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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.32 no.1 Medellín Jan./Apr. 2014

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

Significado da arteterapia com argila para os pacientes psiquiátricos num hospital de dia

 

Significance of clay art therapy for psychiatric patients admitted in a day hospital

 

Significado de la arteterapia con arcilla para los pacientes psiquiátricos en un hospital de día

 

Aquiléia Helena de Morais1; Simone Roecker2; Denise Albieri Jodas Salvagioni3; Gabrielle Jacklin Eler4

 

1Licenciada Educação Artística- Habilitação em Artes Plásticas, Especialista. Professora, Escola de Educação Básica João XXIII, Brasil. email: aquileiahelena@hotmail.com.

2Enfermeira, Mestre. Professora Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná- IFPR/Campus Londrina, Brasil. email: simone.roecker@ifpr.edu.br.

3Enfermeira, Mestre. Professora IFPR/Campus Londrina, Brasil. email: denise.salvagioni@ifpr.edu.br.

4Enfermeira, Doutoranda. IFPR/Campus Londrina, Brasil. email: gabrielle.eler@ifpr.edu.br.

 

Fecha de Recibido: Mayo 16, 2013. Fecha de Aprobado: Agosto 20, 2013.

 

Artículo vinculado a investigación: Avaliação do efeito da argiloterapia em pacientes psiquiátricos de hospitais dia.

Subvenciones: ninguna.

Conflicto de intereses: ninguno.

Cómo citar este artículo: Morais AH, Roecker S, Salvagioni DAJ, GJ Eler GJ. Significance of clay art therapy for psychiatric patients admitted in a day hospital. Invest Educ Enferm. 2014;32(1): 128-138.

 


RESUMO

Objetivo. Compreender o significado da arteterapia com argila para pacientes psiquiátricos num hospital de dia. Metodologia. Estudo descritivo e exploratório, qualitativo, realizado com 16 pacientes num hospital de dia em Londrina – PR, Brasil, que assistiram a 7 sessões de arteterapia com argila. Os dados foram coletados de janeiro a julho de 2012 através de entrevistas guiadas por questionário semiestruturado e os dados foram submetidos a análises de conteúdo. Resultados. Emergiram três temas: acercar-se à arte-terapia com argila, sentindo a terapia com argila, e perceber o efeito do tratamento com argila. Conclusão. O uso da argila como meio terapêutico nestes pacientes psiquiátricos promoveu a criatividade, a consciência de si mesmo e teve benefício naqueles que procuravam alívio da ansiedade.

Palavras chaves: saúde mental; terapia pela arte; argila; enfermagem; hospitais psiquiátricos. 


ABSTRACT

Objective. To understand the significance of clay art therapy for psychiatric patients admitted in a day hospital. Methodology. Qualitative, descriptive and exploratory research, undertaken with 16 patients in a day hospital in Londrina, in the state of Parana, Brazil, who participated in seven clay therapy sessions. Data collection took place from January to July 2012 through interviews guided by a semi structured questionnaire and the data were submitted to content analysis. Results. Three themes emerged: Becoming familiar with clay art therapy; Feeling clay therapy; and Realizing the effect of clay therapy. Conclusion. The use of clay as a therapeutic method by psychiatric patients promoted creativity, self-consciousness, and benefited those who sought anxiety relief.

Key words: mental health; art therapy; clay; nursing; psychiatric hospitals.


RESUMEN

Objetivo. Comprender el significado de la arteterapia con arcilla para pacientes psiquiátricos en un hospital de día. Metodología. Estudio descriptivo y exploratorio, cualitativo, realizado con 16 pacientes en un hospital de día en Londrina – PR, Brasil, quienes asistieron a 7 sesiones de arteterapia con arcilla. Los datos fueron recolectados de enero a julio de 2012 mediante entrevistas guiadas por cuestionario semiestructurado cuyos datos fueron sometidos a análisis de contenido. Resultados. Emergieron tres temas: acercarse a la arte-terapia con arcilla, sintiendo la terapia con arcilla y percibir el efecto del tratamiento con arcilla. Conclusión. El uso de la arcilla como medio terapéutico en estos pacientes psiquiátricos promovió la creatividad y la conciencia de sí mismo; también brindó beneficios a aquellos que buscaban alivio de la ansiedad.

