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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.31 no.2 Medellín May/Aug. 2013

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE/ ARTIGO ORIGINAL

 

Percepção dos estudantes de enfermagem sobre os comportamentos e os aspectos éticos implicados no recolhimento de dados dos pacientes

 

Percepción de los estudiantes de enfermaría sobre los comportamientos y los aspectos éticos implicados en la recolección de datos de los pacientes

 

 

Juliana Dias Reis Pessalacia1; Bruna Martins Tavares2; Fabiana Castro de Faria3; Samantha Oliveira4; Cristiane Chaves de Souza5

 

1Enfermeira, Doutora, Professora. Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), Brasil. email: juliana@pessalacia.com.br.

2Acadêmica. UFSJ, Brasil. email: bruna-tavaresm@hotmail.com.

3Acadêmica. UFSJ, Brasil. email: fabicastrofaria@yahoo.com.br.

4Acadêmica. UFSJ, Brasil. email: sam.oliveira1@gmail.com.

5Enfermeira, Mestre, Professora. UFSJ, Brasil. email: souzac.cris@gmail.com.

 

Fecha de Recibido: Abril 14, 2012. Fecha de Aprobado: Febrero 4, 2013.

 

Subvenciones: ninguna.

Conflicto de intereses: ninguno.

Cómo citar este artículo: Pessalacia JDR, Tavares BM, Faria FC, Oliveira S, Souza CC. Perception of nursing students about behaviors and ethical aspects involved in patient data collection. Invest Educ Enferm. 2013;31(2): 210-217.

 


RESUMO

Objetivo. Identificar a percepção dos estudantes de enfermagem sobre os comportamentos e os aspectos éticos implicadas na recolha de dados dos pacientes. Metodologia. Estudo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa, que utilizou como referencial metodológico a análise de conteúdo proposto por Bardin. No estudo participaram estudantes de enfermagem do sétimo período de uma universidade pública de Minas Gerais, Brasil, em 2011. Os dados foram coletados por meio de entrevistas. Resultados. . Emergiram da análise dos resultados as seguintes categorias: preservação da privacidade e intimidade do paciente, o com respeito à autonomia do paciente, experiências e sentimentos dos estudantes, e as estratégias de ensino do processo de enfermagem durante a formação do aluno. Conclusão. Há preocupação dos estudantes de enfermagem pelo enfoque ético da recolha de dados do paciente e pela preservação de seus direitos. Devem-se reforçar práticas pedagógicas que tenham em conta não só os aspectos técnicos, senão também os relacionados com o comportamento e a ética.

Palavras chaves: enfermagem; ensino; processos de enfermagem; ética em enfermagem.


RESUMEN

Objetivo. Identificar la percepción de los estudiantes de enfermería sobre los comportamientos y los aspectos éticos implicados en la recolección de datos de los pacientes. Metodología. Estudio descriptivo y exploratorio con abordaje cualitativo, que utilizó como referencial metodológico el análisis de contenido propuesto por Bardin. En el estudio participaron estudiantes de enfermería del séptimo período de una universidad pública de Minas Gerais, Brasil, en 2011. Los datos fueron recolectados por medio de entrevistas. Resultados. Emergieron del análisis de los resultados las siguientes categorías: preservación de la privacidad e intimidad del paciente, el respeto a la autonomía del paciente, experiencias y sentimientos de los estudiantes, y las estrategias de enseñanza del proceso de enfermería durante la formación del alumno. Conclusión. Hay preocupación de los estudiantes de enfermería por el enfoque ético de la recolección de datos del paciente y por la preservación de sus derechos. Se deben reforzar prácticas pedagógicas que tengan en cuenta no solo los aspectos técnicos, sino también los relacionados con el comportamiento y la ética.

