SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.32 issue1Stress level among intensive care nurses in the municipality of Paraná (Brazil)Experience of Nursing Students upon Their First Care Encounter with Terminally ill Patients author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.32 no.1 Medellín Jan./Apr. 2014

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

Percepção do enfermeiro sobre a realização da classificação do risco no serviço de urgências

 

Nurses' perception about risk classification in emergency services

 

Percepción del enfermero sobre la realización de la clasificación del riesgo en el servicio de urgencias

 

 

Cristiane Chaves de Souza1; Aline Santos Diniz 2; Liliane de Lourdes Teixeira Silva3; Luciana Regina Ferreira da Mata4; Tânia Couto Machado Chianca5

 

1Enfermeira, Doutoranda. Professora, Universidade Federal de São João del Rei UFSJ, Minas Gerais - Brasil. email: souzac.cris@gmail.com.

2Enfermeira. Universidade Federal de São João del Rei, Minas Gerais - Brasil. email: alinediniz89@hotmail.com.

3Enfermeira, Doutoranda. Professora UFSJ, Minas Gerais - Brasil. email: lilanets@yahoo.com.br.

4Enfermeira, Doutoranda. UFSJ, Minas Gerais - Brasil. e-mail: lucianadamata@usp.br.

5Enfermeira, Doutora. Professora UFSJ, Minas Gerais - Brasil. email: taniachianca@gmail.com.

 

Fecha de Recibido: Oct 12, 2012. Fecha de Aprobado: Aug 20, 2013.

 

Artículo vinculado a investigación: Percepção de enfermeiros acerca do processo de trabalho na classificação de risco.

Subvenciones: Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal de São João del-Rei. Minas Gerais – Brasil.

Conflicto de intereses: ninguno.

Cómo citar este artículo: Souza CC, Diniz AS, Silva LLT, Mata LRF, Chianca TCM. Nurses' perception about risk classification in an emergency service. Invest Educ Enferm. 2014;32(1): 78-86.

 


RESUMO

Objetivo. Conhecer a percepção dos enfermeiros sobre a realização da classificação do risco no serviço de urgências. Metodologia. Estudo qualitativo no que foram incluídos 11 enfermeiros que tinham tido experiência de ao menos dois meses na classificação do risco dos pacientes que ingressavam ao serviço de urgências. Para a tomada da informação se utilizou a entrevista semiestruturada. Os dados foram coletados entre agosto e dezembro de 2011. Para a análise se utilizou o referente teórico proposto por Bardin. Resultados. Para os enfermeiros do estudo a classificação de risco é vista como um instrumento de organização do trabalho que permite uma maior aproximação enfermeiro-paciente. Foram identificadas as habilidades necessárias do enfermeiro na classificação do risco: conhecimento da escala utilizada, olho clínico, paciência e agilidade. O dispor de escalas de classificação do risco foi o principal facilitador do trabalho. As maiores dificuldades foram a desorganização da rede assistencial e a falta de conhecimento do protocolo pela equipe de saúde. Conclusão. A classificação do risco oferece uma oportunidade de autonomia profissional na medida em que este se é o principal responsável da regulação do atendimento nas portas primeiramente dos serviços de urgências.

Palavras chaves: enfermagem em emergência; serviços médicos de emergência; triagem.


ABSTRACT

Objective. Get to know how nurses perceive the accomplishment of risk classification in an emergency service. Methodology. In this qualitative study, 11 nurses were included with at least two months of experience in the risk classification of patients who visited the emergency service. Semistructured interviews were used to collect the information. The data were collected between August and December 2011. For data analysis, Bardin's theoretical framework was used. Results. The nurses in the study consider the risk classification as a work organization instruments that permits closer contact between nurses and patients. The nursing skills needed for risk classification were identified: knowledge about the scale used, clinical perspective, patience and agility. The availability of risk classification scales was the main facilitator of this work. The main difficulties were the disorganization of the care network and the health team's lack of knowledge of the protocol. Conclusion. Risk classification offers an opportunity for professional autonomy to the extent that it is the main responsible for regulating care at the entry door of the emergency services.

Key words: emergency nursing; emergency medical services; triage.  


