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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.31 no.1 Medellín Jan./Apr. 2013

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE/ ARTIGO ORIGINAL

 

A proteção das crianças e adolescentes contra a violência: uma análise das políticas públicas e sua interfase com o setor saúde

 

La protección a los niños y adolescentes contra la violencia: un análisis de las políticas públicas y su relación con el sector salud

 

 

Juliane Portella Ribeiro1; Mara Regina Santos da Silva2; Marta Regina Cezar Vaz3; Priscila Arruda da Silva4; Bárbara Tarouco da Silva5

 

1Doutoranda. Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brazil. email: ju_ribeiro1985@hotmail.com.

2Doutora, Professora. FURG, Brazil. email: marare@brturbo.com.br.

3Doutora, Professora. FURG, Brazil. email: cezarvaz@vetorial.net.

4Doutoranda. FURG. Brazil. email: patitaarruda@yahoo.com.

5Doutoranda, Professora. FURG, Brazil. email: barbaratarouco@yahoo.com.br.

 

Fecha de Recibido: 25 de abril de 2012. Fecha de Aprobado: 19 de septiembre de 2012.

 

Subvenciones: Ninguna

Conflicto de intereses: Ninguno

Cómo citar este artículo: Ribeiro JP, Silva MRS, Cezar-Vaz MR, Silva PA, Silva BT. The protection of children and adolescents: an analysis of public policies and their relationship with the health sector. Invest Educ Enferm. 2013;31(1): 133 - 141.

 


RESUMO

O artigo analisa as políticas públicas de proteção ao menino e ao adolescente desde a perspectiva da saúde. Apresentam-se interfaces entre a temática, a políticas públicas de proteção e a saúde. Em conseqüência se abordam as políticas desde os pontos de vista conceitual e filosófico, bem como desde as limitações e potencialidades observadas. Encontrou-se que o forte impacto da violência na morbilidade e mortalidade de crianças e adolescentes, na população brasileira, produziu a restruturação da rede de proteção de vítimas, para a qual se devem as condições uma assistência resolutiva. A inserção dos enfermeiros na rede de serviços de proteção a crianças e adolescentes é fundamental, já que são profissionais que estão numa posição estratégica para a identificação de riscos e possíveis vítimas.

Palavras chaves: violência; enfermagem; políticas públicas de saúde.


RESUMEN

El artículo analiza las políticas públicas de protección al niño y al adolescente desde la perspectiva de la salud. Se presentan interfaces entre la temática, las políticas públicas de protección y la salud. En consecuencia se abordan las políticas desde los puntos de vista conceptual y filosófico, así como desde las limitaciones y potencialidades observadas. Se encontró que el fuerte impacto de la violencia en la morbilidad y mortalidad de niños y adolescentes, en la población brasileña, produjo la reestructuración de la red de protección de víctimas, para la cual se debieron implementar las condiciones más óptimas a partir de una asistencia resolutiva. La inserción de los enfermeros en la red de servicios de protección a niños y adolescentes fue fundamental, ya que son profesionales que están en una posición estratégica para la identificación de riesgos y posibles víctimas.

Palabras clave: violencia, enfermería, políticas públicas de salud.


 

 

INTRODUÇÃO

A violência contra crianças e adolescentes esteve sempre presente na história da humanidade, configurando-se em um problema grave, com consequências para a saúde e para a qualidade de vida das famílias envolvidas.1 No entanto, seu reconhecimento como problema de saúde pública é relativamente recente, assim como o desenvolvimento de políticas públicas específicas e a organização da assistência e de serviços sociais e de saúde para o atendimento desses casos. Na década de 80, especialmente no Brasil, o tema violência entrou com fôlego na agenda de debates e no campo programático da saúde. Ao longo dessa década a área legislativa deu um salto qualitativo, com a promulgação da nova Constituição Federal do Brasil (1988). Nela está expresso, no art. 227, que a família e o Estado devem garantir à criança e ao adolescente, entre outros direitos, a vida, a saúde, além de colocá-los a salvo de toda forma violência.2

