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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.32 no.3 Medellín Sept./Dec. 2014

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE/ ARTIGO ORIGINAL

 

Cuidar de pacientes terminais. Percepção dos enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva de hospital público

 

Care to terminal patients. Perception of nurses from the intensive care unit of a hospital

 

Cuidar a pacientes terminales. Percepción de los enfermeros de una unidad de terapia intensiva de un hospital público

 

 

Camila Mussolin Tamaki1; Silmara Meneguin2; Rubia Aguiar Alencar3; Claudia Helena Bronzatto Luppi4

 

1Enfermeira. Universidad Estatal Paulista "Júlio de Mesquita Filho" UNESP -;UNESP-, Botucatu/SP, Brasil. email: ctamaki@yahoo.com.br.

2Enfermeira, Doutora, Professora. UNESP, Botucatu/SP, Brasil. email: silmeneguin@fmb.unesp.br.

3Enfermeira, Doutora, Professora. UNESP, Botucatu/SP, Brasil email: rubia_enf@hotmail.com.

4Enfermeira, Doutora, Professora. UNESP, Botucatu/SP, Brasil. email: claudia@fmb.unesp.br.

 

Fecha de Recibido: Septiembre 18, 2013. Fecha de Aprobado: Junio 3, 2014.

 

Artículo vinculado a investigación: Communication skills of the nursing team with palliative care patients.

Subvenciones: ninguna.

Conflicto de intereses: ninguno.

Cómo citar este artículo: Tamaki CM, Meneguin S, Alencar RA, Luppi CHB. Care to terminal patients. Perception of nurses from the intensive care unit of a hospital. Invest Educ Enferm. 2014; 32(3): 414-420.

 


RESUMO

Objetivo: identificar a percepção dos enfermeiros sobre o processo de cuidar de pacientes no contexto da assistência paliativa. Metodologia: Estudo qualitativo que utilizou o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo. Foram entrevistados 18 profissionais de enfermagem, em uma unidade de terapia intensiva adulta de um hospital público de São Paulo, Brasil, entre junho e agosto de 2012. Resultados: O processo de cuidar de um paciente sem possibilidades de cura é permeado por sentimentos negativos, conflitantes e incongruentes. Com relação à comunicação, há o reconhecimento de sua importância, até mesmo como recurso terapêutico, embora admitam o despreparo profissional. Conclusão: Os enfermeiros têm dificuldades no cuidado ao paciente terminal. Deve-se reforçar a preparação desses profissionais desde a graduação. 

Palavras chave: cuidados paliativos; comunicação; unidades de terapia intensiva; enfermagem.


ABSTRACT

Objective. To identify the perception of nurses with regard to the process of providing care to patients in the context of hospice care. Method. Qualitative study using the methodological framework Collective Subject Discourse. A total of 18 nursing professionals of the adult intensive care unit of a public hospital in São Paulo, Brazil were interviewed between June and August 2012. Results. The process of providing care to terminal patients is permeated by negative, conflictive and mixed feelings. As regards communication, while the participants acknowledge its importance as a therapeutic resource, they also admit a lack of professional qualification. Conclusion. The interviewees have difficulties to deal with care provided to terminal patients. The qualification of these professionals needs to be improved, starting in the undergraduate program. 

Key words: palliative care; communication; intensive care units; nursing.


RESUMEN

Objetivo. Identificar la percepción de los enfermeros sobre el proceso del cuidado de pacientes en el contexto de la asistencia paliativa. Metodología. Estudio cualitativo que utilizó el referencial metodológico del Discurso del Sujeto Colectivo. Fueron entrevistados 18 profesionales de enfermería en una unidad de terapia intensiva adulta de un hospital público de Sao Paulo, Brasil, entre junio y agosto del 2012. Resultados. El proceso de cuidar de un paciente sin posibilidades de curación es permeado por sentimientos negativos, conflictivos e incongruentes. Con relación a la comunicación admiten la falta de preparación profesional, aunque reconocen su importancia como recurso terapéutico. Conclusión. Los enfermeros tienen dificultades con el cuidado del paciente terminal. Es necesario reforzar su preparación desde la formación de pregrado.