Palabras clave: salud mental; terapia con arte; arcilla; enfermería; hospitales psiquiátricos 


 

 

INTRODUÇÃO

A saúde mental é definida como a capacidade de viver a vida dentro de suas tribulações estabelecendo equilíbrio na construção e no fortalecimento de uma resposta resiliênte, em que o indivíduo seja capaz de em lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas sem entrar em surto psicológico. Ela pode ser influenciada e alterada, sendo que as principais alterações mentais tem como causas os fatores ambientais, físicos, biológicos e hereditários, pré e peri natais, orgânicas, neuroendócrinas, fatores climáticos, adaptação ao meio, sociais, culturais e econômicos.1,2 A instalação dessas alterações denomina-se transtorno mental e pode acometer a lucidez, o humor, a emoção, o afeto, o desenvolvimento psicomotor, a fala, a memória, a atenção e o sono.

Com intuito de tratar os transtornos mentais, muitas terapias alternativas e expressivas têm sido utilizadas como a terapia ocupacional, esportes, psicodrama, o uso de animais, o lúdico, as histórias e as arteterapias e dentro desta o teatro, a dança, a música, o desenho com a pintura e a modelagem. A Associação Brasileira de Arteterapia a define como processo terapêutico que se serve do recurso expressivo a fim de conectar os mundos internos e externos do indivíduo, através de sua simbologia, ou seja, é o modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como base da comunicação cliente-profissional. Sua essência seria a criação estética e a elaboração artística em prol da saúde.3

Como campo específico do conhecimento, a arteterapia firma-se nos Estados Unidos da América, em 1940, com o trabalho de Margareth Nauberg, precursora da arteterapia por estabelecer as fundamentações teóricas para seu desenvolvimento, além de demarcá-la como área do saber.4 A arteterapia recebeu influência de áreas do conhecimento como a Psicanálise Freudiana, que, no início do século XX, interessou-se pela arte como meio de manifestação do inconsciente através de imagens. Sigmund Freud observou que o artista pode simbolizar concretamente o inconsciente em sua produção, retratando conteúdos do psiquismo. Acerca disso, menciona-se seus estudos realizados sobre as obras de autores consagrados como Michelangelo.5 A arteterapia vem ganhando espaço na área da saúde e, sobretudo, no campo da saúde mental. É central a promoção do bem-estar da pessoa com sofrimento psíquico, uma vez que a arteterapia propicia mudanças nos campos afetivo, interpessoal e relacional, melhorando o equilíbrio emocional ao término de cada sessão.3

Dentro da arteterapia destaca-se a terapia com argila definida como o uso da argila no processo psicoterápico a fim de promover a descarga de emoções podendo levar o paciente a ter prazer pelo ato em si, como também a sensação de possuir o controle de seus sentimentos através de suas mãos. A essência profunda surge então e permite a comunicação com conteúdos conscientes ou inconscientes, expressando sentimentos e sensações. Sendo assim esta atividade pode proporcionar a liberação de tensão, prazer e relaxamento, uma vez que o sujeito constrói algo para sua satisfação expressando a sua verdade.6-8

Muitos estudos mostram o efeito positivo do uso da argila em pacientes com transtorno mental. Estudo realizado com pacientes de um Centro de Atenção Psicossocial de Fortaleza em parceria com a Universidade Federal do Ceará, onde com o projeto Arte e Saúde houve a aplicação de várias artes, incluindo a argila. Observaram que as técnicas artísticas possibilitaram aos usuários a vivência de suas dificuldades, conflitos, medos e angústias de um modo menos sofrido. Mostrou ser um eficaz meio para canalizar, de maneira positiva, as variáveis do adoecimento mental em si, assim como os conflitos pessoais e com familiares. Nota-se que há uma minimização dos fatores negativos de ordem afetiva e emocional que naturalmente surgem com a doença, tais como: angústia, medo, agressividade, isolamento social, apatia, entre outros.3 Nesse sentido a enfermagem vem se interessando por essas novas concepções de tratamentos alternativos, principalmente ao abordar o assunto cuidado de uma forma holística. O conhecimento das práticas não alopáticas, adquirido pelos enfermeiros, talvez possa indicar uma maior capacidade de humanização, além de possibilitar uma visão ampla sobre as possibilidades de cuidado em saúde mental.9