RESUMEN

Objetivo. Conocer la percepción de los enfermeros sobre la realización de la clasificación del riesgo en el servicio de urgencias. Metodología. Estudio cualitativo, con inclusión de 11 enfermeros quienes habían tenido experiencia durante, al menos, dos meses en la clasificación del riesgo de los pacientes que ingresaban al servicio de urgencias. Para la toma de la información se utilizó la entrevista semiestructurada. Los datos fueron recolectados entre agosto y diciembre de 2011. Para el análisis se utilizó el referente teórico propuesto por Bardin. Resultados. Para estos enfermeros, la clasificación de riesgo es vista como un instrumento de organización del trabajo que permite una mayor aproximación enfermero-paciente. Fueron identificadas las habilidades del enfermero necesarias en la clasificación del riesgo: conocimiento de la escala utilizada, ojo clínico, paciencia y agilidad. El trabajo se facilitó, principalmente, por la disposición de escalas de clasificación del riesgo. Las mayores dificultades fueron la desorganización de la red asistencial y la falta de conocimiento del protocolo por el equipo de salud. Conclusión. La clasificación del riesgo ofrece una oportunidad de autonomía profesional en la medida en que este es el principal responsable de la regulación de la atención en las puertas de entrada de los servicios de urgencias.

Palabras clave: enfermería de urgencia; servicios médicos de urgencia; triaje.


 

 

INTRODUÇÃO

Os serviços de atenção às urgências no Brasil possuem desafios a serem superados, dentre os quais destacam-se a superlotação e a organização do atendimento, para que haja melhoria na qualidade da assistência prestada ao usuário. Em alguns serviços de urgência a priorização do atendimento é estabelecida de acordo com a ordem de chegada dos pacientes, o que pode implicar em danos aos mesmos, decorrentes do não atendimento no tempo adequado, de acordo com o nível de gravidade de cada indivíduo.1 Na tentativa de reorganizar o atendimento nos serviços de urgência, o Ministério da Saúde brasileiro, através da Política Nacional de Humanização, propõe a implantação do acolhimento com classificação de risco como principal estratégia de regulação do atendimento, sendo a avaliação do paciente realizada pelo enfermeiro.

A classificação de risco é realizada em diferentes países mediante a adoção de um protocolo direcionador, e tem como objetivos principais garantir o atendimento imediato do usuário com grau de risco elevado, promover o trabalho em equipe por meio da avaliação contínua do processo, possibilitar e instigar a pactuação e a construção de redes internas e externas de atendimento.1 Os enfermeiros têm papel central e articulador que lhes conferem oportunidades de interagir e influenciar as ações profissionais desenvolvidas em serviços de urgência em prol da produção de um cuidado integral, resolutivo e humanizado.2-3 A atuação na classificação de risco expande as possibilidades de atuação profissional e confere ao enfermeiro a responsabilidade de atuar como importante regulador na porta de entrada de serviços de urgência.4 Embora haja estudos que buscam compreender o trabalho do enfermeiro em unidades de urgência, há poucas pesquisas que avaliem a percepção do enfermeiro sobre a realização da classificação de risco.

A percepção pode ser definida como a interação de um corpo em um espaço e tempo. Quando ao ser humano é apresentado um objeto ou situação, este o percebe por meio de uma consciência perceptiva, dando a ele um significado. O ser humano torna-se capaz de descrevê-lo, imagina-o em sua plenitude e torna-se capaz de dizer o que ele realmente é.5 Assim, na classificação de risco, a percepção do enfermeiro sobre o seu trabalho pode ser influenciada pela interação deste profissional com os pacientes, com a equipe médica, de enfermagem e da administração do estabelecimento de saúde, e pela organização do serviço. Desta forma, o enfermeiro é capaz, por meio de sua consciência perceptiva, de descrever sobre o seu trabalho e significar seu papel na realização da classificação de risco.

Por ser um novo campo de atuação do enfermeiro no Brasil, considera-se importante para a prática clínica incitar discussões acerca do trabalho neste local, de modo a contribuir para o aumento na produção do conhecimento científico nesta temática e propiciar reflexões que possam colaborar no melhor direcionamento das ações relativas ao atendimento de urgência na prática clínica dos enfermeiros, na gestão dos serviços de urgência e na formação de recursos humanos em enfermagem. Diante do exposto elaborou-se este estudo que teve por questão norteadora: Qual a percepção do enfermeiro sobre o seu trabalho na classificação de risco? O objetivo geral foi conhecer a percepção de enfermeiros sobre a realização da classificação de risco, e por objetivos específicos: identificar os fatores facilitadores e dificultadores do trabalho neste local; identificar, sob o olhar dos enfermeiros, as habilidades necessárias ao enfermeiro classificador.