Palavras claves: cuidados paliativos; comunicación; unidades de terapia intensivos; enfermería.


 

INTRODUÇÃO

As unidades de terapia intensiva (UTIs) destacam-se pela complexidade do cuidado prestado e pela utilização de tecnologias, que muitas vezes contribuem para evidenciar em seu ambiente o intervencionismo e o curativismo.1 No entanto, para um grupo de pacientes que se encontra em situação de final de vida, a despeito da utilização dos mais sofisticados recursos tecnológicos para manutenção da vida, num determinado momento do quadro evolutivo da doença, esgotam-se as possibilidades terapêuticas de cura e o processo de morte torna-se inevitável.2 Para estes pacientes, os cuidados deixam de ser curativos e passam a ser paliativos; não tendo como meta a eutanásia, prática para abreviar a vida com intuito de evitar ou minimizar sofrimento,3mas promover o alívio da dor e de outros sintomas estressantes, na concepção da reafirmação da vida e da morte, como um processo natural.3,4 Além disso, cuidados paliativos têm como premissa oferecer um processo de morte digna e humana, sem medo e sem dor. Desta forma, é imprescindível que os pacientes sejam acompanhados por equipe multidisciplinar, que respeite princípios éticos na prestação da assistência3 e esteja preparada para compartilhar as angústias, as preocupações, as inseguranças e as fragilidades deste momento.4

Por outro lado, vivenciar o processo de morte no cotidiano profissional é complexo, uma vez que os cuidados no fim da vida propiciam dilemas éticos para a equipe que assiste o paciente, e que é treinada e formada dentro de um modelo de práticas curativas.5 Estudo realizado com enfermeiros de UTI geral mostrou que estes dilemas estão atrelados a valores e crenças pessoais, às relações com os familiares, pacientes e outros profissionais, além da dinâmica de assistência nesta unidade.1

No contexto de terminalidade nas UTIs, há que se considerar também o desgaste emocional dos profissionais de saúde. Estudos têm mostrado que os enfermeiros sentem-se extremamente angustiados e emocionalmente desgastados com os pacientes nesta fase, além de apresentarem insegurança, frustração, impotência e desgaste emocional diante do sofrimento do paciente.1,6 A morte, além de um evento biológico, também se caracteriza numa construção, influenciada pelos contextos histórico, social e cultural e, portanto, pode ser vivida de distintas maneiras pelos profissionais, de acordo com os significados atribuídos a esta experiência.7 Assim, pode ser concebida como processo e não como fim, e o cuidado nos últimos dias de vida também pode significar entender, ouvir e respeitar o paciente.

A comunicação é a essência do cuidado que sustenta a fé e a esperança nos momentos de dificuldade. É um processo complexo, subjetivo e que abarca a percepção, a compreensão e a transmissão de mensagens entre pacientes e profissionais de saúde, de modo verbal e não verbal.8 Na terminalidade, a comunicação adequada com o paciente e com a família propicia ajuste psicológico à situação de doença e de morte, compreensão de informações complexas e redução da ansiedade.9 Este estudo teve como objetivos apreender a percepção dos profissionais de enfermagem sobre cuidados paliativos e descrever a importância atribuída pelos mesmos à comunicação interpessoal, no contexto da terminalidade.

