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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.31 no.1 Medellín Jan./Apr. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE/ ARTÍCULO ORIGINAL

 

O ensino da humanização nas disciplinas dos cursos de graduação em enfermagem

 

La enseñanza de la humanización en las asignaturas del pregrado en enfermería

 

 

Débora Vieira de Almeida1; Eliane Corrêa Chaves2

 

1 Enfermeira, Doutora, Professora. Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brazil. email: deboravalmeida@gmail.com.

2 Enfermeira, Doutora, Professora. Universidade de São Paulo, Brazil. email: ecchaves@usp.br.

 

Fecha de Recibido: 31 de enero de 2012. Fecha de Aprobado: 19 de septiembre de 2012.

 

Subvenciones: CAPES.

Conflicto de intereses: ninguno.

Cómo citar este artículo: Almeida DV, Chaves EC. Teaching humanization in undergraduate nursing course subjects. Invest Educ Enferm. 2013;31(1): 44 - 53.

 


RESUMO

Objetivo. Descrever o ensino da humanização nas matérias que compõem os currículos de enfermagem da cidade de São Paulo (Brasil). Metodologia. Estudo descritivo transversal das matérias que compõem os currículos de todas as Instituições de Ensino Superior (IES) credenciadas pelo Ministério da Educação (Brasil) da cidade de São Paulo. Definiu-se humanização em enfermagem como o encontro de subjetividades no e pelo ato de cuidar. Resultados. Estudaram-se 13 currículos que totalizaram 588 matérias. Ainda que 59% delas apresentou algum termo relacionado com a humanização, ao avaliar a compatibilidade com a definição empregada no estudo se encontrou que: um 3% era total, 28% foi parcial, nenhuma em 62% e em 7% das matérias foi impossível a comparação. Conclusão. As matérias analisadas dos cursos de graduação em enfermagem mostraram uma intencionalidade ambígua, ainda que a maioria apresentou algum termo relacionado à humanização, só a minoria o apresentou de acordo com o conceito.

Palavras chaves: humanización de la atención; educación en enfermería; educación superior; curriculum.


ABSTRACT

Aim. To describe teaching on humanization in the subjects included in nursing curricula in São Paulo city (Brazil). Method. Descriptive and cross-sectional study of subjects included in the curricula of all Higher Education Institutions (HEI) accredited by the Ministry of Education (Brazil) in São Paulo City. Humanization in nursing was defined as the encounter of subjectivities in and through the care act. Results. Thirteen curricula were studied, totaling 588 subjects. Although 59% contained some term related to humanization, when assessing compatibility with the definition used in the study, findings showed: 3% full compatibility, 28% partial, 62% no compatibility and, in 7% of the subjects, comparison was impossible. Conclusion. The undergraduate nursing subjects analyzed showed ambiguous intentionality as, although the majority contained some term related to humanization, only a minority was in accordance with the concept.

Key words: humanization of assistance; education, nursing; education, higher; curriculum.


RESUMEN

Objetivo. Describir la enseñanza de la humanización en las asignaturas que componen los currículos de enfermería de la ciudad de São Paulo (Brasil). Metodología. Estudio descriptivo transversal de las asignaturas que componen los currículos de todas las Instituciones de Enseñanza Superior (IES) acreditadas por el Ministerio de la Educación (Brasil) de la ciudad de São Paulo. Se definió humanización en enfermería como el encuentro de subjetividades en y por el acto de cuidar. Resultados. Se estudiaron 13 currículos que totalizaron 588 asignaturas. Aunque el 59% de de ellas presentó algún término relacionado con la humanización, al evaluar la compatibilidad con la definición empleada en el estudio se encontró que: un 3% era total, 28% fue parcial, ninguna en 62% y en 7% de las asignaturas fue imposible la comparación. Conclusión. Las asignaturas analizadas de los cursos de graduación en enfermería mostraron una intencionalidad ambigua, aunque la mayoría presentó algún término relacionado con la humanización; solo la minoría lo presentó de acuerdo con el concepto.