Em 1990, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pela Lei Federal n° 8069, de 13/07/1990, o qual assegura a proteção integral à criança e ao adolescente e torna compulsória a notificação de casos suspeitos ou confirmados de abuso ou maus tratos ao Estado.3 A partir da implementação do ECA, em passos mais rápidos, outras propostas foram sendo desenvolvidas para dar conta desse problema grave, cujos os índices cada vez mais elevados intensificaram a preocupação com a saúde das crianças e adolescentes. Dados do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (SIPIA), através da compilação das estatísticas de 1.635 conselhos tutelares, distribuídos em quinze estados brasileiros, contabilizou 174.851 notificações de violações, no período de 1999 a 2004. De acordo com tais registros, a convivência familiar e comunitária corresponde ao direito mais violado, com 51% notificações, ressaltando-se as categorias de 'inadequação do convívio familiar e ausência desse convívio'. Em seguida, a violação do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, com 25% dos registros, relativos a 'atos atentatórios ao exercício da cidadania e violência física, psicológica e sexual'.4 Inúmeros estudos desenvolvidos em diversas regiões do país aportam contribuições valiosas para dimensionar o problema. Estatísticas dos casos notificados aos Conselhos Tutelares e programas de atendimento a crianças e adolescentes vitimizados, em municípios do sul do Brasil apresentaram 1.999 registros de violência contra crianças e adolescentes no período de 2002 e 2006. Destes, 734 notificações ocorreram no ano de 2002 e 1.265, em 2006, evidenciando um aumento nas notificações, com predomínio da violência física, seguida pela negligência e pela violência sexual.5

Apesar dos altos índices, que retratam não apenas uma situação local, mas mundial, é importante estar atento para o fato de que a magnitude do problema violência contra criança e ao adolescente ainda é imprecisa, devido à subnotificação, que faz com que muitos casos fiquem excluídos das estimativas oficiais. Essas considerações destacam a complexidade que envolve a situação de violência contra crianças e adolescentes, especialmente porque revelam uma disfunção importante não apenas da família, mas também do Estado. Ao mesmo tempo, permitem pensar que os sistemas institucionais e sociais que atendem as famílias em questão não estão conseguindo reduzir os índices que retratam o problema. Diante do exposto, o presente artigo analisa as políticas públicas de proteção à criança e ao adolescente na perspectiva da saúde. Primeiramente, apresenta-se as interfaces entre a temática, às políticas públicas de proteção à criança e saúde. Na sequência, aborda-se as políticas do ponto de vista conceitual e filosófico e, por fim os limites e as potencialidades das políticas públicas de proteção a criança e o adolescente.

Interfaces entre violência contra crianças e adolescentes, políticas públicas e saúde

A violência tornou-se um dos problemas prioritários em saúde pública, por sua magnitude e repercussão no comprometimento da saúde e da qualidade de vida dos indivíduos. Quando dirigida às crianças e aos adolescentes, constitui-se em uma grave violação dos direitos, na medida em que lhes nega a liberdade, a dignidade, o respeito e a oportunidade de crescer e se desenvolver em condições saudáveis.1 Do ponto de vista da saúde, a gravidade da violência na infância e na adolescência tem acarretado uma demanda crescente de atendimento nos serviços públicos, justamente em etapas cruciais do desenvolvimento humano.6 No Brasil, nos últimos anos, estudiosos e órgãos governamentais têm somado esforços, na tentativa de cuidar de forma mais efetiva dessa parcela da população que, há muito tempo, tem seus direitos e sua cidadania negados. Neste sentido, os programas e as iniciativas dirigidos à proteção de crianças e adolescentes estão adquirindo cada vez mais importância dentro da conjuntura das políticas públicas.

O Ministério da Saúde, através da participação de inúmeras secretarias tem desenvolvido ações de promoção à saúde e cultura de paz e não a violência. Dentre essas, destaca-se a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências que institui, no âmbito do SUS, os princípios e diretrizes para a estruturação e o reforço de ações intersetoriais de prevenção das violências, de assistência às vítimas de causas externas e de promoção de hábitos e comportamentos seguros e saudáveis, através da Portaria GM/MS n° 737, de 16/05/2001.7 O Programa Nacional de Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, com base na doutrina de proteção integral busca desenvolver diversas ações de acordo com os eixos estabelecidos no plano nacional de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil: prevenção, defesa, responsabilização, mobilização, articulação e atendimento, em favor das crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social. A Rede Nacional de Núcleos de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde (Portaria GM/MS n° 936/2004) implantada nos estados e municípios, coordenados por núcleos de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde, em âmbito local, é responsável por articular e coordenar ações intersetoriais promotoras de saúde e da cultura da paz no âmbito local.8 Além disso, o Sistema único de Saúde (Portaria n° 1968/2001) preconiza a notificação às autoridades competentes de casos de suspeita ou de confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes atendidos nos serviços da rede.9

