SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.32 issue1Experience of Nursing Students upon Their First Care Encounter with Terminally ill PatientsEvaluation of formal educational processes for healthcare professionals author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.32 no.1 Medellín Jan./Apr. 2014

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

Percepção do termo de consentimento pelos participantes de ensaios clínicos

 

Perception of the informed consent form by participants in clinical trials

 

Percepción del término de consentimiento informado por los participantes de los ensayos clínicos

 

 

Silmara Meneguin1; Jairo Aparecido Ayres2

 

1RN, Doutora. Professora Universidade Estadual Paulista ''Julio de Mesquita Filho'' –UNESP-, Botucatu, Brasil. email: silmeneguin@fmb.unesp.br.

2RN, Doutor. Professor UNESP, Botucatu, Brasil. email: ayres@fmb.unesp.br.

 

Fecha de Recibido: Febrero 25, 2013. Fecha de Aprobado: Octubre 7, 2013.

 

Artículo vinculado a investigación: Avaliação de como os sujeitos da pesquisa entendem a sua participação em ensaios clínicos.

Subvenciones: ninguna.

Conflicto de intereses: ninguno.

Cómo citar este artículo: Meneguin S, Ayres JA. Perception of the informed consent form by participants in clinical trials. Invest Educ Enferm. 2014;32(1): 95-102.

 


RESUMO

Objetivo. Compreender a percepção que têm os participantes dos ensaios clínicos controlados (ECC) sobre o consentimento informado e descrever o significado de sua participação na investigação. Metodologia. Estudo qualitativo que utilizou a técnica de grupo focal. A mostra esteve constituída por 19 pacientes que participaram em ensaios clínicos sobre hipertensão e doença coronária num hospital especializado em cardiologia na cidade de São Paulo. O referencial metodológico utilizado foi a análise de conteúdo. Resultados. Alguns participantes tinham consciência da real natureza destas investigações enquanto outros tinham impressões equivocadas. A leitura do consentimento informado não é sempre realizada e quando esta se faz o paciente não entende. A falta de entendimento do que era o ''placebo'' foi mencionada por alguns participantes. A motivação em participar se centrou no benefício pessoal. Conclusão. Este estudo mostra que a obtenção do consentimento informado em ECC é complexo e que há necessidade de realizar adequações na estrutura e aplicação do documento, com o fim de proteger aos participantes e melhorar a qualidade das investigações clínicas realizadas no país.

Palavras chaves: consentimento livre e esclarecido; compreensão; ensaio clínico; bioética.


ABSTRACT

Objective. To understand the perception of the participants in controlled clinical trials (CCTs) about the informed consent and describe the meaning of their participation in the research. Methodology. Qualitative study using the focus group technique. The sample was composed of 19 patients who participated in clinical trials about hypertension and coronary disease in a specialized cardiologic hospital located in the city of Sao Paulo. The methodological framework used was the content analysis. Results. Some of the participants were aware of the real objective of these studies while others had misperceptions. The reading of the informed consent is not always done and, when it is done, the patient does not understand it. The lack of understanding about the term ''placebo'' was mentioned by some participants. The motivation to participate was the personal benefit. Conclusion. This study shows that obtaining the informed consent in CCTs is complex and that there is the need to adapt the structure and application of this document, in order to protect the participants and improve the quality of clinical trials performed in the country.

Key words: informed consent, understanding, clinical trial, bioethics.


RESUMEN

Objetivo. Comprender la percepción que tienen los participantes de los ensayos clínicos controlados (ECC) sobre el consentimiento informado y describir el significado de su participación en la investigación. Metodología. Estudio cualitativo que utilizó la técnica de grupo focal. La muestra estuvo constituida por 19 pacientes, quienes participaron en ensayos clínicos sobre hipertensión y enfermedad coronaria en un hospital especializado en cardiología en la ciudad de São Paulo. El referencial metodológico utilizado fue el análisis de contenido. Resultados. Algunos participantes tenían consciencia de la real naturaleza de estas investigaciones mientras otros tenían impresiones equivocadas. La lectura del consentimiento informado no siempre es realizada y cuando esta se hace el paciente no entiende su contenido. La falta de comprensión de lo que era el ''placebo'' fue mencionada por algunos participantes. La motivación en participar se centró en el beneficio personal. Conclusión. Este estudio muestra que la obtención del consentimiento informado en ECC es complejo y que hay necesidad de realizar adecuaciones en la estructura y aplicación del documento, con el fin de proteger a los participantes y mejorar la calidad de las investigaciones clínicas realizadas en el país.