 

METODOLOGIA

Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa. Esta abordagem permite o surgimento de aspectos novos, descobrir novos nexos e novas articulações de significado. A pesquisa qualitativa permite uma imersão no universo de significados, de crenças, aspirações, que só podem ser desvelados pelos sujeitos que a vivenciam. Por meio desta abordagem, os fenômenos sociais e as interações pessoais emergem das falas dos sujeitos, dando sentido a experiência vivenciada.6 Desta forma, considera-se esta abordagem adequada para avaliar a percepção do enfermeiro sobre a realização da classificação de risco.

O estudo foi realizado em uma Unidade de Pronto Atendimento de um município brasileiro, que funciona durante as 24 horas por dia com média de 100 atendimentos por dia. Desde setembro de 2009 a classificação de risco passou a ser a forma de gestão e organização na porta de entrada da unidade. Cabe ressaltar que este é o único serviço de urgência público do município, que conta com uma população de aproximadamente 250.000 habitantes, o que contribui para que o serviço atenda a uma demanda alta de pacientes. Para a realização da classificação de risco, é disponibilizado ao enfermeiro uma sala para avaliação do paciente, instrumentos para mensuração dos sinais vitais, e o protocolo de Manchester. Cabe ressaltar que o enfermeiro da classificação de risco não atende exclusivamente a este local, o que contribui para o acúmulo de pacientes a serem atendidos e para o aumento do tempo de espera dos pacientes para atendimento médico. Outro fator que merece destaque é que, no local do estudo, não existem áreas demarcadas conforme o nível de risco atribuído aos pacientes para o encaminhamento dos pacientes após a classificação de risco, conforme recomendação do Ministério da Saúde brasileiro. Todas as condições de trabalho supracitadas podem interferir na percepção do enfermeiro sobre seu trabalho na classificação de risco.

Participaram do estudo enfermeiros que atuam ou que já atuaram na classificação de risco no local em estudo por um período mínimo de dois meses. Dos 12 enfermeiros que se enquadraram no critério de inclusão, 11 participaram do estudo. Apenas um enfermeiro recusou-se a participar da pesquisa. O tamanho da amostra foi definido pelo critério de exaustão dos dados, ou seja, participaram do estudo todos os sujeitos elegíveis. O fechamento de uma pesquisa por mecanismo de exaustão ocorre quando todos os indivíduos disponíveis já foram incluídos na pesquisa.7

A coleta dos dados ocorreu no período de agosto a dezembro de 2011 e foi realizada através de entrevista semiestruturada guiada pelas seguintes questões: o que é para você trabalhar na classificação de risco? Como você enxerga a atuação do enfermeiro neste local? Quais os fatores facilitadores e os dificultadores do trabalho neste local? No seu ponto de vista, quais os pré-requisitos para um enfermeiro trabalhar na classificação de risco? Para avaliar as questões do estudo quanto ao conteúdo e pertinência, as mesmas foram aplicadas inicialmente a quatro enfermeiros que atuavam na classificação de risco e, através das respostas obtidas, foi observada a compreensão dos mesmos acerca dos questionamentos realizados.

Para identificar o perfil sócio demográfico dos enfermeiros do estudo foi utilizado instrumento de coleta de dados contendo as seguintes variáveis: idade, sexo, tempo de formação, instituição formadora, pós-graduação, tempo de atuação na instituição e tempo de atuação na classificação de risco. As entrevistas foram agendadas previamente e realizadas em local e horário determinados pelo enfermeiro, em ambiente privativo. As falas foram gravadas após autorização dos sujeitos e posteriormente transcritas para análise, à luz da análise de conteúdo proposta por Bardin.8 A análise de conteúdo permite apreender os significados e a interpretação dos fatos apresentados ao pesquisador pelo conjunto de respostas dos informantes. Os resultados foram obtidos a partir da exploração do material por meio da codificação, numeração e classificação do conteúdo coletado nas entrevistas. Este tratamento corresponde a uma transformação dos dados brutos, que por meio do recorte, agregação e enumeração é permitido definir as unidades de significado, as quais conduzem para uma descrição exata das características pertinentes ao conteúdo, culminando com as categorias de análise ou analíticas.