Palabras clave: humanización de la atención; educación en enfermería; educación superior; curriculum.


 

 

INTRODUÇÃO

O termo humanização tem sido recorrente em divulgações científicas sobre o cuidado e a assistência à saúde, seja relacionado à ética, à tecnologia, às políticas de saúde ou à relação entre os profissionais da saúde e à pessoa que busca pelo serviço de saúde. Os primeiros esforços em conceituar os termos humanização e desumanização ocorreram na década de 1970 e foram contribuições da sociologia médica norte-americana.1,2 O primeiro trabalho com o objetivo de conceituar os termos humanização e desumanização relata que a aproximação com estes termos partia da premissa que os seres humanos têm necessidades biológicas e fisiológicas. Logo, as atitudes orientadas a satisfazê-las seriam consideradas humanizadas, enquanto as deshumanizantes as ignorariam. Reconhecer apenas as necessidades biológicas e fisiológicas seria insuficiente para atingir o ser humano completamente. Então, propõe-se incluir as necessidades psicológicas, que contemplam a expressão e o respeito consigo mesmo, o afeto, a simpatia e o relacionamento social.3 Desde a década de 1970 até hoje não foram encontrados trabalhos dedicados ao conceito de humanização ou desumanização dos cuidados em saúde. Nota-se que atualmente o termo humanização é utilizado quando, além da valorização do cuidado em suas dimensões técnicas e científicas, reconhecem-se os direitos do paciente,4 respeita-se sua individualidade,5 sua dignidade,4 sua autonomia, sua subjetividade;6 sem esquecer do reconhecimento do profissional também como um ser humano, ou seja, estabelece-se uma relação sujeito/sujeito.1

Apesar de alguns autores4 utilizarem o termo paciente, o que remete a um papel social, outros5,6 utilizam os termos individualidade e subjetividade, o que remete a um sujeito individual. Esta aparente indiferenciação entre estes dois tipos de sujeitos pode interferir na qualificação das relações assistenciais e, assim, na presença ou ausência da humanização. Parece ser consenso entre os autores3-6 que quando o assunto é humanização, a questão central é o sujeito, a pessoa que busca pelo serviço de saúde, caracterizando-se humanizada a assistência que é personalizada. O fato do profissional também ser considerado como um sujeito estabelece-se uma relação sujeito-sujeito, sendo que a classificação da assistência como humanizada dependerá da qualidade desta relação. Por não haver um único conceito para o termo humanização, neste estudo é definido como o encontro entre sujeitos no e pelo ato de cuidar, ou seja, o encontro de subjetividades, destacando que é a intersubjetividade viva do momento assistencial que efetiva o espaço relacional.7

A escola dos futuros profissionais valoriza pouco os conteúdos relacionados à humanização da assistência, enquanto há hipervalorização dos conteúdos técnicos e relacionados exclusivamente aos aspectos biológicos do ser humano.8,9 Considerando que os conteúdos apreendidos na formação profissional exercem influência nas atitudes profissionais, abordar a temática da humanização na formação dos enfermeiros seria fundamental para a concretização de atitudes humanizadas na sua prática. Atualmente os currículos de graduação em enfermagem do Brasil seguem as orientações da Resolução CNE/CES n. 3 de 7 de novembro de 2001, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem de 2001,10 mas, até a Lei de Diretrizes e Bases de 1996,11 os currículos seguiam modelos (1890, 1923, 1949, 1962, 1972 e 1994), eram os chamados currículo mínimos.