Palabras clave: consentimiento informado; comprensión; ensayo clínico; bioética.


 

 

INTRODUÇÃO

Ensaio clínico é um estudo sistemático, que se aplica a toda forma de experimento planejado e depende da participação de seres humanos voluntários, denominados sujeitos de pesquisa, para responder questões específicas, ainda não consagradas na literatura.1 Para participar destas pesquisas, desde a promulgação do Código de Nuremberg2 em 1947, primeiro documento normativo internacional de ética da pesquisa, é necessário o consentimento voluntário e respeito à autonomia dos participantes.3

No Brasil, o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) é requerimento ético e legal previsto na Resolução do Conselho Nacional de Saúde 466/2012,4 que normatiza as pesquisa com seres humanos no país. Esse documento tem como finalidade informar aos participantes os objetivos e os procedimentos da pesquisa, como riscos, benefícios e alternativas. Além disso, assegura ao indivíduo autonomia, uma vez que lhe confere o direito de aceitar ou não, e interromper a participação a qualquer momento. Apesar de todos os esforços para garantir o rigor ético nessas pesquisas, alicerçados na Resolução 466/2012,4 este tema tem sido motivo de preocupação para pesquisadores, instituições e comitês de ética em pesquisa, pois envolve a participação de populações vulneráveis.

Por esse dado, questões éticas são suscitadas nestas pesquisas, principalmente em países em desenvolvimento, em que os participantes muitas vezes são pessoas com baixo nível sociocultural e se submetem a esta condição pelas dificuldades de acesso aos serviços de saúde no país.5 Neste contexto, destaca-se a importância do esclarecimento realizado pelos pesquisadores sobre os procedimentos que envolvem a pesquisa, assim como a compreensão das informações, descritas no termo de consentimento, pelos participantes.6

A pesar da relevância para a prática clínica e segurança do participante, o processo de aplicação do termo de consentimento suscita questionamentos, porque muitos participantes são incapazes de entender os detalhes das informações do documento apresentado a eles7,8 e acabam consentindo, motivados, muitas vezes, pela condição socioeconômica que vivem e pelo papel que o ensaio clinico representa na busca de soluções para um problema de saúde.9

Além disso, pesquisas têm mostrado que há muitas circunstâncias envolvidas que podem limitar a compreensão dos participantes, pautadas na imaturidade frente à situação desconhecida, ansiedade, barreiras culturais e emocionais, relacionamento entre paciente, pesquisador e instituição, bem como pouco entendimento dos procedimentos da pesquisa.10,11

A compreensão das informações pelos participantes de ensaios clínicos, em nosso país, ainda é pouco conhecida, apesar da relevância do tema. Além disso, há falta de padronização na literatura de instrumentos para mensurar o entendimento do TCLE, o que dificulta a comparação de resultados.7,12 Deste modo, justifica-se a investigação na tentativa de elucidar dificuldades e limitações que permeiam a compreensão deste documento em sua magnitude, considerando-se a subjetividade dos indivíduos participantes de ensaios clínicos e relevância da temática para os profissionais de saúde. Para preencher essa lacuna do conhecimento, o presente estudo buscou apreender a percepção dos participantes de ensaios clínicos sobre o termo de consentimento livre e esclarecido e descrever o significado atribuído à participação na pesquisa.

 

METODOLOGIA

Estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa, realizado em hospital público universitário, especializado em cardiologia. Estabeleceu-se como critérios de inclusão: idade entre 20 e 80 anos; ter participado de ensaios clínicos ambulatoriais para tratamento de hipertensão e doença arterial coronária; no período de 2002 a 2006; ter utilizado placebo, após a randomização ou no período de wash-out (período em que o paciente fica sem nenhum tratamento, ou com o mínimo necessário para sua segurança antes da randomização na pesquisa);13 ter sido randomizado no ensaio clínico em que participou; e consentir na participação desta pesquisa.