Palabras clave: enfermería; enseñanza; procesos de enfermería; ética en enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

A profissão de enfermagem passou por diversas modificações ao longo dos anos, e tais transformações estão relacionadas ao modelo político-econômico-social vivenciado no Brasil em cada época. De um cuidado voltado a medidas essencialmente curativas evoluiu-se para a exigência de um olhar holístico do ser humano, de forma a prestar uma assistência humanizada envolvendo também o contexto social em que o indivíduo está inserido.1 No contexto da busca pelo cuidado integral, destaca-se a sistematização da assistência de enfermagem. A sistematização da assistência de enfermagem é uma forma de garantir um atendimento integral e particular a cada paciente, tendo por referência o conhecimento científico. O processo de enfermagem é um método sugerido para organizar o cuidado de enfermagem, ou seja, para a implantação da sistematização da assistência de enfermagem.2 O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) brasileiro através da resolução 358/2009 tem recomendado o processo de enfermagem, que se organiza em cinco etapas: Histórico de Enfermagem, Diagnóstico de Enfermagem, Planejamento de Enfermagem, Implementação e Avaliação.3

Estudos mostram que ainda há lacunas no ensino do processo de enfermagem durante a formação. Tem-se notado na formação dos enfermeiros no Brasil um marcante desinteresse e uma preocupante desmotivação quanto à assistência sistematizada, na medida em que na formação acadêmica preocupa-se excessivamente com a construção no desenvolvimento de habilidades técnicas durante as aulas práticas. Os estudantes observam essa fragilidade quando são inseridos nos campos práticos, que trazem à mostra o fato de que o que aprendem em sala de aula se mostra insuficiente para atender às demandas colocadas na produção do cuidado de seus serviços.4 Durante o curso de graduação, as instruções teóricas e práticas acerca do processo de enfermagem nem sempre proporcionam aos estudantes o entendimento e a percepção da sua devida relevância para a assistência de enfermagem.5

Ao iniciar as atividades no campo prático, o estudante de enfermagem começa a implementar o processo de enfermagem, o qual deve ser aplicado de maneira dinâmica, com ações sistematizadas e inter- relacionadas.6 A primeira etapa do processo de enfermagem, o histórico de enfermagem, caracteriza-se como processo deliberado, sistemático e contínuo, implementado com o auxílio de métodos e técnicas diversas, com a finalidade de obter informações sobre a pessoa, família ou coletividade, bem como suas respostas ao processo saúde e doença.3 Durante o histórico de enfermagem podem ocorrer problemas éticos relacionados à invasão de privacidade e intimidade do paciente, caso o estudante não esteja devidamente preparado para a abordagem de questões íntimas na coleta de dados e na exposição do corpo durante a realização do exame físico. O paciente pode se sentir intimidado, constrangido, inibido ou até descontente frente a algumas situações ou técnicas realizadas pela equipe de enfermagem. Tais sentimentos podem prejudicar o paciente, devido ao fato de ele preocupar-se com a maneira pela qual será julgado, o que pode levar à omissão de informações relevantes para a equipe de enfermagem.7

A partir dessas ponderações, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de identificar a percepção de graduandos de enfermagem sobre comportamentos e questões éticas envolvidas na coleta de dados de enfermagem junto a pacientes. Também propôs identificar as dificuldades vivenciadas pelos estudantes durante a citada etapa, bem como identificar as estratégias de ensino que facilitem o aprendizado da mesma. Acredita-se que a identificação destes elementos possa colaborar para repensar o ensino do processo de enfermagem, de modo a contribuir para melhorias no processo de ensino-aprendizagem e demonstrar aos estudantes a importância de se prestar uma assistência pautada nos preceitos éticos.

 

METODOLOGIA

Estudo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa. O universo do estudo compreendeu 33 estudantes do 7° período de graduação em enfermagem de uma universidade pública federal do estado de Minas Gerais, abordados no primeiro semestre de 2011. O curso de graduação em enfermagem da universidade citada se encontra orientado por competências cujo currículo é dividido em módulos. A inserção do estudante de enfermagem na realidade social e de saúde do município é feita desde o primeiro período do curso, minimizando assim a ansiedade na realização dos procedimentos.

