utilizam a maior parte do seu tempo com as atividades de distribuição de tarefas, em destaque na Tabela 2: O enfermeiro aciona o serviço do SAMU para levar alguns usuários que aguardavam vaga para internação hospitalar. Após a saída dos mesmos, a enfermeira organiza o trabalho dos técnicos na unidade, solicitando limpeza e desinfecção dos leitos, organizando as atividades da sua equipe quanto aos demais materiais e equipamentos a serem organizados na unidade (OBS6). Identifica-se que as ações de gerência do cuidado indicadas com frequência pelos enfermeiros, tais como distribuição de tarefas, escalas diárias de pessoal, organização de escalas mensais de trabalho e provisão de materiais visam à previsão e provisão de recursos para produção do cuidado, por meio da organização e divisão do trabalho da equipe de enfermagem.

A finalidade do trabalho nas unidades de pronto atendimento na concepção dos enfermeiros

Todas as opções ofertadas como respostas à finalidade do trabalho foram apontadas com concordância plena pelos enfermeiros, com percentuais diferenciados. Os enfermeiros concordam totalmente que o atendimento prestado visa ao encaminhamento dos usuários para níveis adequados de assistência, referente ao encaminhamento dentro do próprio serviço e para outros serviços da rede (33-70%) como a principal finalidade do seu trabalho nas unidades de pronto atendimento. Na sequência têm-se o atendimento clínico do usuário (32-68.1%), assistência ao usuário em situação de urgência (29-61.7%), recuperação da saúde tratando doenças e/ou agravos (25-53.2%), a corresponsabilidade pela saúde das pessoas, junto aos demais serviços (21-44.7%), fazer julgamentos clínicos sobre prioridades (20-42.6%), identificação de grupos de risco e controle de doenças e agravos (19-40.4%), coordenar os serviços da equipe de enfermagem (18-38.3%) e gerir processos complexos e conflitos (17-36.2%) (Tabela 3).

Durante as observações foi possível verificar um número significativo de usuários com queixas agudas, que foram atendidos e liberados, sendo que os cuidados se basearam nas necessidades trazidas pelos usuários, que já estão modeladas pela oferta dos serviços da unidade. Os usuários são atendidos e recebem 'altas' ou são encaminhados para outros serviços para investigação ou ações mais complexas, ou ainda, para serviços de atenção básica: O enfermeiro responsável pelas salas de observação busca junto à enfermeira coordenadora geral da unidade, vagas de leitos hospitalares junto à central de leitos do município. Comenta sobre a dificuldade de conseguir leitos, destacando que existem usuários na sala de observação aguardando há mais de uma semana (OBS4). Identificou-se, também, que os enfermeiros nas unidades de pronto atendimento utilizam os fatores relacionados às demandas de saúde - morbidade e gravidade, para atendimento e assistência aos usuários, em função do tipo de serviço ofertado ser de caráter de urgência.

Instrumentos de trabalho dos enfermeiros nas unidades de pronto atendimento

O julgamento e tomada de decisão clínica (41-87.2%) são os instrumentos utilizados com maior frequência pelos enfermeiros, seguidos pela escuta e acolhimento (39-83%); equipamentos para realização de procedimentos (38-80.9%), conhecimento clínico (35-74.5%), protocolo que orienta a Classificação de Risco do Ministério da Saúde (32-68.1%), conhecimentos oriundos da equipe de saúde (32-68.1%), processo de enfermagem para atendimento de urgências (30-63.8%), a associação de achados científicos oriundos de estudos, ao contexto da prática (27-57.4%) e as habilidades para distinguir problemas, identificação de riscos e agravos (26-55.3%). Ainda quanto aos instrumentos utilizados com muita frequência estão as diretrizes da Política Nacional de Atenção às Urgências (23-48.9%), da Política Nacional de Humanização (20-42.6%), os conhecimentos oriundos da comunidade (20-42.6%) e o conhecimento epidemiológico (18-38.3%) (Tabela 4).