Foram excluídos os sujeitos que não tiveram lembrança da sua participação nos ensaios clínicos selecionados e/ou não concordaram em participar desta pesquisa. Cada ensaio clínico realizado na instituição onde foi conduzida a pesquisa possui um banco de dados. Deste, foram selecionados os ensaios clínicos para hipertensão e doença arterial coronária, realizados no período de 2002 a 2006. E, a partir daí, selecionados 80 participantes, que atendiam os critérios de inclusão previamente definidos para esta pesquisa. A seguir, os pacientes foram divididos em dois grupos, sendo o grupo I, constituído de 47 pacientes que participaram de ensaios clínicos controlados por placebo, e o grupo II de 33 pacientes que tinham participado de ensaios clínicos em que o tratamento em teste foi comparado a outro fármaco, mas que também utilizaram placebo no período de wash-out. Após esta etapa, foram sorteados 12 pacientes de cada grupo, seguindo os critérios da pesquisa com grupo focal.

Optou-se pela realização do grupo focal por ser uma técnica utilizada para obtenção de dados a partir de discussões previamente planejadas onde os participantes expressam suas experiências, valores, crenças e atitudes sobre questões específicas.14 A discussão deve ser conduzida por um moderador no período aproximadamente de duas horas, em um local privativo. O registro da discussão é realizado por escrito, pelos observadores, e também por meio de fitas magnéticas.14 Foram elaboradas oito questões norteadoras para discussão com os grupos: I) que entendem por pesquisa? II) O que significou participar de uma pesquisa? III) Tiveram alguma dúvida durante a participação? IV) Por que aceitaram participar? V) O que entendem por termo de consentimento e qual sua finalidade? VI) As informações que constavam deste documento foram entendidas? VII) O documento foi lido por vocês? e VIII) O que entendem por placebo? Esta questão foi discutida apenas com os sujeitos do grupo I, pois, para o grupo II esta informação não constava do termo de consentimento, apesar do período de wash-out.

Foi realizada uma reunião com cada grupo, no segundo semestre de 2007, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas. A análise dos dados foi feita utilizando-se a vertente da análise de conteúdo.15 Nesta técnica, após transcrição literal, realizou-se a pré-análise, fase de organização do conteúdo que tem por finalidade sistematizar as ideias; em seguida realizou-se a exploração do material que envolve essencialmente a operação de categorização. E, por fim, num terceiro momento, realizou-se análise e interpretação dos dados. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição sob n° 1223/05, respeitando as exigências da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Foi assegurado o anonimato da identidade dos sujeitos. Cada participante recebeu uma cópia do termo de consentimento livre e esclarecido e outra cópia assinada foi arquivada.

 

RESULTADOS

Participaram do estudo 19 adultos, oito do grupo I, com idade média de 54.2±8.0 e 11 do grupo II com idade média de 54.6±8.4. O sexo foi representado por 10 masculinos (52.6%) e nove femininos (47.4%). A maioria analfabeta ou com apenas nível fundamental incompleto de ensino (63.2%), em ambos os grupos. Para melhor compreensão dos resultados, as unidades de significado foram agrupadas em três temas: percepção da pesquisa, fatores de motivação e consentimento, com suas respectivas categorias e subcategorias. Os participantes (P) estão identificados no texto com a numeração que lhe foi atribuída na transcrição do grupo focal.

Do primeiro tema percepção da pesquisa emergiram as categorias: pesquisa de novo fármaco, tratamento e percepção de cobaia humana. Em relação à pesquisa de novo fármaco, percebe-se nas falas dos entrevistados, de ambos os grupos, que se teve consciência da participação no teste de um novo medicamento. E que, também, a pesquisa pode ter como finalidade a descoberta de novos métodos de tratamento: É um trabalho para desenvolver novos medicamentos ou talvez até para testar um novo tipo de medicamento (P1, grupo II); É para descobrir novos métodos de tratamento, associação de drogas diferentes [...] (P2, grupo I).