Os participantes da pesquisa foram selecionados por meio de um sorteio, utilizando os números da lista de chamada da turma. Os critérios de inclusão foram estar matriculado no curso de Enfermagem no 1° semestre de 2011 e ter cursado regularmente o curso de graduação em enfermagem até o 7° período. Participaram da pesquisa 14 estudantes que foram identificados pelas siglas EE1, EE2, EE3 e assim sucessivamente. O tamanho da amostra foi definido pelo critério de saturação dos dados, através da repetição das falas dos sujeitos participantes do estudo. Isto é, foi suspensa a inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passaram a apresentar, na avaliação do pesquisador, certa redundância ou repetição.

Os dados foram coletados no período de maio a julho de 2011, utilizando a técnica de entrevista, contendo as seguintes questões norteadoras: 1) Sobre as etapas de exame físico e coleta de dados referentes ao PE, quais os aspectos que você acredita que devem ser considerados para a preservação da autonomia e da privacidade do paciente? 2) Você já vivenciou alguma dificuldade, situação conflituosa ou de constrangimento em relação à abordagem ao paciente durante o histórico de enfermagem? Como você se sentiu? 3) Em sua opinião quais estratégias de ensino teórico ou prático poderiam facilitar o ensino do histórico de enfermagem? Os relatos foram gravados utilizando aparelho MP4 e posteriormente transcritos para análise. Para análise dos dados, utilizou-se o referencial teórico de análise de conteúdo proposto por Bardin8 que tem como objetivo o estudo da linguagem. As diferentes fases da análise de conteúdo organizam-se em torno de três polos cronológicos: pré-análise; a exploração do material, tratamento e interpretação dos resultados. Para o tratamento dos dados, procedeu-se primeiramente a uma leitura flutuante de todo o material transcrito, seguida de uma pré-análise para identificar o perfil dos participantes. Posteriormente foi realizado o recorte, a agregação e a enumeração dos dados, permitindo esclarecer os indícios de categoria. Passou-se à categorização propriamente dita, em que as informações contidas nas falas dos participantes formaram o corpus de análise que levou à elaboração de indicadores os quais foram submetidos aos procedimentos analíticos e posterior inferência, comparando-se com os dados da literatura.8 A seguir, procedeu-se à seleção das unidades de análise, resultando em quatro categorias e oito subcategorias analíticas que foram quantificadas de acordo com o número de vezes em que foram relatadas pelos sujeitos.

Este estudo cumpriu com as exigências das normativas éticas brasileiras para pesquisas com seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, parecer no 52/2011. Antes de iniciar a coleta de dados, os sujeitos foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa, riscos e benefícios e métodos a serem empregados, e obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos que aceitaram participar da pesquisa.

 

RESULTADOS

A partir da análise dos dados coletados nas entrevistas realizadas junto aos estudantes acerca dos aspectos comportamentais e éticos envolvidos em suas vivências na 1a etapa do processo de enfermagem, emergiram as seguintes categorias:

Categoria 1. Preservação da intimidade e privacidade do paciente

Onze sujeitos apresentaram relatos que permitiram compor essa categoria de análise. Nela, os estudantes de enfermagem apontaram aspectos considerados importantes para preservar a privacidade do paciente durante a coleta de dados de enfermagem, a partir das quais se identificou duas subcategorias analíticas: objetos para a preservação da intimidade do paciente (sete das onze falas), e comportamentos para preservar a intimidade do paciente (também sete das onze falas). Quanto aos objetos para preservação da intimidade do paciente, os estudantes ressaltaram a necessidade do uso de biombos durante a coleta de dados: [...] para manter a privacidade do paciente é muito importante, por exemplo, a gente poder usar o biombo pra manter essa privacidade (EE4).

No que se refere ao comportamento necessário para preservar a intimidade do paciente, as falas dizem respeito a ações durante a coleta de dados com a finalidade de resguardar a intimidade/privacidade do paciente: Eu acho que também falar baixo com o paciente, sabe... falar alto, isso querendo ou não expõe ele para os outros ali, nas enfermaria (EE5). [...] por ser quarto coletivo, eu acho que na realização do exame ou em qualquer outro procedimento, deve ser pedida a retirada dos demais do quarto... (EE8).