De acordo com a legislação brasileira, todas as modalidades de violação aos direitos da criança e do adolescente são objetos de notificação, seja violência física, psicológica, sexual ou negligência. Essa obrigatoriedade está devidamente qualificada na Constituição Federal, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Legislação Penal brasileira. O ECA, em seu artigo 5°, afirma que nenhuma criança ou adolescente pode ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão; em caso de transgressão a essa lei, o agressor será punido, por ação ou omissão, aos direitos fundamentais da criança ou do adolescente em questão.3

Do ponto de vista da saúde, é importante destacar que inúmeros estudos desenvolvidos mostram que crianças expostas à violência podem apresentar seqüelas por toda a vida: depressão, ansiedade, pensamentos suicidas, estresse pós-traumático, agressividade, impulsividade, delinqüência, hiperatividade ou abuso de substâncias.10 O efeito a longo prazo mais relatado na literatura é o risco elevado para perpetração da violência na idade adulta, em seus relacionamentos com os próprios filhos. O relatório da OMS11 divulga que há evidências de que a maioria das doenças em adultos, incluindo as isquêmicas do coração, câncer, pulmonares crônicas, síndrome do intestino irritável e fibromialgia estão relacionadas a experiências de situações de violência na infância. Da mesma forma, Minayo12 destaca a relação entre violência e saúde, estabelecendo uma comparação entre o setor da saúde e um tambor de ressonância das resultantes desse fenômeno, para o qual convergem todas as lesões e traumas físicos, emocionais e espirituais produzidos na sociedade. Por isso, os enfermeiros, assim como outros profissionais da área da saúde, estão em uma posição estratégica para detectar riscos e identificar as possíveis vítimas, visto que, com frequência, são os primeiros a serem informados a respeito dos episódios de violência.

Embora o motivo da busca por atendimento, em geral, seja mascarado por outros problemas ou sintomas que não se configuram, isoladamente, em elementos para diagnosticar a violência,13 é importante que os profissionais estejam atentos para não limitar sua atuação ao tratamento clínico dos traumas e lesões resultantes desses problemas. Especialmente, é preciso ter claro que as crianças e adolescentes, após deixarem o local de atendimento, voltam para os ambientes onde as relações, as práticas e os comportamentos permanecem agressivos.9 Quando os casos de violência contra criança e adolescente chegam aos serviços de saúde, além dos cuidados específicos desse setor, a vítima precisa de serviços de assistência psicológica, social e jurídica. Portanto, é indispensável um trabalho conjunto, em consonância com as Coordenadorias da Infância e da Juventude, Conselhos Tutelares e outros órgãos de proteção, a fim de que se possa determinar, com maior profundidade, a dinâmica do caso, seu diagnóstico e prognóstico.13

é importante que existam mecanismos bem definidos não somente para a detecção dos casos, mas também para o acesso a serviços de qualidade, que possam responder as necessidades das pessoas envolvidas na situação de violência, isto é, que sejam resolutivos frente aos problemas enfrentados pelas vítimas e suas famílias. Nesse sentido é que se reforça a necessidade de que os programas e os serviços de saúde sejam articulados, multidisciplinares, engajados, possibilitando que os recursos existentes estejam disponíveis e facilitando o acesso às redes de apoio e proteção.14

As políticas públicas do ponto de vista conceitual e filosófico

A violência contra a criança e o adolescente, embora tenha ganhado maior visibilidade nos últimos anos, ainda é difícil de ser quantificada, pois se manifesta de forma variável, não se restringindo a um determinado estado, região ou cidade do país. Dessa forma, para compreendê-la devem-se considerar aspectos históricos, culturais, econômicos, jurídicos, políticos e psicossociais que configuram a macroestrutura da sociedade brasileira, e estabelecem relações de gênero, raça e de poder. Aliada a estes aspectos, à diversidade de regiões do país que adotam as políticas públicas de proteção à criança e ao adolescente contribui para a utilização de métodos técnicos diferenciados pelos profissionais na operacionalização das ações de enfrentamento da violência contra criança e adolescente. Diante deste contexto, propõem-se trabalhar os conceitos que emergem da discussão das interfaces da violência, políticas públicas e saúde para desvelar princípios filosóficos que auxiliem na compreensão do fenômeno, como também, no planejamento de ações.