A pesquisa foi considerada para alguns participantes um tratamento com finalidade terapêutica, que pode ser a continuidade do convencional ou um novo, e até mesmo uma forma de tratamento psicológico:[...] é a continuação do tratamento que a gente tava fazendo antes, então para mim foi uma beleza, foi bom (P4, grupo II); Eu acho que a pesquisa é uma forma diferente de tratamento (P5, grupo II); Para mim o tratamento também é psicológico (P6, grupo II). Verifica-se, ainda, que persiste a percepção de ser cobaia para o teste de novo medicamento, apesar dos esclarecimentos e assinatura do termo de consentimento: [...] é um tipo de cobaia, nós estamos participando para ver se a medicação vai ser boa [...] (P7, grupo I); Ser cobaia é dar tudo de si. [...] porque ia tomar o remédio e podia não servir para nada (P4, grupo I).

Pelas narrativas analisadas, o tema motivação abrange as categorias que seguem: benefício próprio, relação de troca, segurança e atenção, altruísmo, avanço da ciência e atendimento diferenciado. O benefício pessoal motivou a participação no ensaio clínico, pela expectativa de melhora clínica: Se aquilo lá for muito bom, você é um dos primeiros a sarar (P1, grupo I); [...] participei para melhorar minha saúde( P2, grupo II); Tentei investir na minha melhoria e tentaria tudo para melhorar(P8, grupo I). A relação de troca pela participação foi atrelada ao beneficio próprio, contribuição para o progresso da ciência, e garantia da continuidade do tratamento na instituição em que foi realizada a pesquisa: [...] Dentro da ciência, você tem que aceitar porque é bom pra gente, bom pra eles que estão precisando porque vão descobrir outras coisas (P7, grupo I); [...] É uma troca porque de alguma forma estava me beneficiando e colaborando (P2, grupo II); Iniciando na pesquisa pode continuar o tratamento na instituição (P7, grupo II).

Nas falas dos entrevistados, percebe-se que também foram motivados pela possibilidade de receber maior atenção e segurança: Eu entro em qualquer coisa desde que tenha uma atenção (P4, grupo I); [...] Se tivesse um problema mais sério, nós seríamos informados (P2, grupo I). O altruísmo e a possibilidade de contribuir para o avanço da ciência depreenderam das falas: Foi uma maneira que achei para retribuir para as pessoas, não só para mim (P8, grupo I); Quando terminou a pesquisa, achei que tinha ajudado a desenvolver um novo medicamento para a doença que eu tenho (P3, grupo II);Independente de cura ou não, ajudei de alguma maneira a medicina(P5, grupo I). O atendimento diferenciado e a avaliação mais criteriosa tornam a participação benéfica: [...] durante a pesquisa a gente tem aquele atendimento, até vamos dizer, um atendimento vip... [...] (P3, grupo II); Durante o período da pesquisa, fui mais avaliado do que seria tradicionalmente no ambulatório. Fiz mais exames, e se tivesse alguma coisa de mais grave teria sido avisado(P4, grupo I); As consultas eram mais constantes e eu era mais observado(P7, grupo I).

Do terceiro tema, consentimento, depreenderam das falas três categorias: finalidade, estrutura do documento e compreensão da informação. O termo de consentimento para alguns participantes é garantia institucional e não pessoal, além de isenção de responsabilidade para o hospital:[...] se não for bom, tem até um termo de responsabilidade da instituição que a gente assina [...](P3, grupo II). A estrutura do documento se dividiu nas subcategorias: linguagem e conteúdo. Os discursos demonstram que o termo de consentimento ainda é documento com muitos termos técnicos, palavras de difícil compreensão e muitas páginas: As palavras do termo precisam ser em linguagem popular(P4, grupo I); [...] poderia simplificar mais aquilo que está lá mesmo porque nem todos conseguem entender [...](P6, grupo I); [...] tem muitas paginas, e fica mais difícil [...](P4, grupo I).

Quanto à compreensão, identificaram-se as subcategorias: desinteresse pela leitura e entendimento das informações. Evidencia-se nos discursos que o termo de consentimento frequentemente não é lido, em virtude do vínculo de confiança estabelecido com os profissionais.

Quando há o interesse pela leitura, referem dúvidas esclarecidas pela equipe: Como sou curioso, algumas palavras que não entendia eu perguntava para ele [...]( P7, grupo I); Eu acho que tem que haver uma relação de confiança também, que não precisa ficar lendo e explicando demais(P 4, grupo I). Apesar da dificuldade de compreensão das informações contidas no documento, houve reconhecimento pelos participantes, de ambos os grupos, dos riscos inerentes à pesquisa, bem como a insegurança diante do desconhecido: Eu li a palavra, mas não entendi o que era (P7, grupo II); [...] não pode ter medo [...] (P8, grupo I); [...] porque tanto pode dar certo, fazendo bem para problema da gente, como também pode ser que dá errado (P9, grupo II).