A interação e implementação da arteterapia por profissionais da enfermagem nos serviços de atendimento à pacientes psiquiátricos significam uma nova forma de cuidar. O que alude a uma assistência humanizada, integral e inovadora que valoriza o paciente psiquiátrico e o insere novamente na meio social, abrindo portas para desvendar o potencial criador de cada um, e consequentemente melhorando a suas condições de saúde. As práticas terapêuticas não alopáticas, ao focalizarem o sujeito como ser integral, valorizam não apenas seus aspectos físicos, mas também as emoções e a espiritualidade, proporcionando um cuidado mais tênue e menos racional, fruto de um vínculo afetivo e solidários entre cuidador-participante e participante-participante.10 Diante deste contexto, o presente estudo tem como objetivo compreender o significado da argiloterapia para os pacientes psiquiátricos de um hospital dia por meio da expressão de suas falas e sentimentos.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, descritiva e exploratória. A pesquisa qualitativa é aplicada a grupos e seguimentos delimitados, em busca da compreensão das relações sociais existentes, levando-se em consideração o subjetivo e o simbólico difundidos em um meio social. Neste tipo de pesquisa a objetivação assume decisiva importância para ajudar o pesquisador a ter uma visão crítica do seu trabalho, além de proporcionar um meio mais eficiente para atingir a finalidade do seu estudo.11

Foi realizado em um hospital dia que oferece um serviço hospitalar de assistência à saúde mental o qual representa um recurso intermediário entre a internação e o ambulatório. Existente desde 1994 é uma unidade que se propõe a prestar um serviço de excelência em saúde mental para atender à comunidade do município de Londrina - PR e região por meio de programas de atenção de cuidados por equipe multidisciplinar visando substituir a internação integral, permitindo à pessoa o convívio familiar e social. Atende pessoas de 18 a 65 anos de idade, que estejam necessitando de tratamento devido ao sofrimento mental caracterizado por neuroses graves e psicoses, com a finalidade de reorganização psíquica e o retorno à vida social dessas pessoas. Após a autorização da instituição realizou-se a escolha das participantes, que foi executada por meio dos seguintes critérios de inclusão: frequentar regularmente a instituição, participar de no mínimo sete sessões de argiloterapia, ter diagnóstico(s) indicado(s) para a prática dessa terapia tais como esquizofrenia, transtorno bipolar, transtorno de ansiedade e psicoses, aceitar voluntariamente participar da atividade e não apresentar dificuldades na fala ou estar sob efeito de fármacos que pudessem dificultar o entendimento das questões abordadas na entrevista.

As sessões eram realizadas na varanda do hospital, em duas mesas grandes e as atividades eram feitas em grupos de forma livre, sendo dois grupos em cada encontro. Pois eles revezavam nas atividades diárias do local onde passavam o dia, como limpeza, organização, preparo de refeições, feirinhas de materiais artesanais produzidos por eles entre outras atividades. Ao final das sessões os materiais eram guardados sobre um armário na varanda e durante a semana eles cuidavam das peças, umedecendo nos dias mais quentes e cuidando para não quebrar ou estragar as peças.

A coleta ocorreu durante os meses de janeiro a julho de 2012 na instituição, por meio de uma entrevista, orientada por um questionário semiestruturado com perguntas abertas sobre antes, durante e após as sessões de terapia com argila, conforme descritas abaixo. Antes do início da terapia era questionado aos participantes: Você já realizou alguma atividade envolvendo tinta, argila, lápis de cor, giz de cera, colagens, entre outras? Qual delas você já fez? Você sabe como manipular argila e tem alguma ideia do que é a terapia com argila?

Durante as sessões da argiloterapia, perguntou-se: Qual sua opinião ao participar desta sessão de argiloterapia? Que lembranças e sentimentos você tem quando mexe na argila? Na última sessão, questionou-se: Qual sua opinião ao participar de toda oficina de argiloterapia? Mudou alguma coisa em sua vida fora da instituição? As entrevistas acontecerem após a entrega e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foram gravadas e transcritas na íntegra para posterior análise. Após a coleta e transcrição dos dados, foram utilizados alguns passos para a organização das falas: ordenação dos dados, classificação dos dados e finalmente a análise final, na qual as duas etapas anteriores fazem uma inflexão sobre o material empírico. A partir da concepção da análise de conteúdo as falas foram categorizadas por relevância teórica para confronto com a literatura científica.12

Os trabalhos foram iniciados após a aprovação do Comitê de ética em Pesquisa da PUC/PR, ocorrida em 16/11/2011, sob protocolo n. 6325 e parecer 5517/11. Foram respeitados os critérios da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. E como forma de garantir o anonimato, os extratos dos depoimentos estão identificados com a letra P de paciente, seguido por numeral arábico que indica a ordem em que se sucederam as entrevistas.