 

METODOLOGIA

Para realização deste estudo, optou-se por pesquisa descritiva e com abordagem qualitativa, definida como aquela que se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado e que trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes.10 Para atingir os objetivos propostos, este estudo foi fundamentado na teoria das Representações Sociais, que designa um conjunto de fenômenos e o conceito que a engloba. Esta teoria engloba um fenômeno, sobretudo urbano, em que o homem manifesta sua capacidade inventiva para apropriar-se do mundo, por meio de conceitos, afirmações e explicações, originados no cotidiano, por meio de interações sociais, a respeito de qualquer objeto social ou natural.11

Os dados foram coletados no período de junho a agosto de 2012, em uma UTI Adulto de hospital público, do interior do estado de São Paulo, com 24 leitos, destinados ao atendimento de pacientes de diversas especialidades, provenientes de Botucatu e da área de abrangência do Departamento Regional de Saúde Bauru - São Paulo (DRS-6). Foi adotada a amostra intencional, com critérios qualitativos de coleta e processamento de dados; no momento em que se constatou a invariância do fenômeno estudado, o tamanho amostral foi delimitado em 18 participantes, sendo nove enfermeiros e o mesmo número de técnicos.

Utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturado, constituído por duas partes, sendo a primeira para caracterização dos participantes e a segunda, composta por quatro questões acerca de cuidados paliativos e comunicação, a saber: na sua percepção, o que significa cuidar de um paciente em cuidado paliativo?; conta para mim, o que contribui para facilitar a assistência prestada a estes pacientes?; na sua percepção, quais são as dificuldades enfrentadas para cuidar de um paciente em cuidados paliativos na UTI?; qual é o grau de importância que você atribui à comunicação em cuidados paliativos? Após as entrevistas, as falas foram transcritas e iniciou-se a organização dos discursos obtidos, utilizando-se os passos metodológicos da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC),12 que é uma técnica de tabulação e organização de dados qualitativos. Os passos desta técnica consistem em selecionar as expressões-chave de cada resposta individual para uma questão, que são os trechos mais significativos e que correspondem às ideias centrais, síntese do conteúdo discursivo. Com o material das expressões-chave das ideias centrais são construídos os discursos síntese na primeira pessoa do singular; o pensamento de um grupo ou coletividade aparece como se fosse um discurso individual.12

Os dados foram obtidos após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (Protocolo nº184/2012) e mediante assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido pelos participantes, com informações da referida pesquisa.

 

RESULTADOS

Com relação às características sociodemográficas, a maioria dos participantes eram jovens, idade média de 30 anos, a maioria do sexo feminino (88.9%), católicos (66.7%) e com tempo maior ou igual a quatro anos de atuação em unidade de terapia intensiva (33.3%). Para 11 (61.1%) entrevistados, o primeiro contato com pacientes em cuidados paliativos ocorreu durante a graduação em enfermagem ou curso técnico; apenas sete (38.9%) afirmaram ter recebido informação sobre a temática, no período acima referido. A partir da análise da transcrição das entrevistas, foram identificadas as expressões-chave e as ideias centrais e construídos os discursos dos quatro temas, que emergiram das questões norteadoras.

Tema 1. Significados atribuídos pelos profissionais ao processo de cuidar de pacientes no contexto da assistência paliativa

Ideias centrais. Não há diferenciação no cuidado; sentimentos de tristeza e impotência; dificuldade em lidar com a morte; possibilidade de cuidado humanizado; preocupação em controlar a dor; morte digna; acolhimento da família; empatia.

Discurso do sujeito coletivo. Nunca parei para pensar nisso. Na verdade é uma situação muito triste e que mexe com os sentimentos pessoais. Mas não tem distinção, porque eu vou cuidar dele como se fosse um paciente normal. Os pacientes em cuidados paliativos na UTI são aqueles em estado grave e à beira da morte. Então, é difícil lidar com a morte porque a gente quer ver o paciente saindo bem, e não morto. Além disso, espera-se que o paciente que está morrendo tenha uma morte digna e receba cuidados mínimos. Mas, os profissionais em geral se afastam, não querem ter contato, porque é justamente nesse momento que as pessoas se percebem como igual. Penso que o afastamento por parte do profissional para com o doente terminal elimina as possibilidades das últimas realizações pessoais. Quando penso em cuidado paliativo, também penso na dor e na possibilidade de aliviá-la. Aí, eu me sinto bem e útil em saber que estou proporcionando para ele, nos últimos minutos de vida, tratamento mais humanizado. Eu sei que alguma diferença eu fiz pra esse paciente. Por outro lado, quando a gente conversa com o familiar e se coloca na condição e na situação do paciente acontece a empatia de verdade ... (DSC 1).