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer ETIC n° 69/2011). Previamente ao início da entrevista, os enfermeiros foram esclarecidos quanto ao objetivo do estudo e consultados sobre o interesse em participar, obtendo-se assim a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

Dos 11 enfermeiros participantes do estudo, oito (72.7%) eram do sexo feminino e três (27.3%) do sexo masculino, com idade variando entre 25 e 42 anos. A maioria (nove – 81.8%) dos enfermeiros atuava na classificação de risco há mais de dois anos. Quanto ao tempo de formação, cinco (45.5%) enfermeiros se graduaram há menos de cinco anos, um (9.1%) entre 5 e 10 anos, quatro (36.4%) entre 10 e 15 anos e um (9.1%) há mais de 15 anos. A análise das entrevistas possibilitou a construção de três categorias analíticas relacionadas às questões norteadoras do estudo: a percepção do trabalho na classificação de risco; habilidades necessárias ao enfermeiro classificador, e aspectos facilitadores e dificultadores do trabalho na CR.

Categoria 1. A percepção do trabalho na classificação de risco

A Classificação de risco foi vislumbrada pela maioria dos enfermeiros do estudo (6 – 54.5%) como um instrumento gerenciador do trabalho, que fornece respaldo às suas condutas clínicas e administrativas: É de extrema importância porque antigamente a gente não sabia como passar o paciente na frente (...) eu consigo resolver o problema dos pacientes mais urgentes, né de uma forma mais rápida. E os menos urgentes eu atendo no período que cabe (E3); O enfermeiro é primordial nisso tudo (...) você faz a classificação da prioridade daquele paciente. Então hoje a gente tem a classificação que é muito mais segura, não tem nem comparação. A gente trabalhava de maneira empírica, agora não é (E4).

Na visão de seis (54.5%) dos enfermeiros entrevistados, a classificação de risco também foi vista como instrumento que traz ao enfermeiro valorização e reconhecimento profissional perante os colegas de trabalho e usuários, e destacaram a importância da classificação de risco como instrumento que permite uma maior aproximação enfermeiro-paciente em serviços de urgência: Trabalhar pra mim na classificação de risco é além de prazeroso (...) você vê o resultado do seu trabalho (...) importantíssimo né (...) isso é uma valorização da nossa profissão (E8); É uma responsabilidade muito grande para o enfermeiro (...) as decisões são suas (...) é onde o enfermeiro tem maior autonomia (E2); É essencial (...) é uma grande responsabilidade (...) é o primeiro contato com o paciente, né, a recepção do paciente (E9); É ter oportunidade de aproximar-se do paciente (...) é a maneira de você tá mais perto do paciente (...)(E5).

Categoria 2. Habilidades necessárias ao enfermeiro classificador

Na fala de 10 (91.0%) dos enfermeiros do estudo, as habilidades apontadas como necessárias ao enfermeiro classificador relacionam-se à necessidade de conhecimento teórico e às habilidades pessoais, que podem ser observadas nos trechos a seguir: O enfermeiro tem que ser ágil, experiente, direcionar rapidamente e precisamente. Estar sempre atento e alerta a todo o momento (...) Ele precisa ter agilidade, tranquilidade, olhar crítico e experiência. Acho que é isso! (E6); Pra mim ele tem que ter experiência ou ser uma pessoa bastante já desenvolvida a partir do momento quando sai da faculdade porque precisa de um olhar clínico sim, precisa de uma vivência no setor de urgência e emergência pra você poder fazer a classificação(...) (E4); Primeiro é o treinamento né e eu acho assim tá sempre reciclando(...)e muita responsabilidade na hora que cê tá classificando e é nunca jogar pra menos a queixa do paciente (E5).

Categoria 3. Fatores facilitadores e dificultadores do trabalho

A terceira categoria de análise identificada nas falas dos entrevistados contempla os fatores facilitadores e dificultadores do trabalho na classificação de risco. O protocolo de Manchester foi apontado por sete (63.6%) dos enfermeiros como o principal agente facilitador do trabalho do enfermeiro, por direcionar a prática clínica e proporcionar maior segurança na tomada de decisão: Facilitador é o protocolo em si, ele facilita muito o trabalho da gente ali fora (E4); O protocolo que a gente tem é uma segurança pra gente que tá lá recebendo os pacientes (E2).

Em contrapartida, na visão de um (9.1%) enfermeiro do estudo, apesar de o protocolo ser o principal instrumento facilitador do trabalho, outros fatores relacionados à queixa do paciente podem não estar presentes nos fluxogramas dispostos no protocolo, e que estes fatores não devem ser desconsiderados durante a avaliação do enfermeiro: (...) quanto à classificação ela traz os fluxogramas pra gente e tem todos os outros, alguns outros fatores por fora deste fluxograma que devem ser avaliados. Porque tem pacientes que não vão conseguir te falar muita coisa, né, então você vai ter que investigar essa história até você chegar a um ponto verdadeiramente de saber o que está afetando essa pessoa realmente (E1).