Os trechos a seguir retratam a utilização desses instrumentos no cotidiano do trabalho: Durante um atendimento de classificação de risco a enfermeira classifica como verde [significa que será atendida por ordem de chegada] uma criança com desconforto respiratório e febre. Logo em seguida a enfermeira foi chamada no saguão para atendimento da mesma criança que havia evoluído para um comprometimento de vias aéreas, sendo necessário encaminhar a criança à sala de atendimento de urgência, devido ao risco de parada respiratória (OBS4). As observações retratam a magnitude das decisões dos enfermeiros no desenvolvimento do trabalho em equipe no pronto atendimento. Verifica-se que o julgamento clínico do enfermeiro está atento para as condutas da equipe, busca resolver os problemas diagnosticados, por meio de encaminhamentos baseados na tomada de decisão clínica, direcionando o fluxo do usuário dentro do serviço.

 

DISCUSSÃO

O comprometimento com a avaliação clínica no acolhimento com avaliação e classificação de risco, para priorização do atendimento de acordo com a indicação clínica, coincide com resultados relatados na literatura. O acolhimento com avaliação e classificação de risco é considerado pelos enfermeiros como um novo modelo de reorganização do serviço, que consiste em atender o usuário, avaliando suas queixas e necessidades e classificando-o para o atendimento de acordo com o grau de prioridade.13 Entretanto, conforme os resultados obtidos, ressalta-se que têm sido identificadas estritamente as necessidades clínicas, revelando uma associação exclusiva com as demandas biomédicas, pois a decisão da enfermeira para a classificação de risco está fundamentada na disfunção biológica do corpo, sendo que a inquietação e a ansiedade não foram consideradas como demandas urgentes. Verifica-se que os enfermeiros estão atentos às pessoas que buscam os serviços, no intuito de priorizar o atendimento de acordo com a indicação clínica, o grau de sofrimento e o potencial de risco de vida.

O enfermeiro destaca-se como o profissional mais habilitado para realizar a classificação de risco, pois possui conhecimentos teórico-práticos, maior manejo com sinais e sintomas e não com diagnóstico, e ainda, por estar envolvido com as políticas públicas e com a organização do ambiente de trabalho.13 A atuação do enfermeiro no serviço de acolhimento e classificação de risco possibilita melhor gerenciamento de serviços de emergência, uma vez que contribui para garantir o acesso do paciente, diminuir o tempo de espera, diminuir o risco, e melhorar a qualidade do atendimento.14 A estrutura do acolhimento com avaliação de risco é uma das estratégias para qualificar o atendimento nas unidades de urgência, estabelecendo um equilíbrio entre a demanda de pacientes e os recursos disponíveis para atender suas necessidades, por meio da classificação dos casos.15 A avaliação com classificação de risco busca não somente a ordenação do atendimento ao usuário, mas também evitar que problemas de saúde sejam agravados se o atendimento for protelado.13

Os resultados apontam que os enfermeiros nas unidades de pronto atendimento são interpelados por uma demanda que ultrapassa o que os serviços estão organizados para reconhecer e intervir. Autores destacam que a organização não se restringe às condições materiais, tecnológicas e de pessoal, mas inclui igualmente a forma de organização e gestão dos processos de trabalho empregados nesses serviços.16 As ações de gerenciamento do cuidado apontadas visam à previsão e provisão de recursos para produção do cuidado, por meio da organização e divisão do trabalho da equipe de enfermagem, tendo como objeto de trabalho gerencial a organização do trabalho e os recursos humanos de enfermagem. Considera-se a dimensão gerencial como uma atividade meio para a atividade fim que é o cuidado, de modo que o gerenciamento do cuidado se caracteriza pela articulação entre a dimensão assistencial e a gerencial para atender às necessidades de cuidado dos pacientes e os objetivos da instituição e da equipe de enfermagem.6,7