Categoria 2. Respeito à autonomia do paciente

Essa categoria analítica foi composta pelas falas de 12 dos 14 sujeitos do estudo, e por duas subcategorias de análise: esclarecimentos necessários ao paciente (dez das 12 falas), e o direito à liberdade de escolha (seis das 12 falas). Quanto à necessidade de esclarecimento do paciente, previamente ao início da coleta de dados, os estudantes reforçaram a necessidade de orientar o paciente antes e durante a assistência de enfermagem, no intuito de garantir a sua autonomia, como pode ser observado na fala a seguir.[...] devem-se dar orientações ao paciente com relação ao tratamento, explicar para que ele realmente escolha se ele quer participar ou não do procedimento..., ser dado orientações bem precisas pra ele com relação a isso (EE2). Também foi ressaltada pelos sujeitos do estudo a necessidade de se garantir a liberdade de escolha do paciente a se recusar a participar da coleta de dados. Cabe ressaltar que o paciente só será capaz de fazer uma escolha consciente quando ele é bem esclarecido acerca do processo. Em primeiro lugar, a gente tem que perguntar se o paciente aceita participar desse processo de coleta de dados, nos identificar e... evidenciar os nossos objetivos...(EE3).

Categoria 3. Vivências e sentimentos do estudante durante a coleta de dados

Nesta categoria, os estudantes relatam suas vivências durante a prática de enfermagem, expondo situações de constrangimento e sentimentos experimentados durante a abordagem ao paciente. Compuseram esta categoria 10 falas dos sujeitos do estudo, subdivididas em duas subcategorias analíticas: constrangimento (oito falas da categoria) e sentimentos de desconforto, vergonha e impotência (seis falas da categoria). No que se refere ao constrangimento, as falas indicam situações de constrangimento por parte dos estudantes: Igual, tem perguntas lá como a questão da sexualidade e de renda que eu acho que é... meio difícil, não seria assim, não sei se difícil, mas eu acho que é constrangedor, acho tanto pro profissional quanto pro paciente...(EE6). Os sentimentos de desconforto, vergonha e impotência também foram vivenciados pelos estudantes durante a coleta de dados: Teve uma vez na questão da coleta de dados [...] questionamento sobre a sexualidade do paciente, com paciente mais idoso... Assim, me senti desconfortável pra perguntar, e a professora meio que me obrigou a perguntar [...] (EE1).

Categoria 4. Estratégias de ensino do processo de enfermagem na graduação

Nesta categoria, as falas dos estudantes remeteram a estratégias para melhorar a qualidade do ensino acerca da primeira etapa do processo de enfermagem. Compuseram esta categoria falas de 11 dos 14 sujeitos do estudo, organizadas em duas subcategorias de análise: o preparo do aluno para a coleta de dados (11 falas da categoria) e o relacionamento do docente - aluno (composta por uma das falas da categoria).

No que se refere ao preparo do aluno para a coleta de dados, as falas dos sujeitos remetem à necessidade de uma demonstração prévia do docente sobre como realizar a coleta de dados junto ao paciente, o que prepararia melhor o estudante para a abordagem ao paciente, além de trabalhar conteúdos teóricos referentes à coleta de dados tendo por referência os princípios éticos no ensino e na relação aluno-paciente: Pra mim, na prática, uma coisa que facilita muito é quando eu vejo o professor fazendo a coleta de dados e o exame físico. Aí a gente vê direitinho como é que faz... É, o jeito da abordagem, como se deve abordar. Aí eu acho que facilita bastante (EE7). [...] implantar conteúdos curriculares que contemplem essa questão da anamnese e do exame físico [...] como abordar o paciente...(EE12). Quanto à relação docente-aluno foi ressaltada a necessidade de o professor utilizar maneiras alternativas de correção do estudante, de forma a não constrangê-lo diante do paciente: [...] a gente podia ter primeiro assim um acordo né, aqui na universidade [...] no caso de uma situação que a gente tá fazendo o exame físico, e tá errado; sei lá, chama num canto, conversa [...] (EE3).