Tema 2. Facilidades identificadas frente à assistência paliativa

Ideias centrais. Não há percepção de facilidades ou são equivocadas; Tempo para se dedicar ao paciente e se preparar para a morte; Ter recursos que minimizam o sofrimento; Possibilidade de estabelecer vínculos.

Discurso do sujeito coletivo. Para mim, não há nenhuma facilidade quando se trata de um paciente em fase terminal. Mas, pensando no cuidado em UTI, é um paciente fácil de cuidar porque não se investe, e com isso diminui o tempo de cuidado. Quando o paciente está intubado, sedado, em uso de poucas medicações é mais fácil porque, de certa forma, você não tem que contactuar com ele. E a unidade te dá recursos para o paciente sofrer menos e isso alivia seu sofrimento. Na minha percepção, temos mais tempo para confortar o paciente, dar atenção, escutar mais e compreender melhor o que está ao seu redor. E isto propicia meios que facilitarão para que seja estabelecido vínculo com o paciente. E, aí, também você se prepara para o momento da morte porque você já sabe que aquele paciente não tem prognóstico, e vai a óbito a qualquer momento. Você tem que tentar proporcionar melhor qualidade de vida e dar os cuidados necessários da melhor maneira possível... (DSC 2).

Tema 3. Dificuldades enfrentadas pelos profissionais no processo de cuidar

Ideias centrais. Dificuldade em lidar com a morte, Desgaste emocional da equipe; Sentimentos negativos e conflitantes; Falta de humanização de alguns profissionais; Falta de capacitação em cuidados paliativos.

Discurso do sujeito coletivo. A maior dificuldade na assistência ao paciente em cuidados paliativos é a falta de preparo do profissional. É justamente saber que o cuidado não vai dar o retorno esperado, o profissional de saúde é formado para ter um retorno, a vida, a cura, e a melhora. É difícil conviver com o fato de que seu cuidado se resume em cuidar do paciente para que ele tenha uma morte digna e saber que o paciente não sairá da UTI. A gente fala que não, mas sempre causa frustração, estresse emocional, é difícil de enfrentar, dói e isso afeta a gente e o nosso psicológico fica muito abalado. A gente não consegue muitas vezes enxergar que pode causar um bem-estar espiritual e psicológico. Também ha dificuldades em relação à própria equipe, porque às vezes você vê que o paciente não tem prognóstico e que o técnico deixa de executar alguns cuidados necessários e importantes para o conforto do paciente. Tem funcionário que tem amor, tem funcionário que não tem, então fica difícil. A não aceitação da família, muitas vezes também acaba dificultando o tratamento ou a partida do paciente. Porque a família não aceita, acho que ninguém aceita perder um ente querido. Eles querem que eu faça o impossível, mas a gente sabe que não tem mais o que ser feito, e aí têm sentimentos de revolta e negação... (DSC 3).

Tema 4. Importância atribuída à comunicação em cuidados paliativos

Ideias centrais: Despreparo dos profissionais; Comunicação restrita ao familiar; Transmite conforto e bem-estar; Permite amenizar os conflitos; Facilita interação com a família; Propicia o estabelecimento de vínculos.