 

RESULTADOS

Conhecendo os participantes do estudo

As Tabelas 1 e 2 apresentam algumas informações dos pacientes estudados, tais como dados sócio-demográficos, história da doença e terapêutica. Observa-se que 62.5% dos pacientes possuem mais de 46 anos de idade, extremos de 34 e 65 anos, a maioria do sexo masculino (62.5%), solteiros (75.0%), moram em casa própria com a família, sendo nove deles (56.2%) de cor parda ou negra. Quanto às condições de saúde, 43.8% possuem como diagnóstico principal os transtornos esquizofrênicos, com o tempo de aparecimentos dos primeiros sinais e sintomas há mais de 20 anos, e negam história psiquiátrica na família. Do processo de análise de conteúdo dos discursos emanaram três categorias temáticas, que delineiam a expressão de falas e sentimentos dos pacientes psiquiátricos: Aproximando-se da arteterapia com argila; Sentindo a terapia com argila; e Percebendo o efeito do tratamento com argila.

Tabela 1. Características sócio-demográficas dos pacientes psiquiátricos submetidos a argiloterapia de um hospital dia. Londrina, 2012

Tabela 2. Informações de saúde dos pacientes psiquiátricos submetidos a argiloterapia de um hospital dia. Londrina, 2012

Tabela 2.

Aproximando-se da arteterapia com argila

Ao serem questionados sobre conhecer a argiloterapia, antes do início das atividades, emergiram diferentes respostas, algumas que denotavam conhecimento sobre a terapia com argila e outras não. Dentre os participantes que conheciam a terapia, definiram-na da seguinte forma: É apertar a massa e mexer com água. Aprender bastante coisa, tirar estresse, é bom para as pessoas (P2). É para mexer e organizar mais a mente da gente (P3). [...] é uma terapia saudável, coisa antiga de anos atrás. Conforme vai mexendo vai criando, vai ser bom (P13).

Nota-se que os entrevistados ao demonstrar conhecimento sobre a argiloterapia, definem tal atividade como algo bom, que os ajudará a melhorar os processos mentais, isso nos faz deduzir que eles possuem conhecimento sobre o seu estado de saúde e consciência sobre o seu tratamento de saúde atual. E dentre os que não conheciam a argiloterapia, demonstravam mesmo assim, vontade e otimismo quanto à nova atividade: Não conheço. É bom porque vou aprender coisas (P6). Não sei explicar o que é, mas é bom pra cabeça (P12). Deve ser uma terapia para relaxar (P16). Empiricamente nota-se que a arteterapia, seja ela por meio de moldagem de argila ou diferentes técnicas artísticas, configura-se como importante instrumento para ajudar grupos de pessoas com transtornos mentais, apresentando resultados satisfatórios em curto prazo.

Sentindo a terapia com argila

Durante as sessões, foram realizadas entrevistas com os participantes, buscando entender seus sentimentos, opiniões, lembranças e sensações que a terapia promovia a eles. Dentre as respostas pôde-se perceber que algumas lembraram o passado: Eu lembro que quando eu ia pescar, arrancava minhoca. Daí sinto saudade, hoje eu não posso mais. Minha condição motora, não consigo mais, não consigo correr, tudo tem que ser devagar. Tive que aprender tudo, igual recém-nascido (P3). Ah! Sempre me sinto bem mexendo no barro. Senti uma energia boa. Lembrei do meu pai quando era vivo caçava passarinho com bolinhas de barro (P5). Hoje aprendi que posso idealizar a peça e finalizar. Eu senti um carinho e amor pela peça [...] Ah! Eu senti concentração. Uma ajudando a outra, vi que consigo, que posso. Eu ajudava meu pai arrumar o jardim, eu gosto de argila (P13). Eu fiz alguma coisa que lembra meu passado, um homem com espingarda. Gostei de mexer com argila, uma terapia e tanto, mexe com a cabeça, muito bom, enquanto tiver eu vou fazer (P16).

Já para outros serviu para acalmar, relaxar e descarregar energias ruins: Descarreguei na argila. Saiu algo abstrato. Eu estava nervoso e o nervoso passou (P1). Relaxa a cabeça. Me senti melhor hoje (P2). Me senti extravasando a emoção. Pegar e amassar a argila trouxe um sentimento de controle sobre as emoções. [...] Uma expectativa de ficar bom. Argila me deixa assim ocupado, usando minha imaginação, minha criação(P4). Senti bem. É uma coisa que mexe bastante com a cabeça. Ao invés de ficar sentado no meu canto, a gente mexe, fica mais solto, mais aliviado. A gente fica focado ali, trabalhando com os dedos (P16).