O conceito que sustenta as políticas públicas relacionadas à violência contra criança e adolescente é o de vulnerabilidade. Neste estudo consideramos vulnerabilidade de acordo com o conceito proposto pela UNESCO: Situação em que o conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis para lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade, de forma a ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deterioração das condições de vida de determinados atores sociais.15

Através da análise das políticas públicas observou-se que estas estão relacionadas a vulnerabilidade da criança e do adolescente, da família e da sociedade em que ocorre. A criança e o adolescente são considerados vulneráveis tanto na perspectiva do desenvolvimento biológico quanto emocional, visto que esta é uma etapa crucial do desenvolvimento humano em que a violência pode deixar marcas definitivas em seu desenvolvimento global. Se eles não forem tratados, bem-cuidados, a maioria poderá compreender a violência como uma prática normal e reproduzi-la em suas relações, no futuro, tornando-se também um agressor, já que esses são os valores e os símbolos presentes em seu cotidiano durante a fase de socialização do seu desenvolvimento.16

A violência é um assunto polêmico, principalmente quando se refere as crianças e adolescentes, uma vez que em sua grande maioria é perpetrada dentro de seus lares, por aqueles que teriam o dever de educá-los e respeitá-los, no entanto os maltratam, machucam e violentam. Quando a violência ocorre no âmbito intrafamiliar é comumente associada às classes sociais desfavorecidas. Embora possa ocorrer em todas as classes sociais, as pessoas socialmente mais favorecidas contam com recursos materiais e intelectuais mais elaborados para camuflarem o problema, como o acesso a profissionais em caráter particular e sigiloso; podem ainda justificá-la de forma mais complacente, relacionando-a com 'acidentes' domésticos. Inversamente, as pessoas que pertencem às classes populares são denunciadas com maior frequência e não dispõem de recursos financeiros para utilizarem serviços profissionais particulares, tendo que recorrer aos serviços públicos de saúde no socorro a suas vítimas, o que as deixa mais expostas ao julgamento da sociedade, bem como mostra de maneira explícita sua vulnerabilidade.17

Além disso, em muitos lugares do Brasil, a violência contra crianças e adolescentes no âmbito familiar é ainda um fenômeno disseminado e aceito como método corretivo, disciplinador do comportamento de crianças e adolescentes. Logo, é mantida a complacência da sociedade, o que dificulta o controle e a avaliação da extensão real do problema, pois o fato de ser considerada como algo 'natural' torna raras as notificações, fazendo com que as mesmas retratem apenas uma pequena parcela da incidência do fenômeno.17 Assim, algumas sociedades passam a ser caracterizadas como ambientes de vulnerabilidade, como é o caso de capitais, regiões metropolitanas inseridos no Programa Nacional de Segurança Pública e grandes entroncamentos rodoviários, polos turísticos, polos industriais, zonas de garimpos e áreas portuárias priorizados pelo Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-juvenil.

Uma vez que a violência contra crianças e adolescentes pode apresentar-se de diversas maneiras, é uma situação concebida, tanto pelos profissionais, quanto pelas famílias sob diferentes perspectivas, as quais variam de acordo com valores, crenças e normas vigentes na sociedade, consequentemente, refletindo diretamente na notificação e denúncia dos casos. A decisão de romper com o pacto de silêncio que vigora entre os membros da família geralmente se constitui em dilema para crianças e adolescentes, bem como as famílias, que se deparam, de um lado, com sentimentos de culpa, vergonha e, de outro, com circunstâncias que impedem a denúncia, como a dependência econômica e emocional em relação ao agressor e também por serem coagidas.