Discurso do sujeito coletivo. Eu acho importantíssimo, mas a gente ainda não está num nível adequado de comunicação e nem perto disso. Na verdade, a comunicação acaba sendo com a família, porque com o paciente a gente não tem essa comunicação. Mas penso que é muito importante conversar com esse paciente, mesmo sedado. E, quando não está sedado, também vale a pena e faz uma diferença grande, a comunicação o deixa calmo. É a comunicação que transmite uma sensação de conforto, favorecendo o bem-estar do paciente através de gestos e atos. Se você não tiver comunicação, você não demonstra confiança. A comunicação terapêutica ajuda o paciente a resolver conflitos internos e familiares. Pode trazer a ele paz para aguardar a morte. O paciente terminal precisa ser ouvido e compreendido para que se sinta seguro de que naquele momento está sendo assistido com qualidade pela equipe... (DSC 4).

 

DISCUSSÃO

Em nosso país, cuidados paliativos constituem modalidade emergente de assistência no fim da vida, com ênfase nos últimos anos, em virtude do aumento da expectativa de vida da população, mudança no perfil epidemiológico das doenças crônico evolutivas e necessidade de se proporcionar morte digna a pacientes, cuja doença não responde mais ao tratamento curativo.5 Estes fatores têm compelido os profissionais de saúde a repensar a forma de cuidar de pacientes sem possibilidades de cura, pois as dificuldades são inúmeras no domicílio e acabam contribuindo para institucionalização da morte. No Brasil, estima-se atualmente que 70% dos óbitos ocorram em hospitais, especificamente nas unidades de terapia intensiva.13

 Nesta pesquisa, pôde-se apreender que a maioria dos participantes apresentou dificuldades em cuidar de pacientes sem possibilidades de cura, enquanto outros se mostraram incapazes de diferenciar o cuidado paliativo, do prestado a outros pacientes. Dados convergentes foram encontrados em estudo realizado com profissionais de equipe de enfermagem oncológica, que também consideraram os cuidados prestados no contexto da terminalidade rotineiros, resumidos a cuidados físicos e à observação.14 O cuidado paliativo diferencia-se do curativo porque reafirma a vida e a morte é entendida como uma realidade. Nesta mudança de paradigma, os cuidados paliativos transcendem o modelo assistencial tradicional, pois são pautados em abordagem holística, interdisciplinar e humanizada do atendimento.4,15

Portanto, dependem de profissionais, familiares e cuidadores capacitados para lidar com o paciente durante este processo e nos seus últimos dias de vida. Pensar na morte remete à reflexão quanto ao seu poder, pois rompe vínculos, interrompe sonhos, e também impõem a obrigatoriedade de repensarmos a vida, valores e afetos. A tendência da maioria das pessoas é vivenciar o lado bom da vida, fazendo planos, projetos, sem pensar na morte, que é a parte inalienável, desta mesma vida.16

Apesar de ser cotidiana na prática dos profissionais de enfermagem, que atuam em UTIs, o enfrentamento da morte ainda é difícil e permeado de frustração, sofrimento, desgate emocional e impotência, como apontam os resultados desta pesquisa. Dados semelhantes foram encontrados em estudo realizado com profissionais de enfermagem de hospital universitário da região sul do Brasil, em que a possibilidade de ocorrência de morte também foi percebida de forma negativa, com muita tristeza, dor e sofrimento.17 Como estes profissionais acreditam que sua função é apenas salvar vidas tendem a rejeitar a morte hospitalizada e expressam diferentes reações ao assistir o paciente durante o processo de morrer. Além disso, tendem a criar, muitas vezes, mecanismos de defesa para enfrentar esta situação e preferem se afastar dos pacientes e familiares, assim como relegar os cuidados de enfermagem, como evidenciado no DSC.