Apesar de esta ser a fala de apenas um sujeito do estudo, consideramos os elementos relatados importantes, pois podem indicar a necessidade de uma revisão do protocolo, além de ressaltar a importância do acolhimento do paciente, não limitando a sua avaliação apenas ao que está descrito no protocolo direcionador da classificação de risco. Além do protocolo de Manchester, a presença do técnico em enfermagem na recepção e na sala de espera foi apontada por 2 (18.2%) enfermeiros como um facilitador do trabalho dos enfermeiros na CR: (...) Éh, outra coisa muito importante dentro da classificação que facilita bastante é a presença dos técnicos de enfermagem na recepção e na sala de espera e que ajuda na reavaliação e na pré-avaliação desses pacientes dentro da classificação (E11).

Como aspectos dificultadores do trabalho na classificação de risco destacam-se os relacionados à organização da rede assistencial interna e externa. Em relação à estrutura interna do serviço pôde-se observar o descontentamento de quatro (36.4%) enfermeiros com a ausência de uma estrutura física adequada para o manejo dos pacientes: Aqui não foi feita uma estrutura onde você direciona o paciente pra ser atendido nas salas específicas, aí fica misturado, perdido, isso dificulta muito o trabalho (E2); a estrutura física do Pronto Socorro dificulta bastante. E a falta também de fluxo (...)Então assim, pra onde vão os pacientes amarelos, pra onde vão os pacientes verdes?(...) Os pacientes laranjas e os pacientes vermelhos já tem o direcionamento que é a emergência. Agora amarelo, verde e azul éh tá meio confuso ainda (E4).

Outros fatores relatados pelos enfermeiros (3 – 27,3%) como dificultadores do processo de trabalho na classificação de risco foram a ausência de pactuação entre serviços para que o sistema de referência e contra referência seja efetivo e a falta de estruturação da rede de urgência e emergência no município: Dificultador é a falta de rede estruturada no serviço e no sistema para encaminhamentos mais dinâmicos; falta de políticas públicas voltadas para o Manchester (...) e falta de planejamento e organização das estruturas do serviço (E7); Dificultador eu acho que é a própria situação que a gente vive, pelo menos aqui no Pronto Socorro porque leva todos os pacientes a procurarem o Pronto Socorro, que aí você tem um monte de pacientes que não são do pronto socorro, que vai dificultando(...) (E2).

O protocolo utilizado na classificação de risco deve ser entendido e aceito por toda a equipe que atua no serviço de urgência: enfermeiros, técnicos em enfermagem, médicos, psicólogos, assistentes sociais e funcionários administrativos.1 Neste estudo, a maioria dos enfermeiros (7 – 63,6%) apontam que o não conhecimento do protocolo pelos demais membros da equipe dificulta o trabalho na classificação de risco: (...)Que eu acho importante todos conhecerem o que é o protocolo e infelizmente todos ainda não conhecem, acham que é apenas uma coisa que a gente compra, que a gente ganha (...) (E1); Dificultador é: (...) falta de conscientização dos profissionais em relação ao Manchester; falta de acreditação por parte dos outros profissionais de que realmente funciona, principalmente por parte da equipe médica (E7); A equipe não compreende, o médico não entende o porquê da classificação, às vezes não concorda. As vezes ele tá ali classificado como amarelo mas ele chama os de verde que chegaram antes daquele amarelo, ele quer atender pelo horário que o paciente chegou.(...) (E3).

 

DISCUSSÃO

Entre os sujeitos do estudo, 54.5% se graduaram há menos de dez anos. Para nenhum deles foi ministrado conteúdo teórico sobre classificação de risco durante a formação. Cabe ressaltar que não é exigida do enfermeiro nenhuma especialização como pré-requisito para atuar na classificação de risco, o que chama a atenção para a necessidade da inclusão desta temática nos projetos pedagógicos dos cursos de graduação em enfermagem das instituições formadoras.

Na primeira categoria analítica, os enfermeiros apontaram a classificação de risco como instrumento organizador do processo de trabalho. Os achados deste estudo corroboram com a literatura da área. A classificação de risco organiza o processo de trabalho, pois prioriza o atendimento a pacientes graves, conferindo aos enfermeiros maior segurança e controle da situação.9 A classificação de risco beneficia o enfermeiro na medida em que proporciona autonomia ao profissional. O enfermeiro consegue identificar o resultado imediato de seu trabalho ao assumir a função de regulação das portas de entrada nos serviços de urgência. Tais características fazem com que este profissional sinta-se valorizado e reconhecido perante os usuários e os colegas de trabalho.