Observa-se que a arteterapia tem possibilitado aos usuários a vivência de suas dificuldades, conflitos, medos e angústias de um modo menos sofrido. Configura-se como um meio eficaz para canalizar, de maneira positiva, as variáveis do adoecimento mental em si, assim como os conflitos pessoais e com familiares. Em algumas falas foi possível notar que mesmo sentindo-se bem com a atividade a ansiedade persistia: Senti bem. Relaxei o corpo, sistema nervoso. Mas, faço sempre correndo, não consigo. Termino muito rápido. Eu faço ligeiro, não adianta, é uma rotina um vício, não adianta (P9). Sinto muita força quando coloco a mão. Estou aprendendo, eu queria tanto fazer devagarzinho mais não consigo (P14).

O trabalho com a argila provoca ao indivíduo sentimentos e emoções profundas, por ser um material primitivo, remete ao inconsciente, trazendo conteúdos escondidos que necessitam ser trabalhados. Alguns lembravam-se de suas casas, sua vida e rotina fora do hospital, como ver filmes, cozinhar, fumar, fazer orações: Sempre gostei. Tira energia impura, força do mal. Parece imã (enfatizou com a mão). Mas hoje senti canseira assim no ombro. Eu vi o filme da libélula, então fiz libélula, tinha uma menina na cachoeira no final e a libélula, ela era escura [...] (P1). Senti bem, alegre, feliz. Eu fumo e estou fazendo cinzeiro pra mim, eu achei divertido. Me distrai (P3). Eu fiz uma taça, tanque, tipo copo de água. Eu lembro de taça que tenho em casa e ai eu faço.

Lembro do tanque que tem lá em casa. Me senti ocupando a cabeça, distraindo a mente e aprendendo coisas diferentes(P7). Me senti bem. Porque eu gosto de cozinhar, eu fiz uma panelinha. Eu faço macarronada, lasanha, frango a passarinho, bife acebolado. Argila é bom, desenvolve as mãos, desenvolve a mente, o que vou fazer, bolar. Já estou pensando no próximo (P8). Consegui fazer o meu santinho, conversei com meu santinho. No dia do aniversário do Buda a gente faz festinha no Japão. Eu me sinto melhor, o santinho e a gente vai lá fazer pedidos e melhora (P12).

O objetivo da arteterapia é incentivar mudanças de longo prazo que contribuem para a melhoria do bem-estar geral da pessoa, além de enfatizar a comunicação não-verbal e os processos criativos. Contudo a expressão do conteúdo interior do paciente refletido na criação, na sua peça, torna-se um dos elementos centrais da arteterapia.

Para alguns a argila trouxe ideias ruins, isso provavelmente está relacionado à patologia, como a esquizofrenia: Considero sujo. Não sei responder. Antes eu gostava, hoje eu não gosto mais, eu não sei fazer nada. Eu fiz hoje, mais eu não gosto de mexer com barro. [...] Não gosto porque sujo a mão escuta voz falando pra eu passar no rosto, falou pra eu comer porque era doce chocolate. Pressenti como se fosse uma retardada uma débil mental. Porque a voz fala que é feio, que eu preciso morrer, que eu não presto, que o bandido tem que me pegar e fazer churrasco de mim (P10). Me sinto estranho eu já vinha estranho antes e depois de mexer eu continuo estranho (P15).

A sensação de estar em contato com o barro pode ser gratificante ou não para os pacientes. A manipulação da argila pode provocar rejeições, podendo trazer a tona sentimentos ruins e traumas, fazendo-os reviver momentos não desejados. Como pode ao contrário, provocar estados de profundo alívio e prazer pela possibilidade de exteriorizar sentimentos.