Os resultados de estudos17 corroboram com os resultados obtidos nesta investigação, ao destacarem que as principais práticas gerenciais dos enfermeiros em serviço de emergência são a elaboração da escala mensal de funcionários e a realização da distribuição diária dos funcionários. A temática sobre o dimensionamento do pessoal de enfermagem tem sido abordada ao longo dos anos pelos enfermeiros, uma vez que identificam e avaliam continuamente os recursos existentes, face às necessidades dos usuários, para a prestação da assistência de enfermagem, interferindo diretamente na eficácia, na qualidade e no custo da assistência.18 Assim, o gerenciamento, configurado como instrumento do processo do cuidar, pode ser entendido como um processo de trabalho específico por meio de seus elementos constituintes como objeto de trabalho, que são os recursos humanos e a organização do trabalho, tendo como finalidade recursos humanos qualificados e trabalho organizado, para assim, obter as condições adequadas de assistência e de trabalho.19

A finalidade do trabalho dos enfermeiros nas unidades de pronto atendimento busca a garantia de acesso ao serviço, a partir da identificação de prioridades para o atendimento, segundo a necessidade clínica de saúde de cada usuário, por meio do acolhimento com avaliação e classificação de risco. Os saberes e os instrumentos de trabalho configuram as práticas dos enfermeiros para a identificação do risco/vulnerabilidade do usuário, considerando as dimensões biológicas do adoecer, promovendo a orientação e os encaminhamentos necessários para a resolução do problema demandado. Nestes termos, o destaque para os saberes e os instrumentos de trabalho permitiu analisar que o julgamento clínico é considerado uma habilidade essencial para a resolução de problemas. Associado ao julgamento clínico tem-se a tomada de decisão, inerente ao cotidiano de trabalho do enfermeiro. Refere-se às ações de cuidado, de organização e gerenciamento. A tomada de decisão no serviço de pronto atendimento sofre influência incisiva da estrutura organizacional sobre este processo. Esta influência acontece porque as organizações de saúde são moldadas pelas crenças e valores de quem as constituíram, os quais criam e expressam suas opiniões, estabelecem normas que delineiam suas estruturas, manuais de técnicas e procedimentos. 20

Destacaram-se também, a escuta e o acolhimento, com a intenção de interagir com o usuário na classificação do risco, na escuta de suas queixas, a utilização dos equipamentos para realização de procedimentos e a relevância do saber clínico no trabalho dos enfermeiros no pronto atendimento. Os enfermeiros, como responsáveis pela porta de entrada, direcionam os caminhos a serem percorridos pelo usuário nos serviços de Pronto Atendimento, contribuindo para a melhoria do prognóstico clínico dos usuários atendidos, reorganizando os processos de trabalho da equipe de trabalho. Na organização tecnológica do trabalho nas Unidades Pronto Atendimento, os enfermeiros buscam enriquecer sua conduta, ampliando o atendimento para além da queixa clínica inicial como tentativa de romper com a lógica do modelo assistencial biomédico, porém, ainda de forma incipiente dentro da lógica de um serviço que prima por intervenções de enfermagem de caráter instrumental.

 

CONCLUSÃO.

As atividades dos enfermeiros nas Unidades de Pronto Atendimento utilizam saberes tecnológicos na resolução de problemas do cotidiano, garantindo a infraestrutura e a manutenção do cuidado. Assim, o trabalho dos enfermeiros no cenário do pronto atendimento vem conformando os demais processos de trabalho da equipe de saúde, bem como organizando as demandas que buscam o serviço, por meio da utilização de saberes tecnológicos específicos. Aponta-se a necessidade de se ampliarem as discussões sobre os desafios para o desenvolvimento do trabalho dos enfermeiros em unidades de pronto atendimento, onde a demanda deve ser acolhida com agilidade e ao mesmo tempo deve ser precedido de um processo de tomada de decisão com escuta qualificada e um aprofundamento do julgamento clínico das queixas.