Vê-se nos enfermeiros o potencial para mudar as práticas de trabalho, reduzir os tempos de espera e melhorar a assistência prestada aos usuários nos serviços de urgência. Estudo mostrou que enfermeiros adequadamente capacitados e treinados são capazes de gerenciar e tratar mais de 30.0% dos atendimentos demandados nos serviços de urgência.10 Na visão dos sujeitos do estudo, a classificação de risco permite maior aproximação enfermeiro-paciente. A fala dos entrevistados reflete a prática de acolher os pacientes, conforme preconizado pela Política Nacional de Humanização, que propõe a implantação da classificação de risco atrelada às práticas de acolhimento. O acolhimento é um dispositivo de intervenção que possibilita analisar o processo de trabalho com foco nas relações interpessoais. Propõe a mudança das relações entre profissional, usuário, rede social, e entre os próprios profissionais por meio de parâmetros humanitários e de solidariedade. Entretanto, há um desafio de praticar o acolhimento em serviços de urgência devido à rotina estressante destes serviços, onde o constante lidar com dor e morte pode facilitar a distância dos trabalhadores com a realidade emotiva vivenciada pelos pacientes e familiares, o que culmina na impessoalidade do atendimento e dificuldade de atuação de forma humanizada.1,11

Assim, o acolhimento com classificação de risco parece constituir-se na oportunidade de resgatar o verdadeiro sentido da prática profissional, o valor do trabalho e de se trabalhar em equipe, e a busca pela resolutividade das demandas dos usuários. Na segunda categoria analítica identificaram-se as habilidades necessárias ao enfermeiro classificador. As falas dos sujeitos vão ao encontro da literatura existente ao afirmarem que, para atuar na classificação de risco, o enfermeiro necessita desenvolver habilidades como: escuta qualificada, capacidade de trabalho em equipe, raciocínio clínico e agilidade mental para tomada de decisões.12

A tarefa de recepcionar e definir prioridades referentes às demandas dos usuários que procuram as unidades de urgência configura-se como uma atividade que requer responsabilidade e competências específicas.4 O processo de tomada de decisão na classificação de risco acontece em um cenário complexo e dinâmico, e exige que decisões sejam aplicadas em um curto período de tempo, com informações limitadas. Desta forma, exige-se que o enfermeiro seja dotado de conhecimentos específicos, além de experiência no atendimento a pacientes com diversas patologias, de modo a proporcionar uma prática segura e eficaz ao usuário.13

Na terceira categoria de análise foram elencados os fatores facilitadores e dificultadores do trabalho na classificação de risco. O protocolo de Manchester foi apontado como o principal facilitador do trabalho do enfermeiro. Este é um protocolo de origem inglesa, que classifica o paciente em cinco níveis de prioridade.14 Os protocolos ou escalas direcionadores da classificação de risco visam otimizar o tempo de espera de acordo com a severidade da condição clínica dos pacientes, de forma a tratar mais rapidamente os sintomas mais intensos e diminuir os impactos negativos no prognóstico, decorrentes de atraso no tratamento. Desta forma, consegue-se assegurar que intervenções terapêuticas sejam iniciadas em momento oportuno.15-16 Os protocolos ou escalas direcionadoras são importantes para diminuir o viés da subjetividade inerente ao olhar de cada profissional. Por este motivo é preciso utilizar na prática clínica instrumentos que tenham reconhecida validade e confiabilidade.17 Entretanto cabe ressaltar que nenhum protocolo captura os aspectos subjetivos, afetivos e sociais, cuja compreensão é fundamental para uma efetiva avaliação do risco e da vulnerabilidade dos indivíduos que procuram os serviços de urgência. O protocolo não substitui a interação, o diálogo, a escuta, o respeito, o acolhimento do cidadão e a exploração de sua queixa para a avaliação do seu potencial de agravamento.1

A presença dos técnicos em enfermagem na recepção e na sala de espera também foi apontada por dois (18.2%) dos enfermeiros do estudo como um facilitador do trabalho do enfermeiro na classificação de risco. Apesar de não refletir a fala da maioria dos enfermeiros, julgamos importante apresentar este fator considerado um facilitador do trabalho, uma vez que, na prática clínica, observa-se que esta tem sido uma prática adotada por alguns serviços de urgência que implantaram a classificação de risco. Contudo, cabe ressaltar que, do ponto de vista dos autores, esta é uma estratégia utilizada para suprir uma necessidade do serviço de manter os enfermeiros restritos à sala de classificação de risco para atender a alta demanda de pacientes.