Percebendo o efeito do tratamento com argila

Na última sessão, os participantes foram questionados se o tratamento com argila mudou alguma coisa em suas vidas. Observa-se que para a maioria dos pacientes a terapia foi de grande valia, ajudando-os a ter mais calma, esperança, alegria, além de proporcionar energias positivas, maior convívio e interação, além de aliviar os sintomas da doença: Foi bom, melhorou mais um pouco a minha cabeça. A argila tem uma essência boa, traz energia gostosa (P5). Eu gostei de mexer com barro. Foi a coisa diferente que eu fiz. Outro estilo de trabalho (P7). Paz e tranquilidade. Nas primeiras vezes tive vontade de apertar igual criança quando brinca com barro. [...] é um tempo que a gente passa bem, fica junto com os outros, gosto dessa proximidade (P11). Aquela sensação de estar sempre doente parece que diminui (P13).

E ainda em alguns depoimentos foi possível observar que os participantes passaram a ter mais paciência e acreditar em si e no futuro, relatando a sua vontade de sair dali e retomar as suas atividades diárias normalmente: Foi muito bom, agora tenho mais paciência, antes não gostava muito de conversar, agora estou mais brincalhão. Senti uma sensação boa, e passei a ter esperanças de voltar a fazer alguma atividade pra ter minha independência de volta (P3). Foi produtivo, foi uma terapia, me deixou mais calmo, a cada sessão fiquei mais calmo. Fui buscando perfeição nas peças. Eu senti uma paz. A gente consegue esquecer os pensamentos ruins, se inverte. Pensei em um dia voltar a trabalhar, como eu trabalhava antigamente, eu tinha as minhas coisas (P4).

Por meio das oficinas de argiloterapia notou-se que os participantes desenvolvem uma vida comunitária mais saudável, melhoraram a sua comunicação verbal e não verbal, aumentando a independência, autoestima e controle de impulsos internos. E dentre todos os participantes, um deles relatou que a terapia não contribuiu para a sua vida: Não mudou nada (P10).

A partir desses dados é possível inferir que talvez seja necessária a realização de mais sessões de argiloterapia para proporcionar efeitos de melhoria nos estados de saúde do paciente em sofrimento psíquico e por outro lado, pode ser que a argiloterapia em alguns pacientes mobilizem conteúdos internos, sentimentos que o paciente não esteja preparado para lidar, podendo no início desta terapia agravar o estado de saúde principalmente, por não conseguir lidar com situações do consciente.

 

DISCUSSÃO

No processo de arteterapia compartilha-se a experimentação, as construções, destruições, reconstruções e transformações que o material expressivo proporciona, resultado do processo de criação, e de autoconhecimento. O uso da arte como terapia implica reconhecimento da importância do processo criativo como uma forma de reconciliar conflitos emocionais, bem como facilitar a auto-percepção e o desenvolvimento pessoal.13 Desse modo percebe-se que a terapia com argila como recurso terapêutico em pacientes psiquiátricos proporciona encontros significativos entre o sujeito e seus conteúdos internos, de forma simbólica. Nesse aspecto, o cuidado pode ser melhorado e complementado por imagens visuais e seus próprios processos criativos de atividades artísticas, a fim de mobilizar os sujeitos, suas emoções e intenções para a realização e manutenção de bem-estar físico, mental e espiritual.14

As características dos materiais expressivos, assim como a arte com argila, abrangem inúmeras possibilidades, pois procura atender à singularidade de quem cria, funcionando como instrumentos para estimular a criatividade, resolver conflitos emocionais, estimular a auto-compreensão, reduzir a ansiedade e trazer á consciência informações guardadas na sombra. Estas informações representam os lados obscuros, e desconhecidos ou reprimidos da psique humana, que quando é trazido á consciência através do processo terapêutico contribui para a expansão de toda a estrutura psíquica.13,14

Um dos aspectos de acesso ao inconsciente pela atividade artística é a lembrança de eventos da infância ou do passado. Assim a arte pode ser utilizada para representar uma forma consciente de eventos passados ao trabalhar com materiais como a argila.15 Às vezes, a pessoa pode se lembrar de eventos desagradáveis que foram reprimidos durantes anos e, neste caso, fazer contato com essa realidade pode ser difícil e assustador. Embora o evento em si não possa ser modificado ou excluído, este pode se resolver com mais segurança quando exteriorizado em um objeto ou imagem, convidando-o a ver o que está na memória sob outra perspectiva, passando a exercer algum controle sobre sua vida, e, neste caso, o controle sobre a peça criada especificamente.15