 

DISCUSSÃO

Nesse estudo, observou-se que, do ponto de vista dos estudantes, a exposição do paciente durante a coleta de dados de enfermagem é um dos fatores causadores de sentimentos como constrangimento e desconforto, tanto para os pacientes quanto para os estudantes. Este achado corrobora com o estudo que aponta que sensações como vergonha, desconforto, incômodo, falta de privacidade e até mesmo humilhação já foram descritas pelos pacientes, o que reforça a necessidade de entender também como os estudantes vivenciam essas situações, de modo a intervir e tornar esse momento o menos constrangedor possível, tanto para os pacientes quanto para os estudantes.9 Sabe-se que a internação hospitalar altera a rotina e os hábitos do paciente, pois este se depara com um ambiente incomum, dotado de normas pré-determinadas e rodeado de pessoas desconhecidas.10Assim, reforça-se a necessidade de a equipe de enfermagem tomar as medidas necessárias para a manutenção da privacidade do paciente.

A invasão de privacidade, seja ela territorial, seja pessoal, ofende os indivíduos. Questões ético-legais devem ser levadas em consideração no processo de enfermagem, não só como uma forma de proteção do paciente, mas também orientando como o profissional deve proceder durante a execução das etapas do processo de enfermagem.11 Situações como examinar o paciente e tocá-lo podem vir acompanhadas de objeção e timidez pelo estudante e pelo paciente, já que são considerados estranhos uns aos outros.12 Neste estudo, os estudantes relacionaram a privacidade tanto ao corpo (físico) quando ressaltaram a importância da utilização de 'biombos' quanto às questões psicossociais, quando enfatizaram o falar baixo e a necessidade de as perguntas serem realizadas em um ambiente privativo, ao solicitarem que os acompanhantes se retirassem. Assim, o ambiente é apontado como um importante fator que, se não controlado, pode aumentar a chance de exposição excessiva do paciente, levando à ocorrência de sentimentos como constrangimento e invasão da privacidade. Este achado reforça dados da literatura, onde o ambiente em que é realizada a coleta de dados é apontado como importante para a construção do vínculo entre o paciente e o estudante. É preciso que ambos se sintam seguros neste momento.13

A autonomia se refere à capacidade de o paciente realizar suas escolhas de forma esclarecida, sem ter sua dignidade violada, sendo necessário que o profissional respeite os valores, as crenças e os desejos deles.14 Neste estudo, os estudantes enfatizaram a obtenção do consentimento do paciente como primordial para a realização da 1a etapa do processo de enfermagem. O paciente deve ser informado e esclarecido previamente quanto aos objetivos da entrevista e exame físico, e deve ter a liberdade de se recusar a participar desse processo, bem como de retirar seu consentimento a qualquer momento. Destaca-se que a orientação do paciente previamente ao início da coleta de dados contribui para reduzir a ansiedade tanto do estudante quanto do paciente que se vê objeto de intervenção. A realização da entrevista e do exame físico é essencial para identificar as necessidades de saúde e os problemas de enfermagem que requerem intervenção.

Entretanto, o 'tocar' o paciente pode vir acompanhado de sentimentos como receio e insegurança. No que tange ao estudante, o medo de tocar o paciente, de fazê-lo sentir dor ou proceder de maneira incorreta, pode dificultar esta relação. O momento de despir o paciente é para muitos a hora mais constrangedora. Os olhares atraídos pelo estudante de enfermagem, o medo de ser corrigido pelo professor na frente do paciente, e a falta de confiança por parte do paciente com o estudante são alguns fatores que podem explicar essas dificuldades. A palavra constrangimento que pode ser definida como uma condição ou experiência emocional consequente da possibilidade de avaliação por outrem em determinada ocasião. Tal experiência pode ser expressa por comportamentos de ansiedade, irritabilidade e redução do contato visual.15 No presente estudo, a investigação das necessidades de saúde/problemas de enfermagem ligadas à sexualidade do paciente foi apontada como a principal fonte de constrangimento para os alunos. Neste sentido, o processo de ensino-aprendizado acerca do processo de enfermagem deve estar pautado nos cuidados éticos relacionados à autonomia, em que o paciente é esclarecido previamente sobre que tipo de questões que serão abordadas durante a coleta de dados, e eles têm a liberdade de não responder caso não queiram. Também deve ser informado que os dados coletados serão mantidos em sigilo. O constrangimento e a dificuldade de lidar com questões que envolvem a sexualidade do indivíduo presente mesmo em estudantes de séries mais avançadas é um fator preocupante, pois demonstra a necessidade de trabalhar essa questão de uma melhor forma na graduação.12