Currículo é um projeto seletivo dotado de diversos conteúdos organizados sequencialmente, apresentando um campo prático e um campo discursivo. Currículo é um projeto dotado de diversos conteúdos organizados sequencialmente, apresentando um campo prático e um campo discursivo. é um projeto seletivo e ideológico construído a partir do contexto cultural, social, político e administrativo em que está inserido, tornando-se realidade de acordo com as condições da escola.12 O currículo representa a visão que as pessoas que o elaboraram têm do mundo e do homem.13 Assim, o currículo pode assumir uma posição predominantemente biomédica-tecnicista ou humanista,14 o que implica em diferentes maneiras de atuar13. Aparentemente, o currículo biomédico-tecnicista parece referir-se a um currículo biologista. Neste caso os projetos pedagógicos estariam voltados a abordar, prioritariamente, o ser humano sob seus aspectos biológicos e as técnicas de intervir sobre este conteúdo. Já o currículo humanista sugere que o sujeito seria o foco e não apenas o seu corpo biológico.

Como projeto seletivo, os currículos de graduação em enfermagem surgiram para atender questões sociais, políticas ou econômicas. Destaca-se o currículo mínimo de 1994 dos cursos de enfermagem do Brasil, ao qual foi adicionada a disciplina Antropologia Filosófica. Até este momento as únicas disciplinas de ciências humanas eram sociologia e psicologia. Como Antropologia Filosófica é a compreensão do ser humano em sua essência,15 a inclusão desta disciplina demonstra a preocupação com a ampliação do conhecimento sobre o sujeito do qual se cuida. A eliminação dos currículos mínimos (1996) proporcionou autonomia e liberdade às Instituições de Ensino Superior (IES) para a seleção dos conteúdos que compõem seus currículos, assim como suas respectivas cargas horárias. A única consideração é que sigam as orientações das Diretrizes Gerais pertinentes: Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem.10

Este documento permite diversas interpretações, pois utiliza termos que não apresentam uma definição precisa e não os definem, como é o caso do termo humanista presente na frase: 'enfermeiro com formação humanista'. Pode significar, a princípio, três possibilidades. Primeira: um plano curricular que inclua normas de condutas desejadas para uma assistência digna. Segunda: um plano curricular que inclua conteúdos de ciências humanas. Terceira: que una estas duas vertentes, preocupa-se com uma formação profissional que tenha consistência teórica sobre as questões humanas, assim como com os meios com que este conteúdo é utilizado na prática assistencial cotidiana. O documento curricular escrito não é o único representante das pretensões do que será abordado na formação dos futuros enfermeiros, considerando a importância das experiências em sala de aula e nos ensinos clínicos/ estágios. No entanto, é lícito supor que exerce influência significativa sobre os conteúdos que se contemplarão no transcurso da formação dos enfermeiros. A concretização das ideias e princípios de cada IES ocorre através dos conteúdos priorizados nas disciplinas e pela organização destas na estrutura curricular.12 Considerando isso, o objetivo desta pesquisa foi investigar o ensino da humanização nas disciplinas que compõem os currículos de enfermagem da cidade de São Paulo (Brasil).

 

METODOLOGIA

Estudo descritivo e transversal, de análise de documento. Foi desenvolvido na cidade de São Paulo, adotou-se como material de referência os planos de todas as disciplinas obrigatórias que compõem o programa curricular dos cursos de graduação em enfermagem. Foram selecionadas todas as IES que estavam credenciadas pelo Ministério da Educação do Brasil até o mês de maio de 2006. Estes dados foram consultados no site do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais). O site do INEP revelou a existência de 26 IES na cidade de São Paulo que ofereciam o curso de graduação em enfermagem. Ao contactá-las, duas haviam encerrado o curso de graduação em enfermagem. Com isso, havia na ocasião, 24 currículos diferentes para a graduação em enfermagem. Estabeleceu-se contato com todas as IES e 13 aceitaram participar do estudo (sendo identificadas com letras maiúsculas de A até M); 10 negaram e 11 não se posicionaram. Das 13 IES que participaram da investigação: uma era federal, uma estadual e 11 privadas. O total de disciplinas analisadas foi 588.