Nota-se que por meio da arteterapia há uma minimização dos fatores negativos de ordem afetiva e emocional que naturalmente surgem com a doença, tais como: angústia, estresse, nervosismo, medo, agressividade, isolamento social, apatia, entre outros.3 Estudos alegam que atividades com argila facilitam a liberação de emoções reprimidas, tais como sensação de desamparo ou de depressão, contribuindo para o bem-estar físico e psicológico, ajudando na orientação da realidade.8,14,16 Dessa forma, pessoas deprimidas, ansiosas e apáticas fortalecem sua autoestima ao criar uma peça em argila.14,17

A argila é um material vivo e de efeito calmante, quando bem direcionado, promove crescimentos internos significativos, favorecendo libertação de tensões e conflitos emocionais, além de estimular o paciente em construções de novas formas de vida.13 O trabalho com argila é um material que precisa ser proposto com cautela. O terapeuta precisa estar seguro em sua conduta, dando suporte ao paciente, no seu contato com suas sensações. É uma experiência que proporciona uma noção de forma, volume, vazio, espaço interno e externo e plenitude. Pode gerar sentimentos contraditórios em relação á produção final.13 Outros estudos mostram que o trabalho com argila pode ajudar pacientes a entrar nos estados regressivos, com isto podem evoluir em seu estado mental, mas este material é difícil de usar e o seu uso pode resultar em frustração, pelo paciente não conseguir lidar com seus sentimentos, como a ansiedade, que foram aflorados e assim não conseguir superar suas dificuldades.18-20

A terapia com argila serve para oferecer atividades que permitam o crescimento criativo e poder psíquico, para responder a essas necessidades, a vida diária vai parecer menos vazia e estressante, podendo ser uma eficaz prática intervencionista em programas de reabilitação.15 A argila provoca o contato, o encontro do indivíduo com o seu ser mais profundo, com sua totalidade. O efeito da modelagem da argila atua nas sensações físicas e viscerais, quando trabalhada, a argila exige que o sujeito utilize quase que todo o corpo, com movimentos de força das mãos e braços para moldá-la, posições de posturas adequadas, atenção, firmeza do troco, equilíbrio entre os membros, proporcionando sentimentos de estruturações internas. Como também, efeitos cognitivos e emocionais. A técnica exige uma canalização de energias adequadas, por ser um material que exige espontaneidade para criação.13,14

Há muitas pessoas que possuem aversão à sujeira e sente rejeição à argila, podendo também ocorrer o contrário, e provocar estados de profundo alívio e prazer pela possibilidade de exteriorizar sentimentos, quanto por permitir o manuseio de uma matéria tão próxima as nossas raízes simbólicas.13,21 A argila age como transformadora, de um estado de desencontro para um estado de equilíbrio. Por ser moldável, integra o ser com o mundo exterior, mostrando-o que pode adaptar-se às situações, reestruturar suas ações e emoções. É um material vivo e de efeito calmante, quando bem direcionado, promove crescimentos internos significativos, favorecendo libertação de tensões e conflitos emocionais.13 O que se cria através do trabalho com a argila no final é uma imagem, um símbolo de acordo com a imaginação do artista. Enquanto se trabalha com o barro as imagens vão se formando e há uma relação entre a imagem e quem a elaborou. Quando a pessoa vê e manuseia a argila, está também manuseando seus fantasmas, está superando o desconhecido, o medo, a tensão pelo novo, acessando o inconsciente. Tocar a argila promove desenvolvimento de elementos positivos, levando a adaptação comportamental e resiliência.8,15,22

Quando o sujeito toca a argila é convidado a estabelecer contato de forma totalmente nova para ele. Sua sensibilidade passa a fazer parte integrante de sua ação, de forma que a argila também norteia cada movimento, comandado em base pela psique em suas dimensões cognitiva e afetiva. E essa ação promove segurança e autoconfiança.23 Desse modo acredita-se que por meio do trabalho artístico e da interação de grupo é possível trabalhar internamente os sentimentos de cada paciente exteriorizados em suas peças, a fim de reforçar as funções do ego, desenvolver o autoconhecimento e identidade.