No que se refere à avaliação do paciente na recepção feita pelo técnico em enfermagem, não há estudos que comprovem se esta atividade tem impacto em desfechos clínicos do paciente como mortalidade, necessidade e tempo de internação. Portanto, recomenda-se a realização de pesquisas que verifiquem se a avaliação do técnico em enfermagem antes da avaliação do enfermeiro é importante para reduzir os tempos de espera para pacientes mais graves. Quanto à reavaliação após a classificação de risco, o protocolo de Manchester recomenda que esta deve ser realizada pelo enfermeiro, com períodos de tempo determinados de acordo com o grau de risco que foi atribuído ao paciente.14

A falta da estruturação da rede de atendimento foi apontada pelos enfermeiros como dificultador do trabalho na classificação de risco. Em muitos serviços de urgência não existe espaço adequado para os pacientes, os quais ocupam todos os lugares destinados à circulação, sem distinção de especialidades ou diagnósticos e, muitas vezes, independente da gravidade dos casos.18 O Ministério da Saúde brasileiro estabelece que, nos serviços em que a classificação de risco é adotada como ferramenta de gestão na porta de entrada, faz-se necessária a organização do atendimento em dois eixos: o eixo vermelho, destinado ao atendimento a pacientes graves com risco de morte, e o eixo azul, destinado ao atendimento de pacientes aparentemente não graves, mas que procuram o atendimento de urgência. Cada um desses eixos possui diferentes áreas, de acordo com a clínica do paciente e os processos de trabalho que nele se estabelecem.1

A falência da rede assistencial e a grave situação social da população refletem no perfil do usuário atendido. Na prática, o trabalhador quando presta um atendimento de urgência, pouco consegue visualizar o percurso do usuário pelo sistema de saúde e as dificuldades pelas quais passou ou passará para ter suas necessidades atendidas.19-20 Sabe-se que a realização da classificação de risco isoladamente não garante uma melhoria na qualidade da assistência. Assim, reforça-se a necessidade de se construir pactuações internas e externas para a viabilização do processo, com a construção de fluxos claros por grau de risco e a tradução destes na rede de atenção em saúde.

Percebe-se na fala dos enfermeiros que nem todos os membros da equipe assistencial conhecem o protocolo direcionador utilizado no serviço, o que foi apontado como um dificultador do trabalho na classificação de risco. Este desconhecimento por parte dos profissionais gera em alguns a descrença no método utilizado para organização do trabalho. Ressalta-se que a adesão de todos os profissionais às diretrizes de trabalho propostas é importante para reduzir as variações na prática e para garantir que os pacientes recebam o tratamento necessário no tempo adequado.2 Assim, recomenda-se que, previamente à implantação da classificação de risco, seja garantido o envolvimento de todos os profissionais que atuam na unidade de urgência por meio de encontros amplos e abertos, visando à sensibilização e adesão dos mesmos à nova ferramenta de organização da assistência. É neste momento que devem ser repensadas as relações de trabalho, os fluxos de atendimento, e as demandas estruturais necessárias para garantir que o atendimento ao paciente seja realizado dentro dos prazos estabelecidos para cada nível de prioridade.1

Concluímos com este trabalho que, na visão dos enfermeiros do local estudado, a classificação de risco oferece uma maior autonomia profissional, na medida em que este se torna o principal responsável pela regulação do atendimento nas portas de entrada em serviços de urgência. Entretanto, embora o enfermeiro seja o ator principal na classificação de risco, o seu trabalho é influenciado por questões estruturais e de gestão complexas, que extrapolam seu poder de governabilidade e resolutividade. Assim, recomenda-se a necessidade de se criar nesta Unidade de Pronto Atendimento espaços de discussão entre os profissionais, de modo a permitir reflexões sobre as relações de trabalho, os desafios existentes, e apontar direcionamentos para a superação dos problemas. Embora não seja exigida experiência profissional e especialização para atuar na classificação de risco, os enfermeiros deste estudo apontam que a experiência profissional é importante pré-requisito para o enfermeiro classificador, além de outras habilidades apontadas e que direcionam as instituições formadoras acerca do perfil profissional desejado para o enfermeiro atuar neste local.

Por fim, a estruturação e organização da rede assistencial e a importância de obter de toda a equipe de saúde a adesão à estratégia de classificação de risco são imperativas para impactar a melhoria da qualidade do atendimento prestado ao usuário em serviços de urgência. O protocolo direcionador, muitas vezes visto como o principal responsável pelo sucesso da classificação de risco é essencial para guiar a avaliação do enfermeiro, mas a sua implantação efetiva depende de uma rede assistencial estruturada e organizada.