Critérios para a inclusão das disciplinas: pertencer a IES credenciada pelo MEC, localizadas na cidade de São Paulo, aceitar participar do estudo, oferecer cópia do projeto pedagógico e dos planos de ensino de todas as disciplinas que compõem o curso. Para a coleta dos dados presentes nos programas das disciplinas foi elaborado um instrumento composto pelos seguintes itens: nome da disciplina, carga horária total, semestre de oferecimento, se tinha disciplina requisito ou não e tipo de ciência. Depois destas classificações, o plano de ensino das disciplinas foi lido novamente em busca de algum termo relacionado à humanização ou o próprio termo humanização. Quando a disciplina contemplava algum dos termos mencionados foi classificada quanto ao tipo de ciência: básica ou aplicada. Esta classificação foi baseada nos objetivos, conteúdo, carga horária total e no método pedagógico dos planos de ensino. Classificou-se como ciência básica as disciplinas que apresentaram conhecimentos sobre o ser humano (em relação às dimensões biológicas, psicológicas, espirituais ou sociais), sem oferecer aplicação destes conteúdos em uma determinada realidade. As disciplinas classificadas como ciência aplicada foram aquelas que apresentaram aplicação dos conceitos ou modelos teóricos em uma determinada realidade ou apresentaram carga horária prática. Depois desta classificação, as disciplinas foram novamente classificadas: ciência básica da área de humanas (relacionadas a psicologia, ética, antropologia, filosofia, sociologia, história, língua portuguesa e inglesa, religião, ecologia, educação e administração) ou não da área de humanas. As de ciência aplicada foram classificadas como à enfermagem ou não à enfermagem.

Como a definição de humanização utilizada nesta investigação foi o encontro de subjetividades, as disciplinas que poderiam apresentar algum destes conteúdos seriam as de ciência básica da área de humanas e as que poderiam aplicar estes conceitos em uma realidade assistencial seriam as de ciência aplicada à enfermagem. Portanto, as disciplinas de ciência básica não da área de humanas e de ciência aplicada não à enfermagem foram desconsideradas. As outras foram lidas novamente em busca de algum termo relacionado à humanização ou o próprio termo humanização. Os termos considerados como correlatos ao termo humanização e que foram buscados nos planos das disciplinas foram: humanizado(a), humanístico(a), humanista, humanizadora, sujeito, direito(s), dever(es), responsabilidade(s), autonomia, liberdade, confiança, respeito, independência, dignidade, subjetividade, intersubjetividade, relação(ões), interpessonal(is), relacionamento, comunicação, individual(mente), individualidade, individualizado(a), pessoa(s), integral(is), integrada, integralidade, psicossomática, holístico(a), holisticamente, ética(o), biopsicossocial, biopsicoespiritual, reconhecer, assistência, assistir, assistencial(is), bioética, cuidado(s), cuidar e cuidando. As disciplinas que apresentaram pelo menos um destes termos foram lidas novamente para verificar a compatibilidade conceitual entre o termo presente no plano da disciplina e o conceito de humanização utilizado neste trabalho. Quando uma mesma IES apresentava tanto disciplina(s) de ciência básica da área de humanas como de ciência aplicada à enfermagem, analisou-se a articulação entre elas, através de requisito (se a disciplina de ciência aplicada à enfermagem tinha a de ciência básica da área de humanas como requisito) e do referencial bibliográfico.

Recordando, o conceito de humanização aqui utilizado foi o encontro entre sujeitos no e pelo ato de cuidar, o encontro de subjetividades. Esta definição contempla 4 dimensões que pretendem alcançar a intersubjetividade: características do sujeito (como esse sujeito se caracteriza), construção da subjetividade (como esse sujeito se constitui), expressão da subjetividade (como o sujeito se expressa) e encontro entre sujeitos. Isso é importante para estabelecer o grau de compatibilidade da disciplina com o conceito de humanização desta investigação. Estas dimensões foram utilizadas como indicadores de compatibilidade com o conceito de humanização, ou seja, as disciplinas que contemplavam as 4 dimensões foram classificadas como compatibilidade total com o conceito, as que contemplavam de uma a três das dimensiones como compatibilidade parcial e quando não contemplavam nenhuma das dimensões, ausência de compatibilidade.