Alguns relatos também demonstram a relativa falta de compreensão do significado do termo placebo: [...] Para mim, era uma mola colocada no meu coração (P3, grupo I); [...] pode ter 70% disso, pode ter menos, ou pode não ser nada, só farinha de trigo (P2, grupo I);É um comprimido inócuo, não faz nem bem nem mal(P7, grupo I);Não sabia o que era, somente algum tempo depois fui me informar (P6, grupo I).

 

DISCUSSÃO

Os ensaios clínicos dependem da participação de seres humanos na avaliação de novos fármacos e procedimentos, antes que os mesmos sejam disponibilizados para comercialização.

Embora, em nosso país, pesquisas desta natureza sejam recentes, houve aumento destas, patrocinadas por indústrias farmacêuticas, principalmente na área de cardiologia. Isto só foi possível devido à aprovação das diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, na década de noventa. Diante deste fato, surgiu a preocupação com os participantes, por serem indivíduos vulneráveis no processo de consentir em virtude das condições socioeconômicas, baixo nível de instrução e dificuldade de acesso aos serviços de saúde,5,9 como constatado nesta pesquisa.

Os resultados deste estudo indicam que a maioria dos participantes apresentou relativa falta de compreensão do termo de consentimento e, consequentemente, do propósito da pesquisa. Alguns, não foram capazes de diferenciar pesquisa e tratamento. Além do que, a percepção negativa de ser cobaia confirma a necessidade de conscientização dos participantes acerca do verdadeiro papel enquanto sujeitos de pesquisa, em países em desenvolvimento. Para entender a pesquisa, o sujeito deve ser capaz de receber, codificar, reter e processar a informação. Além disso, deve-se considerar que a leitura de um texto é atividade que envolve atenção, memória, compreensão e cognição.16

A memória representa o acervo de informações que o individuo tem condições de captar, constituir e registrar. Nesse sentido, para compreender um texto, o leitor ativa a memória das informações já conhecidas, e que contribuirão para a construção do significado do texto lido.16-17 Para que este processo seja efetivo envolve memórias de curto prazo, que têm como função armazenar informações durante poucas horas e de longa duração, que compreende a capacidade de se lembrar de palavras após alguns minutos como reconhecer a fisionomia após anos.17 Além disso, a compreensão está inserida no contexto do processo para tomada de decisão, que é essencialmente subjetivo e sujeito às crenças, valores e sentimentos do indivíduo no momento da sua tomada de decisão.

Outro fator a ser considerado refere-se à adequação da comunicação de quem interage com o sujeito no momento do convite para participação, devendo envolver não somente os aspectos inerentes à pesquisa clínica, mas também considerar as características e valores específicos do individuo. Para o sujeito decidir sobre a participação, necessita de tempo para compreensão das informações, mas se houver precipitação na decisão o participante pode ser prejudicado por não entender claramente o significado e objetivos da pesquisa.18 Além disso, a complexidade das informações, o uso de termos técnicos e número excessivo de páginas na composição do termo de consentimento são fatores que contribuem para dificultar o entendimento dos participantes.

Estudo recente analisou o índice de legibilidade de 10 termos de consentimento utilizados em ambulatório de oncologia e mostrou que o grau de dificuldade para leitura do documento é incompatível com o nível de escolaridade de nossa população.19 Também a idade e o nível de instrução têm sido apontados como preditores demográficos importantes na compreensão do documento.8,12,20

Os termos de consentimento, frequentemente utilizados na pesquisa clínica são elaborados em diferentes países nos estudos multicêntricos, e não adaptados ao contexto local onde o estudo será realizado. Em pesquisa realizada com pesquisadores da área de regulação da fecundidade, 44% afirmaram que o termo se encontrava adaptado, outros 44% declaram que foi traduzido e adaptado. As traduções/adaptações em 59% dos casos haviam sido realizadas pelo pesquisador responsável.21