 

REFERÊNCIAS

1.Ministério da Saúde (BR). Política nacional de Humanização da atenção e Gestão do SUS. Acolhimento e classificação de risco nos serviços de urgência. [Internet]. Brasilia; 2009 (cited Feb 5 2012). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_classificaao_risco_servico_urgencia.pdf        [ Links ]

2. Janssen MA, Van AT, Adriansen MJ, et al. Triage in emergency departments: a survey of Dutch emergency departments. J Clin Nurs. 2011; 20:2458–68.         [ Links ]

3. Gartet ER, Lima MADS, Santos JLG, Marques GQ. Work objective in emergency wards: professionals' conceptions. Rev Lat Am Enfermagem. 2009; 17(4):535-40.         [ Links ]

4. Maurer TC. Enfermeiro no Acolhimento com Classificação de Risco na Emergência Pediátrica [Internet]. Rio Grande do Sul; 2010 (cited Feb 5 2012). Available from: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/24869         [ Links ]

5. Merleau-Ponty, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes; 1994.         [ Links ]

6. Matheus MCC, Fustitoni SM. Pesquisa qualitativa em enfermagem. 1a Ed. São Paulo: LMP; 2006. p.17-28.         [ Links ]

7. Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, MDG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saude Publica. 2011; 27(2):388-94.         [ Links ]

8. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2008.         [ Links ]

9. Nascimento ERP, Hilsendeger BR, Neth C, Belaver GM, Bertoncello KCG. Classificação de risco na emergência: avaliação da equipe de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2011; 19(1):84-8.         [ Links ]

10. Keane AK, Tyrrell M, O'Keefe A. Advanced nurse practitioners: Improving patients' journeys. Emerg Nurse. 2008; 16:30-5.         [ Links ]

11. Andrade LM, Martins EC, Caetano JA, Soares E, Beserra EP. Atendimento humanizado nos serviços de emergência hospitalar na percepção do acompanhante. Rev Eletr Enf. 2009; 11(1):151-7.         [ Links ]

12. Souza CC, Toledo AD, Tadeu LFR, Chianca TCM. Classificação de risco em pronto-socorro: concordância entre um protocolo institucional Brasileiro e Manchester. Rev Lat Am Enfermagem. 2011; 19(1): 26-33.         [ Links ]

13. Ganley L, Gloster AS. An overview of triage in the emergency department. Nurs Stand. 2011; 26(12):49-56.         [ Links ]

14. Freitas P (Ed.). Triagem do serviço de urgência: Grupo de Triagem de Manchester. 2nd ed. Portugal: BMJ Publishing Group; 2002.         [ Links ]

15. Rehn M, Perel P, Blackhall K, Lossius HM. Prognostic models for the early care of trauma patients: a systematic review. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. [Internet]. 2011 [Acesso em: 5 fev 2012];19(17):[8 telas]. Disponível em: http://www.sjtrem.com/content/pdf/1757-7241-19-17.pdf        [ Links ]

16. Farrohknia N, Castrén M, Ehrenberg A, Lind L, Oredsson S, Jonsson H, et al. Emergency Department Triage Scales and Their Components: A Systematic Review of the Scientific Evidence. Scand J Trauma Resusc Emerg Med [Internet]. 2011 (cited Feb 5 2012);19(42). Available from: http://www.sjtrem.com/content/pdf/1757-7241-19-42.pdf        [ Links ]

17. Goransson KE, Ehrenberg A, Marklund B, Ehnfors M. Accuracy and concordance of nurses in emergency department triage. Scan J Caring Sci. 2005; 19:432-38.         [ Links ]

18. Furtado BMASM, Araújo Júnior JLC. Percepção de enfermeiros sobre condições de trabalho em setor de emergência de um hospital. Acta Paul Enferm. 2010; 23(2):169-74.         [ Links ]

19. Marque GQ, Lima MADS. Demandas de usuários a um serviço de Pronto Atendimento e seu Acolhimento ao Sistema de Saúde. Rev Lat Am Enfermagem. 2007; 1(15):1-8.         [ Links ]

20. O'dwer GO, Oliveira SP, Seta MH. Avaliação dos serviços hospitalares de emergência do programa QualiSUS. Ciênc Saúde Coletiva. 2009; 14(5):1881-90.         [ Links ]