Os dados foram apresentados considerando-se as frequências absolutas (n) e relativas (%). Em relação aos aspectos éticos, por esta ser una investigação que não envolve seres humanos, dispensaria apreciação de Comitê de ética em Pesquisa (CEP). No entanto, por uma atenção especial às IES envolvidas, optou-se por submetê-lo à apreciação do CEP da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, o qual, após análise, reiterou a disposição inicial.

 

RESULTADOS

Caracterização das disciplinas analisadas. Das 588 disciplinas: 98 eram de ciência básica (53 da área de humanas e 45 não da área de humanas), 479 de ciência aplicada (sendo 326 à enfermagem e 153 não à enfermagem) e 11 foram impossíveis de classificar. Das disciplinas de ciência básica da área de humanas e de ciência aplicada à enfermagem, 349 (59%) apresentaram algum termo relacionado à humanização. A Tabela 1 apresenta as disciplinas com algum termo relacionado à humanização, por IES e por tipo de ciência. Verifica-se que a maioria das disciplinas (88.5%) era de ciência aplicada à enfermagem.

Compatibilidade conceitual. Em relação à compatibilidade conceitual, observa-se na Tabela 2 que, apesar da maioria das disciplinas apresentarem algum termo relacionado à humanização, estas disciplinas não contemplaram este conteúdo de maneira consistente, porque apresentavam algum termo relacionado à humanização sem apresentar conteúdo bibliográfico que permitisse o fundamento do termo. A maioria apresentou ausência de compatibilidade com o conceito de humanização, com exceção da IES H que apresentou o mesmo percentual de disciplinas nesta classificação e parcialmente compatíveis com o conceito de humanização. Somente a minoria (3%) apresentou compatibilidade total com o conceito de humanização utilizado neste estudo.

Apreensão do conteúdo de humanização pelas IES. As 12 disciplinas completamente compatíveis com o conceito de humanização utilizado neste estudo estão distribuídas em 7 das 13 IES (Tabela 1). Somente as IES A e L apresentaram tanto disciplina de ciência básica da área de humanas, como de ciência aplicada à enfermagem completamente compatíveis com o conceito de humanização. Na IES A as disciplinas foram: Antropologia Filosófica (básica) e Introdução à Psicologia (aplicada). Mesmo esta IES tendo apresentado uma disciplina de ciência básica da área de humanas e outra de ciência aplicada à enfermagem completamente compatíveis, dificulta a formação do conceito de humanização por alguns motivos: a disciplina de ciência aplicada foi oferecida antes da de ciência básica; a disciplina Introdução à Psicologia (ciência aplicada), direcionou as dimensões da definição da humanização às situações específicas do processo de adoecimento e cura, demonstrando um enfoque maior da enfermidade sobre o sujeito. Além disso, aparentemente estas disciplinas não demonstraram articulação.

A IES L apresentou 4 disciplinas completamente compatíveis com a definição de humanização, mas só as disciplinas Filosofia (ciência básica) e Antropologia Filosófica (ciência aplicada) poderiam proporcionar a formação do conceito de humanização e, assim, sua aprendizagem. Este é possível pela disciplina Filosofia apresentar conceitualmente as dimensões que compõem a definição de humanização e a Antropologia Filosófica direcioná-las para uma dada realidade assistencial. Estas 2 disciplinas compartilham um referencial bibliográfico, o que demonstra articulação entre elas. E o oferecimento da disciplina de ciência básica foi anterior ao da de ciência aplicada.