Os docentes desempenham papel indispensável na formação dos estudantes de enfermagem, instruindo-os, auxiliando-os na tomada de decisão e no desenvolvimento de habilidades. Deve-se levar em consideração que formar um novo profissional de enfermagem é uma tarefa complexa, visto que o campo prático exige que competências e habilidades sejam realizadas em tempo real, o que pode comprometer a assistência, já que nem sempre os estudantes estão preparados para isso.16 No presente estudo, a postura de docentes também foi apontada como fator gerador de constrangimento do aluno durante a realização da coleta de dados, o que permite inferir que há relação entre as práticas pedagógicas e as questões éticas. O docente supervisor de prática deve proporcionar um ambiente seguro de aprendizado, em que o estudante e o paciente não se sintam expostos a situações constrangedoras. A maneira pela qual o docente lida com os estudantes e orienta as atividades no campo prático é fundamental para garantir a qualidade do processo de ensino-aprendizagem. A adoção de postura autoritária e inflexível do docente perante os alunos pode se tornar uma ameaça, prejudicando a realização dos procedimentos. Estudo aponta que muitos docentes não sabem lidar com os estudantes, não passam confiança e/ou segurança, resultando em sofrimento deles no campo de estágio.17

Um estudo18 apontou que existem alguns fatores facilitadores e dificultadores do ensino do processo de enfermagem. Entre as dificuldades, destacaram o fato da esfera de prática profissional não adotar os métodos das escolas; a falta de crença dos docentes nos métodos empregados e a falha de integração entre enfermeiros docentes e enfermeiros assistenciais. Entre os potenciais fatores facilitadores, destaca-se a renovação da crença dos docentes no método, a visão que é compartilhada pelos estudantes que acreditam ser esse o caminho mais adequado para a profissão, além de propiciar a eles uma visão ao mesmo tempo global e individual do paciente. Notou-se, a partir das falas dos estudantes participantes de nosso estudo, que o processo de aprendizado é facilitado quando o docente realiza uma demonstração do processo de coleta de dados e exame físico no campo de prática, o que ameniza a ansiedade do aluno e facilita a aquisição de conhecimentos. Também foi enfatizada a importância do preparo prévio do aluno para a aplicação do instrumento de coleta de dados e para a realização do exame físico. Neste sentido, o docente enquanto facilitador do processo de ensino-aprendizagem poderá revisar o instrumento junto ao aluno e realizar atividades práticas em laboratório que facilitem a memorização das técnicas de entrevista e exame físico. Também poderão ser discutidas questões ético- comportamentais relacionadas à prática de cuidar, previamente às atividades de campo.

Concluímos com o estudo que os estudantes de enfermagem apresentam preocupação quanto à abordagem ética ao paciente e à preservação de seus direitos, e que as dificuldades na prática de ensino-aprendizagem do histórico de enfermagem podem repercutir em sentimentos de constrangimento por parte do estudante e do paciente. Sendo assim, ressaltamos a importância da adoção de práticas pedagógicas mais efetivas, que considerem aspectos teórico-técnicos, comportamentais e éticos na abordagem do histórico de enfermagem. Tal adoção torna-se necessária, considerando-se que os fatores dificultadores identificados podem acabar por prejudicar a assistência de enfermagem prestada ao paciente, visto que o estudante demonstra ainda não estar preparado para vivenciar este processo. Desta forma, recomenda-se que os conteúdos referentes à abordagem do paciente durante a execução da primeira etapa do processo de enfermagem sejam trabalhados com o estudante antes de iniciar a prática e também após o seu início, pois só assim as dificuldades serão expressas, minimizadas e superadas.

 

REFERÊNCIAS

 

 

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