Para muitos pacientes, a definição de argiloterapia lhe permitiu participar de um grupo de uma maneira nova, para realizar as suas competências pessoais e melhorar sua auto imagem e empoderamento.15 Estudo mostra a relevância de grupos de arteterapia em hospital dia, como uma atividade que oportuniza aos pacientes e terapeutas um espaço para explorar as dimensões pessoais, novos comportamentos, além da experiência de trabalho em equipe.15

A argila propicia uma experiência viva e potente ao se criar qualquer forma que seja significativa para quem o faz. De modo a notar-se vivo e capaz de realizar sua história de vida sendo ele próprio capaz de resolver e tomar suas decisões finais. A argila torna satisfatoriamente possível a conquista pessoal a partir do princípio que o barro está nas mãos do sujeito que tem, então o total poder de fazer o que quiser com o barro, podendo decidir com total liberdade, isso se torna um convite a total liberdade de expressão. A argila oferece um universo de simbologias e a maleabilidade do material remete à importância da flexibilidade na vida.24

Há exemplo de pesquisa realizada que descreve relatos vivos e interessantes de como as mulheres com esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão se sentem após manipular a argila. Os relatos vão desde a surpresa em saber como fazer a peça, ao desaparecimento de dores em ombros, sensações de ''desligar-se'' de problemas ou questões que no momento estejam causando aflição e também associações aos sonhos e vivências de infância, gerando bem-estar e qualidade na saúde pessoal.25

Observou-se que surgiram imagens, insights, memórias afetivas, sensações cinestésicas e transformações corporais. Os depoimentos colhidos reforçam que as pessoas ao saírem desta vivência sentiram-se mais inteiras, harmonizadas. O encontro com o interno e a elaboração da obra, possibilitou que as emoções e sentimentos desconfortáveis que se encontravam dentro, pudessem sair e mostrar-se. Ao ganharem forma fora, permitiram um espaço interno de bem-estar.25 A manipulação da argila provoca no sujeito, diversas posturas, desde a mais profunda rejeição, dada às questões regredidas que o material aporta, ligadas aos aspectos internos como traumas, situações mal resolvidas, adquiridas tanto pela dimensão cultural como aquelas resultantes de experiências pessoais tidas como inaceitáveis, não adequadas, desprezíveis, insuportáveis e odiosas.21 Para o paciente trabalhar com arteterapia é necessário um esforço e um trabalho que requer aprendizado contínuo.15

Em conclusão, consideramos que os resultados encontrados nos permitem afirmar que os pacientes que frequentam um hospital dia deixam suas famílias e suas casas a fim de encontrar o tratamento de seus sintomas, pois possuem a vontade de obter controle emocional e poder voltar a viver normalmente junto à sociedade. Com a realização deste estudo foi possível observar que a terapia com argila tem possibilitado aos usuários a vivência de suas dificuldades, conflitos, medos e angústias de um modo menos sofrível. Configura-se como um meio eficaz para canalizar, de maneira positiva, as variáveis do adoecimento mental em si, assim como os conflitos pessoais e com familiares. Nota-se que há uma minimização dos fatores negativos de ordem afetiva e emocional que naturalmente surgem com a doença mental, tais como: sensações depressivas e de ansiedade, angústia, estresse, medo, agressividade, isolamento social, apatia, entre outros.

O estudo com a argila mostrou-se um importante recurso arte terapêutico a ser utilizado em hospitais dia pela equipe multiprofissional, em especial a equipe de enfermagem, para o trabalho com pessoas que necessitam inaugurar novas formas de convivência com o mundo ao redor e consigo mesmas. Portanto, o uso da argila mostra-se eficaz, sendo capaz de promover o autoconhecimento, trazendo inúmeros benefícios para quem busca alívio para suas angústias e conflitos. Assim pode-se concluir que a estimulação da criatividade é recurso essencial para que o indivíduo possa vislumbrar novas possibilidades na direção da saúde e qualidade de vida, por isso a arteterapia precisa ser implantada de forma contínua pelos profissionais de saúde nos serviços de atendimento à pacientes psiquiátricos.

Parece plausível definir a nossa experiência com o grupo de arteterapia no hospital dia supracitado como salutar, na medida em que observamos os resultados. Dessa forma, percebe-se a necessidade da ampliação dos trabalhos, por meio da criação de novos grupos terapêuticos que percebem na arte um instrumento importante na busca do bem-estar da pessoa em sofrimento mental e de promoção da saúde em geral. Assim é imprescindível o trabalho com grupos terapêuticos deve ganhar espaço nos serviços e instituições da rede de atenção à saúde, pois se trata de uma ação relevante no planejamento de intervenções clínicas, já que apresenta resultados positivos no acompanhamento dos agravos e doenças mentais.

Frente a este contexto e com base nas reflexões realizadas, esperamos sensibilizar e estimular outros profissionais da área de saúde mental e artistas de modo geral a vivenciar essas gratificantes experiências junto a pacientes psiquiátricos em tratamento.

 

REFERÊNCIAS

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