Outro dado de interesse observado nesta pesquisa refere-se a não leitura do termo de consentimento pelos participantes. Supõe-se que isso ocorra em virtude da assimetria existente na relação entre o participante e o pesquisador. Além disso, há que se considerar que o sujeito, muitas vezes, não deseja fazer suas escolhas, e delega para o pesquisador a decisão de participar. Essa relação tem sentido amplo por ser pautada na integridade pessoal e competência profissional, portanto a leitura do documento torna-se irrelevante. Por este dado, a condução de pesquisa clínica requer dos profissionais envolvidos competência moral. Estudo realizado no México com pacientes oncológicos mostrou que apenas 57% leram o termo de consentimento, os demais não leram por serem analfabetos e considerarem a explicação médica suficiente.22

Os motivos que levaram os indivíduos a participarem do ensaio clínico, pode-se inferir que estão relacionados principalmente ao benefício próprio esperado e da ciência. Esses achados são corroborados em estudo com pacientes cardiopatas que participaram de ensaios clínicos para doenças agudas e crônicas, em que ficou explicitado que a decisão de participar está alicerçada no melhor tratamento ou seguimento, promoção de pesquisas médicas, medo da recusa, além de outros que não tinham uma razão definida.18

Quando o indivíduo não tem entendimento acerca do objetivo da pesquisa e acredita que o ensaio clínico pode oferecer algum benefício, tem-se o conceito de ''therapeutic misconception''.23 Dentro deste contexto, esse beneficio pode não ser alcançado, podendo apenas acrescentar conhecimentos e benefícios futuros, e não propriamente benefício direto ao atual participante. Durante o período em que ocorre o ensaio clinico, as consultas são mais frequentes, bem como a realização de exames, o que leva as pessoas a se sentirem mais cuidadas. Este rigor denota repercussão no tratamento, pois permite ao paciente expressar seus sentimentos, receber maior atenção, além de valorização de suas queixas, o que não é possível nas consultas convencionais em instituições públicas. Isto pode contribuir satisfatoriamente para o enfrentamento do problema de saúde e estabelecimento de alianças.24

Esta pesquisa apresenta algumas limitações que devem ser consideradas: a realização do grupo focal após finalização do ensaio clínico pode ter influenciado nas respostas; a impossibilidade de análise do índice de legibilidade dos termos de consentimentos, embora tenham sido analisados quanto ao conteúdo e complexidade.

Conclusão. Pela interpretação dos significados emergidos nos discursos, evidenciou-se relativa falta de compreensão por alguns participantes sobre o ensaio clínico, sobressaindo o sentimento de estar sendo utilizado meramente para fins de pesquisa, desconhecendo seus direitos e autonomia. A motivação para participar pautou-se na expectativa do benefício pessoal esperado, para os participantes de ambos os grupos.

O estudo também deu visibilidade à complexidade que permeia o processo de obtenção do termo de consentimento, em países em desenvolvimento, e aponta para a necessidade de os profissionais de saúde darem maior atenção à compreensão deste documento pelos participantes de ensaios clínicos, na busca de modificações tanto na sua estrutura como na aplicação. Reconhecer estas limitações e ter estratégias para transformá-las em favor dos sujeitos da pesquisa são desafios para assegurar a qualidade das pesquisas clínicas realizadas, bem como, do processo de obtenção do termo de consentimento, em países em desenvolvimento. Quando houver essa conscientização pelos pesquisadores, provavelmente, o termo cobaia deixará de existir por parte dos participantes. Espera-se que os achados desta investigação possam contribuir para o resgate do respeito à dignidade humana e proteção aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos. Além, da execução de futuros estudos longitudinais, de forma a ampliar a amostra e locais de pesquisa.