Em função disso, o profissional deve estar consciente de que o fato de a família estar solicitando auxílio não significa que ela está em condições de colocá-lo em prática, devido aos complexos efeitos da violência sobre sua subjetividade e saúde emocional. Não é papel de o profissional acelerar esse processo ou tentar influenciar as decisões de seus clientes, muito menos culpabilizá-los por manter práticas de violência, mas sim investir na capacidade deles de enfrentar os próprios problemas. Assim, a abordagem da equipe deve priorizar orientações e suporte para que a vítima possa compreender melhor o processo que está vivenciando e analisar as soluções possíveis para os seus problemas, tomando a decisão que lhe pareça mais adequada para sua proteção.13 Destaca-se ainda que o trabalho com as famílias que enfrentam o problema da violência contra crianças e adolescentes não deve ser apenas pontual. Elas devem ser acompanhadas durante um período de tempo que permita ao profissional avaliar a possibilidade de retorno da criança para sua casa, com segurança.13 Tal responsabilidade constitui-se em um grande desafio, pois implica conhecer e compreender a família e sua dinâmica, tomando-a como parceira do atendimento. Para tanto, é imprescindível promover suporte em rede para que essa família possa vir a ser, de fato, a protagonista qualificada dos cuidados da criança e do adolescente.18

Limites e potencialidade das políticas públicas de proteção a criança e ao adolescente

Os serviços que atendem as famílias devem estar estruturados de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual preconiza, entre outros aspectos, que as políticas de atendimento devem ser elaboradas a partir de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, priorizando políticas sociais básicas; políticas e programas de assistência social; serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas; serviços de identificação e localização dos pais ou responsáveis.3

O setor saúde, especificamente, tem implementado políticas próprias de âmbito nacional. O Ministério da Saúde (MS), em articulação com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, nos últimos anos, tem financiado, apoiado e executado várias ações de vigilância e prevenção de violências e de promoção da saúde e da cultura de paz. à equipe de saúde compete identificar organizações e serviços disponíveis na comunidade que possam constituir estruturas de apoio e de assistência. A integração dessas organizações e serviços viabiliza o processo das ações em rede, possibilitando ampliar o alcance da ação interdisciplinar e atingir resultados mais eficazes.19 No entanto, os profissionais que atuam no dia a dia dos serviços de saúde se deparam com a dificuldade de articulação entre os serviços da rede, refletindo um atendimento reduzido ao tratamento das lesões e à denúncia.

Frente às situações de violência, os profissionais de saúde apresentam inúmeras dificuldades, sendo a notificação dos casos uma das principais, ainda que esta seja de caráter obrigatório. Estudo que buscou discutir os principais desafios enfrentados pelos trabalhadores da área na abordagem de situações de violência apontou para a necessidade de uma maior clareza na concepção legal do fenômeno e dos casos suspeitos. Revelou, também, a necessidade da melhoria da infraestrutura dos serviços, de formulação de manuais técnicos de orientação e da publicação de mais estudos acerca das conseqüências da notificação dos casos.20 O Ministério da Saúde reconhece que a escassez de serviços de proteção apropriados, assim como a execução de intervenções apenas pontuais no atendimento a situações de violência representam entraves que retardam ou afastam a resolução do problema. Além disso, os profissionais que atendem as crianças e adolescentes violentados, muitas vezes, se veem isolados em suas tomadas de decisões, atuando de forma não integrada, em uma rede fragmentada, na qual os diversos serviços não se comunicam entre si, perdendo as referências e negligenciando a melhor maneira de assistir.

Esse descompasso dificulta o atendimento articulado, necessário ao desfecho favorável à proteção da vítima e contribui para que o sistema de saúde revitimize a criança e/ou adolescente, ao não garantir seus direitos e ao não se responsabilizar pela preservação de sua vida.16 Nesse sentido, é importante que o enfermeiro saiba reconhecer uma vítima em seus atendimentos e conscientize-se que a omissão pode representar uma opção pela violência.21 Outros entraves encontrados pelos profissionais são a falta de conhecimentos e de habilidades para identificar e atender as vítimas, além da dificuldade para notificar e encaminhar os casos às instituições responsáveis e o despreparo para abordar os agressores.22 Muitas vezes, por não saber o que fazer diante de uma situação grave como, por exemplo, a violação de uma criança, os profissionais acabam assumindo uma postura determinada muito mais pelas normas institucionais, em detrimento das necessidades imediatas da criança e da família. é nestas circunstâncias que a vítima permanece desprotegida e exposta à situação enquanto um longo e lento processo de comprovação da situação se arrasta.