 

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Institui a Política Nacional de Atenção às Urgências, a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Portaria n° 1863 (Sept. 29, 2003).         [ Links ]

2. Furtado BMASM. O trabalho do enfermeiro em emergência: representação social, comprometimento, satisfação e condições de trabalho - O caso do Hospital da Restauração [Dissertation]. Recife: Fundação Oswaldo Cruz; 2009.         [ Links ]

3. Marques GQ, Lima MADS. Demandas de usuários a um serviço de pronto atendimento e seu acolhimento ao sistema de saúde. Rev Latino-am Enfermagem. 2007; 15(1)13-9.         [ Links ]

4. Mendes Gonçalves RB. Práticas de saúde: processo de trabalho e necessidades. São Paulo: Centro de Formação dos Trabalhadores em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde; 1992.         [ Links ]

5. Almeida MCP. O trabalho de enfermagem. São Paulo: Cortez; 1997.         [ Links ]

6. Hausmann M, Peduzzi M. Articulação entre as dimensões gerencial e assistencial do Processo de Trabalho do Enfermeiro. Texto Contexto Enferm. 2009; 18(2):258-65.         [ Links ]

7. Rossi FR, Silva MADS. Fundamentos para processos gerenciais na prática do cuidado. Rev Esc Enferm USP. 2005; 39(4):.460-8.         [ Links ]

8. Silva AM. Processo de trabalho e atividades educativas de trabalhadores de enfermagem em hospitais públicos [Dissertation]. São Paulo: Escola de Enfermagem da USP. Universidade de São Paulo; 2010.         [ Links ]

9. Creswell JW. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativo e misto. 3rd ed. Trad: Magda Lopes. Porto Alegre: Artmed; 2010.         [ Links ]

10. Vieira S. Como elaborar questionários. São Paulo: Atlas; 2009.         [ Links ]

11. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12nd. ed. São Paulo: Hucitec; 2010.         [ Links ]

12. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. (Oct. 10, 1996).         [ Links ]

13. Shiroma LMB, Pires DEP. Classificação de risco em emergência - um desafio para as/os enfermeiras/os. Rev Enferm Foco. 2011; 2(1):14-7.         [ Links ]

14. Pires PS. Tradução para o português e validação de instrumento para triagem de pacientes em serviço de emergência: 'Canadian Triage and Acuity Scale' (CTAS) [Mestrado em Enfermagem]. São Paulo: Escola de Enfermagem da USP. Universidade de São Paulo; 2003.         [ Links ]

15. Garlet ER, Lima MADS, Santos JLG, Marques GQ. Organização do trabalho de uma equipe de saúde no atendimento ao usuário em situações de urgência e emergência. Texto Contexto Enferm. 2009; 18(2):266-72.         [ Links ]

16. Sá MC, Carreteiro TC, Fernandes MIA. Limites do cuidado: representações e processos inconscientes sobre a população na porta de entrada de um hospital de emergência. Cad Saude Publica. 2008; 24(6):1334-43.         [ Links ]

17. Santos JLG, Lima MADS. Gerenciamento do cuidado: ações dos enfermeiros em um serviço hospitalar de emergência. Rev Gaucha Enferm. 2011; 32(4):695-702.         [ Links ]

18. Gaidzinski RR, Fugulin FMT. Castilho V. Dimensionamento de Pessoal de Enfermagem em Instituições de Saúde. In: Kurcgant P. (Org.) Gerenciamento em enfermagem. São Paulo: Guanabara Koogan; 2005.         [ Links ]

19. Peres AM, Ciampone MHT. Gerência e competências gerais do enfermeiro. Texto Contexto Enferm. 2006; 15(3): 492-9.         [ Links ]

20. Brusamolin L, Montezeli JH, Peres AM. Use of the managerial abilities by nurses of a ready attendance hospital. Rev Enferm UFPE. 2010; 4(2):818-24.         [ Links ]