Estudo que buscou refletir sobre o cuidar em situação de morte evidenciou que o modo como os profissionais de saúde cuidam do paciente nesta fase pode ser entendida como uma resposta às suas angústias pessoais de convívio com a morte.18 É fato que questões relacionadas à morte e ao morrer são insuficientemente trabalhadas no processo de formação dos profissionais de saúde e o educar para cuidar de pessoas em processo de morte requer reflexão do existir humano, do pensar e aceitar a própria finitude.19 Apesar da mudança de abordagem da morte em muitos cursos de graduação e técnicos da área da saúde, até mesmo com inclusão de disciplinas específicas sobre a temática, o conteúdo não integra a bagagem de conhecimentos necessárias para o cuidado a pacientes que se encontram em situação de final de vida.20 Estudo recente realizado com 33 graduandos de enfermagem de universidade pública do interior de São Paulo mostrou que a percepção dos mesmos atribuída à experiência de cuidar de pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura retrata a formação profissional ainda focada no modelo biomédico e curativo de assistência. A análise dos depoimentos evidenciou que os participantes não estão preparados para lidar e vivenciar o processo de morte em UTI.21 Realidade também constatada em pesquisa inglesa realizada com 20 graduandos de enfermagem, que consideram a experiência de cuidar de pacientes com câncer angustiante e desgastante além de preferirem evitar o contato com os mesmos. Para os autores, há necessidade de se oferecer suporte adicional aos graduandos para desmistificar o câncer, por meio de práticas reflexivas e adequada orientação, para que os mesmos se sintam apoiados e desenvolvam confiança em sua capacidade de atender estes pacientes.22

 Com relação à comunicação, há o reconhecimento de sua importância no contexto da terminalidade pelos participantes, até mesmo como um recurso terapêutico efetivo, embora admitam o despreparo profissional, como apontam os resultados deste estudo. Pesquisadores que avaliaram a efetividade de um programa de treinamento em habilidades de comunicação para enfermeiros, por meio de um estudo randomizado, demonstraram o impacto positivo desta intervenção na qualidade de vida dos paciente e na satisfação com o atendimento dos profissionais de saúde.23

Embora no contexto da terminalidade a capacidade de comunicação dos pacientes nem sempre esteja preservada, observa-se que os mesmos demonstram suas necessidades de diferentes maneiras, exigindo do profissional habilidade e sensibilidade para identificá-las. Ressalta-se que, no presente estudo, em nenhum momento o toque terapêutico foi abordado pelos participantes da pesquisa, embora seja considerada uma das técnicas mais importantes de comunicação não verbal.

Apesar de sua importância no âmbito da terminalidade, a comunicação tem sido abordada de maneira reducionista pela maioria dos estudos, limitando-se a informações sobre diagnostico, prognóstico e comunicação de más noticias aos familiares, muitas vezes incompletas ou resumidas.24 Isto reafirma a premissa de que as habilidades de comunicação não são adquiridas pelos profissionais com o tempo de experiência profissional, mas com adequada capacitação e treinamento em serviço. Estudo que abordou a capacitação em habilidades de comunicação, envolvendo enfermeiros oncologistas e paliativistas, revelou o impacto positivo deste aprimoramento na dimensão emocional no cuidado prestado a pacientes, que se encontram em situação de final de vida.25

 Os resultados do estudo indicam que o processo de cuidar de pacientes no contexto de cuidados paliativos é multifacetado, permeado de contradições, sentimentos negativos, assistência pouco humanizada e despreparo da equipe para lidar com o processo da terminalidade. Embora a morte faça parte do cotidiano quase diário dos entrevistados, ainda se constitui num evento singular e complexo, que influencia no processo de cuidar. Atualmente, o que se vivencia é uma necessidade emergente de mudança de paradigma no enfrentamento da morte, que deve começar nos cursos de graduação e técnicos da área da saúde, com abordagem ampla, diversificada e interdisciplinar.

Com relação à comunicação, há o reconhecimento de sua importância, até mesmo como recurso terapêutico efetivo, embora admitam o despreparo profissional. Dado reforça a necessidade de capacitação dos profissionais de saúde, com o intuito de assegurar a melhoria da qualidade da assistência prestada em UTIs. Cuidar durante o processo de morte requer da equipe de enfermagem conhecimentos inerentes à assistência nessa fase, habilidades para se comunicar e trabalhar em equipe, além de saberes para integrar ao cuidado aspectos biopsicossociais e espirituais, pautados em ética e humanização.4

 

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