Da mesma forma, a ausência de intervenção poderá levar à perpetração da violência, pelo fato de a criança ter seus direitos negligenciados e permanecer em um círculo de silêncio. Assim, cada vez mais presente no cotidiano da sociedade, a violência exige dos profissionais de saúde habilidades para manejar tal situação, na forma de referenciais que orientem o cuidado, possibilitando uma melhor resolutividade do caso.16 Ressalta-se, ainda, a debilidade de serviços nacionais que atendam a unidade familiar como um todo e ao autor da violência, o que fragiliza a atuação profissional frente aos problemas enfrentados pelas crianças, adolescentes e suas famílias. A intervenção que prioriza a família como foco da atenção enfrenta limitações estruturais e econômicas, aliadas a uma cultura de atendimento centrada no indivíduo, que restringe o âmbito da intervenção.23

Diante do exposto, observa-se que a prática profissional nas situações de violência tem constituído lacunas comprometedoras para o controle desse problema na população. No caso da enfermagem, Costa24 afirma que esta não se vê como parte integrante e essencial na condução dos casos de violência, comportando-se diante das vítimas, às vezes, como um expectador, outras apenas como 'condutor de casos', reduzindo sua prática à identificação do problema, ao 'acolhimento' em algumas situações, e sempre, ao encaminhamento. No entanto, considera-se que os enfermeiros estão em uma posição estratégica para detectar riscos e identificar as possíveis vítimas, visto que, é nos serviços de saúde que normalmente elas buscam ajuda e tratamento para seus males.25 Assim, havendo possibilidade do profissional construir elos de confiança com a vítima e sua família, bem como de realizar ações que minimizem o sofrimento.10

Para tanto, se faz necessário que os enfermeiros estejam capacitados à reconhecer violência e cuidar das vítimas com efetividade, através de uma relação de cuidado que transcenda as ações técnicas com estabelecimento de vínculos de cuidado com o paciente. Além disso, o cuidado dever ser planejado e pautado nos instrumentos básicos de enfermagem, de forma a refletir as políticas públicas de saúde e a legislação vigente, para assim promover segurança, acolhimento, respeito e satisfação das necessidades das crianças e adolescentes vitimados.25 Com o propósito de apoiar e otimizar a execução das ações dos enfermeiros, e demais profissionais de saúde, o Ministério da Saúde vem realizando uma série de publicações, no que diz respeito às definições, normas e protocolos de condutas para o atendimento dos casos de violência contra a criança e o adolescente.14 Assim, recomenda: a) a realização de levantamento das dificuldades enfrentadas pelos municípios no desenvolvimento de ações de identificação e abordagem dos casos de violência contra criança e ao adolescente; b) o desenvolvimento de projetos de capacitações dos profissionais envolvidos no atendimento às vítimas de violência, assim, possibilitando a adoção de práticas comuns que garantam maior qualidade ao atendimento; c) a criação de mecanismos para partilhar a experiência dos profissionais dentro de cada serviço, bem como entre os serviços e setores; d) a adoção de ações na perspectiva da intersetorialidade, considerando que as iniciativas mais promissoras para o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes são aquelas que não somente congregam várias áreas, mas que planejam ações de forma integrada em diferentes níveis.

Considerações finais

O forte impacto da violência na morbimortalidade de crianças e adolescentes, na população brasileira, provocou a estruturação de uma rede de proteção às vítimas, a qual deve promover condições para assegurar uma assistência resolutiva. Para tanto, a inserção dos enfermeiros na rede de serviços de proteção a crianças e adolescentes é fundamental, já que esses profissionais estão em posição estratégica para identificar riscos e possíveis vítimas. Especificamente a enfermagem, através de sua inserção nos diferentes níveis do setor saúde e das ações que compõem o seu processo de trabalho, possui ampla possibilidade de intervenções nos casos de violência.

Nesse sentido, os enfermeiros, como cuidadores e educadores, instrumentalizam-se para agir politicamente na assistência a crianças, adolescentes e famílias envolvidas em situações de violência, de forma a minimizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida das mesmas. Assim, os ambientes de formação devem incluir em sua grade curricular questões relacionadas ao tema violência para que o acesso aos serviços e a resolutividade dos mesmos se tornem realidade em todos os níveis de atenção, colaborando, consequentemente, para a oferta de cuidado qualificado, embasado em uma postura ética e satisfatória aos seus usuários.

 

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