 

DISCUSIÓN

O fato de 59% das disciplinas apresentarem algum termo relacionado à humanização revela uma intenção em ensinar a humanização. Aqui é importante diferenciar intenção e determinismo. Intenção é o propósito de fazer alguma coisa sob a reserva dos obstáculos que poderiam impedir que este propósito se tornasse uma ação possível.16 Isso se verifica através da presença de termos não fundamentados teoricamente; ou pela presença de termos aparentemente contraditórios. O determinismo é a conexão condicional entre os fatos.17 Isso se verifica nos currículos pelas tendências que as leis, decretos, resoluções, políticas públicas e diretrizes condicionam nos próprios currículos. Mesmo com uma determinação do contexto social, a intenção das pessoas que elaboraram os currículos no campo discursivo parece acompanhá-la, seja pelas diferentes interpretações que os próprios elementos do contexto social permitem ou pelo próprio propósito deste grupo de pessoas.

Assim, a introdução dos conteúdos de humanização nos currículos de graduação em enfermagem estaria mais relacionada à intencionalidade das pessoas que o elaboram no campo discursivo que ao determinismo do meio. Entre o uso do termo humanização e as modificações da prática assistencial há uma longa trajetória, a qual envolve a consistência, a aprendizagem e a forma de utilizar esta aprendizagem conceitual em uma determinada realidade factual. O uso do termo pode ser vazio de sentido. Com isso, não há aprendizagem sobre o conceito, dificultando a alteração da prática assistencial. Quando há consistência, existe a possibilidade de que ocorra o aprendizado sobre a humanização; mas, se não houver uma maneira de traduzir o aprendizado teórico em atitudes, também não há como ocorrer mudanças no campo assistencial. Desta forma, fica evidente que apenas o conceito não é condição suficiente para alterar a prática, mas o fundamento necessário para que este processo se inicie.

Verificou-se que a maioria das disciplinas com algum termo relacionado à humanização era de ciência aplicada à enfermagem (88.5%). Isso pode ser compreendido pelo fato da enfermagem ser uma profissão com tradição técnica, ou seja, possuir um corpo de conhecimentos científicos que abarcam a complexidade humana direcionados a uma determinada prática assistencial.16 O fato de uma explicação ou uma teoria orientar a prática caracteriza a enfermagem como uma profissão técnica. Este saber fazer fundamentado no conhecimento científico visa uma finalidade,18 que na área da saúde pode ser compreendida como promover, proteger, recuperar ou reabilitar a saúde das pessoas, além de conhecer o sujeito no qual a saúde se expressa.

Este saber fazer, a técnica, é definido como métodos organizados que assentam sobre um conhecimento científico correspondente.16 Dessa forma, como a enfermagem apresenta conteúdos de ciências biológicas e humanas, seria importante desenvolver maneiras sistematizadas de aplicar estes saberes em uma determinada prática assistencial. Em educação há a necessidade de apresentar ideias e fornecer métodos para colocá-las em prática,19 já que as ideias não transformadas em ações são úteis apenas para os debates e a compreensão; e as ações não subordinadas a ideias são esvaziadas de sentido. O desenvolvimento intelectual dos seres humanos ocorre ao longo da vida envolvendo diversos processos mentais, desde a infância, culminando com a formação de conceitos na adolescência.20 Conceitos são representações mentais, a forma mais elaborada do processo intelectual. Há dois tipos de conceitos: os cotidianos e os científicos. São cotidianos os conceitos que depois das vivências dos seres humanos podem ser expressos por palavras. Já nos científicos é a palavra que inicia o processo de representação mental. Quando o currículo fornece material necessário, o desenvolvimento dos conceitos científicos ultrapassa o desenvolvimento dos conceitos cotidianos.20 Caso não existam conteúdos suficientes para o desenvolvimento dos conceitos científicos mais elaborados, os conceitos cotidianos ou os científicos de senso comum podem prevalecer. Para que ocorra a formação do conceito científico de humanização, de acordo com a teoria de Vigostki,20 são necessárias duas etapas: definição verbal de humanização e sua aplicação em uma determinada realidade assistencial. Desta maneira, as IES que teriam como objetivo proporcionar a aprendizagem sobre a humanização e não somente a intenção em ensinar este tema, deveriam apresentar tanto disciplina(s) de ciência básica da área de humanas como de ciência aplicada à enfermagem completamente compatíveis com o conceito de humanização e articuladas entre si. Deste modo, a disciplina de ciência básica da área de humanas definiria as dimensões que compõem a definição de humanização e a de ciência aplicada à enfermagem aplicaria os conceitos em uma dada realidade assistencial.