 

REFERÊNCIAS

1. Santucci EV, Laranjeira LN, Sukumura EA, Guimarães HP, Cavalcanti AB, Berwanger O. Peculiaridades da pesquisa clínica em medicina de urgência e emergência: aspectos éticos e organizacionais. Rev Bras Clin Med. 2009; 7:245-50.         [ Links ]

2. Emanuel EJ, Crouch RA, Arras JD, Moreno JD, Grady C (eds). Ethical and regulatory aspects of clinical research: reading and commentary. Baltimore: Johns Hopkins University Press; 2004.         [ Links ]

3. Tabares GEG, Restrepo MEM. Evaluación ética de proyectos de investigación: una experiencia pedagógica, Universidad de Antioquia, Colombia. Invest Educ Enferm. 2006; 24(1):68-77.         [ Links ]

4. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução N° 466, de 12 de dezembro de 2012. Brasília (DF): MS; 2012.         [ Links ]

5. Emanuel EJ, Currie XE, Herman A. Undue inducement in clinical research in developing countries: is it a worry?. Lancet. 2005; 366(23):336-40.         [ Links ]

6. Biondo-Simões MLP, Martynez J, Ueda FMK, Olandoski M. Compreensão do termo de consentimento informado. Rev Col Bras Cir. 2007; 34(3):183-88.         [ Links ]

7. Cohn E, Larson E. Improving participant comprehension in the informed consent process. J Nurs Scholarsh. 2007; 39(3):273-80.         [ Links ]

8. Kaewpoonsri N, Okanurak K, Kitayaporn D, Kaewkungwal J, Vijaykadga S, Thamaree S. Factors related to volunteer comprehension of informed consent for a clinical trial. Sotheast Asian J Trop Med Public Health. 2006; 37(5):996-1004.         [ Links ]

9. Meneguin S, Cesar LAM. Motivation and frustration in participating in cardiology trials: the patients' view. Clinics. 2012; 67(6):603-8.         [ Links ]

10. Falagas ME, Korbila IP, Giannopoulou KP, Kondilis BK, Peppas G. Informed consent: how much and what do patients understand? Am J Surg. 2009; 198:420-35.         [ Links ]

11. Kripalani S, Bengtzen R, Henderson LE, Jacobson TA. Clinical research in low-literacy populations: using teach-back to assess comprehension of informed consent and privacy information. IRB. 2008;30(2);13-9.         [ Links ]

12. Flory J, Emanuel E. Interventions to improve research participants' understanding in informed consent for research: a systematic review. JAMA. 2004; 292(13):1593-601.         [ Links ]

13. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 251, de 07 de agosto de 1997. Diário Oficial da União, Brasilia, (05 Agosto 1997).         [ Links ]

14. Beck CLC, Gonzales RMB, Leopardi MT. Técnicas e procedimentos de pesquisa qualitativa. In: Leopardi MT. Metodologia da pesquisa na Saúde. Santa Maria: Palotti; 2001. p. 223-44.         [ Links ]

15. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009. 287p        [ Links ]

16. Pereira AE, Flores OC. O ensino e aprendizagem da compreensão do texto escrito. Conjectura. 2009; 14(2):31-47.         [ Links ]

17. Izquierdo I. Memória. 2nd ed. Porto Alegre: Artmed; 2011. 136p.         [ Links ]

18. Yuval R, Halon DA, Flugelman MY, Lewis BS. Perceived patient comprehesion in acute and chronic cardiovascular clinical trials. Cardiology. 2003; 99:68-71.         [ Links ]

19. Miranda VC, Fêde ABS, Lera AT, Ueda A, Antonangelo DV, Brunetti K, Riechelmann R, Giglio AD. Como consentir sem entender? Rev Assoc Med Bras. 2009; 55(3):328-34.         [ Links ]

20. Araujo DCP, Zoboli ELCP, Massad E. Como tornar os termos de consentimento mais fáceis de ler? Rev Assoc Med Bras. 2010; 56(2):151-6.         [ Links ]

21. Hardy E, Bento SF, Osis MJD. Consentimento livre e esclarecido: experiência de pesquisadores brasileiros na área de regulação da fecundidade. Cad Saúde Pública. 2004; 20(1):216-23.         [ Links ]

22. Verástegui EL. Consenting of the vulnerable: the informed consent procedure in advanced cancer patients in Mexico. BMC Med Ethics. 2006; 7:1-12.         [ Links ]

23. Melo-Martín I, Ho A. Beyond informed consent: the therapeutic misconception and trust. J Med Ethics. 2008; 34:202-05.         [ Links ]

24. Aguiar DF, Camacho KG. O cotidiano do enfermeiro em pesquisa clínica: em relato de experiência. Rev Esc Enferm USP. 2010; 44(2):526-30.         [ Links ]