As 12 disciplinas completamente compatíveis com o conceito de humanização pertencem a duas grandes áreas do saber: filosofia e psicologia. A filosofia permite refletir sobre as questões inter-humanas, onde a humanização pode estar presente. Permite refletir sobre a presença do eu e do outro, sem que um seja objeto e outro sujeito; e o reconhecimento da alteridade - caráter do que é outro.21 A psicologia contribui para a formação do conceito de humanização porque se dedica ao estudo dos comportamentos humanos, ocupa-se do sujeito, da subjetividade, possibilitando a individualização, a particularização do cuidado. A psicologia na formação do enfermeiro visa preparar a aluno para prestar cuidados que envolvam além dos aspectos físicos, os psicológicos e os sociais dos pacientes, contribuindo para a formação do aluno como subjetividade e como profissional, ou seja, a formação do aluno-enfermeiro.22 Utilizar termos como paciente, aluno e aluno-enfermeiro ao tratar de questões humanas, demonstra uma aparente indiferenciação entre relações inter-humanas e relações sociais.

Nas relações sociais estão presentes os papéis sociais, os quais surgem a partir de sistemas consuetudinários, o que permite que os membros de uma sociedade desenvolvam certos atos de maneira automática, possibilitando sua concentração em novos projetos e ideias. O papel tem como estrutura própria a degradação das relações sociais, pois ao desenvolver ações pertinentes aos papéis sociais assumidos, os seres humanos não precisam se mostrar como sujeitos, o que dificulta o conhecimento sobre si e os outros e reforça os comportamentos necessários aos papéis.23 O papel social paciente ou portador de uma enfermidade se refere ao sujeito conformado de acordo com uma sequência de sinais e sintomas. Por sua vez, o papel social enfermeiro se caracteriza por ações técnico-científicas, éticas e legais relacionadas a tal profissão. Nos dois casos há a possibilidade de haver a identificação do sujeito com seu papel social.

Das 12 disciplinas completamente compatíveis com o conceito de humanização, as de ciência aplicada à enfermagem mencionaram o encontro entre sujeitos sociais e não explicitaram se consideram o enfermeiro e o paciente como sujeitos individuais que assumem papéis sociais ao se relacionarem. Isso conduz a uma relação em que o papel se destaca e o sujeito se empobrece. As disciplinas de ciência básica da área de humanas, por sua vez, mencionaram o encontro entre sujeitos não especificados (quando apresentavam termos como relações interpessoais, relacionamento) ou entre sujeitos individuais. O papel social faz parte da assistência, mas esta terá a possibilidade de tornar-se humanizada caso não se confunda papel social com subjetividade.

Por fim, o que se observou nos programas das disciplinas do curso de graduação em enfermagem aqui analisadas foi uma intencionalidade ambígua, pois a maioria das disciplinas apresentou algum termo relacionado à humanização (59%). Destas, a minoria o apresentou de maneira consistente (3%). E, destas, apenas as disciplinas Filosofia e Antropologia Filosófica da IES L poderiam proporcionar a formação do conceito científico de humanização, cumprindo com a efetividade do ensino formal que é modificar ou aperfeiçoar os conceitos do senso comum e, no caso em questão, conceitos de humanização.

Conclusão. As disciplinas dos cursos de graduação em enfermagem analisadas mostraram uma intencionalidade ambígua, pois a maioria das disciplinas apresentou algum termo relacionado à humanização e a minoria o apresentou de acordo com o conceito deste estudo.

 

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